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Dos alimentos e suas propriedades no âmbito jurídico e do binômio necessidade

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Dos alimentos e suas propriedades no âmbito jurídico e do binômio necessidade-possibilidade
Pedro Henrique Martins
1.1 CONCEITO DE ALIMENTOS E SUA NATUREZA JURÍDICA.
Para que seja possível tocar o tema central deste trabalho, é necessário que sejam explorados e conceituados termos que servirão como base elementar para sustentação da tese que será montada por meio desse estudo.
Sendo assim, para discutir o artigo 1.700 do Código Civil é necessário ter pleno conhecimento dos conceitos envolvidos no texto da lei, bem como das ideias que o permeiam.
Pois bem. Para que se possa discutir sobre a aplicabilidade do artigo acima citado e, portanto, sobre a obrigação de prestar alimentos e sua transmissibilidade causa mortis, deve-se explorar primeiro o objeto da obrigação citada, qual seja, prestar alimentos.
Em relação ao termo destacado, com o intuito de compreendê-lo totalmente, faz-se necessário desmembrar o seu conceito.
Trata-se da obrigação de prestar ou fornecer alimentos. Diferentemente do significado do termo quando interpretado por leigos, "alimentos" compreende uma gama mais ampla de elementos no mundo jurídico.
Muito mais do que substâncias e proteínas utilizadas pelos seres vivos como fontes de matéria e energia para realização de suas funções vitais, no Direito, "alimentos" compreende não apenas alimentação, mas também moradia, vestuário, assistência médica, e em alguns casos, instrução. Ou seja, elementos básicos para definir a personalidade do ser humano e lhe fornecer o mínimo necessário para que possa sobreviver, dignamente, dentro de um certo padrão da sociedade.
Além disso, ao tratar de alimentos deve-se pensar em uma obrigação contínua, pois visa o sustento do alimentado, o que implica em uma prestação da obrigação periódica, visto que o ser humano, enquanto existir, precisará, de tempos em tempos, nutrir-se, vestir-se, educar-se, habitar, e eventualmente de cuidados médicos.
Segundo Orlando Gomes[1], Alimentos são “prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si”. Além disso, elenca suas características da seguinte maneira:
“O direito à prestação de alimentos é: a) pessoal; b) intransferível; c) irrenunciável; d) imprescritível; e) impenhorável, e não pode ser objeto de compensação, ou transação”.
Apesar de nenhum dos artigos que tratam dos alimentos, 1.694 a 1.710 do subtítulo III do título II do Código Civil, estipular em um artigo a definição de alimentos, o artigo 1.920 do Código Civil traz o conceito de legado de alimentos, do qual é possível extrair uma ideia.
Nesse mesmo sentido conceitua o Doutrinador Yussef Said Cahali, em sua obra "Dos Alimentos"[2], opinião também compartilhada por grande parte da jurisprudência atual[3]:
"Alimentos são, pois as prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)".
Por outro lado, a Doutrinadora Imaculada Abenante Milani, em sua obra "Alimentos, o direito de exigir e o dever de prestar"[4] destaca o lado moral do dever de prestar alimentos quando conceitua. Veja-se:
"A obrigação de prestar alimentos, além de um dever moral, é um dever jurídico, permitindo a lei que os parentes exijam uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir. (...) Na acepção jurídica, alimentos, além do sustento, compreende vestuário, habitação, assistência médica e, se o alimentando é menor, despesas com educação".
O Doutrinador Milton Paulo de Carvalho Filho, coautor da obra "Código Civil Comentado" Coordenada pelo Ministro Cezar Peluso[5], conceitua os alimentos e destaca seus fundamentos no ordenamento jurídico nacional:
"Alimentos são prestações fornecidas, em dinheiro ou em espécie, a uma pessoa para o atendimento das necessidades da vida. Compreendem o sustento, o vestuário, a habitação, a assistência médica e, em determinados casos, até mesmo a instrução daquele que deles necessita. A obrigação de prestar alimentos está fundamentada em princípios e garantias previstos na Constituição da República, como o da preservação da dignidade da pessoa humana, do direito à vida e da personalidade".
Por questões didáticas, é praxe dos doutrinadores classificarem "alimentos" de duas maneiras: Alimentos naturais e Alimentos civis.
São alimentos naturais aqueles destinados à subsistência do ser humano, que compreendem apenas o mínimo necessário para a sobrevivência da pessoa.
São alimentos civis aqueles responsáveis por delimitar e manter a personalidade do ser humano, suprindo suas necessidades intelectuais e morais.
Nesse diapasão, o Doutrinador Sílvio de Salvo Venosa[6] em seu volume "Direito de Família" da coleção "Direito Civil", explorou os conceitos de alimentos naturais e civis, conforme ilustra trecho a seguir:
"Alimentos Naturais ou Necessários possuem alcance limitado, compreendendo estritamente o necessário para subsistência. Alimentos Civis ou Côngruos incluem os meios suficientes para a satisfação de todas as outras necessidades básicas do alimentando, segundo as possibilidades do obrigado".
Já Yussef Said Cahali, em sua obra já citada acima[7], optou por classificar  os alimentos quanto: I- natureza; II- causa jurídica; III- finalidade e IV- momento da prestação. Em relação ao primeiro tópico fez a divisão dos alimentos entre naturais e civis, como costumam fazer também outros doutrinadores, e assim os descreveu:
"Alimentos naturais são aquilo que é estritamente necessário para a mantença da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o vestuário. a habitação, nos limites assim do necessarium vitae. Os alimentos civis são abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada".
Contudo, deve-se considerar que a obrigação alimentícia não pode jamais servir para enriquecer ou empobrecer ninguém, mas apenas para manter o padrão social e financeiro que o alimentado deveria ter, sem que isso altere o padrão de vida do devedor.
Se posiciona dessa forma também o Doutrinador Belmiro Pedro Welter, em sua obra "Alimentos no Código Civil"[8], ao falar sobre sua concepção de alimentos civis. Veja-se o referido trecho:
“Alimentos civis destinam-se a suprir as necessidades de alimentação, vestuário, higiene, educação, transporte, habitação, saúde, lazer, enfim, para orquestrar a dignidade e solidariedade da pessoa humana, mas não devem ser fonte de enriquecimento ou empobrecimento" (grifos meus).
O destaque é válido pois, para muitos, tornar-se credor de alimentos significa obter uma alta no seu padrão de vida. Ou, ao contrário, ao se tornar devedor de alimentos a pessoa deve se preparar para um empobrecimento. Ambas as afirmativas estão equivocadas.
1.2. DA EXTENSÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA E DO BINÔMIO "NECESSIDADE-POSSIBILIDADE"
Via de regra, na prática, quando se fala de "obrigação alimentar" o que se leva em conta é o conceito compreendido por Alimentos Civis. Na grande maioria dos casos os alimentos que são devidos são esses. Ou seja, os que compreendem não apenas o mínimo necessário para a sobrevivência da pessoa, como alimentação, vestuário, habitação, assistência médica e, em alguns casos, educação, como também atividades recreativas e de cunho intelectual e moral.
Isso se dá porque o artigo 1.694 do Código Civil, em seu segundo parágrafo, determina a hipótese em que os alimentos deverão ser arbitrados como naturais.
Ou seja, conforme disposto na lei, apenas quem der causa à obrigação alimentícia, for culpado pela origem do dever, deverá receber apenas o mínimo necessário para sobreviver.
Da mesma maneira é possível extrair tal entendimento do artigo 1.704 do Código Civil, que em seu parágrafo único determina "se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los,nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência" (grifos meus).
Ao analisar tais trechos da lei, é possível entender que há uma restrição a ser imposta no quantum a ser fixado na prestação alimentícia quando o alimentado é culpado na relação entre as partes, como que se, por ser culpado, não tivesse o direito às mesmas coisas que teria se não o fosse.
O autor Zeno Veloso, em obra coordenada por Álvaro Villaça Azevedo, "Código Civil Comentado"[9], destaca justamente esse ponto como o principal a selar as diferenças entre os alimentos naturais e os civis, conforme se denota do seguinte trecho:
"Essa classificação vai repercutir, obviamente, no valor, no quantum da prestação alimentícia, que é menor no caso de alimentos necessários e maior quando se trata de alimentos civis".
Porém, independentemente dos alimentados a serem prestados serem civis ou naturais, deve-se sempre levar em conta o binômio "necessidade-possibilidade" ao fixar os limites da obrigação.
Conforme mencionado anteriormente, não é função dos alimentos enriquecer ou empobrecer ninguém, mas apenas auxiliar o alimentado na sua sobrevivência e mantença da vida, além da preservação da dignidade da pessoa humana e da personalidade, respeitando, sempre, a possibilidade do devedor de cumprir com sua obrigação sem que isso o desfalque quanto às suas necessidades ou de quem dele dependa.
Nesse esteira se posicionou a autora Imaculada Abenante Milani em referida obra, conforme se aduz do trecho abaixo:
"Do direito de exigir alimentos necessariamente resulta a obrigação de prestá-los. Entretanto, para que surja a obrigação alimentar são necessários dois pressupostos: impossibilidade de o alimentando prover seu próprio sustento e possibilidade de o alimentante prestar sua obrigação alimentar sem prejuízo de seu próprio sustento".
A linha de pensamento dos doutrinadores apresentada se encontra em sintonia com a palavra da lei que, no artigo 1.695 do Código Civil, determina que os alimentos são devidos à aqueles que não podem prover a própria subsistência e de quem pode fornecê-los, sem desfalcar o seu sustento.
Ao analisar tal artigo é possível presumir que a finalidade deste é fixar os limites da obrigação alimentícia, por meio da indireta menção ao binômio "necessidade-possibilidade", quando destaca a insuficiência patrimonial e laboral do credor e a possibilidade de fornecer alimentos do devedor "sem desfalque do necessário ao seu sustento".
É dessa mesma maneira que entende à respeito o Doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra já citada neste capítulo, conforme se aduz de trecho a seguir:
"O dispositivo (art. 1.695 do CC/2002) coroa o princípio básico da obrigação alimentar pelo qual o montante dos alimentos deve ser fixado de acordo com as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante, complementado pelo art. 1.694, § 1º, já transcrito ( antigo, art. 400). Eis a regra fundamental dos chamados alimentos civis: os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada" (grifos meus).
Caminha nesse mesmo sentido a jurisprudência nacional, que exige a presença do binômio apresentado para que se possa fixar a justa prestação alimentícia[10].
NOTAS
[1] Gomes, Orlando, Direito de Família, 7ª Edição, 4ª Tiragem, Editora Forense, 1.992.
[2] Cahali, Yussef Said, Dos Alimentos, 4ª Edição, Revista dos Tribunais, 2004.
[3] Ação de alimentos. Procedência. Fixação em quantia condizente às necessidades dos alimentários. Alimentos, na terminologia jurídica, tem significado próprio, abrangendo todo o necessário para o sustento, habitação, vestuário, despesas com a saúde e instrução. Entende-se, porém, que a fixação, em ação, de quantia certa, não exclui a obrigação dos pais de dar aos filhos, mormente em se tratando de assistência médica, se necessário, o que ultrapassar os limites de pensão fixada (TJPR, Ap. Cível 11433, j. 17.06.1996, Rel. Des. Wilson Reback).
[4] Milani, Imaculada Abenante, Alimentos - O direito de exigir e o dever de prestar, Juarez de Oliveira, 2005.
[5] Código Civil comentado : doutrina e jurisprudência : lei n. 10.406, de 10.01.2002 : contém o código civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 2ª Edição – Barueri, Editora Manole, 2.008.
[6] VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil : direito de família, 8ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2.008.
[7] Op. cit.
[8] Welter, Belmiro Pedro, Alimentos no Código Civil, Síntese, 2003.
[9] Veloso, Zeno, Coordenado por Zevedo, Álvaro Villaça, Código Civil Comentado - Artigos 1.694 a 1.783, Jurídico Atlas, 2003.
[10] APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. Pedido fundamentado no disposto no art. 1.566, III, do CC/2002. Para fixação dos alimentos é indispensável prova da necessidade de quem pleiteia e possibilidade da outra parte. Necessidade essa que se traduz na insuficiência de bens ou impossibilidade de prover o próprio sustento pelo trabalho, nos termos do art. 1.698 do CC/2002. Tratando-se de pessoa apta para o trabalho, com experiência profissional, e contando com 44 anos, não se caracteriza como necessitada para o recebimento de alimentos, podendo prover o próprio sustento com seu trabalho. Negaram provimento. Unânime. (TJRS, Ap. Cível n. 70.015.921.604, 7ª Câm. Cível, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 02.05.2006).
Pensão alimentícia. Verba que deve destinar-se exclusivamente ao sustendo do alimentando e não à formação de patrimônio. Quantum que deve compatibilizar-se ao binômio necessidade-possibilidade. Inteligência do art. 1.694, § 1º, do CC (de 2002), (RT 830/323).
MARTINS, Pedro Henrique. Alimentos, necessidade e possibilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4461,18 set. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/33472>. Acesso em: 25 abr. 2017.

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