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Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 1 Gases não ideais Físico-química I; notas de aula – Prof. Ourides 1 Introdução Gases que existem na natureza exibem comportamento diferente daquele previsto pela equação de estado de um gás ideal. Em particular, se medirmos os volumes dos gases reais, eles diferem dos valores previstos pela equação vista na aula anterior. Para medir essa variação, comecemos estabelecendo a razão entre o volume de um gás real e o volume de um gás ideal. Essa razão se chama fator de compressibilidade do gás. Vejamos o que podemos aprender desse fator. 2 O fator de compressibilidade (Z) de um gás Vamos definir inicialmente o volume molar de um gás como o volume ocupado por um mol de gás à uma dada temperatura e pressão, tal que 𝑉" = $% (1) A partir da equação acima, podemos escrever a equação dos gases ideais como 𝑝 $% = 𝑅𝑇 → 𝑝𝑉"(+,) = 𝑅𝑇 → 𝑉"(+,) = ./0 (2) Na qual Vm(id) indica o volume molar de um gás ideal. Definimos agora o fator de compressibilidade de um gás como a razão entre os volumes molares de um gás real e de um gás ideal, 𝑍 = $3$3(45) (3) Se um gás tiver comportamento ideal, então os dois volumes na razão acima são iguais, tal que Z=1 (gases ideais). Substituindo a equação (2) na eq. (3), 𝑍 = 0$3./ (4) Vejamos agora como se comporta o fator de compressibilidade de alguns gases. A figura abaixo mostra como varia esse fator para diversos gases, a temperatura de 0 °C, em diferentes pressões. Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 2 Figura 1: variação do fator de compressibilidade de alguns gases e diferentes pressões, a 0 °C, incluindo o fator para um gás perfeito. Note a janela ampliada para pressões menores. A figura 2 mostra o comportamento do fator de compressibilidade para o mesmo gás (nitrogênio) em diferentes temperaturas. Figura 2: variação do fator de compressibilidade do nitrogênio em diferentes temperaturas. Os modelos teóricos que explicam os comportamentos acima estabelecem equações para os fatores de compressibilidade. Essas equações parecem, de início, ser bem complicadas, mas elas admitem simplificações bastante úteis. Vejamos como são essas equações que, na essência, são equações de estado. Essas equações são chamadas de equações viriais. O termo virial vem do grego e significa força. Elas exprimem, então, um modelo de gás cujo comportamento foge da idealidade graças às forças exercidas entre suas partículas. Veremos isso com detalhes mais à frente. Uma equação virial é simplesmente uma série de potências, isto é, uma soma de diversos fatores em que uma das variáveis (p ou Vm) está submetida a potências crescentes. Em termos de volume, a compressibilidade de um gás qualquer pode ser expressa pela seguinte equação virial, 𝑍 = 0$3./ = 1 + 8$3 + 9$3: + ;$3< + ⋯ (5) Na equação acima, B é conhecido como segundo coeficiente virial, C é o terceiro coeficiente virial, D é o quarto coeficiente virial e assim por diante. O primeiro coeficiente virial é A=1. Uma vez que os expoentes dos denominadores aumentam sucessivamente, os coeficientes sucessivos vão contribuindo cada vez menos para a compressibilidade do gás, de tal modo que o que vai nos importar aqui é apenas o termo que tem o segundo coeficiente virial (B). Desprezaremos então os termos maiores. A tabela abaixo contém os valores de B para alguns gases a T=300 K. Tabela I: segundo coeficiente virial para vários gases, a T=300K. Gás B (cm3/mol) Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 3 H2O -1126 Argônio -16 Cl2 -299 Hidrogênio 15 Nitrogênio -4 Oxigênio -16 Metano -43 As equações de estado viriais podem ser expressas em termos das leis dos gases. Podemos, por exemplo, acrescentar fatores viriais na equação (2), escrevendo-a como, 𝑝𝑉" = 𝑅𝑇 + 𝐵?𝑝 + 𝐶?𝑝A + 𝐷?𝑝C + ⋯ (6) Os coeficientes acima não são os mesmos da equação (5), contudo, podemos exprimir a equação (6) em termos de fator de compressibilidade, bastando para tanto dividi-la por RT, 𝑍 = 0$3./ = 1 + 8D0./ + 9D0:./ + ;D0<./ + ⋯ (7) Os coeficientes viriais variam com a temperatura. A tabela II mostra valores do segundo coeficiente virial (B) para o hélio. Tabela II: segundo coeficiente virial do hélio para diferentes temperaturas. T/K 20 50 100 150 200 300 400 500 B (cm3/mol) -3,34 7,4 11,7 12,2 12,3 12,0 11,5 10,7 Os valores sugerem que há uma temperatura em que o segundo coeficiente virial vale zero. Essa temperatura é chamada de temperatura de Boyle (TB) de um gás. Nessa temperatura a compressibilidade do gás vale 𝑍 = 1 + E$3 +⋯ (8) Desprezando os termos superiores, Z=1 e o gás se comporta como ideal. A tabela III contém a temperatura de Boyle para diversos gases. Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 4 Tabela III: temperatura de Boyle para diversos gases. Gás He H2 N2 Ar CH4 CO2 C2H4 NH3 TB/K 23,8 116,4 332 410 506 600 624 995 A vantagem de se ter um gás real se comportando como gás ideal em dada temperatura é a de se poder estudar esse gás como se fosse real. 3 Os gases reais e a equação de van der Waals Voltemos um pouco aos gases ideais. Como eles se distinguem dos gases reais? Pensemos primeiro em um gás ideal. Um bom modelo para esse gás prevê que: i) ele é composto de partículas rígidas, sem estrutura interna e com volume infinitamente pequeno, de tal modo que ocupam volume zero; ii) as partículas do gás se movimentam em linha reta em todas as direções e executam colisões elásticas entre si e contra as paredes do recipiente que as contém; iii) não há qualquer tipo de interação entre essas partículas. Por outro lado, um gás real deve ter, provavelmente, as seguintes características: i) suas partículas (átomos ou moléculas) apresentam volume finito e ii) devem haver interações entre elas. Como podemos modificar a equação dos gases ideais para representar os gases reais? Antes de mais nada, vamos ver as isotermas de um gás real, obtidas experimentalmente. Figura 3: isotermas do dióxido de carbono obtidas experimentalmente. Consideremos inicialmente que temos uma amostra de gás carbônico a 20 °C (ponto A). Ao reduzirmos o volume do gás de modo isotérmico, sua pressão interna sobe até, por exemplo, o ponto B. Se continuarmos a reduzir seu volume, a pressão sobe até um certo ponto C. Nesse ponto, a pressão é de 60 atmosferas. A partir de então, a redução de volume não conduz mais a um aumento de pressão, e constatamos que surge uma gota de líquido no interior do recipiente que contém o gás. Se passarmos para o ponto D constatamos que não há mudança de pressão, mas aumenta a quantidade de líquido presente no sistema, com diminuição da quantidade de gás. Quando se atinge o ponto E, todo o gás desapareceu e temos apenas a fase líquida. Novas reduções de volume tendem a aumentar rapidamente a pressão do líquido, conforme o percurso E-F. Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 5 Observe que, se trabalharmos à temperatura menor, por exemplo, t=0 °C, a faixa de liquefação (linha tracejada) se torna maior. Essa linha de liquefação vai se tornando cada vez menor conforme trabalhamos a temperaturas cada vez maiores. A região sombreada no gráfico acima corresponde, então, a um conjunto de pontos pV em que coexistem duas fases, líquido e gás. Se trabalharmos a t=31,04 °C, a região de coexistência se torna um ponto. Esse ponto é dito ponto crítico e essa temperatura é dita temperatura crítica (do dióxido de carbono). Acima dela não há formação de líquido qualquer que sejam os valores de temperatura e pressão, isto é, o gás carbônico não pode ser liquefeito reduzindo-se seu volume. Em t=50 °C temos o gáscarbônico se comportando como um gás ideal, o que pode ser constatado pela forma de sua isoterma. Como dar conta dessas diferenças com relação a um gás real? Em primeiro lugar, podemos corrigir um efeito de volume. A equação dos gases ideais prevê que a T=0 K o volume molar de um gás caia para zero (pois Vm=RT/p). Ora, sob resfriamento, um gás se liquefaz e pode, com mais resfriamento, chegar à fase sólida. Esse sólido ocupa certo volume. Temos que considerar então que, no zero absoluto, há um volume residual positivo, constituído pelo sólido. Adicionamos, então, um valor positivo ao volume molar, 𝑉" = ./0 + 𝑏 (9) Como, por definição, Z=pVm/RT, multiplicando a equação acima por p/RT, determinamos o fator de compressibilidade corrigido, 𝑍 = 1 + G./ 𝑝 (10) Voltando aos gráficos de fator Z em função da pressão, a equação acima corresponde à uma reta de coeficiente angular positivo, logo, ela explica o comportamento do fator de compressibilidade do hidrogênio, em especial em baixa pressão (ver a fig. 2). Como explicar o comportamento dos outros gases que, em pressão baixa têm coeficiente angular negativo? Vamos primeiro reescrever a equação (9) como, 𝑝 = ./$3HG (11) Um líquido é mantido coeso por forças de atração. Ao vaporizá-lo, as forças de coesão não desaparecem. Isso significa que, na fase de vapor as moléculas ainda exibem tendência à coesão. Tal tendência reduz a pressão do gás real, se comparada à pressão deste gás se ele fosse ideal. Introduzimos então um fator que reduz o valor da pressão acima, Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 6 𝑝 = ./$3HG − J$3: (12) A equação acima é conhecida como equação de van der Waals, cientista holandês que foi o primeiro a reconhecer o papel do volume e das forças de coesão interpartículas que influenciam o comportamento de um gás. Outra forma de escrever a equação de van der Waals é 𝑝 − J$3: 𝑉" − 𝑏 = 𝑅𝑇 (13) Compare a equação acima com a equação dos gases ideais, 𝑝𝑉" = 𝑅𝑇, e identifique as diferenças nos termos correlatos. Podemos agora explicar o comportamento dos gases em que o fator Z é negativo considerando que há, na região de baixas pressões, maior influência das forças de coesão sobre forças de repulsão moleculares, o que aponta para uma contração do volume gasoso e redução de sua pressão. Essa hipótese se justifica, pois, os gases que têm essa característica (ver fig. 2) se liquefazem muito facilmente. Por outro lado, o crescente aumento de pressão faz com que comecem a predominar as forças de repulsão, o que sugere a expansão do volume gasoso e, consequentemente, aumento no seu volume molar. As constantes a e b na equação (12) são ditas constantes de van der Waals e dependem da natureza de cada gás. Vemos agora que, na equação de van der Waals há fatores associados à estrutura atômica e molecular do gás, algo que não há nas equações dos gases ideais, pois estes são considerados como não tendo estrutura interna. A tabela IV mostra os valores desses coeficientes para alguns gases. Tabela IV: coeficientes a e b de van der Waals para alguns gases. Gás a (atm.L2/mol2) b (L/mol) H2O 5,464 0,03049 NH3 4,170 0,03707 Kr 2,318 0,03978 CO2 3,592 0,04267 C2H4 5,489 0,0638 He 0,03508 0,0237 H2 0,244 0,0266 O2 1,36 0,03183 Hg 8,093 0,01696 Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 7 Vamos agora examinar em que medida a equação (12) reproduz os resultados experimentais expressos na figura 3. A figura 4 contém as isotermas previstas pela equação de van der Waals. A figura da esquerda representa a superfície de estados possíveis do gás considerando as variáveis p, V e T, enquanto que a da direita é um corte da esquerda, no plano pV. Essa última deve ser comparada com a figura 3 dada anteriormente, que representam isotermas reais, obtidas experimentalmente. Figura 4: esq: superfície pVT de uma isoterma de van der Waals; dir: corte no plano pV. A figura 4 da direita representa isotermas normalizadas para a temperatura crítica, isto é, são dadas na escala T/Tc. esse modo, a curva marcada com 1 é aquela que apresenta inflexão. A comparação entre as duas isotermas mostra que o modelo de van der Waals também não representa perfeitamente um gás real. Nas regiões em que há condensação de líquido, as isotermas reais mostram retas, enquanto que as do modelo exibem oscilações, conhecidas como ondulações de van der Waals. As curvas do modelo são tornadas mais realistas traçando-se retas entre as ondulações tal que as áreas superior e inferior destas tenham a mesma área (ver ao lado). 3.1 Análise qualitativa da equação de van der Waals Podemos generalizar as características da equação de van der Waals como segue: 𝑝 − J$3: 𝑉" − 𝑏 = 𝑅𝑇 (14) i) Para volumes molares elevados e altas temperaturas, a equação reproduz bem os resultados experimentais. ii) A faixa de coexistência entre líquido e gás ocorre quando os efeitos de coesão e dispersão estão equilibrados. Gases não-ideais; notas de aula; Prof. Ourides Santin Filho Página 8 iii) A amplitude dos pontos máximos e mínimos das oscilações diminuem e eles convergem com TàTc e coincidem quanto T=Tc. iv) O ponto de inflexão pode ser calculado quando a primeira e segunda derivadas são nulas. Nessa condição temos, 𝑉K = 3𝑏; 𝑝K = JANG: 𝑒 𝑇K = PJAN.G (15) Os valores com índices c acima se referem ao volume crítico, pressão crítica e temperatura crítica. A partir destes dados podemos calcular o fator de compressibilidade no ponto crítico, Zc, 𝑍K = 0Q$Q./Q = 3/8 (16) A tabela V contém valores das coordenadas críticas para alguns gases. Tabela V: valores críticos para alguns gases. Gás pc/atm Vc/cm3/mol Tc/K Zc TB/K Ar 48,0 75,3 150,7 0,292 411,5 CO2 72,9 94 304,2 0,274 714,8 He 2,26 57,8 5,2 0,305 22,64 O2 50,14 78,0 154,8 0,208 405,9
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