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O DEPOSITO OBRIGATORIO DA ACAO RESCISORI

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O DEPÓSITO OBRIGATÓRIO DA AÇÃO RESCISÓRIA E A SUPERVENIÊNCIA
DO NOVO CPC
Compulsory initial deposit, “ação rescisória” and Brazilian Civil Procedural Code of 2015
Revista de Processo | vol. 266/2017 | p. 319 - 337 | Abr / 2017
DTR\2017\609
Fredie Didier Jr.
Livre-docente pela USP. Pós-doutorado pela Universidade de Lisboa. Doutor em Direito
pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFBA. Professor-associado da Universidade Federal
da Bahia, nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Membro da Associação
Internacional de Direito Processual, do Instituto Iberoamericano de Direito Processual,
do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associação Norte e Nordeste de
Professores de Processo. Advogado. fredie@didiersodrerosa.com.br
Rafael Alexandria de Oliveira
Mestre em Direito Público (UFBA). Especialista em Direito Processual Civil (Fac. Jorge
Amado/JusPodivm). Procurador do Município do Salvador-BA. Advogado.
rafael.alexandria@didiersodrerosa.com.br
Área do Direito: Processual
Resumo: O presente artigo analisa a exigência do depósito judicial para a propositura de
ação rescisória, tanto sob a égide do CPC de 1973 quanto sob o regime do CPC de 2015.
Examina o depósito obrigatório enquanto requisito de admissibilidade da ação rescisória
e como garantia do pagamento de multa que venha a ser eventualmente cominada
contra o autor. Reflete sobre a repercussão da nova legislação nas demandas ajuizadas
antes de sua entrada em vigor, especialmente quanto à possibilidade de o autor da
rescisória solicitar o levantamento do valor depositado naquilo que exceder o limite
introduzido pelo CPC de 2015.
Palavras-chave: Ação rescisória - Depósito inicial obrigatório - Superveniência do
CPC-2015 - Aplicação aos processos pendentes.
Abstract: This article analyzes the initial deposit required for the proposition of an action
to overrule a final judgment, under the CPC-1973 and the CPC-2015. It examines the
compulsory initial deposit as a requirement for admissibility of this kind of action and as
a guarantee for an eventual fine payment by the claimant. Futhermore, it studies the
repercussion of the new legislation in the pending cases, especially about the possibility
of the claimant request the cash that exceed the limit introduced by CPC-2015.
Keywords: Action to overrule a final judgment - Compulsory initial deposit -
Supervenience of the CPC-2015 - Application in pending cases.
Sumário:
1Introdução - 2Análise das regras que versam sobre o depósito obrigatório na ação
rescisória - 3A multa como eficácia anexa da decisão judicial que, à unanimidade de
votos, inadmite ou julga improcedente a ação rescisória - 4A limitação do depósito
obrigatório pelo CPC-2015: influência da regra nova sobre o depósito efetuado segundo
o CPC-1973 - 5Argumento de reforço: análise sob a ótica do direito sancionador -
6Conclusão
1 Introdução
O objeto deste artigo é responder à seguinte questão: pode o autor de ação rescisória
ajuizada na vigência do CPC (LGL\2015\1656)-1973 levantar o depósito judicial já
efetuado, na parte em que excede o teto de mil salários mínimos estabelecido pelo novo
regramento (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 968, § 2º)? Vejamos.
2 Análise das regras que versam sobre o depósito obrigatório na ação rescisória
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
superveniência do novo CPC
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2.1 Exegese do texto legal
No CPC (LGL\2015\1656)-1973, o tema do depósito obrigatório estava regulado em três
dispositivos:
"Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do
art. 282, devendo o autor:
I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa;
II – depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de
multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou
improcedente.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no n º II à União, ao Estado, ao Município e ao
Ministério Público.
Art. 490. Será indeferida a petição inicial:
I – nos casos previstos no art. 295;
II – quando não efetuado o depósito, exigido pelo art. 488, II.
Art. 494. Julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o
caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito; declarando inadmissível
ou improcedente a ação, a importância do depósito reverterá a favor do réu, sem
prejuízo do disposto no art. 20".
No CPC (LGL\2015\1656)-2015, o tema é regulamentado da seguinte forma:
"Art. 968. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do
art. 319, devendo o autor:
I – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento do processo;
II – depositar a importância de cinco por cento sobre o valor da causa, que se
converterá em multa caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível
ou improcedente.
§ 1 º Não se aplica o disposto no inciso II à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos
Municípios, às suas respectivas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério
Público, à Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício de gratuidade da
justiça.
§ 2 º O depósito previsto no inciso II do caput deste artigo não será superior a 1.000
(mil) salários-mínimos.
§ 3 º Além dos casos previstos no art. 330, a petição inicial será indeferida quando não
efetuado o depósito exigido pelo inciso II do caput deste artigo.
(...)
Art. 974. Julgando procedente o pedido, o tribunal rescindirá a decisão, proferirá, se for
o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito a que se refere o inciso
II do art. 968.
Parágrafo único. Considerando, por unanimidade, inadmissível ou improcedente o
pedido, o tribunal determinará a reversão, em favor do réu, da importância do depósito,
sem prejuízo do disposto no § 2º do art. 82".
A partir desses textos legais é possível extrair, tanto no regramento do CPC
(LGL\2015\1656)-1973 quanto no do CPC (LGL\2015\1656)-2015, duas normas jurídicas
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
superveniência do novo CPC
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distintas e bem definidas: a) num primeiro momento, a norma que institui o depósito
obrigatório de 5% do valor atribuído à causa como requisito de admissibilidade da ação
rescisória; b) num segundo momento, a norma que impõe seja o autor da rescisória
sancionado com uma multa, fixada em valor correspondente ao do depósito obrigatório,
se satisfeitos determinados pressupostos de fato.
Há casos de não incidência dessas normas jurídicas: quando o autor da rescisória é a
União, o Estado, o Município ou o Ministério Público (CPC (LGL\2015\1656)-1973, art.
488, par. ún.; o CPC (LGL\2015\1656)-2015 mantém a regra no art. 968, § 1º); ou
quando é o Distrito Federal, a autarquia ou a fundação vinculada à União, ao Estado, ao
Distrito Federal ou ao Município, ou ainda a Defensoria Pública e o benefício da
gratuidade da justiça (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 968, § 1º).
Façamos agora uma breve análise de cada uma dessas normas jurídicas.
2.2 O depósito obrigatório como requisito de admissibilidade da ação rescisória
O depósito obrigatório era, na vigência do CPC (LGL\2015\1656)-1973, e continua
sendo, na vigência do CPC (LGL\2015\1656)-2015, um requisito de admissibilidade da
ação rescisória. Sem a realização do depósito, o processo é inválido.
Se o vício for constatado liminarmente – isto é, antes da citação do réu –, o relator deve
dar ao autor a oportunidade de saná-lo, efetuando o depósito (CPC
(LGL\2015\1656)-2015, art. 321; FPPC, Enunciado 2841); não sendo efetuado o
depósito, a petição inicial deve ser indeferida (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 968, §
3º; CPC (LGL\2015\1656)-1973, art. 490, II). Se o vício for constatado após a citação
do réu, e desde que não sanado no prazo estabelecido pelo relator, o processo deve ser
extinto por ausência de um dos seus requisitos de validade(CPC (LGL\2015\1656)-2015,
art. 485, IV).
Além disso, eventual majoração do valor da causa, de ofício ou por provocação da parte
contrária (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 292, § 3º), implicará a necessidade de o
depósito ser reforçado para refletir o valor retificado.2 Não efetuado o reforço do
depósito, que corresponderia ao saneamento do vício, a consequência jurídica é a
mesma indicada anteriormente: indeferimento da inicial, se o réu ainda não foi citado,
ou extinção do processo por falta de requisito de admissibilidade, se já tiver havido
citação.
Mas não basta efetuar o depósito; é preciso mantê-lo.
Sob a ótica da teoria do fato jurídico, o processo é um ato jurídico complexo,3 que se
enquadra na categoria “ato-complexo de formação sucessiva”: os vários atos que
compõem o tipo normativo sucedem-se no tempo,4 porquanto seja um conjunto de atos
jurídicos (atos processuais), relacionados entre si, que possuem como objetivo comum,
no caso do processo judicial, a prestação jurisdicional.
O depósito não é exigível apenas como requisito de validade do ato inicial do
procedimento (a petição inicial). Se, a despeito da ausência de depósito, a inicial foi
deferida, com o despacho de citação do réu, isso não afasta a necessidade de o autor ser
chamado a efetuá-lo em momento posterior, se e quando constatada a sua falta. Por ser
requisito de admissibilidade do processo, e considerando que o processo é ato jurídico
complexo de formação sucessiva, a manutenção do depósito é requisito de validade de
todos os atos do procedimento, podendo ser exigido mesmo após a citação do réu – e
mesmo sem sua provocação.
2.3 O depósito obrigatório como parâmetro e garantia do pagamento de eventual multa
Outra norma jurídica que decorre dos arts. 968, II, § 2º e 974, par. ún., do CPC
(LGL\2015\1656)-2015 (correspondentes aos arts. 488, II, e 494 do CPC
(LGL\2015\1656)-1973) é a de que o autor deve ser sancionado, impondo-se lhe multa
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de valor correspondente ao depósito efetuado, caso a rescisória seja, por unanimidade
de votos, inadmitida ou julgada improcedente. Assim, além de ser um requisito de
admissibilidade da ação rescisória, o depósito inicial tem a função de servir de parâmetro
e de garantir o pagamento dessa futura e eventual multa por abuso do direito de
demandar.5
O depósito serve como contraestímulo à propositura de ações rescisórias temerárias,
mas ele não é, por si só, uma sanção.6 O autor da rescisória pode, eventualmente, ser
sancionado por exercício abusivo do direito de demandar. Se isso ocorrer, precisará
pagar uma multa cujo valor corresponderá ao valor do depósito. Isso, porém, não
identifica o depósito com a sanção.
É um equívoco dizer, como fazia o art. 488, II, do CPC (LGL\2015\1656)-1973, que o
depósito é feito “a título de multa”. O dever jurídico de pagar a multa nem mesmo existe
quando do ajuizamento da rescisória. A sanção decorre da constatação de que nenhum
membro do órgão colegiado admitiu a tramitação da rescisória ou de que a tese jurídica
defendida pelo autor não convenceu nem mesmo um deles, o que faz presumir – e essa
é uma presunção absoluta ex legis – que houve exercício abusivo do direito de
demandar. Tampouco é correto dizer, como o faz o art. 968, II, do CPC
(LGL\2015\1656)-2015, que o depósito “se converterá em multa”.
O depósito é uma coisa; a multa, outra. Eles se vinculam, mas não se confundem.
A multa é sanção; o depósito é parâmetro de fixação da multa e garantia do seu
pagamento. O depósito não se converte em multa. Ele serve como referência para a
multa e é utilizado prioritariamente para cumprimento do dever jurídico decorrente da
sua imposição. Antes de existir a multa, no entanto, o depósito compõe o patrimônio
jurídico do autor, tanto que pode, por exemplo, ser objeto de penhora, para garantia de
débito seu no mesmo ou em outro processo.7 Se a multa for imposta, ela corresponderá
ao valor do depósito e o réu está autorizado a utilizar o valor depositado para
pagamento do seu crédito, com prioridade sobre qualquer outro crédito eventualmente
garantido pelo mesmo depósito.
A questão agora é compreender o que faz surgir o dever jurídico de o autor pagar a
multa.
3 A multa como eficácia anexa da decisão judicial que, à unanimidade de votos, inadmite
ou julga improcedente a ação rescisória
3.1 Conteúdo e efeitos da decisão judicial: distinção necessária
Todo ato jurídico possui um conteúdo. É o que lhe dá existência. Justamente por ser um
ato jurídico tem ele aptidão para produzir efeitos jurídicos.
A decisão judicial é um ato jurídico. Como todo ato jurídico, a decisão judicial possui
conteúdo e deve ter, ao menos em tese, aptidão para gerar efeitos jurídicos. Não se
confundem o conteúdo e os efeitos de uma sentença. Uma coisa é a música; outra coisa
é o que sentimos ao ouvi-la.
Nada obstante a íntima relação que entre eles há, “o efeito é algo que está
necessariamente, por definição, fora daquilo que o produz”.8 São entidades
inconfundíveis: “aquilo que integra o ato não resulta dele; aquilo que dele resulta não o
integra”.9
A decisão judicial é um ato jurídico no qual se pode encontrar uma norma jurídica
individualizada, ou simplesmente norma individual, que se diferencia das demais normas
jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela
coisa julgada.
O conteúdo da decisão judicial é exatamente a norma do caso concreto; isto é, a norma
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jurídica individualizada estabelecida pelo magistrado na conclusão/dispositivo do
pronunciamento e que certifica o direito a uma prestação (fazer, não fazer ou dar coisa),
reconhece um direito potestativo ou ainda tão somente declara algo.
Já o efeito (ou eficácia) da decisão é a repercussão que a determinação dessa norma
jurídica individualizada pode gerar e que vincula, de regra, as partes do processo. É
muito importante distinguir o conteúdo dos efeitos da decisão judicial. É a partir do
conteúdo que se pode traçar um esboço dos efeitos que a decisão está apta a produzir.
3.2 Os possíveis conteúdos de uma decisão e seus respectivos efeitos
São três os possíveis conteúdos que uma decisão pode ter.
(i) Decisões condenatórias ou decisões que impõem prestação são aquelas que
reconhecem a existência do direito a uma prestação e permitem a realização de
atividade executiva no intuito de efetivar materialmente essa prestação. Direito a uma
prestação é o poder jurídico, conferido a alguém, de exigir de outrem o cumprimento de
uma prestação, isto é, de uma conduta material, que pode consistir num fazer, não
fazer, dar coisa ou pagar quantia.10 A decisão que impõe uma prestação tem por
conteúdo a certificação da existência de um direito subjetivo do autor e a imposição ao
réu do cumprimento do respectivo dever; tem por efeito viabilizar que o credor possa
valer-se de medidas executivas para buscar a satisfação desse seu direito.
O direito a uma prestação, quando certificado pelo juiz, precisa ser concretizado no
mundo físico, o que somente vai acontecer se o demandado cumprir a ordem que lhe é
dirigida. Isso se dá porque o bem da vida buscado, quando se lança mão de uma ação
de prestação, é a própria prestação, ou seja, o resultado do fazer ou do não fazer, a
própria coisa ou a quantia cuja entrega ou pagamento se pretende. De nada adianta, por
exemplo, àquele que foi reconhecido como credor de uma quantia ver certificado esse
seu direito subjetivo por uma sentença, se o réu, a quem se dirigiu a ordem judicial, não
efetuar o pagamento. É por isso que se diz que o direito certificado precisa ser
concretizado no mundo físico.
Quando o sujeito passivo não cumpre a prestação, fala-se em inadimplemento ou lesão.
Considerando que a autotutela é, em regra, vedada no ordenamento jurídico,o titular
desse direito (credor), embora tenha a pretensão, não tem como, por si, agir para
efetivá-lo. É nesse contexto que surge a tutela executiva como forma de efetivação
judicial do direito a uma prestação: certificado o direito subjetivo do credor e ocorrendo
o inadimplemento (não cumprimento voluntário) do devedor, pode o titular do direito
valer-se de medidas executivas para efetivar a decisão, buscando a satisfação do bem
jurídico almejado.
Assim, a atividade jurisdicional não se exaure com a certificação do direito subjetivo; ela
somente se exaure com a efetivação desse direito.
(ii)Constitutiva é a decisão que certifica e efetiva direito potestativo. Direito potestativo
é o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à alteração, criação ou
extinção de situações jurídicas. São exemplos de direitos potestativos: (i) o de rever as
cláusulas de um contrato ou de rever o valor da prestação alimentícia (altera relação
jurídica); (ii) o de instituir servidão ou de adotar alguém (cria relação jurídica); (iii) o de
rescindir um contrato ou de anulá-lo, ou ainda o direito de pedir o divórcio (extingue
relação jurídica).
A decisão constitutiva tem por conteúdo a certificação e a efetivação de um direito
potestativo; seu efeito é a situação jurídica nova, que resulta do reconhecimento do
direito potestativo. Apenas para exemplificar, a decisão que decreta a rescisão de um
contrato (conteúdo) faz cessar todos os direitos e obrigações dele decorrentes (efeito).
Ao contrário do direito a uma prestação, o direito potestativo se efetiva no plano
jurídico, não no plano dos fatos. É por isso que a sua efetivação prescinde de atividade
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executiva, tal como a que se exige para a efetivação de um direito de prestação. A
decisão que certifica um direito potestativo já o efetiva com a simples implantação da
nova situação jurídica almejada, sem necessidade de que sejam praticados quaisquer
atos de execução.11
(iii) Por fim, temos as decisões declaratórias, assim entendidas as que se restringem a
certificar (i) a existência, a inexistência ou o modo de ser de uma situação jurídica; ou
(ii) a autenticidade ou falsidade de um documento (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art.
19). As ações meramente declaratórias se caracterizam porque têm por objetivo tão
somente obter uma certificação, uma certeza jurídica, um preceito. Elas são cabíveis
naquelas situações em que há uma situação de incerteza, de dúvida, e a parte busca no
Judiciário uma certificação. Assim, a decisão meramente declaratória pressupõe essa
situação de incerteza e tem por objetivo eliminá-la. Daí se dizer que o bem da vida que
ela confere àquele que provocou a jurisdição é a certeza jurídica acerca da existência,
inexistência ou modo de ser de uma determinada situação jurídica,12 ou ainda acerca da
autenticidade ou falsidade de documento.
Trata-se, como se vê, de decisão que tem por conteúdo a própria declaração acerca da
existência/inexistência/modo de ser da situação jurídica ou da autenticidade/falsidade do
documento. Essa declaração tem por efeito trazer uma certeza jurídica.
É perfeitamente possível que uma mesma decisão tenha conteúdos diversos –
declaratória numa parte, constitutiva em outra, por exemplo. Esses conteúdos não são
excludentes; eles podem conviver uns com os outros.
3.3 A eficácia anexa da decisão judicial: definição
Dizem-se anexos, ou secundários, os efeitos que uma norma jurídica (lei ou negócio
jurídico, por exemplo) anexa à decisão judicial; isto é, não são consequências do
conteúdo da decisão, mas de uma específica determinação normativa estranha à
decisão.
Essa norma toma o pronunciamento judicial como um fato da vida e anexa a ele efeitos
que, se dependesse do seu conteúdo, a decisão não os produziria. Esses efeitos
independem de pedido da parte ou da manifestação do juiz. São efeitos indiretos e
automáticos que resultam do fato de a decisão existir.13 A decisão, nesse caso, é tratada
como se fosse um fato, cujos efeitos independem da vontade, e não um ato voluntário,
cujos efeitos jurídicos são determinados pela vontade de quem os pratica. É, pois,
encarada como um ato-fato: ato humano tratado pelo Direito como se fosse um fato.
São exemplos de efeitos anexos: (i) a perempção, que é gerada pela terceira sentença
de extinção sem resolução de mérito por abandono unilateral (CPC
(LGL\2015\1656)-2015, art. 486, § 3º); (ii) a separação de corpos, que é gerada pela
sentença que decreta o divórcio; (iii) o direito ao ressarcimento de danos,
independentemente de condenação, que é efeito da sentença que extingue a execução
provisória (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 520, I); (iv) o direito ao ressarcimento de
danos, independentemente de condenação, que é efeito dos provimentos baseados no
art. 302 do CPC (LGL\2015\1656)-2015; (v) o direito ao ressarcimento de danos,
independentemente de condenação, que é efeito da sentença penal condenatória
transitada em julgado (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 515, VI; Código Penal, art. 91,
I);14 (vi) efeito anexo tributário da sentença, naquilo que diz respeito às custas
processuais, eventualmente não recolhidas;15 (vii) a devolução de imóvel cujo direito
real de uso fora concedido pelo Poder Público ao particular, que é efeito da decisão que
rescinde o contrato de concessão por descumprimento;16(viii) o direito a honorários de
êxito, no caso de uma cláusula contratual previr pagamento adicional no caso de vitória
de uma das partes – note que, aqui, temos um efeito anexo por previsão negocial; (ix) a
hipoteca judiciária, que é efeito anexo da sentença que impõe obrigação de pagar
quantia (CPC (LGL\2015\1656)-2015, art. 495; Lei 6.015/1973, art. 167, I, 2).
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
superveniência do novo CPC
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Perceba que, em todos esses casos, a norma jurídica (lei ou negócio jurídico) atribui à
decisão judicial – tomada como um fato da vida – a aptidão para gerar situações
jurídicas ativas e passivas (direitos e deveres/estados de sujeição). Em outras palavras,
quem cria as situações jurídicas ativas e passivas não é a decisão judicial, mas uma
norma jurídica que lhe é estranha e que apenas a toma como pressuposto fático de
incidência.17
É exatamente isso que acontece aqui: a multa, cuja extensão é definida e cujo
pagamento é garantido pelo depósito obrigatório previsto na lei (CPC
(LGL\2015\1656)-2015, art. 968, II; CPC (LGL\2015\1656)-1973, art. 488, II), é um
efeito anexo da decisão que, à unanimidade de votos, inadmite a rescisória ou a julga
improcedente.
3.4 A eficácia anexa da decisão que, à unanimidade de votos, inadmite ou julga
improcedente ação rescisória: dever do autor de pagar multa correspondente ao valor do
depósito
Extrai-se do art. 968, II, c/c art. 974, par. ún., do CPC (LGL\2015\1656)-2015 (CPC
(LGL\2015\1656)-1973, art. 488, II, c/c art. 494) a norma jurídica segundo a qual o
autor deve pagar multa ao réu – se ele já tiver sido citado18 –, caso satisfeitos certos
pressupostos de incidência específicos: a) a superveniência de decisão colegiada; b) que,
à unanimidade de votos; c) conclua pela inadmissibilidade ou pela improcedência da
rescisória; e d) se torne irrecorrível.
Em primeiro lugar, somente a decisão colegiada se enquadra na moldura normativa
delineada. Apenas ela tem aptidão para fazer nascer o dever de o autor pagar ao réu
uma multa correspondente ao valor do depósito. Se a rescisória for extinta por decisão
unipessoal do relator, ainda que o pronunciamento conclua pela inadmissibilidade ou
pela improcedência prima facie, não há dever de pagar multa nem o correspectivo direito
do réu ao levantamento do depósito.19
Em segundo lugar, somente a decisão colegiada tomada à unanimidade de votos tem
aptidão para gerar o efeito previsto em lei – isso exclui, por exemplo, a decisão
colegiada tomada por maioriaabsoluta dos membros do colegiado.20 Esse, aliás,
parece-nos um elemento, por assim dizer, decisivo para a imposição da multa: a
unanimidade de vozes contrárias à admissibilidade ou à procedência do pedido é o índice
que revela, no entendimento do legislador, que o direito de demandar foi exercido
abusivamente. Se um só dos membros do colegiado admitir a rescisória ou julgá-la
procedente não haverá imposição de multa ao autor, porque nesse caso estará afastada
a presunção de exercício abusivo do direito de demandar.
Em terceiro lugar, a decisão colegiada unânime com aptidão para fazer nascer o dever
do autor ao pagamento da multa – e o correspectivo direito do réu ao seu recebimento –
é aquela que inadmite a rescisória ou que a julga improcedente. A decisão que homologa
a desistência ou a renúncia não faz nascer o dever de pagar multa.21 Por outro lado, a
improcedência que se exige para fazer nascer o dever de pagar a multa é quanto ao
juízo rescindente (iudicium rescindens), não quanto ao juízo de rejulgamento (iudicium
rescissorium).22
Em quarto e último lugar, somente com o trânsito em julgado da decisão proferida
nesses termos surge o dever de pagar a multa – e o correspectivo direito do réu de
recebê-la.23 Eventual interposição de recurso, pelo autor, contra a decisão unânime que
lhe é desfavorável pode alterar esse resultado, anulando-o ou substituindo-o,24 de modo
que somente após o trânsito em julgado é possível saber se estarão preenchidos os
pressupostos de fato para o surgimento do dever de pagar a multa.
Preenchidos esses pressupostos de fato, a norma jurídica incide e faz nascer não apenas
o dever de o autor pagar a multa como também o direito do réu ao seu recebimento. O
valor deve corresponder ao do depósito efetuado e será satisfeito por meio do
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levantamento desse montante.
Trata-se, como se vê, de efeito anexo da decisão judicial que preenche esses
pressupostos de fato. O direito à multa nasce da vontade do legislador; nasce a partir da
decisão, do fato de ela existir e preencher todos os pressupostos previstos na lei. Não é
a decisão que sanciona o autor ou certifica o direito do réu; é a lei que o faz; a decisão é
mero elemento do suporte fático que precisa ser preenchido para que surjam essas
situações jurídicas. Ainda que omissa a decisão,25a multa será imposta ao autor e o réu
fará jus ao recebimento do valor depositado.
4 A limitação do depósito obrigatório pelo CPC-2015: influência da regra nova sobre o
depósito efetuado segundo o CPC-1973
Uma das poucas inovações trazidas pelo CPC (LGL\2015\1656)-2015 relativamente ao
depósito obrigatório da ação rescisória é a fixação do teto de 1.000 salários mínimos
(art. 968, § 2º). Com isso, o legislador estabelece um limite ao valor do depósito prévio
que se exige do autor para fins de preenchimento desse específico requisito de
admissibilidade da ação rescisória. Por versar sobre requisito de admissibilidade da ação
rescisória, limitando-o para evitar embaraço desproporcional ao exercício do direito de
ação, a regra tem nítido caráter processual.
Cumpre saber se ela se aplica imediatamente aos feitos em curso. Para isso, vejamos o
que dizem o art. 14 e o art. 1.046, ambos do CPC (LGL\2015\1656)-2015:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos
em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos
processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
A regra, então, é que as normas processuais novas se aplicam aos processos pendentes.
O art. 14 do CPC (LGL\2015\1656) regula o assunto de maneira mais completa, pois
ressalva que a aplicação imediata da nova norma processual deve respeitar “ os atos
processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma
revogada”.
Não há nada de especial na aplicação da norma processual. A peculiaridade (se de fato
existe alguma) é que o processo é uma realidade fática e jurídica bem complexa.
Em princípio, o processo é uma espécie de ato jurídico.
Trata-se, como já vimos anteriormente, de ato jurídico complexo de formação sucessiva:
um conjunto de atos jurídicos processuais, relacionados entre si, que possuem como
objetivo comum, no caso do processo judicial, a prestação jurisdicional. Cada ato que
compõe o processo é um ato jurídico que merece proteção. Lei nova não pode atingir ato
jurídico perfeito (CF (LGL\1988\3), art. 5º, XXXVI), mesmo se ele for um ato jurídico
processual. Por isso o art. 14 do CPC (LGL\2015\1656)-2015 determina que se
respeitem “os atos processuais praticados”.
Mas o processo também pode ser encarado como um efeito jurídico.
Nesse sentido, processo é o conjunto de relações jurídicas que se estabelecem entre os
diversos sujeitos processuais (partes, juiz, auxiliares da justiça etc.). Essas relações
jurídicas processuais formam-se em diversas combinações: autor-juiz, autor-réu,
juiz-réu, autor-perito, juiz-órgão do Ministério Público etc. Dessas combinações surgem
situações jurídicas ativas e passivas (direitos, deveres, estados de sujeição, ônus etc.).
São situações jurídicas ativas, por exemplo, o direito ao recurso, o direito de produzir
uma prova, o direito de contestar etc. Uma vez adquirido pelo sujeito, o direito
processual ganha proteção constitucional e não poderá ser prejudicado por lei. Lei nova
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
superveniência do novo CPC
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não pode atingir direito adquirido (CF (LGL\1988\3), art. 5º, XXXVI); por isso, o art. 14
do CPC (LGL\2015\1656)-2015 determina que se respeitem “ as situações jurídicas
consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Como vimos, a norma que impõe a realização do depósito prévio tem caráter processual,
uma vez que estabelece requisito de admissibilidade específico do procedimento da ação
rescisória. Ao efetuar o depósito prévio, nos termos do art. 488, II, do CPC
(LGL\2015\1656)-1973, o autor da rescisória satisfez esse requisito de admissibilidade
específico. Sucede que, por força de regramento novo, que veicula norma de natureza
igualmente processual, esse mesmo requisito de admissibilidade considera-se satisfeito
pelo depósito de quantia limitada a 1.000 salários mínimos.
A norma jurídica processual nova aplica-se imediatamente aos processos pendentes. Se
o legislador considera que esse é o valor máximo necessário para que se diga admissível
a ação rescisória ajuizada na vigência do CPC (LGL\2015\1656)-2015, não há razão para
que exija, como requisito de admissibilidade, a manutenção de depósito acima desse
limite apenas porque uma determinada rescisória foi ajuizada na vigência do CPC
(LGL\2015\1656)-1973.
Como dito, o autor da rescisória satisfez, satisfaz e continuará satisfazendo esse
requisito de admissibilidade específico mesmo com o levantamento da parcela do
depósito que excede o teto do art. 968, § 2º, do CPC (LGL\2015\1656)-2015. Exigir que
mantenha em depósito quantia que excede a esse limite é impor a ele que permaneça
observando requisito de admissibilidade não mais exigido pela legislação processual –
ou, pelo menos, não mais exigido nessa extensão. Pior do que isso: é privá-lo de parcela
do seu patrimônio sem observância do devido processo legal (CF (LGL\1988\3), art. 5º,
LIV), uma vez que o novo regramento limita o depósito exigível do autor da demanda.
Em outras palavras, nada há que justifique a manutenção de depósito em valor superior
ao atualmente exigido pela legislação. Nem mesmo a função, que o depósito obrigatório
também tem, de garantir o pagamento de eventual multa por abuso do direito de
demandar justifica isso.
Considerando que a multa constitui efeito anexo da decisãojudicial transitada em
julgado, a norma jurídica processual aplicável é aquela vigente ao tempo da decisão – ou
seja, aquela prevista no CPC (LGL\2015\1656)-2015. E o CPC (LGL\2015\1656)-2015,
ao limitar o depósito a 1.000 salários mínimos, limita também a própria multa, já que a
expressão pecuniária desta deve ser equivalente à expressão pecuniária do próprio
depósito.
Sendo assim, ainda que sobrevenha decisão que, à unanimidade de votos, inadmita ou
julgue improcedente o pedido rescindente formulado pelo autor, o valor máximo a que
fará jus o réu, a título de multa, é de 1.000 salários mínimos.
Se é a opção legislativa que faz nascer, atendidos certos pressupostos, o dever jurídico
de pagar a multa, é preciso aplicar a opção vigente ao tempo em que esses
pressupostos são satisfeitos. Atualmente, o depósito tem um limite; por consequência, a
multa também. O que não pode é aplicar a multa do CPC (LGL\2015\1656)-2015
considerando o valor do depósito do CPC (LGL\2015\1656)-1973.
Por esses motivos, o autor da rescisória tem direito de levantar a parcela do depósito
que exceda 1.000 salários mínimos.
Note que o réu não tem qualquer interesse juridicamente tutelável de impedir a
liberação dessa parcela do depósito. Ele não é titular de direito ou de qualquer outra
posição jurídica ativa que tenha por objeto a quantia sob custódia. O seu direito somente
nasce se, como visto anteriormente, sobrevier o trânsito em julgado de decisão
colegiada que, à unanimidade de votos, inadmita ou julgue improcedente o pedido
rescindente. Esse é o pressuposto de fato que faz nascer o seu direito à multa.
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Se ainda não há decisão, que é um dos pressupostos de fato para o surgimento ex vi
legis do dever de pagar a multa, não há, obviamente, dever de pagar multa; se não há
dever de pagar multa, não há direito de recebê-la. Ainda que surja, no futuro, o direito
de recebê-la, esse direito estará limitado, como vimos, a 1.000 salários mínimos, de
modo que não pode o réu exigir que o autor mantenha garantia além desse limite.
5 Argumento de reforço: análise sob a ótica do direito sancionador
A sanção de que tratam o art. 968, II e § 2º, e o art. 974, par. ún., ambos do CPC
(LGL\2015\1656)-2015, independe da análise de qualquer elemento subjetivo ou da
conduta do autor. Se a tese construída na rescisória não for admitida ou não convencer
nem mesmo um dos membros do órgão colegiado, presume-se a conduta abusiva e
imputa-se uma sanção. Sucede que o dever jurídico e a imputabilidade, como temos
dito, somente nascem com o trânsito em julgado de decisão que satisfaça certos
pressupostos.
Alguém poderá dizer, no entanto, que a sanção, embora imposta posteriormente, visa
reprimir conduta abusiva praticada quando do ajuizamento da ação rescisória – e que,
por isso, deve guardar referibilidade com o valor do depósito feito naquela oportunidade.
Embora o argumento não nos pareça correto, convém analisá-lo sob essa ótica,
atentando para noção de retributividade que deve haver entre a sanção e a conduta que
ela visa reprimir.
A despeito das considerações sobre a inadequada identificação, que se costuma fazer,
entre o depósito e a eventual sanção por abuso do direito de demandar, é inegável que
entre esses conceitos há uma vinculação: dentre outras coisas, o depósito serve à
sanção eventual, na medida em que lhe serve de parâmetro e visa assegurar o seu
adimplemento.
É natural, portanto, intuir que a análise do tema deve ser presidida pela lógica do direito
sancionador: não há sanção sem transgressão e não há transgressão sem lei anterior
que a defina como tal (princípio da legalidade).
Tais axiomas estão previstos na Constituição Federal – “não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (CF (LGL\1988\3), art. 5º, XXXIX)
– e no art. 1º do Código Penal brasileiro. A despeito das referências a “crime” e “pena”,
aí se tem norma jurídica de espectro muito mais abrangente, que deve inspirar toda e
qualquer iniciativa sancionatória.
Relaciona-se ao princípio da legalidade a garantia específica da irretroatividade das leis
sancionadoras, segundo a qual a lei sancionadora não pode atingir fatos da vida
ocorridos antes da ou após a sua vigência.26 Tratando do assunto, Luigi Ferrajoli explica
que:
"Os mesmos motivos pelos quais esta deva ser irretroativa – a injustificabilidade de
agravamentos não predeterminados legalmente ou que não se consideram mais
necessários –, determinam que a lei penal mais favorável ao réu deva ser ultra-ativa em
relação à mais desfavorável, se é mais antiga que esta, e retroativa, se é mais nova".27
Essa é a premissa adotada pelo Código Penal brasileiro:
"Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime,
cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos
fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado".
Note que, no Brasil, a possibilidade de a lei sancionadora retroagir para beneficiar o
infrator constitui garantia fundamental: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar
o réu” (CF (LGL\1988\3), art. 5º, XL). Sobre o modo de concretização dessa garantia,
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eis o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
"A regra constitucional de retroação da lei penal mais benéfica (inciso XL do art. 5º) é
exigente de interpretação elástica ou tecnicamente “generosa”. Para conferir o máximo
de eficácia ao inciso XL do seu art. 5º, a Constituição não se refere à lei penal como um
todo unitário de normas jurídicas, mas se reporta, isto sim, a cada norma que se veicule
por dispositivo embutido em qualquer diploma legal. Com o que a retroatividade benigna
opera de pronto, não por mérito da lei em que inserida a regra penal mais favorável,
porém por mérito da Constituição mesma".28
A aplicabilidade de normas jurídicas de conteúdo garantista é algo subjacente às
opiniões e decisões que versam sobre os arts. 968, II e § 2º, e 974, par. ún., do CPC
(LGL\2015\1656)-2015 (e nos arts. 488, II, e 494, do CPC (LGL\2015\1656)-1973),
tendo em vista o caráter sancionatório da multa. O STJ, por exemplo, sob a vigência do
CPC (LGL\2015\1656)-1973, firmou entendimento de que “o depósito inicial somente
será perdido nas situações que a norma jurídica expressamente indicar como geradoras
da sanção, o que demonstra serem taxativas as hipóteses da parte final do artigo 494 do
Código de Processo Civil”.29
A doutrina, acompanhando essa diretriz, fala, por exemplo, em benefício da dúvida, para
sustentar que um simples voto favorável à admissibilidade da ação ou à procedência do
pedido rescindente é suficiente para que o valor do depósito seja restituído ao autor: “o
benefício da dúvida, revelado pelo voto vencido, é suficiente para considerar não ter
havido abuso no manejo da ação rescisória”.30
Toda construção teórica sobre o tema tende a fixar limites garantistas à incidência
desses dispositivos.
Aplicando essa mesma lógica ao caso concreto, temos que o CPC
(LGL\2015\1656)-2015, ao limitar a até 1.000 salários mínimos a multa imputável ao
autor da rescisória, estabeleceu um novo parâmetro de retributividade entre a sanção e
a conduta que pretende reprimir.
Nesse particular, a lei vigente é, então, mais benéfica ao infrator, de modo que, mesmo
que se diga que a conduta a ser reprimida ocorreu sob a vigência da lei antiga (CPC
(LGL\2015\1656)-1973), não faz sentido imputar ao autor multa maior que aquela
estabelecida como máxima segundo o atual parâmetro de retributividade. Se a lei
sancionadora atual é mais suave (lex mitior), então é ela que deve ser aplicada à
conduta que visa reprimir, ainda que talconduta tenha sido praticada (ou iniciada) sob a
égide de lei anterior – novatio legis in mellius.
6 Conclusão
Diante da análise efetuada, concluímos que o autor de ação rescisória ajuizada na
vigência do CPC (LGL\2015\1656)-1973 tem direito ao levantamento imediato do
depósito obrigatório, na parcela que eventualmente exceder a 1.000 salários mínimos
vigentes, porque não se pode exigir, sem base legal, que ele mantenha em depósito
quantia maior que a considerada suficiente para atender ao atual requisito de
admissibilidade do procedimento da ação rescisória, tampouco a manter garantia em
valor maior que o máximo a que pode chegar eventual multa a ser cominada em caso de
decisão unânime que inadmita a rescisória ou que a julgue improcedente.
Além disso, sob a ótica do direito sancionador, percebe-se que a lei atual estabelece um
teto para a multa eventualmente imposta, que deve coincidir necessariamente com o
valor do depósito – de modo que, se este tem um limite, aquela também o tem. Sendo
mais benéfica a lei atual (lex mitior), ela se aplica mesmo às condutas que se presumem
praticadas sob a vigência de lei anterior – novatio legis in mellius.
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
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1 Enunciado 284 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 321; 968, § 3º)
Aplica-se à ação rescisória o disposto no art. 321”.
2 “A eventual majoração do valor da causa implicará, por si, a determinação de que o
valor do depósito da multa seja complementado” (STJ, AgRg na AR 4.607/SC, rel. Min.
Cesar Asfor Rocha, Primeira Seção, j. 25.05.2011, DJe 10.06.2011).
3 Ato jurídico complexo é aquele “cujo suporte fáctico é complexo e formado por vários
atos jurídicos. (...) No ato-complexo há um ato final, que o caracteriza, define a sua
natureza e lhe dá a denominação e há o ato ou os atos condicionantes do ato final, os
quais, condicionantes e final, se relacionam entre si, ordenadamente no tempo, de modo
que constituem partes integrantes de um processo, definido este como um conjunto
ordenado de atos destinados a um certo fim” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do
fato jurídico – plano da existência. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 137-138).
4 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às
nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 82; FERNANDES, Antonio
Scarance. Teoria geral do procedimento e o procedimento no processo penal. São Paulo:
RT, 2005, p. 31-33.
5 Nesse sentido: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo
Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 211; PORTO, Sergio Gilberto.
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000, v. 6, p. 362.
6 Segundo o STJ, “o depósito inicial da ação rescisória possui dupla finalidade. Visa
reprimir excessivo ajuizamento de ações e sancionar o abuso do direito. Não assume,
por conseguinte, caráter indenizatório (compensar o réu por eventuais prejuízos)” (STJ,
REsp 754.254/RS, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 21.05.2009, DJe
01.06.2009). A passagem precisa ser interpretada em termos. O depósito não é a
sanção; é a garantia de que, se a sanção vier a ser imposta, ela implicará a perda do
valor do depósito.
7 Ver, por exemplo: STJ, AgRg na AR 5.102/RS, rel. Min. Luís Felipe Salomão, Segunda
Seção, j. 12.02.2014, DJe 17.02.2014.
8 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o
tema. Temas de direito processual – quarta série. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 176.
9 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o
tema. Temas de direito processual – quarta série, cit., p. 177.
10 Relacionando a sentença condenatória com qualquer direito a uma prestação, DENTI,
Vittorio. ‘Flashes’ sul accertamento e condanna. Rivista di Diritto Processuale. CEDAM,
1985, p. 260.
11 “La sentencia constitutiva forma por si sola, por lo regular, rara vez unida a otros
elementos, los requisitos exigidos por la ley para la modificiación del derecho”
(ROSENBERG, Leo. Tratado de Derecho Procesal Civil. Trad. Ângela Romera Vera.
Buenos Aires: EJEA, 1955, t. 2, p. 22).
12 ROSENBERG, Leo. Tratado de derecho procesal civil, cit., p. 13.
13 SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 1976, p. 454.
14 ZAVASCKI, Teori Albino. Sentenças declaratórias, sentenças condenatórias e eficácia
executiva dos julgados. Leituras complementares de processo civil. Fredie Didier Jr.
(org.). 3. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2005, p. 35-36.
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
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15 CALAMANDREI, Piero. “Appunti sulla sentenza come fatto giuridico”. Opere giuridiche
– a cura di Mauro Cappelletti. Napoli: Morano Editore, 1965, v. 1, p. 274-275; MIRANDA,
Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997, t. 5, p. 52.
16 STJ, REsp 1186181/MS, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 05.06.2012,
DJe 06.12.2013.
17 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil.
3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. 5, p. 54.
18 BARIONI, Rodrigo. “Da ação rescisória”. Breves Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e
Bruno Dantas (coords.). 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 2.271.
19 Enunciado 603 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(art. 968, II) Não se
converterá em multa o depósito inicial efetuado pelo autor, caso a extinção da ação
rescisória se dê por decisão do relator transitada em julgado”. Nesse sentido: “Na ação
rescisória, a perda do depósito inicial em favor do réu depende de existência de
julgamento colegiado unânime em seu desfavor, ante os expressos termos da lei e a
orientação firmada pelo STF e o STJ, e não importando o fato de ter havido contestação.
No caso, a ação rescisória foi julgada extinta, após contestação, mas por decisão
monocrática transitada em julgado, de modo que não ocorreu julgamento colegiado
unânime, razão pela qual deve o autor recobrar o valor do depósito garantidor da multa
(CPC (LGL\2015\1656), art. 488, II)” (STJ, AgRg na AR 4.082/MG, rel. Min. Sidnei
Beneti, Segunda Seção, j. 23.06.2010, DJe 01.02.2011).
20 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 212.
21 “No caso dos autos, renúncia ao direito de ação, o depósito inicial deve ser levantado
pelo autor, consoante determinado pelo Tribunal de origem. A renúncia não pode ser
equiparada ao julgamento de improcedência unânime para a reversão do depósito” (STJ,
REsp 754.254/RS, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 21.05.2009, DJe
01.06.2009). No mesmo sentido: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código
de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 211; ATAÍDE JR.,
Jaldemiro Rodrigues de. “Da ação rescisória”. Código de Processo Civil comentado.
Helder Moroni Câmara (coord.). São Paulo: Almedina, 2016, p. 1.215.
22 “No texto comentado, as palavras ‘procedente’ e ‘improcedente’ referem-se ao pedido
de rescisão, e portanto ao resultado do iudicium rescindens, sendo irrelevante o teor do
julgamento proferido, se for o caso, no iudicium rescissorium, favorável ou desfavorável
– pouco importa – ao autor. Desde que se chegue a rescindir a sentença, fica certo que
o autor tinha razão em impugnar-lhe a validade, e tanto basta para que faça jus à
restituição da quantia depositada” (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao
Código de Processo Civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 211). No
mesmo sentido: SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação
rescisória. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 397.
23 “A definição sobre quem terá direito a levantar, definitivamente, a importânciadepositada a título de multa, com base no art. 488, inciso II, do Código de Processo
Civil, deve aguardar o final da demanda, com o trânsito em julgado do acórdão
respectivo” (STJ, AgRg na AR 4.607/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Primeira Seção, j.
25.05.2011, DJe 10.06.2011).
24 BARIONI, Rodrigo. “Da ação rescisória”. Breves Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e
O depósito obrigatório da ação rescisória e a
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Bruno Dantas (coords.). 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 2.271.
25 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, p. 211.
26 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002,
p. 307 e 567.
27 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: RT, 2002,
p. 307.
29 STJ, REsp 754.254/RS, rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. 21.05.2009, DJe
01.06.2009.
30 BARIONI, Rodrigo. “Da ação rescisória”. Breves Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e
Bruno Dantas (coords.). 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 2.271.
28 STF, RE 596152, rel. Min. Ricardo Lewandowski, relator p/ acórdão Min. Ayres Britto,
Tribunal Pleno, j. 13.10.2011, DJe 10.02.2012.
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