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NORDESTE: ASPECTOS DA INFLUÊNCIA DA CANA SOBRE A VIDA E A PAISAGEM DO NORDESTE DO BRASIL FREYRE, Gilberto. Nordeste: Aspectos da Influência da Cana sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste no Brasil. São Paulo: Global, 2013. Gilberto de Mello Freyre, nascido em 1900 na cidade de Recife, foi um polímata brasileiro. Como escritor, dedicou-se à ensaística da interpretação do Brasil sob ângulos da sociologia, antropologia e história. Foi também autor de ficção, jornalista, poeta e pintor. É considerado um dos mais importantes sociólogos do século XX, autor de obras como Casa-Grande & Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936), Ordem e Progresso (1957), entre outras . Escreveu Nordeste em 1937, buscando analisar as 1 transformações causadas pela monocultura da cana nesta região do Brasil. A obra se divide em cinco partes: a cana e a terra, a cana e a água, a cana e a mata, a cana e os animais e a cana e o homem, esta última dividida em duas. Freyre faz nessa obra um estudo ecológico do Nordeste agrário brasileiro, analisando a monocultura latifundiária, escravocrática e monossexual, dentro do triângulo: engenho, casa-grande (com senzala) e capela. Em contraste com o Nordeste pastoril de terra dura, da areia seca raivosa do sertão, a terra de massapê do Nordeste agrário era uma terra doce, de argila, de humus gorduroso. O massapê, ao lado da atmosfera, da água, da geografia, foi ideal para o cultivo da cana e para o surgimento de uma aristocracia quase feudal de senhores dessas terras. Para Freyre, essa terra teria influído na flexuosidade e plasticidade dos políticos dessa região do nordeste, na criação de boas maneiras e gestos suaves, nos gostos e hábitos elevados, superiores, como cita Herbert H. Smith, aos fazendeiros de café do Sul. Sua relação com a água, ou seja, a hidrosfera, também foi muito importante. Para Freyre, a água “foi e é quase tudo”. Sem ela a lavoura, tão dependente de rios e 1 Biografia retirada do site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gilberto_Freyre riachos, das terras gordas e úmidas, não teria prosperado. Os colonos, imitando os índios e os negros, se curavam e se limpavam no banho de rio, que era por vezes em forma de rito, por vezes de festa. Na várzea de um rio e na fartura de água doce desenvolveram a sedentariedade e a endogamia, ligando as casas-grandes pela água do rio e pelo sangue dos colonos. Rios com nomes de santos, indígenas, africanos, madeiras, frutas, nomes de mulheres, do dono, ou até verdadeiras frases ou exclamações. Era muito comum o uso de botes, canoas, jangadas, para comércio ou como meio de transporte, da água doce a água salgada. Os negros eram os canoeiros, os barcaceiros, os jangadeiros. A água, o mar e o rio se conectavam à mesa e à vida da gente do nordeste. Porém, as águas tiveram que se subordinar ao novo sistema de relações entre o homem e a paisagem, ao empobrecimento do solo causado pela monocultura, à prostituição dos rios transformados em mictório pelas usinas de açúcar. O canavial civilizador era ao mesmo tempo devastador, acabando com o mato, as árvores, os animais e até grupos indígenas para se instalar. O problema foi o exclusivismo brutal ganancioso que separou o homem da água dos rios, dos animais do mato (com exceção dos domesticados), e do próprio homem. Freyre aponta uma extrema ou exagerada subordinação, de pessoas a outras, de plantas a outras, de animais a outros, da vegetação a cana, e de tudo isso ao homem branco dono dos canaviais. Quem conhecia o mato era o indígena e o negro, que sabia diferenciar o que se poderia utilizar para medicina, para serraria ou para o ninho das aves. Poucos se preocuparam com isso; em geral existiu uma distância muito grande entre o colono branco e a mata, entre o dono da terra e a floresta. O sistema monocultor latifundiário escravocrata foi, segundo Freyre, o quase militar da conquista de terras para fim de guerra ou de campanha. “Dentro de tais condições não era preciso que se desenvolvesse aqui a figura do lavrador: bastava a do senhor de engenho gritando para o negro do alto da casa-grande ou de cima do cavalo; bastava o escravo cumprindo as ordens do senhor ou do feitor; bastavam as mãos e os pés do negro; bastava o seu sexo capaz de larga procriação. Nem precisava que ele trouxesse uma alma capaz de se ligar às árvores, aos pássaros e aos bichos.” Porém o autor considera que sem esse sistema talvez fosse impossível a fundação de uma lavoura à europeia e das virtudes das civilizações aristocráticas. A cultura da cana, segundo Freyre, aristocratizou o branco e degradou o índio e o negro. O mesmo fez com o cavalo (e alguns gatos, carneiros e cabras) e o boi (e os bichos do mato como pacas, cutias, tatus, onças e etc.), assim como a casa-grande e o mucambo, respectivamente. Lógico que existiram exceções, como os cavalos de pobre, as vezes descritos da mesma forma como os negros, que, juntamente com os bois, são considerados por Freyre como os alicerces da civilização do açúcar. A monocultura repeliu o gado para os sertões da mesma forma como repeliu as matas, os pássaros, as plantas, os indígenas. Só se conservou o que estava a serviço imediato do açúcar e de seus aristocratas, o que causou várias crises de víveres, de alimentos. Os animais mais familiares eram os trazidos da europa, e, consequentemente, os mais próximos da família e do senhor de engenho. Nesse processo foi formado um tipo rural de homem do povo, caracteristicamente brasileiro: o cabra de engenho, o moleque da bagaceira, o capanga, o mulato vadio, o malungo, o pajem, o branco pobre, o “amarelo” livre, a mãe preta, a mucama, o negro velho, o curandeiro, o caboclo conhecedor das matas e dos bichos, a ama de leite tapuia ou negra, a “cabra-mulher”. Formou-se dois tipos de homens: o aristocrata e o homem do povo. Todos eram apaixonados por doces, desde as sinhás até os meninos, do aristocrata ao negro escravizado no engenho. Era o que o autor chama de uma verdadeira liturgia do doce, que resultavam em maus dentes, pessoas gordas e sedentárias (entre os aristocratas). Existia dessa forma uma verdadeira ligação do homem com a cana, que dependeu de forma absoluta do escravizado negro. Negro este que, dependendo de sua posição em relação à família do aristocrata, chegava muitas vezes a defendê-lo e lutar por ele. Mas o fantasma da revolução negra de São Domingos pairava por sobre todas as nações escravocratas a partir do século 18 e influenciou diversos movimentos como o de 1823 no Recife, o que seria o quilombo dos Palmares, movimentos abolicionistas, influenciou também o mulato livre-pensador A. P. de Figueiredo (influenciado até por Saint-Simon), e etc. Além do fato de que a posição militar trazia prestígio social e que alguns negros eram antigos reis e rainhas de suas nações de origem, acabando por criar uma dor de desenraizamento. Desta forma, o autor traça uma continuação, por vezes até pior, do regime da escravidão às usinas atuais, sem a devida relação do patrão com o proletariado, em um individualismo duro e seco. A civilização do açúcar teria criado uma série de relações sadistas-masoquistas, agressiva e dominadora, tendo algumas exceções como Joaquim Nabuco. As influências europeias também trouxeram um ar de deserção com o latifúndio e o sistema escravocrata, mas também de pureza de língua e costumes apenas para os aristocratas. Gilberto Freyre também dá importância a mulher que criavam os filhos, cuidavam das feridas dos escravos, dos moradores doentes, etc. A monocultura e o latifúndio criaram um regime de opressão contra o negro, o menino, a mulher, mas, para o autor, foi essa cultura quedeu os traços característicos da cultura brasileira, numa analogia com a civilização grega, considerando-a como uma ostra que deu pérola. Thales Fernandes, graduando em História na UFG Professor Doutor João Alberto
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