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O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO AO HIPOSSUFICIENTE, O PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL E O DEVER DE IMPARCIALIDADE DO JUIZ NA JUSTIÇA DO TRABALHO

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Doutrina
O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO AO HIPOSSUFICIENTE, O PRINCÍPIO DA BUSCA DA VERDADE REAL E O DEVER DE IMPARCIALIDADE DO JUIZ NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Autor:
BASTOS, Frederico Silva
 
O ordenamento jurídico brasileiro, em sua Carta Maior determina, através da inteligência do art. 5º, caput, que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Todavia, nas sábias palavras trazidas pelo memorável jurista Ruy Barbosa, em sua ilustre Oração aos Moços: "A regra de igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam".
Nessa esteira, tendo em vista a relação empregado/empregador, o Princípio da proteção ao hipossuficiente deriva da própria razão de ser do Processo do Trabalho, caracterizando-se como um instrumento fundamental de realização do Direito do Trabalho. Logo, como acertadamente conceitua Américo Plá Rodriguez(1), "(...) o princípio da proteção ou tutelar é peculiar ao processo do Trabalho. Ele busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto".
Destarte, no âmbito da Justiça e do Processo Laboral, muitos são os mecanismos e procedimentos criados para auxiliar a parte fragilizada a alcançar a igualdade pretendida pelo texto constitucional. À luz dos dizeres de Wagner D. Giglio(2) "(...) a gratuidade do processo, com isenção de pagamento de custas e despesas, aproveita aos trabalhadores, mas não aos patrões; a assistência judiciária gratuita é fornecida ao empregado, mas não ao empregador; a inversão do ônus da prova por meio de presunções favorece o trabalhador, nunca ou raramente ao empregador; o impulso processual ex officio beneficia o empregado, já que o empregador, salvo raras exceções, é o réu, demandado e não aufere proveito da decisão: na melhor das hipóteses deixa de perder". Além disso, o art. 844 da CLT prevê que o não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto à matéria de fato.
Somando-se ao Princípio da Proteção, merece destacarmos também a sábia lição de Humberto Theodoro Júnior apud Carlos Henrique Bezerra Leite(3) "O primeiro e mais importante princípio que informa o processo trabalhista, distinguindo-o do processo civil comum, é o da finalidade social, cuja observância decorre da quebra do princípio da isonomia entre as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito formal".
Nesse sentido, tanto o Princípio da Proteção ao hipossuficiente, bem como a finalidade social da Justiça dos trabalhadores contribuem enormemente para que a diferença entre a classe patronal e operária seja diminuída consideravelmente.
Todavia, cabe destacarmos que o princípio e a finalidade social supramencionados, devem convergir e somar-se ao o Princípio da busca da verdade real, derivado do Princípio da primazia da realidade. Embora seja um princípio geral do processo, é flagrante que na processualística trabalhista o Princípio da busca da verdade real ganha maior destaque. Nesse sentido, apresenta-se a inteligência do art. 765 da CLT.
Formando uma tríplice aliança dentro do Processo do Trabalho, existe ainda o dever de imparcialidade do magistrado, haja vista que a própria legislação encarrega-se de proteger a parte mais fragilizada da relação. Ab initio, é preciso observar que a prestação jurisdicional é também a prestação de um serviço público; deste modo, ao exercer esse poder-dever-função, o magistrado deverá operar com absoluta imparcialidade.
Sob todas as luzes merece atenção a brilhante exposição feita pelo Mestre Carlos Henrique Bezerra Leite(4):
"Imparcialidade, para nós, não se confunde com neutralidade. O juiz, embora agente público com responsabilidades complexas, é um ser humano como outro qualquer. Logo, não se pode ignorar que tenha a sua própria visão de mundo, com as suas preferências políticas, filosóficas e ideológicas próprias. Afinal, o homem é um animal político, já dizia Aristóteles. Todavia, ao desempenhar a função jurisdicional, o juiz deverá agir com imparcialidade, isto é, sem tendências que possam macular o devido processo legal e favorecer uma parte em detrimento da outra no que tange ao direito fundamental de acesso à justiça"
Segundo o mesmo autor, "(...) justo é tratar desigualmente os desiguais, na mesma proporção em que se desigualam, e o favorecimento é qualidade da lei, e não defeito do juiz, que deve aplicá-la com objetividade, sem permitir que suas tendências pessoais influenciem seu comportamento".
Deste modo, é preciso reviver a definição clássica de justiça formulada pelo jurisconsulto Ulpiano, com base nas concepções de Platão e Aristóteles(5), onde "Justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu".
Assim, é preciso atentar-se para o fato de que, na prática, o que se percebe é que muitos magistrados estão com o seu critério de imparcialidade severamente comprometido por seus ideais sociais. Muitos asseveram demasiadamente a função social da Justiça do Trabalho, outros permitem que o Princípio de proteção ao hipossuficiente seja aplicado de maneira a justificar os maiores absurdos. Tais magistrados ignoram não só a verdadeira raiz dos mencionados princípios, mas também o seu dever de imparcialidade e a obediência ao Princípio de busca da verdade real.
O que ocorre, é que em inúmeras situações o HIPERsuficiente transmuta-se no HIPOssuficiente, e o pior, sem qualquer proteção legal ou princípio que o ampare. Sublinha-se, a propósito, o doutrinador mexicano Enrique Alvarez Del Castillo: "Restabelecer e manter a verdadeira igualdade processual é um propósito fundamental do direito processual do trabalho"(6).
Como bem ressalta Aury Lopes Júnior: "(...) o poder judicial somente será legitimado enquanto amparado por argumentos cognoscitivos seguros e válidos (não basta apenas boa argumentação), submetidos ao contraditório e refutáveis. A fundamentação das decisões é instrumento de controle da racionalidade e do sentir do julgador, num assumido anticartesianismo. Mas também serve para controlar o poder, e nisso reside o núcleo da garantia".(7)
Assim, a Justiça do Trabalho deve atentar-se para o fato de que a balança da Justiça não pode pender nem arrimar-se para nenhum dos lados, sob pena de perder sua real finalidade. Logo, apesar de seus princípios basilares de proteção e finalidade social, a Justiça do Trabalho deve manter-se equilibrada sem causar prejuízo a nenhuma das partes.
Nesse sentido merece destaque a brilhante e poética decisão da Quarta Turma do TRT da 3º Região do TRT, senão vejamos:
Processo 00404-2009-079-03-00-1 RO
Data de Publicação: 22/03/2010
DEJT: Página: 133
Órgão Julgador: Quarta Turma
Relator: Luiz Otávio Linhares Renault
Revisor: Júlio Bernardo do Carmo
Tema: PROVA - AVALIAÇÃO - JUIZ
EMENTA: PROCESSO VISÍVEL E PROCESSO INVISÍVEL - PARTICIPAÇÃO INTEGRATIVA DO JUIZ SOCIAL DO TRABALHO NA (RE)CONSTRUÇÃO DA VERDADE DOS FATOS - MAIOR POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA - DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE PROCESSOS INFLADOS PELA PETIÇÃO INICIAL E ESVAZIADOS PELA CONTESTAÇÃO -CONSTRUÇÃO DA SENTENÇA, DESCONSTRUÇÃO DA INJUSTIÇA - Dentro de todo processo existe outro processo, que é mais ou menos como "um bosque, que o muro alto proíbe" (Chico Buarque). Um é visível; o outro invisível. Nem sempre, infelizmente, os olhos do juiz conseguem enxergar a verdade, embora, nos exatos termos do art. 765 da CLT, insira-se no rol de suas atribuições evitar que o processo seja um tabuleiro de claros e de escuros, sobre o qual cada parte pode derramar as provas que entender, em uma espécie de jogo de "esconde-esconde", sem se preocupar com a verdade real, pressuposto para a realização da JUSTIÇA. É preciso simplificar o processo para que, cada vez mais, ele seja o instrumento procedimental, vale dizer, o método dialético que beneficie quem tem razão, o que, certamente, contribuirá para a diminuição do número de controvérsias infladas pelo reclamante e esvaziadaspela reclamada. O processo perceptível, real ou virtual (e-processo), é aquele em que os fatos materializam o direito à sua feição: o alimento e a vida do Direito são os fatos. Por se tratar de uma Ciência Social Aplicada, o Direito depende da sensibilidade do aplicador, do intérprete, do juiz. Ler o interior da norma jurídica e interpretá-la, no caso concreto, em consonância com a realidade social, para além da letra fria da lei, constitui tarefa das mais difíceis. Cada um lê o interior das palavras, em conjunto ou separadamente, a partir de onde se encontra e aonde deseja chegar - o meio em que se viveu, se vive e as experiências influenciam essa leitura (o dentro da lei pelo dentro do intérprete). Rousseau disse que "pelos mesmos caminhos não se chega sempre aos mesmos fins", ao passo que Guimarães Rosa afirmou que "as coisas mudam no devagar depressa dos tempos". Caminhos e fatos. Processo e prova. Verdade e mentira. Por outro lado, o processo imperceptível é aquele que subjaz ao processo visível - esforça-se para convencer o julgador da necessidade dele enxergar tudo que está a sua volta: o tipo de litígio, a natureza da pretensão, as dificuldades e aptidões probatórias de cada parte, as premências e a desenvoltura dos sujeitos envolvidos no conflito, o grau de instrução e a idade das testemunhas, as necessidades das partes, além de tantos outros fatores. No fundo, o que não está expressamente figurado no processo não significa necessariamente que esteja fora dele. O juiz é a mão e a alma do Estado na realização da Justiça. A imparcialidade exige do juiz grande virtude - total isenção. Tal virtude não deve ser confundida com a neutralidade, pois um juiz neutro seria um juiz passivo, sem movimentos na busca da reconstituição histórica dos fatos, sem os quais ele não diz o Direito como deveria ser dito. Os indícios constituem importante meio de prova, do qual podem lançar mão principalmente os juízes de primeiro grau, aqueles que, além de instruírem o processo, estão em contato direto com as partes, as testemunhas e todos os fatos que circundam a demanda. Essa a grande vantagem da primeira instância que deve ser valorizada ao máximo: o juiz vê e sente; sente e vê; age e caminha dentro do processo e da lei, construindo, com todos os demais atores, a sentença que irá prolatar, porque mais perto da verdade e essa é pressuposto da sentença justa. Uma Justiça com olhos não significa uma Justiça parcial. Parcial ela só será se uma das partes for privilegiada. Ver a verdade não é ser parcial; é ser justo. Só o juiz de primeiro grau, em geral, tem contato com o processo visível e com o processo invisível. Só ele pode relatar determinados fatos, pois é ele quem tem contato direto com a prova e todos os demais fatores sociais e pessoais, que circundam a causa. Se, na sociedade informacional, se caminha a passos largos em direção à verdade democrático-participativa, o juiz, na mesma intensidade, tem o dever de interagir com as partes, as testemunhas, os advogados e com os demais auxiliares da justiça, na (re)construção da verdade dos fatos. O juiz de primeiro grau é uma espécie de google do processo (juiz José Eduardo Resende Chaves Júnior): ele pode ver, ouvir, buscar, diligenciar, realizar perícia e vistoria, rever, ouvir novamente, acessar a internet, selecionando tudo o que for útil para o processo, sem ser burocrático, arbitrário e sem praticar o cerceamento do direito de defesa, constituindo essa sua atuação instrutória forte elemento de convicção para os juízes de segundo grau, onde se esgota o exame da matéria fática e a partir de onde não deveria haver mais recurso, salvo situações excepcionalíssimas.
Indubitavelmente, o âmago da Justiça do Trabalho é buscar a realização de uma justiça social na qual utilize-se dos princípios da igualdade proporcional e considere-se a necessidade de uns e a capacidade contributiva de outros.
No entanto, é preciso estar atento para o fato de que a Justiça, como postulou Ulpiano, não é realizada quando o magistrado ignora a realidade dos fatos, bem como as provas produzidas, e simplesmente julga o caso concreto, utilizando-se de suas convicções sociais, atuando claramente e de maneira utópica, como o personagem Robin Hood. Não se nega a importância dos princípios protetores para o Direito do Trabalho, eles são elementos fundamentais para a realização da Justiça. Entretanto, tais princípios não podem servir de amparo para decisões completamente afastadas da realidade e em total desacordo com o caso concreto, permitindo assim, que o julgador, através do poder conferido pelo Estado, coloque em prática ideologias ou preconceitos que abalem o devido processo legal e tragam prejuízos a uma das partes.
Assim, uma vez mais é preciso lembrar a missão da Justiça do Trabalho: "Solucionar conflitos nas relações de trabalho por meio da contribuição de magistrados e servidores, oferecendo à sociedade justiça e desenvolvimento social".
NOTAS
(1) Vision critica Del derecho procesal Del trabajo. In: GIGLIO, Wagner (coord.). Processo do trabalho na América Latina: estudos em homenagem a Alcione Niederauer Corrêa. São Paulo: LTr, 1992. p. 243-254.
(2) GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 67.
(3) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 79.
(4) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 57.
(5) NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro. Forense, 2004. p. 101.
(6) Reformar a La ley federal Del trabajo en 1979. México, 1980, p.24. Apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Ibidem, p. 244.
(7) JÚNIOR, Aury Lopes. Introdução critica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2º Ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 256.

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