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Mateus (Barclay)

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MATEUS 
 ÍNDICE 
 
MATTHEW 
 
WILLIAM BARCLAY 
Título original em inglês: 
The Gospel of Matthew 
 
Tradução: Carlos Biagini 
 
 
 
O NOVO TESTAMENTO Comentado por William Barclay 
 
 … Introduz e interpreta a totalidade dos livros do NOVO 
 TESTAMENTO. Desde Mateus até o Apocalipse William Barclay 
 explica, relaciona, dá exemplos, ilustra e aplica cada passagem, sendo 
 empre fiel e claro, singelo e profundo. Temos nesta série, por fim, um 
 instrumento ideal para todos aqueles que desejem conhecer melhor as 
 Escrituras. O respeito do autor para a Revelação Bíblica, sua sólida 
 fundamentação, na doutrina tradicional e sempre nova da igreja, sua 
 incrível capacidade para aplicar ao dia de hoje a mensagem, fazem que 
 esta coleção ofereça a todos como uma magnífica promessa. 
 
 PARA QUE CONHEÇAMOS MELHOR A CRISTO, 
 O AMEMOS COM AMOR MAIS VERDADEIRO 
 E O SIGAMOS COM MAIOR EMPENHO 
 
Mateus (William Barclay) 2 
ÍNDICE 
 
 Prefácio
 Introdução Geral
 Introdução a Mateus
 Capítulo 1 Capítulo 8 Capítulo 15 Capítulo 22 
 Capítulo 2 Capítulo 9 Capítulo 16 Capítulo 23 
 Capítulo 3 Capítulo 10 Capítulo 17 Capítulo 24 
 Capítulo 4 Capítulo 11 Capítulo 18 Capítulo 25 
 Capítulo 5 Capítulo 12 Capítulo 19 Capítulo 26 
 Capítulo 6 Capítulo 13 Capítulo 20 Capítulo 27 
 Capítulo 7 Capítulo 14 Capítulo 21 Capítulo 28
 
PREFÁCIO 
 
Uma vez mais devo começar este prefácio expressando minha mais 
calorosa gratidão à Comissão de Publicações da Igreja de Escócia, que 
me permite acrescentar outro volume a esta série de comentários 
bíblicos. Uma vez mais queria agradecer muito especialmente ao Rev. R. 
G. Macdonald, presidente dessa comissão, e ao Rev. Andrew McCosh, 
secretário e administrador, pela permanente bondade e o constante 
estímulo que me ofereceram. Estou muito seguro de que sem sua ajuda e 
fôlego não tivesse podido seguir produzindo estes volumes da maneira 
em que o tenho feito. 
Queria dizer certas coisas à maneira de explicação sobre este 
volume de Mateus. Se pudesse supor que todos os que o lerão conhecem 
já os volumes sobre Marcos e Lucas, certas coisas teriam podido omitir-
se, mas cada um dos livros que integram esta série deve poder ler-se 
independentemente de todos outros, e isto significou que me foi 
necessário repetir aqui algumas das coisas que já se foi dita nos outros 
dois volumes sobre os evangelhos sinóticos. Mais ainda, pode parecer 
que aqui uso muito espaço para cobrir uma seção muito breve do 
Mateus (William Barclay) 3 
evangelho. Mas deve recordar-se que neste livro estudamos o Sermão da 
Montanha, e o Sermão da Montanha está tão no centro mesmo da fé e a 
vida cristãs, que em quase todas as suas partes devi comentá-lo oração 
por oração, e até palavra por palavra. Estou convencido de que nesta 
seção de Mateus o estudo detalhado recompensará amplamente a quem 
esteja preparados para fazê-lo. 
É estranho que Mateus não tenha tido sorte com seus comentadores. 
O comentário de A. B. Bruce, no Expositor's Greek Testament, ainda 
arroja luz sobre o texto. O de W. C. Allen, no International Critical 
Commentary, é mais para o erudito que para o leitor em geral. Entre 
todos os comentários sobre o texto grego, o de A. H. McNeille, na série 
de Macmillan é sem lugar a dúvidas o melhor de todos. O Exegetical 
Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, de Alfred 
Plummer, é um trabalho sólido e que oferece grande ajuda. O comentário 
de T. H. Robinson, no Moffat Commentary, é sugestivo, mas de certo 
modo superficial. O que presta maior serviço, embora por momentos 
parece perturbador, é o de C. G. Montefiore, em sua obra Synoptic 
Gospels. C. G. Montefiore era um judeu liberal, e portanto sua exegese 
inevitavelmente será interessante de um modo particular. 
O evangelho segundo São Mateus tem duas grandes características. 
É preeminentemente o evangelho do Mestre, porque em nenhum outro 
evangelho encontramos uma compilação tão sistemática dos ensinos de 
Jesus. E é preeminentemente o evangelho que foi escrito para nos 
mostrar a Jesus como o homem que nasceu para ser Rei. Minha oração é 
que este livro possa contribuir de algum modo para que compreendamos 
melhor os ensinos de Jesus, e para que O entronizemos de maneira mais 
plena como Rei e Soberano em nossas vidas. 
 William Barclay. 
Trinity College, 
Glasgow, setembro de 1956. 
 
 
Mateus (William Barclay) 4 
INTRODUÇÃO GERAL 
 
Pode dizer-se sem faltar à verdade literal, que esta série de 
Comentários bíblicos começou quase acidentalmente. Uma série de 
estudos bíblicos que estava usando a Igreja de Escócia (Presbiteriana) 
esgotou-se, e se necessitava outra para substituí-la, de maneira imediata. 
Foi-me pedido que escrevesse um volume sobre Atos e, naquele 
momento, minha intenção não era comentar o resto do Novo 
Testamento. Mas os volumes foram sucedendo, até que a tarefa original 
se converteu na idéia de completar o Comentário de todo o Novo 
Testamento. 
É-me impossível deixar suceder outra edição destes livros sem 
expressar minha mais profunda e sincera gratidão à Comissão de 
Publicações da Igreja da Escócia por me haver outorgado o privilégio de 
começar esta série até completá-la. E em particular desejo expressar 
minha enorme dívida de gratidão ao presidente da comissão, o Rev. R. 
G. Macdonald, O.B.E., M.A., D.D., e ao secretário e administrador desse 
órgão editor, o Rev. Andrew McCosh, M.A., S.T.M., por seu constante 
estímulo e suas sempre presentes simpatia e ajuda. 
Quando já se publicaram vários destes volumes, nos ocorreu a idéia 
de completar a série. O propósito é fazer com que os resultados do 
estudo erudito das Escrituras possam estar ao alcance do leitor não 
especializado, em uma forma tal que não se requeiram estudos teológicos 
para compreendê-los; e também se deseja fazer com que os ensinos dos 
livros do Novo Testamento sejam pertinentes à vida e o trabalho do 
homem contemporâneo. O propósito de toda esta série poderia resumir-
se nas palavras da famosa oração de Richard Chichester: Procuram fazer 
com que Jesus Cristo seja conhecido de maneira mais clara por todos os 
homens e mulheres, que seja amado com mais dedicação e que seja 
seguido mais de perto. Minha própria oração é que de alguma maneira 
meu trabalho possa contribuir para que tudo isto seja possível. 
 
Mateus (William Barclay) 5 
INTRODUÇÃO A MATEUS 
 
Os evangelhos sinóticos 
 
Os primeiros três evangelhos, Mateus, Marcos e Lucas, são 
conhecidos geralmente como os evangelhos sinóticos. A palavra sinótico 
provém de duas palavras gregas que significam ver conjuntamente. 
Sinótico significa literalmente "que se pode ver ao mesmo tempo". A 
razão deste nome é a seguinte. Estes três evangelhos oferecem o relato 
dos mesmos acontecimentos da vida de Jesus. Em cada um deles há 
episódios adicionados, ou outros que se omitem; mas em geral o material 
é o mesmo, assim como é o seu próprio ordenamento. Portanto é 
possível colocá-los em três colunas paralelas e lê-los simultaneamente, 
comparando-os entre se ao fazê-lo. Quando se faz isto, fica bem evidente 
que estes três evangelhos estão intimamente relacionados. Por exemplo, 
se compararmos o episódio da alimentação dos cinco mil nos três 
evangelhos (Mateus 14:12-21, Marcos 6:30-44, Lucas 9:10-17) 
encontramos a mesma história, narrada quase exatamente com as 
mesmas palavras. Um exemplo bem evidente desta relação é a história 
do paralítico (Mateus 9:1-8, Marcos 2:1-12, Lucas 5:17-26).Estes três 
relatos são tão semelhantes entre si, que até um pequeno "à parte" – "diz 
então ao paralítico" – aparece nos três, e sempre como uma expressão 
entre parêntese, exatamente no mesmo lugar. A correspondência entre os 
três evangelhos sinóticos é tão íntima que nos impõe extrair a conclusão 
de que, ou os três tomam seus materiais de uma fonte comum, ou dois 
deles copiam do terceiro. 
 
O primeiro evangelho 
 
Quando nos pomos a examinar mais de perto este assunto, 
começamos a nos dar conta de que abundam as razões para acreditar que 
Marcos deve ter sido o primeiro evangelho a ser escrito, e que os outros 
Mateus (William Barclay) 6 
dois sinóticos, Mateus e Lucas, usam Marcos como base. Marcos pode 
ser dividido em 105 seções. Destas, 93 aparecem em Mateus e 81 em 
Lucas. Há somente 4 seções de Marcos que não aparecem em Mateus ou 
Lucas. Marcos tem 661 versículos – Mateus tem 1068 e Lucas 1149. 
Mateus reproduz em seu texto nada menos que 806 dos versículos de 
Marcos; Lucas reproduz 320. Lucas reproduz 31 versículos dos 55 de 
Marcos que Mateus não usa; deste modo somente há 24 versículos de 
Marcos que não aparecem em Mateus ou Lucas. Não se trata só da 
reprodução da substância destes versículos, mas sim aparecem copiados 
palavra por palavra. Mateus usa 51% das palavras de Marcos: Lucas usa 
53%. 
Mas há mais ainda. Tanto Mateus como Lucas em geral seguem a 
ordem dos acontecimentos que encontramos em Marcos. Em alguns 
episódios Mateus ou Lucas diferem de Marcos quanto à ordem, mas em 
nenhum caso os dois situam um mesmo acontecimento de maneira 
diferente de Marcos; sempre, ao menos um deles, segue a Marcos. 
 
As modificações do texto de Marcos 
 
Visto que tanto Mateus como Lucas são muito mais longos que 
Marcos, poderia sugerir-se que Marcos possivelmente seja um resumo 
dos outros dois. Mas há outro conjunto de fatos que demonstram que 
Marcos é o primeiro. Tanto Mateus como Lucas manifestam a tendência 
em melhorar e polir o texto de Marcos, se podemos expressar-nos deste 
modo. Tomemos alguns exemplos desta tendência. Às vezes Marcos 
pareceria limitar o poder de Jesus; pelo menos, um crítico com má 
vontade poderia chegar a essa conclusão. Tomemos três passagens que 
são o relato de um mesmo episódio: 
Marcos 1:34: E ele curou muitos doentes de toda sorte de 
enfermidades; também expeliu muitos demônios. 
Mateus 8:16: Com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os 
que estavam doentes. 
Mateus (William Barclay) 7 
Lucas 4:40: E, [Jesus] impondo as mãos sobre cada um deles, os 
curava. 
Tomemos outros três exemplos similares: 
Marcos 3:10: Pois curava a muitos. 
Mateus 12:15: A todos ele curou. 
Lucas 6:19: E curava todos. 
Mateus e Lucas trocam o muitos de Marcos por todos, de tal 
maneira que não se pode sugerir que o poder de Jesus sofria de 
limitações. 
Há uma mudança muito similar no relato de tais acontecimentos da 
visita de Jesus a Nazaré. Comparemos os textos de Marcos e Mateus. 
Marcos 6:5-6: Não pôde fazer ali nenhum milagre... Admirou-se da 
incredulidade deles. 
Mateus 13:58: E não fez ali muitos milagres, por causa da 
incredulidade deles. 
Mateus não quer dizer que Jesus não pôde fazer milagres e muda a 
forma da expressão de maneira tal que não seja possível imputar 
limitações ao poder de Jesus. 
Às vezes Mateus e Lucas deixam de lado pequenos toques do 
Marcos que poderiam interpretar-se como defeitos de Jesus. 
Mateus e Lucas omitem três afirmações do Marcos: 
Marcos 3:5: Olhando-os ao redor, indignado e condoído com a 
dureza do seu coração... 
Marcos 3:21: E, quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram 
para o prender; porque diziam: Está fora de si. 
Marcos 10:14: Jesus, porém, vendo isto, indignou-se. 
Mateus e Lucas vacilam antes de atribuir a Jesus as emoções 
humanas de ira e tristeza, e se estremecem ao pensar que alguém pôde 
ter sugerido sequer que Jesus estava louco. 
Às vezes Mateus e Lucas alteram ligeiramente o texto de Marcos 
para eliminar afirmações que poderiam dar uma má impressão dos 
apóstolos. Podemos tomar um exemplo desta tendência no episódio em 
Mateus (William Barclay) 8 
que Tiago e João procuram assegurar-se de que ocuparão as primeiras 
posições no vindouro Reino de Deus. Comparemos as introduções a esta 
história em Marcos e em Mateus: 
Marcos 10.35: Então, se aproximaram dele Tiago e João, filhos de 
Zebedeu, dizendo-lhe: 
Mateus 20:20: Então, se chegou a ele a mulher de Zebedeu, com 
seus filhos, e, adorando-o, pediu-lhe um favor. 
Mateus vacila em atribuir uma motivação ambiciosa diretamente 
aos dois apóstolos, e a atribui à mãe deles. 
Tudo isto estabelece com clareza que Marcos é o primeiro dos 
evangelhos. Marcos oferece uma narração simples, vívida, direta: mas 
Mateus e Lucas já começaram a ser afetados por considerações de ordem 
doutrinal e teológica, que os fazem muito mais cuidadosos em sua 
maneira de expressar o que dizem. 
 
Os ensinos de Jesus 
 
Vimos que Mateus tem 1068 versículos e Lucas 1149 e que entre os 
dois reproduzem 582 dos versículos do Marcos. Isto significa que em 
Mateus e Lucas há muito mais material de que contém e pode oferecer 
Marcos. Quando examinamos estes versículos adicionais nos damos 
conta de que mais de 200 são quase idênticos. Por exemplo, são 
virtualmente iguais entre si passagens como Lucas 6:41-42 e Mateus 7:3-
5; Lucas 10:21-22 e Mateus 11:25-27; Lucas 3:7-9 e Mateus 3:7-10. Mas 
também notamos que há uma diferença. O material que Mateus e Lucas 
extraíram de Marcos se ocupa quase em sua totalidade de narrar 
acontecimentos da vida de Jesus; mas os 200 versículos que Mateus e 
Lucas têm em comum além dos que extraíram de Marcos é que estão 
compostos totalmente de ensinos de Jesus; estes versículos nos falam 
nem tanto do que Jesus fez mas sim do que disse. 
Fica claro que estes 200 versículos estão tomados de uma fonte 
comum que os dois possuíram, na qual estavam contidos os ensinos de 
Mateus (William Barclay) 9 
Jesus. Este livro não existe na atualidade; mas os eruditos lhe deram o 
nome de Q, letra que representa a palavra Quelle, que em alemão 
significa fonte. Em sua época deve ter sido um livro de extraordinária 
importância, porque foi o primeiro manual com os ensinos de Jesus. 
 
O lugar de Mateus na tradição evangélica 
 
Aqui chegamos a Mateus, o apóstolo. Os eruditos concordam em 
afirmar que o Evangelho segundo São Mateus, tal como o temos na 
atualidade, não provém diretamente da mão de Mateus. Quem tem sido 
testemunha ocular da vida de Cristo não precisa usar Marcos como fonte 
para narrá-la, coisa que ocorre em Mateus. Mas um dos primeiros 
historiadores da Igreja, um homem chamado Papias, oferece-nos a 
seguinte informação, de enorme importância: "Mateus colecionou os 
ditos de Jesus em língua hebraica." Deste modo, podemos acreditar que 
não foi nada menos que Mateus, o apóstolo, quem colecionou esse 
primeiro manual com os ensinos de Jesus, obra da qual dependem todos 
os que querem saber quais foram os ditos do Mestre. E por causa da 
grande quantidade de materiais desta fonte que aparecem incorporados 
ao Mateus é que o evangelho recebeu este nome. Devemos estar 
eternamente agradecidos a Mateus, quando recordamos que graças a ele 
possuímos o Sermão da Montanha e quase tudo o que sabemos sobre os 
ensinos de Jesus. Em geral, pode dizer-se que devemos a Marcos quase 
tudo o que sabemos sobre os fatos da vida de Jesus, mas que graças a 
Mateus conhecemos a substância dos ensinos de Jesus. 
 
Mateus, o coletor de impostos 
 
Sabemos muito pouco sobre a pessoa de Mateus. Em Mateus 9:9 
lemos a história de seu chamado. Sabemos que era coletor de impostos e 
que portanto deve ter sido uma pessoa profundamente odiada, porque os 
judeus odiavam aos membros de sua própria nação que tinham entrado 
Mateus(William Barclay) 10 
ao serviço civil de seus conquistadores. Mateus deve ter sido 
considerado um traidor de sua própria raça e povo. Mas sem dúvida 
possuía um dom. A maioria dos discípulos eram pescadores. Sua 
habilidade para expressar-se por escrito deve ter sido muito reduzida. 
Mas Mateus era sem dúvida um perito neste campo. Quando Jesus o 
chamou, estando ele sentado no banco de cobrador de impostos, Mateus 
se levantou e o seguiu deixando tudo, exceto uma coisa, sua tristeza. E 
usou nobremente sua habilidade literária ao converter-se no primeiro 
homem que compilou os ensinos de Jesus. 
 
O evangelho dos judeus 
 
Vejamos agora quais são as principais características do evangelho 
do Mateus, de tal modo que possamos tê-las em mente quando o lermos. 
Em primeiro lugar e sobretudo Mateus é o evangelho que foi escrito 
para os judeus. Foi escrito por um judeu para convencer aos judeus. Um 
dos grandes objetivos de Mateus é demonstrar que todas as profecias do 
Antigo Testamento se cumprem em Jesus e que, portanto, deve ser o 
Messias. Há uma frase que o percorre totalmente, como tema que volta a 
aparecer vez por outra: "Tudo isto foi feito para que se cumprisse o que 
foi dito pelo profeta, dizendo:…" Esta frase aparece 16 vezes no 
evangelho. O nascimento e o nome de Jesus são o cumprimento de 
profecias (1:21-23) o mesmo ocorre com a fuga ao Egito (2:14-15), a 
matança dos inocentes (2:16-18), a volta e a permanência de José em 
Nazaré e a infância de Jesus nesse lugar (2:13), o uso que Jesus fez de 
parábolas (13:34-35), a traição por trinta moedas de prata (27:9), o 
sorteio da roupa de Jesus enquanto estava pendurado na cruz (27:35). O 
propósito primitivo e deliberado de Mateus é demonstrar como as 
profecias do Antigo Testamento se cumprem em Jesus; como os profetas 
anteciparam cada um dos detalhes da vida de Jesus; e deste modo levar 
aos judeus a admitir que Jesus era o Messias. 
Mateus (William Barclay) 11 
(1) Mateus está interessado primordialmente nos judeus. Sua 
conversão corresponde de perto e é particularmente cara ao coração de 
quem o escreveu. Quando a mulher siro-fenícia procurou a ajuda de 
Jesus, a resposta que recebeu dEle foi: “Não fui enviado senão às 
ovelhas perdidas da casa de Israel.” (15:24). Quando Jesus envia os doze 
para que evangelizem, sua instrução é: “Não tomeis rumo aos gentios, 
nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as 
ovelhas perdidas da casa de Israel” (10:5-6). Entretanto, não se deve 
pensar que este evangelho exclua os gentios. Muitos virão do oriente e 
do ocidente para tomar assento no Reino de Deus (8:11). "Será pregado 
este evangelho do Reino a todo o mundo" (24:14). E é Mateus quem nos 
dá a ordem de marcha da igreja: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas 
as nações” (28:19). É evidente que o primeiro interesse de Mateus são os 
judeus, mas também o é que prevê o dia em que todas as nações serão 
reunidas. 
O judaísmo de Mateus também se percebe em sua atitude para com 
a Lei. Jesus não veio para destruir a Lei, e sim para cumpri-la. Nem a 
mais mínima parte da Lei deve perder vigência. Não se deve ensinar aos 
homens a quebrantar a Lei. A justiça do cristão deve ser superior à dos 
escribas e fariseus (5:17-20). Mateus foi escrito por alguém que conhecia 
e amava a Lei e entendia que esta ocupava um lugar na vida e na fé dos 
cristãos. 
Uma vez mais encontramos um aparente paradoxo na atitude de 
Mateus para com os escribas e fariseus. Reconhece que têm uma 
autoridade muito especial: “Na cadeira de Moisés, se assentaram os 
escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos 
disserem” (23:2-3). Mas, ao mesmo tempo, não há evangelho que 
condene os escribas e fariseus de maneira tão severa e coerente. No 
próprio início estão as vívidas palavras de João Batista, que os denuncia 
como "geração de víboras" (3:7-12). Queixam-se pelo fato de Jesus 
comer com os publicanos e pecadores (9:11). Atribuem o poder de Jesus 
não a Deus, e sim ao príncipe dos demônios (12:24). Conspiram para 
Mateus (William Barclay) 12 
destruí-Lo (12:14). Os discípulos são advertidos contra a levedura, os 
maus ensinos, dos escribas e fariseus (16:12). São como o joio, que está 
condenado a ser arrancado da terra (15:13). São incapazes de ler os 
sinais dos tempos (16:3). São os que assassinaram os profetas (21:31). 
Em toda a tradição evangélica não há capítulo condenatório comparável 
a Mateus 23, dedicado aos escribas e fariseus. Mas Mateus não condena 
os escribas e fariseus pelo que ensinam, mas sim pelo que são. Condena-
os por cumprir em tão pequena medida seus próprios ensinos, e por estar 
tão abaixo do ideal do que deveriam ser. 
(2) Há em Mateus alguns outros interesses especiais. Ele está 
especialmente interessado na Igreja. Mateus, de fato, é o único dos 
evangelhos que usa a palavra "igreja". É o único que introduz a 
passagem sobre a Igreja depois da confissão de Pedro em Cesaréia de 
Filipe (Mateus 16:13-23; cf. Marcos 8:27-33; Lucas 9:18-22). Mateus é 
o único que diz que as disputas devem ser resolvidas pela Igreja (18:17). 
Quando se escreveu Mateus a Igreja já deve ter sido uma grande 
instituição, bastante organizada; um fator dominante na vida dos cristãos. 
(3) Mateus tem um interesse apocalíptico particularmente forte. 
Quer dizer, tem um interesse especial em tudo o que Jesus disse em 
relação à sua Segunda Vinda, o fim do mundo e o julgamento final. 
Mateus 24 é uma versão muito mais completa que a de qualquer outro 
evangelho do discurso apocalíptico de Jesus. É o único onde 
encontramos as parábolas dos talentos (25:14-30), das virgens prudentes 
e as insensatas (25:1-13) e das ovelhas e os cabritos (25:32-46). Mateus 
manifesta seu interesse especial em tudo relacionado com as últimas 
coisas e o julgamento final. 
(4) Mas ainda não chegamos à principal das características de 
Mateus: É, acima de todos os demais, o evangelho docente. Já vimos que 
o apóstolo Mateus foi o responsável pela primeira coleção dos ensinos de 
Jesus, que uma vez reunidos compilou em um manual. Mateus era um 
grande sistematizador. Seu costume era reunir num mesmo lugar tudo o 
que sabia e podia encontrar dos ensinos de Jesus sobre um tema em 
Mateus (William Barclay) 13 
particular. O resultado é que em Mateus encontramos cinco grandes 
"blocos" de ensinos de Jesus, cinco grandes seções nas quais os ensinos 
do Mestre foram reunidos e sistematizados. Todas estas seções têm que 
ver com o Reino de Deus. São as seguintes: 
 
(a) O Sermão da Montanha, ou a Lei do Reino (5-7). 
(b) Os deveres dos dirigentes do Reino (10). 
(c) As parábolas do Reino (13). 
(d) Grandeza e perdão no Reino (18). 
(e) A Vinda do Rei (24, 25). 
 
Mateus não se limita a colecionar e sistematizar. Deve recordar-se 
que Mateus escrevia em uma época em que ainda não se havia inventado 
a imprensa, quando havia poucos livros e estes eram muito caros, porque 
tinham que confeccionar-se à mão. Em tais circunstâncias muito poucas 
pessoas podiam possuir livros. Portanto, se queriam conhecer e usar os 
ensinos de Jesus, deviam levá-los consigo na memória. Mateus, em 
conseqüência, sempre organiza os materiais que inclui em seu texto de 
tal maneira que o leitor possa memorizá-los com facilidade. Para este 
propósito lança mão dos números três e sete. 
José recebe três mensagens; Pedro nega a Jesus três vezes; Pilatos 
faz três perguntas. No capítulo 13 há sete parábolas do Reino; no 
capítulo 23 há sete ais pronunciados sobre os escribas e fariseus. A 
genealogia de Jesus, com que o evangelho começa, é um bom exemplo 
deste tipo de agrupamento. A genealogia tem como objetivo demonstrar 
que Jesus é filho de Davi. No hebraico não há numerais, em cuja 
substituição se utilizam as letras do alfabeto, cada uma das quais tem, 
portanto, um valor aritmético. Em hebraico tampoucose escrevem as 
vocais. As letras da Palavra "Davi" são, então, D W D. Se se tomarem 
estas letras como números, a soma de seus valores é 14; a genealogia de 
Jesus que Mateus nos apresenta consiste em três grupos de nomes, em 
cada grupo há quatorze nomes. Mateus faz tudo o que pode em seu 
Mateus (William Barclay) 14 
intento de sistematizar e organizar os ensinos de Jesus de tal maneira que 
os leitores e ouvintes possam assimilar e lembrar. Todo educador deve 
gratidão a Mateus por ter escrito aquilo que é, acima de tudo, o 
evangelho didático. 
(5) Mateus possui uma última característica. Sua idéia dominante é 
a de Jesus como Rei. Escreve para demonstrar a realeza de Jesus. No 
próprio início temos a genealogia, que procura estabelecer que Jesus é 
filho de Davi. Este título, filho de Davi, usa-se mais freqüentemente em 
Mateus que em nenhum dos outros evangelhos (15:22, 21:9, 21:15). Os 
magos devem buscar ao rei dos judeus (2:2). A entrada triunfal é uma 
declaração deliberadamente dramatizada da realeza de Jesus (21:1-11). 
Diante de Pilatos, Jesus aceita o nome de Rei (27:11). Até sobre a cruz, 
mesmo que seja como zombaria, coloca-se sobre a cabeça de Jesus o 
título real (27:37). No Sermão da Montanha Mateus mostra Jesus citando 
cinco vezes a Lei e anulando-a com um majestático “Eu, porém, vos 
digo...” (5:21, 27, 34, 38, 43). As últimas declarações de Jesus são "Todo 
o poder me foi dado..." (28:18). 
 
A imagem que Mateus nos apresenta de Jesus é a de um homem 
que nasceu para ser rei. Jesus caminha ao longo das páginas de Mateus 
envolto na púrpura e o ouro da realeza. Mateus quer mostrar aos homens 
o senhorio de Jesus Cristo, nos mostrar que com toda autenticidade o 
Reino, o Poder e a Glória são deles. 
 
Mateus 1 
A ascendência do Rei - Mat. 1:1-17 
As três etapas - Mat. 1:1-17 (cont.) 
A realização dos sonhos humanos - Mat. 1:1-17 (cont.) 
Não justos, e sim pecadores – Mat. 1:1-17 (cont.) 
A entrada do Salvador no mundo - Mat. 1:18-25 
Nascido do Espírito Santo - Mat. 1:18-25 (cont.) 
Criação e recriação - Mat. 1:18-25 (cont.)
 
Mateus (William Barclay) 15 
A ASCENDÊNCIA DO REI 
 
Mateus 1:1-17 
Pode ser que pareça ao leitor moderno que Mateus escolhe uma 
forma muito estranha de começar seu evangelho. Pode-se pensar que 
confrontar de entrada ao leitor com uma longa lista de nomes é um 
procedimento muito pouco afortunado. Mas para um judeu esta 
genealogia era uma forma natural de começar, interessante e até poderia 
dizer-se essencial tratando-se da história da vida de um homem. 
Os judeus se interessavam muito nas genealogias. Mateus denomina 
esta seção "livro da genealogia" de Jesus Cristo. Esta frase era bem 
conhecida pelos judeus; significa o registro da ascendência de um 
homem, com algumas poucas notas explicativas onde estas eram mais 
necessárias. No Antigo Testamento freqüentemente encontramos listas 
das gerações de homens famosos (Gênesis 5:1, 10:1, 11:10, 11:27). 
Quando Josefo, o grande historiador judeu, escreveu sua autobiografia, 
prefaciou-a com o testemunho de seu próprio "pedigree" que, conforme 
nos diz, encontrou nos registros públicos. A razão deste interesse nas 
ascendências familiares é que para os judeus a pureza racial era de suma 
importância. Se alguém possuía mistura de sangue estrangeiro, perdia 
seu direito de chamar-se judeu e membro do Povo de Deus. Além disso, 
os sacerdotes eram obrigados a apresentar uma linha genealógica íntegra 
a partir do Arão; no caso de contrair casamento, a esposa devia 
documentar sua pureza racial pelo menos por cinco gerações. Quando 
Esdras ao Israel voltar do exílio reorganizou o culto a Deus, e estava 
pondo em funcionamento novamente o sacerdócio, privou do direito 
sacerdotal os filhos de Habaías, os filhos de Coz, os filhos de Barzilai, 
sob a acusação de impureza, porque “procuraram o seu registro nos 
livros genealógicos, porém o não acharam” (Esdras 2:61-62). O Sinédrio 
era o encarregado de conservar os registros genealógicos. Herodes o 
Grande sempre foi desprezado pelos judeus puro-sangue porque parte de 
sua ascendência era edomita. Podemos nos dar conta de que o próprio 
Mateus (William Barclay) 16 
Herodes considerava importantes as genealogias, porque ordenou que se 
destruíssem os registros oficiais a fim de que ninguém pudesse 
demonstrar que possuía uma linha de antepassados mais pura que a sua. 
Esta passagem poderá nos parecer pouco interessante, mas para o judeu 
era de suma importância que se pudesse demonstrar a descendência 
abraâmica de Jesus. 
Além disso, deve notar-se que esta genealogia está cuidadosamente 
organizada. Forma três grupos de quatorze nomes cada um. Trata-se de 
uma lista mnemotécnica, quer dizer, organizada de maneira a ser fácil 
memorizá-la. Sempre devemos ter presente que os evangelhos foram 
escritos muitos séculos antes do primeiro livro impresso. Muito poucas 
pessoas podiam possuir cópias manuscritas, e a única maneira de "ter" 
um livro para a maioria era memorizá-lo. Os hebreus não possuíam 
números em seu sistema de escritura, e usavam as letras como numerais, 
cada uma com um valor definido (como se nós representássemos o 1 
mediante A, o 2 mediante B, etc.). As consoantes da palavra "Davi" em 
hebreu são D W D. Em hebreu a D serve como número 4 e a W como 6; 
portanto D W D representa a soma de 4 mais 6 mais 4, ou seja 14. Esta 
genealogia tem o propósito de demonstrar que Jesus é filho do Davi; está 
organizada de maneira que fosse fácil memorizá-la e, deste modo, poder 
tê-la sempre "à mão" cada vez que fosse necessário. 
 
AS TRÊS ETAPAS 
 
Mateus 1:1-17 (continuação) 
A organização desta genealogia é de caráter simbólico; representa 
certas características da totalidade da vida humana. Está dividida em três 
seções, que correspondem a três etapas importantes da história judia. A 
primeira etapa culmina com Davi. Davi foi o homem que fez de Israel 
uma nação e converteu os judeus em uma potência mundial. A primeira 
seção leva a história até o momento do maior rei dos judeus. A segunda 
seção vai até o exílio em Babilônia. É a etapa que registra a vergonha, 
Mateus (William Barclay) 17 
tragédia e desastre da nação hebréia. A terceira seção chega até Jesus 
Cristo. Jesus Cristo foi a pessoa que liberou os homens de sua escravidão 
e os resgatou de seu desastre, em quem a tragédia se converte em triunfo. 
Estas três seções representam três etapas da história espiritual da 
humanidade. 
(1) O homem nasce para a grandeza. "Deus criou ao homem à sua 
imagem, à imagem de Deus o criou" (Gênesis 1:27). "Disse Deus: 
Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" 
(Gênesis 1:26). O homem foi criado à imagem de Deus. O sonho de 
Deus para o homem era um sonho de grandeza. O homem foi feito para a 
comunhão com Deus. Foi criado de tal maneira que pudesse chegar a ser 
"parente" de Deus. Tal como o entendia Cícero, o pensador romano, "A 
única diferença entre Deus e o homem está no tempo". O homem nasceu 
essencialmente para ser rei. 
(2) O homem perde sua grandeza. Em lugar de ser servo de Deus o 
homem se converte em escravo do pecado. Como diria G. K. Chesterton: 
"Seja o que for certo em relação ao homem, não pode sustentar-se que é 
aquilo para o qual foi criado". Usou seu livre-arbítrio para desafiar e 
desobedecer a Deus, em vez de usá-lo para entrar em comunhão e 
amizade com Ele. Converteu-se em um rebelde contra Deus, antes que 
em seu amigo. Fazendo uso de seu próprio arbítrio, o homem frustra o 
intuito e plano de Deus para sua criação. 
(3) O homem recupera sua grandeza. Mas até então Deus não 
abandona o homem, nem o deixa entregue à sua própria sorte. Deus não 
permite que o homem seja destruído por sua própria loucura. Até nessa 
situação, não se permite que o final da história seja trágico. Deus enviou 
seu Filho ao mundo, a Jesus Cristo,para resgatar o homem do pântano 
do pecado, no que estava perdido, e libertá-lo das cadeias do pecado, 
com que ficara aprisionado, para que, através dele, o homem pudesse 
recuperar a comunhão com Deus que tinha perdido. 
Nesta genealogia Mateus nos mostra como se obtém a grandeza 
majestática; a tragédia da liberdade perdida; a glória da liberdade 
Mateus (William Barclay) 18 
restaurada. E esta, na misericórdia de Deus, é a história da humanidade e 
de cada homem individualmente. 
 
A REALIZAÇÃO DOS SONHOS HUMANOS 
 
Mateus 1:1-17 (continuação) 
Esta passagem sublinha duas coisas especiais a respeito de Jesus. 
(1) Sublinha que era filho de Davi. Em realidade, a genealogia que 
encontramos no evangelho foi composta principalmente para demonstrá-
lo. É um fato que o Novo Testamento afirma repetidas vezes. Pedro o faz 
no primeiro sermão da Igreja Cristã que se registrou (Atos 2:29-36). 
Paulo fala de Jesus como semente de Davi segundo a carne (Rom. 1:3). 
O autor das epístolas pastorais insiste com os homens a recordarem que 
Jesus Cristo, da semente do Davi, foi ressuscitado dentre os mortos (2 
Timóteo 2:8). O autor do Apocalipse ouve Jesus Cristo dizer: "Eu sou a 
raiz e a linhagem de Davi" (Apocalipse 22:16). 
No relato evangélico Jesus recebe em repetidas ocasiões o título de 
filho de Davi. Depois da cura do homem que fora cego e surdo, o povo 
exclama: "É este, porventura, o Filho de Davi?" (Mateus 12:23). A 
mulher de Tiro e Sidom que desejava a ajuda de Jesus para sua filha, 
chama-o: "Senhor, Filho do Davi!" (Mateus 15:22). Os cegos clamam a 
Jesus chamando-o Filho de Davi (Mateus 20:30-31). Quando Jesus 
entrou em Jerusalém pela última vez a multidão o aclamou de Filho de 
Davi (Mateus 21:9, 15). 
 Temos aqui algo de grande significado. É evidente que eram as 
multidões, o povo, os homens e mulheres comuns, os que O reconheciam 
como Filho de Davi. Os judeus eram um povo que esperava. Nunca 
tinham esquecido, nem podiam esquecer, que eram o povo eleito de 
Deus. Embora sua história tenha sido uma longa série de desastres, 
embora nesse preciso momento fossem um povo subjugado, nunca 
esqueceram seu destino. O sonho dos judeus era que viria ao mundo um 
descendente de Davi que os conduziria à glória que lhes pertencia por 
Mateus (William Barclay) 19 
direito próprio. Quer dizer, Jesus é a resposta aos sonhos dos homens. É 
verdade que com muita freqüência os homens não o entendem assim. 
Vêem o cumprimento de seus sonhos na riqueza, no poder, na 
abundância material e na realização das ambições que entesouram. Mas 
se alguma vez têm que realizar os sonhos humanos de paz e beleza, de 
grandeza e satisfação, isso será possível somente em Jesus Cristo. Jesus 
Cristo e a vida que Ele oferece é a resposta aos sonhos seres humanos. 
Na antiga história de José há um texto que transcende a direta história. 
Quando José estava preso, junto com ele estavam também no cárcere o 
mordomo principal e o padeiro de faraó. Estes tiveram sonhos que os 
perturbaram. Os dois se lamentavam, dizendo: "Sonhamos, e não há 
quem pode interpretar nossos sonhos" (Gênesis 40:8). Porque o homem é 
homem, porque é filho da eternidade, vive acossado por seus sonhos: E o 
único caminho que conduz a sua realização é Jesus Cristo. 
(2) Esta passagem enfatiza também o fato de que Jesus era o 
cumprimento das profecias. NEle se realiza a mensagem dos profetas. 
Hoje tendemos a atribuir pouca importância à profecia. Não nos interessa 
verdadeiramente procurar no Antigo Testamento aquelas palavras que 
prenunciam o que se cumpre no Novo Testamento. Mas a profecia 
envolve uma grande verdade eterna, ou seja, que o universo é uma 
ordem planejada, que um propósito e intuito divino o sustenta, que Deus 
deseja que ocorram certas coisas e age para que Sua vontade se cumpra. 
Na peça teatral The Black Stranger, de Gerald Healy, há uma cena 
que ocorre na Irlanda, nos dias terríveis da grande fome de meados do 
século XIX. Ao não saber o que fazer e carecendo de qualquer outra 
solução, o governo contrata os desempregados para construírem estradas, 
embora estas não fossem necessárias nem vão a lugar algum, Michael, 
um dos personagens, descobre esta circunstância e um dia, quando volta 
pra casa, diz a seu pai em uma expressão de cáustica surpresa: "Estão 
fazendo estradas que não levam a lugar nenhum." Se crermos na profecia 
jamais poderemos afirmar que isto é o que ocorre com a história. A 
história nunca é um caminho que não leva a lugar nenhum. É possível 
Mateus (William Barclay) 20 
que não usemos a profecia da mesma maneira como o fizeram nossos 
pais, mas por trás do fato da profecia está a verdade eterna de que a vida 
e o mundo não são caminhos sem destino, pelo contrário, se dirigem à 
meta proposta por Deus. 
 
NÃO JUSTOS, E SIM PECADORES 
 
Mateus 1:1-17 (continuação) 
O mais extraordinário desta genealogia são os nomes das mulheres 
que aparecem nela. 
Não é comum que nas genealogias judias apareçam os nomes das 
mulheres. A mulher não exercia direitos legais: não era considerada 
como uma pessoa, mas uma coisa. Era simplesmente propriedade de seu 
pai ou de seu marido, e estava obrigada a fazer o que eles quisessem. Na 
ação de graças matinal que o judeu proferia todas as manhãs, agradecia a 
Deus por não tê-lo feito gentio, escravo ou mulher. A simples presença 
de nomes femininos em uma genealogia é um fato surpreendente e 
extraordinário. Mas quando nos detemos a considerar quem eram estas 
mulheres e que coisas fizeram, sua menção se torna ainda mais 
surpreendente. 
Raabe era uma prostituta de Jericó (Josué 2:1-7). 
Rute nem sequer era judia, era moabita (Rute 1:4). A própria lei 
estabelece que "Não entrará amonita nem moabita na congregação do 
Senhor, nem até a décima geração deles; não entrarão na congregação do 
Senhor para sempre." (Deuteronômio 23:3). Rute pertencia a um povo 
estrangeiro e odiado. 
Tamar seduziu deliberadamente a seu sogro Judá e cometeu 
adultério com ele (Gên. 38). 
Bate-Seba, a mãe do Salomão, foi a mulher que Davi tomou de 
Urias, seu marido, valendo-se de uma imperdoável crueldade (2 Samuel 
11 e 12). 
Mateus (William Barclay) 21 
Se Mateus tivesse procurado com maior afinco em todo o Antigo 
Testamento, não poderia ter encontrado quatro personagens mais 
indignos de ser antepassados de Jesus. Entretanto, há algo muito belo na 
menção destas mulheres. Aqui, no princípio de seu evangelho, Mateus 
nos mostra de maneira simbólica qual é a essência do evangelho de Deus 
em Jesus Cristo, ao nos dar testemunho de como as barreiras são 
derrubadas. 
(1) Em Jesus a barreira que separa o judeu do gentio é derrubada. 
Raabe, a mulher de Jericó e Rute, a mulher de Moabe, encontram um 
lugar na linha direta dos antepassados de Jesus. Já figura aqui a grande 
verdade de que em Jesus não há judeu nem grego. Aqui, desde o 
começo, afirma-se o universalismo do evangelho e do amor de Deus. 
(2) Em Jesus a barreira que separa o homem da mulher é derrubada. 
Em nenhuma genealogia comum apareceriam nomes de mulher, mas os 
encontramos na genealogia de Jesus. O antigo desprezo desapareceu: O 
homem e a mulher estão igualmente perto do amor de Deus e são 
igualmente importantes em seu plano. 
(3) Em Jesus a barreira que separa o santo do pecador é derrubada. De 
algum modo Deus pode incluir em seus propósitos, e incorporar em seu 
plano para a História, até aquele que cometeu grandes pecados. Diz 
Jesus: "Porque eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores, ao 
arrependimento" (Mateus 9:13). Aqui, ao iniciar o evangelho, nos é dado 
uma insinuação da amplitude universal do amor de Deus. Deus pode 
encontrar servos seus em seres humanos diante dos quais o crente 
respeitável tremeria de horror. 
 
A ENTRADA DO SALVADOR NO MUNDO 
 
Mateus 1:18-25 
Para nossa forma ocidental de entenderos parentescos, as relações 
que se mencionam nesta passagem são muito confusas. Primeiro, diz-se 
que José está desposado com Maria; e depois encontramos que pensa 
Mateus (William Barclay) 22 
"deixá-la" em segredo (divorciar-se dela); além disso, encontramos que o 
chama seu "marido". Estes termos são fiéis aos costumes matrimoniais 
dos judeus daquela época. No casamento judeu havia três passos: 
(1) Em primeiro lugar vinha o compromisso. Freqüentemente se 
combinava quando os interessados eram apenas crianças. Em general os 
pais se encarregavam disto, ou um casamenteiro profissional contratado 
por estes. Além disso, em geral, os futuros maridos nem sequer se 
conheciam. Considerava-se que o casamento era um passo muito sério 
para ficar à vontade dos ditames do coração ou da paixão dos homens. 
(2) Em segundo lugar vinha o noivado. Este era a ratificação pelos 
interessados da aliança que se concertou por eles. Até este ponto a 
mulher tinha direito de romper o contrato se não estivesse disposta a 
levá-lo adiante, mas quando o casal se havia desposado o compromisso 
se convertia em uma obrigação iniludível. O noivado durava um ano e 
durante este lapso o casal era conhecido como marido e mulher, embora 
não tinham os direitos dos maridos. A única forma de dissolver esta 
relação era mediante o divórcio. Na lei judia encontramos 
freqüentemente uma frase que para nós é extremamente estranha. Se uma 
mulher perde, por motivo de morte, o seu prometido durante o ano do 
noivado, é chamada "virgem viúva". José e Maria tinham chegado a esta 
etapa. Estavam noivos, e se José queria pôr fim à relação a única maneira 
legítima de fazê-lo era pedindo um divórcio. E durante esse ano de 
noivado, Maria era legalmente a esposa de José. 
(3) A terceira etapa era o casamento propriamente dito, que tinha 
lugar ao finalizar o ano de noivado. 
Se tivermos em mente os costumes matrimoniais dos judeus, os 
parentescos e relações que figuram nesta passagem ficam perfeitamente 
normais e claros. 
Neste momento, pois, é dito a José que Maria está grávida, que o 
filho tinha sido gerado pelo Espírito Santo e que devia lhe pôr o nome de 
Jesus. Jesus é a forma grega do nome hebreu Josué, e Josué significa 
Jeová é a salvação. Muito tempo antes o salmista tinha ouvido Deus 
Mateus (William Barclay) 23 
dizer: "É ele quem redime a Israel de todas as suas iniqüidades" (Salmo 
130:8). Foi dito a José que o menino que havia de nascer cresceria até 
tornar-se o Salvador que haveria de liberar o povo de Deus dos pecados 
deles. Jesus não era apenas o homem nascido para ser Rei como também 
o homem nascido para ser Salvador. Veio ao mundo não por seu próprio 
interesse, mas sim por todos nós, os seres humanos, para nossa salvação. 
 
NASCIDO DO ESPÍRITO SANTO 
 
Mateus 1:18-25 (continuação) 
Esta passagem nos diz como Jesus nasce por obra do Espírito Santo. 
Seu tema é o que nós denominamos "o nascimento virginal". O 
nascimento virginal é uma doutrina que nos apresenta muitas 
dificuldades. No momento não nos interessa discuti-la, e sim descobrir o 
que significa para nós. 
Se viermos a esta passagem com a mente aberta e a lermos como se 
a estivéssemos lendo pela primeira vez, descobriremos que não sublinha 
tanto o fato de que Jesus nascesse de uma mulher virgem como a 
circunstância muito especial de que o nascimento de Jesus foi obra do 
Espírito Santo. "Achou-se grávida pelo Espírito Santo." "descobriu que o 
filho gerado no seio da Maria provém do Espírito Santo." É como se 
estas orações estivessem sublinhadas e impressas com letras maiúsculas. 
É isto o que Mateus deseja nos comunicar nesta passagem. Nesse caso, o 
que significa dizer que no nascimento de Jesus o Espírito Santo agiu de 
um modo particular? Deixemos de lado no momento todos os aspectos 
duvidosos e discutíveis deste fato, e nos concentremos em sua grande 
verdade, tal como Mateus tinha em mente. 
No pensamento judeu o Espírito Santo exercia certas funções bem 
definidas. Não podemos trazer para a interpretação desta passagem a 
plenitude da doutrina cristã do Espírito Santo, porque estas idéias seriam 
completamente entranhas ao pensamento de José. Devemos interpretá-lo 
à luz da doutrina judia do Espírito Santo, porque esta, inevitavelmente, é 
Mateus (William Barclay) 24 
a forma em que José deve ter compreendido a mensagem que recebeu, 
dado que era tudo o que ele conhecia. 
(1) Segundo a concepção judia, o Espírito Santo era a pessoa que 
trazia a verdade de Deus aos homens. O Espírito Santo era quem 
comunicava aos profetas o que deviam dizer e quem dizia aos homens de 
Deus o que deviam fazer. Era o Espírito Santo quem, através das eras e 
das gerações, havia aproximado a verdade de Deus aos homens. De 
maneira que Jesus, segundo esta concepção, é a pessoa que traz a 
verdade de Deus aos homens. 
Dito de outra maneira, Jesus é a pessoa que pode nos dizer como é 
Deus e o que Deus quer que nós sejamos. Somente em Jesus vemos 
como é Deus e como deveria ser o homem. Antes que viesse Jesus os 
homens tinham idéias muito vagas e confusas, com freqüência muito 
errôneas a respeito de Deus; até no melhor dos casos a única coisa que 
podiam fazer era adivinhar e propor idéias tentativas. Mas Jesus pôde 
dizer: "Quem me vê a mim vê o Pai" (João 14:9). Em Jesus vemos o 
amor, a compaixão, a misericórdia, a vontade redentora e a pureza de 
Deus como em nenhum outro lugar do mundo. Com a vinda de Jesus 
termina a época das respostas tentativas, e entramos plenamente na era 
da certeza. Antes que viesse Jesus ninguém sabia em realidade o que era 
a bondade. Jesus é o único em quem conhecemos a verdadeira 
humanidade, a autêntica bondade e a verdadeira obediência à vontade de 
Deus. Jesus veio para nos comunicar a verdade a respeito de Deus e de 
nós mesmos. 
(2) Os judeus creiam que o Espírito Santo não somente trazia a 
verdade de Deus aos homens, mas também capacitava os homens a 
reconhecerem essa verdade quando a vissem. De maneira que Jesus é 
quem abre os olhos dos homens à verdade. Eles estão cegados por sua 
própria ignorância; estão separados do reto atalho por seus próprios 
preconceitos; seus olhos e suas mentes são entrevadas por seus próprios 
pecados e paixões. Jesus pode nos abrir os olhos até que sejamos capazes 
de ver a verdade. 
Mateus (William Barclay) 25 
Em uma das novelas de William J. Locke encontramos o retrato de 
uma mulher que tem qualquer quantidade de dinheiro e que empregou a 
metade de sua vida em visitar os museus e galerias mais famosos de todo 
o mundo. Mas estava aborrecida e cansada. Nessa situação encontra a 
um francês que tinha muito poucas posses materiais mas um grande 
amor para a beleza e um amplo conhecimento de todas as expressões da 
arte. Este a acompanhou, e com ele tudo parecia ser diferente. "Nunca 
soube como eram as coisas", diz-lhe ela, "até que você me ensinou a 
olhá-las." 
A vida é muito distinta quando Jesus nos ensina a olhá-la. Quando 
Jesus entra em nosso coração vemos tudo de maneira diferente, porque 
ele nos abre os olhos, para que possamos ver de verdade. 
 
CRIAÇÃO E RECRIAÇÃO 
 
Mateus 1:18-25 (continuação) 
(3) Os judeus relacionavam o Espírito de Deus particularmente 
com a obra da criação. Mediante seu Espírito, Deus efetuou sua obra 
criadora. No princípio o Espírito de Deus sobrevoava a face das águas, e 
o caos se converteu em cosmos (Gênesis 1:2). "Pela palavra do Senhor 
foram feitos os céus", disse o salmista, "e todo o exército deles, pelo 
espírito da sua boca" (Salmo 33:6). (Tanto em hebreu como em grego a 
palavra que significa fôlego, sopro, respiração, também significa 
espírito.) "Envia seu espírito, são criados..." (Salmo 104:30), "O Espírito 
de Deus me fez, e o sopro do Onipotente me deu vida" (Jó 33:4). O 
Espírito é o criador do mundo e o doador da vida. De maneira que, emJesus Cristo, ingressa no mundo o poder de Deus que dá vida e cria. 
Com Jesus entra no mundo a própria vida e poder de Deus. Este poder, 
que reduziu o caos à ordem, vem para pôr ordem em nossa vida 
desordenada. Este poder, que infundiu vida no que carecia dela, vem 
para insuflar vida em nossas debilidades e frustrações. Poderíamos dizê-
Mateus (William Barclay) 26 
lo da seguinte maneira: Não estamos verdadeiramente vivos até o 
momento em que Jesus entra em nossas vidas. 
(4) Os judeus relacionavam ao Espírito acima de tudo com a obra 
de recriação. Ezequiel traça sua lúgubre imagem do vale dos ossos 
secos. Mas quando mais triste é o panorama, ouve a Deus dizer: "Porei 
meu espírito em vós, e vivereis" (Ezequiel 37:1-14). Os rabinos tinham 
uma afirmação: "Deus disse a Israel: Neste mundo meu Espírito encheu 
você de sabedoria, mas no mundo futuro meu Espírito fará com que você 
volte a viver." Quando os homens estão mortos em seu pecado e letargia, 
destruídas suas inteligências, almas e corações, somente o Espírito de 
Deus pode voltar a despertá-los para a vida. De maneira que, em Jesus, 
entra no mundo o poder que pode refazer e recriar a vida. Pode devolver 
a vida à alma que está morta no pecado. Pode reavivar os ideais que 
morreram. Pode voltar a fortalecer o desejo do bem que pereceu. Pode 
renovar e recriar a vida quando os homens perderam tudo o que a vida 
significa. 
Neste capítulo do evangelho há muito mais que o fato de que Jesus 
tenha nascido de uma mãe virgem. A essência da narração do Mateus é 
que o Espírito de Deus age no nascimento de Jesus de uma maneira sem 
precedentes. É o Espírito que traz a verdade de Deus aos homens, é o 
Espírito que põe os homens em condições de ver essa verdade quando 
está diante deles, é o Espírito que pode, somente Ele, recriar a alma 
quando esta perdeu a vida que deveria ter. Jesus nos capacita a ver o que 
é Deus e o que deveria ser o homem. Jesus abre nossos olhos e mentes 
de tal maneira que podemos ver a verdade de Deus para nós; Jesus é o 
poder criador que desceu aos homens; Jesus é o poder recriador que pode 
liberar as almas dos homens da morte do pecado, 
 
Mateus 2 
O lugar de nascimento do Rei - Mat. 2:1-2 
A homenagem do oriente - Mat. 2:1-2 (cont.) 
O rei intrigante - Mat. 2:3-8 
Mateus (William Barclay) 27 
Presentes para Cristo - Mat. 2:9-12 
A fuga para o Egito - Mat. 2:13-15 
A matança dos inocentes - Mat. 2:1-18 
O retorno a Nazaré - Mat. 2:19-23 
 
O LUGAR DE NASCIMENTO DO REI 
 
Mateus 2:1-2 
Jesus nasceu em Belém. Belém era uma cidade muito pequena, a 
uns dez quilômetros ao sul de Jerusalém. Na antiguidade ela era 
chamada Efrata. A palavra Belém significa Casa do Pão. Belém estava 
em uma zona fértil, na qual seu nome era apreciado. Estava situada na 
parte mais alta de uma cadeia montanhosa de pedra calcária cinza, a 
setecentos e cinqüenta metros sobre o nível do mar. A serrania 
apresentava duas alturas nos extremos e no centro um terreno baixo 
como uma cadeira de montar. De maneira que, vista desde sua posição, 
Belém parecia localizada em meio de um anfiteatro montanhoso. 
Belém tinha uma longa história. Foi ali onde Jacó tinha enterrado 
Raquel, colocando um pilar junto à tumba, como aviso (Gênesis 48:7, 
35:20). Ali viveu Rute depois de haver-se casado com Boaz (Rute 2:1); 
desde Belém se podia ver Moabe, sua terra natal, ao outro lado do vale 
do Jordão. Mas sobretudo, Belém era o lugar natal e a cidade de Davi (1 
Samuel 16:1, 17:12, 20:6). Quando Davi era um fugitivo nas serranias do 
Judá seu maior desejo era poder beber as águas do poço de Belém (2 
Samuel 23:14-15). Mais tarde é-nos dito que Roboão fortificou a cidade 
de Belém (2 Crônicas 11:6). Mas, na história do Israel e na mente de 
todos os judeus Belém era sobretudo a cidade de Davi. E da estirpe do 
Davi Deus haveria de mandar um libertador de seu povo. Tal como o 
expressa o profeta Miquéias: "E tu, Belém-Efrata, pequena demais para 
figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar 
em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da 
eternidade" (Miquéias 5:2). 
Mateus (William Barclay) 28 
Os judeus esperavam que o filho do grande Davi, maior até que seu 
pai, nascesse em Belém; esperavam que o ungido de Deus nascesse 
nessa cidade, e aconteceu tal como eles acreditavam. 
A imagem do estábulo e da manjedoura como lugares do 
nascimento de Jesus estão desenhadas com traços indeléveis em nossas 
mentes; mas bem pode ser que a imagem não seja totalmente correta. 
Justino Mártir, um dos mais destacados Pais da Igreja, que viveu ao 
redor do ano 150, e que provém de uma região próxima a Belém, diz-nos 
que Jesus nasceu em uma cova próxima à cidade (Justino Mártir, 
Diálogo com Trifo, 78, 304); é possível que a informação de que 
dispunha Justino fosse autêntica. As casas de Belém estão construídas 
sobre a base da montanha de rocha calcária, e é muito freqüente que 
tenham um estábulo escavado na montanha, por debaixo da casa; Jesus 
pode muito bem ter nascido em um desses estábulos-caverna. 
Até nossos dias pode visitar-se uma caverna onde se diz que Jesus 
nasceu, e ainda por cima dela se construiu a enorme Igreja Católica do 
Natal. Faz muito tempo que se identifica esse lugar como autenticamente 
o lugar do nascimento de Jesus. O imperador romano Adriano, em um 
intento de profanar o lugar, mandou construir em cima um templo 
dedicado ao deus Adonis. Quando o Império Romano adotou o 
cristianismo, a princípios do século IV, Constantino, o primeiro 
imperador cristão, fez construir uma grande igreja no mesmo lugar, e 
essa é a Igreja que ainda se pode visitar. H. V. Morton nos narra sua 
visita à Igreja do Natal, em Belém, destacando o fato de que, chegando 
chegar ao lugar, encontrou-se com uma enorme parede, e nessa parede 
havia uma porta tão pequena o que até um anão precisaria agachar-se 
para passar por ela. Atravessando essa porta, do outro lado da parede, 
estava a Igreja. Debaixo do altar principal da igreja está a cova. Quando 
o peregrino desce para ela, encontra-se com uma pequena caverna 
escura, de uns quatorze metros de comprimento e quatro de largura, 
iluminada por cinqüenta e três lâmpadas de prata. No piso há uma 
Mateus (William Barclay) 29 
estrela, e ao seu redor a inscrição latina: "Aqui nasceu Jesus, da virgem 
Maria." 
Quando o Senhor da Glória veio à Terra, nasceu em um lugar onde 
os homens alojavam animais. A cova que está na Igreja do Natal, em 
Belém, possivelmente seja a mesma onde Jesus nasceu, embora possa ser 
alguma outra. Isso é algo que nunca saberemos com certeza. Mas há um 
belo símbolo no fato de que a Igreja do Natal tenha uma porta tão baixa 
que todos os que queiram entrar nela devam agachar-se. É extremamente 
apropriado que todo homem que queira aproximar-se do Menino Jesus 
deva fazê-lo de joelhos. 
 
A HOMENAGEM DO ORIENTE 
 
Mateus 2:1-2 (continuação) 
Quando Jesus nasceu em Belém vieram sábios do Oriente para lhe 
render homenagem. Habitualmente se fala desses homens como "os 
magos", termo muito difícil de traduzir. Heródoto (1:101, 132) sabia 
algo com relação a uma tribo de medos chamada "os magos". Os medos 
formavam parte do império persa; em um determinado momento da 
história tentaram derrocar aos persas e dirigir eles os destinos do 
império. Mas não lograram seu propósito. A partir de então os magos 
deixaram de ter ambições políticas e se converteram em uma tribo de 
sacerdotes. Foram, na Pérsia, quase exatamente o mesmo que os levitas 
eram em Israel. Chegaram a ser os professores e instrutores dos reis 
persas. Na Pérsia não podia oferecer-se sacrifício algum se um dos 
magos não estivesse presente. Vieram a ser homens de grande santidade 
e sabedoria. 
Estes magos eram homens versados em filosofia, medicina e 
ciências naturais. Eram experientesem encantamentos e na interpretação 
de sonhos. Posteriormente a palavra mago adquiriu um significado de 
conotação pejorativa, sendo sinônimo de adivinho, bruxo e até 
enganador. Temos, por exemplo, Elimas, o mago (Atos 13:6, 8), e 
Mateus (William Barclay) 30 
Simão, chamado usualmente Simão, o Mago (Atos 8:9, 11). Mas em seus 
melhores tempos os magos não eram enganadores, mas homens de 
grande santidade e sabedoria que empregavam suas vidas na busca da 
verdade. 
Naqueles dias todos acreditavam na astrologia. Acreditavam que se 
podia predizer o futuro interpretando os movimentos das estrelas, e que o 
destino de cada um estava determinado pela estrela sob a qual nascia. 
Não fica difícil ver como surgiu essa crença. As estrelas percorrem seus 
caminhos imutáveis e, nesse sentido, representam a ordem do universo. 
Se aparecia repentinamente uma estrela mais brilhante que as demais, se 
a ordem eterna dos céus era quebrada por um fenômeno especial, 
interpretava-se como se Deus mesmo estivesse irrompendo em sua 
ordem para anunciar algo. 
Não sabemos qual foi a estrela brilhante que aqueles magos viram. 
No ano 2 A.C. foi visível o cometa Halley, um astro de brilho 
considerável que atravessou o céu. Por volta do ano 7 A. C. se produziu 
uma conjunção de Saturno e Júpiter, que por seu brilho particular pôde 
ter-se interpretado como a aparição de uma nova estrela. Entre os anos 5 
e 2 A. C, produziu-se um fenômeno astronômico pouco comum. Durante 
esses anos a estrela Sírio, conhecida pelos egípcios como Mesori, 
aparecia sobre o horizonte na hora do pôr-do-sol, e brilhava durante um 
momento com um resplendor espetacular. Mesori significa, em egípcio, 
"o nascimento de um príncipe" e para aqueles astrólogos da antiguidade 
este fenômeno pouco comum teria significado, indubitavelmente, o 
nascimento de algum grande rei. Não podemos saber qual foi a estrela 
que os magos viram, mas parte de suas responsabilidades profissionais 
era observar os céus, e algum fenômeno celestial fora do comum deve 
lhes ter sugerido que um rei tinha entrado no mundo. 
Pode nos parecer extraordinário que aqueles homens saíssem do 
oriente para lançar-se à busca de um rei. O estranho é que, na época em 
que Jesus nasceu, houvesse em todo mundo Mediterrâneo a estranha 
expectativa do advento de um rei. Os historiadores romanos nos dão 
Mateus (William Barclay) 31 
testemunho desse sentimento generalizado. Pouco tempo depois, na 
época do imperador Vespasiano, Suetônio pôde escrever: "Estava 
estabelecida e difundida em todo Oriente a antiga crença de que por 
aquela época seria o destino dos homens da Judéia governar o mundo" 
(Suetônio, Vida de Vespasiano, 4:5). Tácito fala da mesma crença, 
dizendo: "Havia a convicção de que nesta época o Oriente cresceria em 
poder, e que governantes de origem judia adquiririam um império 
universal" (Tácito, Histórias, 5:13). Os judeus tinham a crença de que 
"Por aquela época um de sua raça se tornaria o governante de todo o 
mundo habitado" (Josefo, Guerras dos Judeus, 6:5, 4). Pouco tempo 
depois encontramos Tiridates, rei da Armênia, que visita a Nero 
acompanhado por seus magos (Suetônio, Vida de Nero, 13:1). Em 
Atenas os magos ofereceram sacrifícios à memória de Platão (Sêneca, 
Epístolas, 58:31). Quase ao mesmo tempo do nascimento de Jesus, 
Augusto, imperador romano, era saudado como "Salvador do Mundo", e 
Virgílio, o poeta romano, escreve sua Quarta Égloga, conhecida como a 
Égloga Messiânica porque descreve a idade de ouro que está por vir. 
Não há por que pensar que a história da visita dos magos ao Menino 
Jesus recém-nascido é somente uma bonita lenda. Trata-se de um fato 
que bem pôde ter acontecido naquela época. Quando Jesus Cristo veio ao 
mundo, os homens viviam em ansiosa expectativa. A humanidade inteira 
esperava a Deus. Os corações dos homens ansiavam por Deus. Tinham 
descoberto que sem Deus não era possível construir a Idade de Ouro. 
Jesus veio a um mundo expectante; e quando se produziu sua vinda, os 
extremos da Terra se reuniram ao redor de seu berço. Este foi o primeiro 
sinal e símbolo da conquista do mundo por Cristo. 
 
O REI INTRIGANTE 
 
Mateus 2:3-8 
Chegou aos ouvidos do rei Herodes que tinham vindo magos do 
Oriente e que estavam procurando um recém-nascido, destinado a ser 
Mateus (William Barclay) 32 
Rei dos judeus. Qualquer rei se preocuparia ao receber a informação do 
nascimento de um menino que chegaria a ocupar seu trono. Mas Herodes 
se sentiu duplamente perturbado. Herodes era meio judeu e meio 
idumeo. Em suas veias corria sangue edomita. Tinha prestado bons 
serviços aos romanos nas guerras e conflitos internos da Palestina, e eles 
lhe tinham confiança. No ano 47 A.C. tinha sido nomeado governador; 
no ano 40 recebeu o título de rei; e teria que reinar até o ano 4 de nossa 
era. Era chamado Herodes o Grande, e em mais de um sentido merecia 
este título. Foi o único delegado romano na Palestina que conseguiu 
manter a paz e produzir ordem no meio da desordem que imperava 
quando ele assumiu o cargo. Foi, além disso, um grande construtor; entre 
outras obras fez a reconstrução do templo de Jerusalém. Podia ser 
generoso. Nos tempos difíceis atenuava os impostos para que a situação 
do povo se aliviasse; e quando veio a grande fome do ano 25 A.C. 
chegou até a fundir sua própria fonte de prata para comprar trigo e 
reparti-lo entre os famintos. Mas Herodes sofria de uma terrível falha em 
seu caráter. Sempre tinha sido exageradamente suspicaz, e à medida que 
envelhecia esse defeito se acentuava cada vez mais. Em seus últimos 
anos chegou a ser, como alguém assinalou, "um velho criminoso". Se 
suspeitava que alguém pretendia rivalizar com seu poder, imediatamente 
o mandava assassinar. Matou a sua mulher Mariamne, e a sua mãe, 
Alexandra; a seu filho mais velho, Antipater. Aos seus dois netos, filhos 
deste, Alexandre e Aristóbulo, eliminou-os com suas próprias mãos. 
Augusto, o imperador romano, disse amargamente, em certa 
oportunidade, que era mais seguro ser um porco nos chiqueiros de 
Herodes que filho dele. (O dito em grego é muito mais epigramático que 
em português, porque hus significa porco e huíós filho, e há aliteração.) 
Pode-se entender como era amarga, selvagem e retorcido a personalidade 
do Herodes pelas disposições que deixou para que se executassem depois 
de sua morte. Quando chegou aos setenta anos sabia que logo morreria. 
Retirou-se a Jericó, a mais bela de todas as suas cidades. Deu ordens 
para que se encarcerasse a um grupo de cidadãos mais destacados de 
Mateus (William Barclay) 33 
Jerusalém, sob pretexto de acusações falsas. E ordenou que quando ele 
morresse todos fossem executados. Dizia com amargura que quando ele 
morresse ninguém faria luto por ele, e que deste modo pelo menos se 
derramariam lágrimas em Israel. 
Não é difícil imaginar como se haverá sentido um homem desta 
índole quando lhe chegou a notícia do nascimento de um menino 
destinado a ser rei. Herodes se perturbou, e toda Jerusalém se perturbou 
com ele, porque bem sabiam todos os habitantes de Jerusalém que tipo 
de medidas era capaz de tomar seu rei para chegar até o fundo dessa 
história e eliminar o menino. Jerusalém conhecia Herodes, e tremeu de 
medo enquanto esperava sua inevitável reação. 
Herodes convocou os principais sacerdotes e os escribas. Os 
escribas eram os doutores na Lei e nas outras escrituras. Os principais 
sacerdotes eram um grupo intimamente relacionado de pessoas. Em 
primeiro lugar estavam os que tinham sido literalmente sumos 
sacerdotes, e se tinham retirado de seu ofício; o sumo sacerdote estava 
confinado a um número muito reduzido de famílias. Eram a aristocracia 
sacerdotal judaica, e os membros dessas famílias seletas também 
recebiam o nome de "sumos sacerdotes" ou "príncipes dos sacerdotes". 
De modo que Herodes convocou a aristocraciareligiosa e os eruditos 
teológicos de sua época, e lhes perguntou onde, segundo as Escrituras, 
devia nascer o Ungido de Deus. Citaram-lhe o texto do Miquéias 5:2. 
Herodes mandou chamar os magos e os enviou para buscarem 
diligentemente o recém-nascido. Disse-lhes que ele também desejava ir e 
adorar o Menino. Seu único desejo, entretanto, era assassinar aquele que 
lhe podia tomar o trono. 
Acaba de nascer Jesus e já vemos os três agrupamentos em que os 
homens sempre se posicionaram em face de Jesus. Consideremos quais 
são estas três formas de reagir. 
(1) Temos primeiro a reação de Herodes: Ódio e hostilidade. 
Herodes tinha medo de que esse garotinho interferisse em sua vida, sua 
posição, seu poder, sua influência. Portanto, sua primeira reação 
Mateus (William Barclay) 34 
instintiva foi eliminá-lo. Ainda há os que estariam muito contentes se 
pudessem destruir a Jesus Cristo, porque nEle vêem Aquele que interfere 
em suas vidas. Querem fazer sua própria vontade, e Jesus não o permite; 
por isso gostariam de matá-lo. O homem cujo único desejo é fazer o que 
deseja nunca estará disposto a receber a Jesus Cristo. O cristão é alguém 
que deixou que fazer sua própria vontade, e que dedicou sua vida a fazer 
o que Jesus deseja dele. 
(2) Temos a reação dos principais sacerdotes e escribas: Uma total 
indiferença. Eles não se interessaram pelo assunto. Estavam tão 
ensimesmados em suas disputas sobre o ritual do Templo e suas 
discussões legais jurídicas que simplesmente desconheceram a Jesus. Ele 
não significou nada para eles. 
Ainda há quem está tão ocupados em seus próprios assuntos que 
Jesus Cristo não lhes diz nada. Ainda pode propor a aguda pergunta dos 
profetas: "Não vos comove isto, a todos vós que passais pelo caminho?" 
(Lamentações 1:12). 
(3) E temos a reação dos três magos, que pode resumir-se em duas 
palavras: Reverência e adoração. Desejam pôr aos pés de Jesus os 
presentes mais nobres que puderam trazer. Sem lugar a dúvida, quando 
qualquer ser humano toma consciência do amor de Deus em Jesus 
Cristo, não pode menos que sentir-se arrebatado pela maravilha, a 
resposta amante e o louvor. 
 
PRESENTES PARA CRISTO 
 
Mateus 2:9-12 
Finalmente os magos do oriente encontraram o caminho de Belém. 
Não devemos pensar que a estrela se foi movendo no céu literalmente, 
como um sinal indicador. Nesta passagem há muita poesia, e não 
devemos transformar a poesia em prosa crua e desprovida de vida. Mas a 
estrela brilhava sobre Belém. Há uma bonita lenda que relata como a 
estrela, depois de ter completado sua missão de guia, caiu no poço de 
Mateus (William Barclay) 35 
Belém e ainda está ali, onde pode ser vista às vezes por aqueles cujos 
corações são puros. 
Construíram-se muitas lendas em torno dos três "reis magos". Na 
antiguidade uma tradição oriental sustentava que eram doze. Mas na 
atualidade em quase todo mundo se acredita que eram três. O Novo 
Testamento não diz quantos eram, mas o triplo presente que apresentam 
a Jesus sugere a possibilidade de que sejam três os que trazem os 
presentes. Uma lenda ulterior os fez reis. Outra, posterior até, deu-lhes 
nomes: Melquior, Gaspar e Baltasar. Elaborações posteriores se 
dedicaram a descrever a aparência pessoal destes três personagens, e 
determinaram quem havia trazido cada um dos presentes. Melquior era 
um ancião, de cabelo cinza e barba longa, e foi o que trouxe o ouro. 
Gaspar era jovem e sem barba, de gesto altivo. Seu dom foi o incenso. 
Baltasar era negro, e foi quem trouxe o dom da mirra. 
Desde os tempos mais antigos os homens interpretaram de distintas 
maneiras a natureza dos presentes que os reis magos trouxeram para 
Jesus. Estas interpretações atribuem a cada um dos presentes alguma 
característica que se adapta ao tipo de pessoa que era Jesus e à obra que 
realizaria. 
(1) O ouro é um presente de reis. Sêneca nos diz que em Partia 
havia o costume de que ninguém podia aproximar-se da presença do rei 
sem levar um presente. E o ouro, o rei dos metais, é um presente 
apropriado para um rei dos homens. De maneira que Jesus foi alguém 
"nascido para ser Rei", mas deveria reinar não pela força mas pelo amor, 
e não sentado em um trono mas sobre a cruz. Fazemos bem em recordar 
que Jesus Cristo é Rei. Nunca podemos nos encontrar com Jesus em um 
plano de igualdade. Sempre devemos ir a ele em completa submissão e 
entrega. Nelson, o grande almirante inglês, sempre tratou a seus vencidos 
com grande bondade e cortesia depois de uma de suas vitórias navais, o 
almirante inimigo foi levado a nave insígnia e conduzido à presença de 
Nelson na proa do navio. Conhecendo o cavalheirismo de Nelson, e 
esperando tirar proveito disso, avançou para seu vencedor com a mão 
Mateus (William Barclay) 36 
estendida, como se fosse estreitá-la com um igual. Mas o braço do 
Nelson não se moveu de seu lado. "A espada primeiro; a mão depois", 
disse-lhe. Antes de ser amigos de Cristo devemos nos submeter a Ele. 
(2) O incenso é um presente de sacerdotes. O doce perfume do 
incenso se usava no culto do Templo e nos sacrifícios rituais que se 
realizavam ali. A função do sacerdote é abrir aos homens o caminho para 
Deus. A palavra latina que significa "sacerdote" é pontifex, que significa 
"construtor de pontes". O sacerdote é o homem que tende uma ponte 
entre Deus e os homens. Isso foi o que Jesus fez. Abriu o caminho para a 
presença de Deus; tornou possível aos homens entrarem na própria 
presença de Deus. 
(3) A mirra é um presente para alguém que vai morrer. A mirra se 
usava para embalsamar o corpo dos mortos. Jesus veio ao mundo para 
morrer. 
Holman Hunt fez um quadro de Jesus que é muito famoso. O 
quadro O apresenta na porta da oficina de carpintaria, em Nazaré. Ainda 
é um menino. O sol do entardecer brilha sobre a porta e o moço saiu um 
momento para estirar as pernas, com cãibras pela posição de trabalho 
sobre o banco de carpinteiro. Abre os braços para receber melhor o ar 
fresco do crepúsculo, e o sol projeta sua sombra sobre a parede, é a 
sombra de uma cruz. Em um segundo plano está Maria, que ao ver essa 
cruz estremece: seu rosto manifesta o temor da tragédia que se aproxima. 
Jesus veio ao mundo para viver pelos homens e, ao terminar sua missão, 
morrer por eles. Veio para dar pelos homens sua vida e sua morte. 
 
Ouro para um rei, incenso para um sacerdote, mirra para quem vai 
morrer. Estes foram os presentes dos sábios orientais: até no berço de 
Jesus anteciparam que teria que ser o autêntico Rei, o perfeito Sumo 
Sacerdote e, finalmente, o supremo Salvador dos homens. 
 
 
Mateus (William Barclay) 37 
A FUGA PARA O EGITO 
 
Mateus 2:13-15 
Na antiguidade não se duvidava de que Deus enviasse mensagens 
aos homens mediante sonhos. José foi advertido em um sonho de que 
escapasse ao Egito para evitar os propósitos criminais de Herodes. A 
fuga ao Egito foi um fato muito natural. Muito freqüentemente, nos 
séculos turbulentos que precederam à vinda de Jesus, quando os judeus 
enfrentavam algum perigo, tirania ou perseguição que tornava a vida 
deles impossível, exilavam-se no Egito. O resultado foi que quase cada 
cidade egípcia tinha sua colônia de judeus. Na cidade da Alexandria, 
sobretudo, havia mais de um milhão de judeus; vários bairros da cidade 
eram habitados quase exclusivamente por membros desta nação. José, 
em sua hora de perigo, fez o que muitos outros seus concidadãos tinham 
feito antes, e quando ele e Maria chegassem ao Egito não se 
encontrariam totalmente entre estrangeiros, porque em qualquer cidade 
ou povo onde decidissem ficar, haveria judeus que, como eles, tinham 
procurado refúgio no Egito. 
É interessante que posteriormente os inimigos do cristianismo e de 
Jesus utilizaram sua estada no Egito como um pretexto para desprezá-lo. 
Egito era considerado tradicionalmente uma terra de magia, bruxariae 
encantamentos. O Talmud diz: "Desceram ao mundo dez medidas de 
bruxaria, nove corresponderam ao Egito e o resto se repartiu pelo 
mundo." Os inimigos de Jesus afirmavam que no Egito, durante seu 
exílio, o Mestre aprendeu algumas ardis de magia" e bruxaria, que 
posteriormente lhe serviram para simular seus "milagres" e enganar aos 
homens. Quando o filósofo pagão Celso dirigiu seus ataques contra o 
cristianismo, no século III (ataque que Orígenes enfrentou e rechaçou 
definitivamente) disse que Jesus nasceu ilegitimamente, que esteve 
empregado no Egito a serviço de algum mago, e que ao retornar a 
Palestina utilizou os conhecimentos adquiridos para enganar a seus 
concidadãos e proclamar-se Deus (Orígenes, Contra Celsum, 1:38). Um 
Mateus (William Barclay) 38 
certo rabino, Eliézer Ben Hircano, disse que Jesus tinha as fórmulas 
mágicas que necessitava para fazer milagres tatuados no corpo, para não 
esquecê-los Tais são algumas das calúnias que mente torcidas 
relacionaram com a fuga ao Egito. Mas são evidentemente falsas, porque 
quando Jesus foi levado ao Egito era um recém-nascido, e quando 
retornou ainda era menino. 
Duas das lendas mais belas do Novo Testamento estão relacionadas 
com a fuga ao Egito. A primeira é a lenda do ladrão penitente. A lenda 
diz que o ladrão penitente se chamava Dimas, e que tinha conhecido 
Jesus pela primeira vez no Calvário quando ambos pendiam de suas 
respectivas cruzes. O relato sustenta que quando José e Maria se 
dirigiam ao Egito foram assaltados por ladrões, e um dos cabeças do 
bando quis matá-los para ficar com as poucas coisas que levavam. Mas 
houve algo no menino Jesus que comoveu o coração do Dimas, que era 
um dos ladrões. Negou-se a que se fizesse mal algum a Jesus e seus pais. 
Olhou o menino e lhe disse: "Menino bendito mais que nenhum entre os 
meninos, se alguma vez chegasse o momento em que você possa ter 
misericórdia por mim, lembre-se deste momento e não me esqueça." 
Jesus e Dimas voltaram a encontrar-se, no Calvário, e Dimas, a ponto de 
morrer justiçado, encontrou misericórdia e perdão para sua alma, no 
Senhor Jesus. 
A outra lenda é uma narração infantil, mas muito bonita. Quando 
José, Maria e Jesus se dirigiam ao Egito, diz a lenda, chegou o momento 
de pôr-do-sol, e estavam muito cansados, e procuraram refúgio para 
passar a noite em uma caverna. Fazia frio, tanto frio que o chão se cobriu 
de geada esbranquiçada. Uma pequena aranha viu o menino Jesus e quis 
fazer algo para ajudá-lo a manter-se quente. Depois de muito pensar 
decidiu que a única coisa que podia fazer era tecer uma tela bem ampla 
sobre a entrada da cova, para servir de cortina. Pelo mesmo atalho 
apareceram depois de um momento os soldados de Herodes, que 
procuravam meninos para matar e executar de acordo com de seu 
soberano. Quando chegaram à entrada da cova estavam a ponto de entrar 
Mateus (William Barclay) 39 
para ver se alguém tinha procurado refúgio nela. Mas o capitão advertiu 
que a entrada estava coberta por um tecido de aranha, e que esta, por sua 
vez, estava branca de geada. "Olhem", disse, há um tecido de aranha 
intacto. Ninguém pode ter entrado aqui, porque se o fizesse, teria 
esmigalhado o tecido." De maneira que os soldados passaram adiante, e 
depois de procurar muito momento em outros lugares voltaram para 
Jerusalém. 
A sagrada família pôde dormir em paz, porque uma pequena aranha 
tinha tecido seu manto para proteger a Jesus do frio. É por isso, 
conforme dizem, que até nossos dias cobrimos as árvores de Natal com 
fios prateados que simulam o tecido de aranha coberta de geada. É uma 
história muito bonita que contém uma grande verdade: Os dons feitos a 
Jesus nunca são esquecidos. 
As últimas palavras desta passagem apresentam um costume 
característico de Mateus. Vê na fuga ao Egito o cumprimento de certas 
palavras do profeta Oséias. Mateus as reproduz como: "Do Egito chamei 
a meu filho." A citação é de Oséias 11:1, que diz: "Quando Israel era 
menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho." Pode ver-se 
imediatamente que esta citação não tem nada que ver com Jesus nem 
com a fuga ao Egito. Não é mais que uma forma de asseverar que Deus 
tinha libertado o povo de Israel de sua escravidão no Egito. Veremos em 
repetidas ocasiões que esta é uma forma de usar o Antigo Testamento 
característica de Mateus. Está disposto a usar como profecia a respeito 
de Jesus qualquer texto do Antigo Testamento que possa adequar-se 
verbalmente a tal propósito, mesmo que originalmente não tenha tido 
nada que ver com o assunto em referência. Mateus sabia que a única 
maneira de convencer os judeus de que Jesus era o autêntico Ungido de 
Deus era demonstrando que cumpria em sua pessoa as profecias do 
Antigo Testamento. Em seu afã por obter seu objetivo, encontrava 
profecias no Antigo Testamento até em lugares onde originalmente não 
havia profecia alguma. Quando lemos passagens como esta devemos 
lembrar que, mesmo que sejam para nós pouco convincentes e estranhas, 
Mateus (William Barclay) 40 
eram de supremo interesse para os judeus, aqueles a quem Mateus 
dirigiu o seu evangelho. 
 
A MATANÇA DOS INOCENTES 
 
Mateus 2:16-18 
Já vimos que Herodes era um mestre consumado na arte do 
assassinato. Assim que subiu ao trono aniquilou o Sinédrio, a corte 
suprema dos judeus. Posteriormente mandou matar a trezentos juízes das 
cortes, em um ímpeto inexplicável. Mais tarde matou a sua esposa 
Mariame, a sua mãe, Alexandra, a seu filho mais velho, Antipater, e a 
dois filhos deste, Alexandre e Aristóbulo. Fazia acertos para que na hora 
de sua própria morte fosse executado um grupo seleto dos cidadãos mais 
notáveis de Jerusalém. Era de esperar-se que Herodes não aceitasse 
tranqüilamente a notícia de que tinha nascido um menino que estava 
destinado a ser Rei. Vimos como averiguou cuidadosamente quando os 
magos tinham visto a estrela. Nesse momento já estava calculando qual 
era a idade dos meninos que devia mandar assassinar. Agora o vemos 
pôr em prática seus planos criminais, com uma rapidez selvagem, 
animal. Ordenou a matança de todos os meninos de dois anos para baixo 
em Belém e sua zona circundante. 
Há duas coisas que devem destacar-se. Belém não era uma cidade 
muito grande, e o número de meninos abaixo dos dois anos não pôde ter 
sido maior de vinte ou trinta. Não devemos pensar que foram centenas. É 
obvio, não queremos dizer que o crime de Herodes haja sido menos 
terrível por ser somente vinte ou trinta meninos que ele assassinou, mas é 
importante fazermos uma imagem correta. 
Em segundo lugar, alguns críticos sustentam que este assassinato 
não pôde ter acontecido, porque não é mencionado em nenhum outro 
lugar, exceto nesta passagem do Novo Testamento. O historiador judeu 
Josefo, por exemplo, não o menciona. Pode responder-se de duas 
maneiras. Em primeiro lugar, tal como acabamos de dizer, Belém era 
Mateus (William Barclay) 41 
uma cidade muito pequena, e em uma região onde este tipo de 
atrocidades era moeda corrente, o assassinato de vinte ou trinta meninos 
provavelmente não tenha sido considerado um fato grave. Não deve ter 
significado muito, exceto para as mães dos meninos. Em segundo lugar, 
encontramos um interessante paralelo histórico nas crônicas escocesas. 
Carr faz notar que Macaulay, em sua monumental obra de história 
britânica, assinala que Evelyn, um cronista meticuloso e extremamente 
abundante dos acontecimentos contemporâneos a sua vida, nunca 
menciona a massacre de Glencoe. O fato de que um acontecimento 
histórico não seja mencionado, até naqueles lugares onde esperaríamos 
que fosse mencionasse, não é uma prova suficiente de que não tenha 
ocorrido. O fato é tão típico de Herodes, que não temos razões para 
duvidar da verdade que Mateus está transmitindo. Estamos ante um 
terrível exemplo do que são capazes de fazer os homens para livrar-se

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