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Pauta para Tema 03 - Filosofia e Linguagem Mítica

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Filosofia Tema 02 – O Período Mitológico
Material Pedagógico de Apoio – Prof. Givaldo Matos
Introdução
Tendo conceituado a Filosofia, tanto etimologicamente quanto tecnicamente, conforme entendida na modernidade, resta perguntar: como se dava a interpretação da realidade, a construção dos imaginários, no período anterior à Filosofia (meados do Séc. V antes da Era Cristã)?
A resposta a esta questão é dada na análise do que se chama de Período Mítico. Vejamos:
Período Mítico – o que foi? O Período Mítico foi o período da história do pensamento, caracterizado pela primazia da forma mítica de se pensar e interpretar a realidade. É compreendido desde os primeiros relatos da humanidade, até o momento em que deixou de ser forma exclusiva. Com o surgimento da Filosofia e das Ciências, a forma mítica não deixou de existir, mas passa agora a disputar com estas duas novas formas de interpretação da realidade, na visão que a humanidade terá do mundo.
Mito – o que é?
Afirma SEVERO HRYNIEWICZ, em sua obra Para Filosofar, que o mito se apresenta como narrativa, fala, história. Relata grandes acontecimentos dos antepassados, dos deuses e heróis. Pergunta: Acreditava-se que tais narrativas eram reais, verdadeiras? HRYNIEWICZ, como os teóricos da mitologia, afirma que sim. Quando é contado, quer ser acreditado como verdadeiro e aceito como tal. � 
“Nós, que vivemos fora do contexto daquela sociedade onde o mito é apresentando, consideramos também estas narrativas como lendas, porque, para nós, apesar de interessantes, não se referem a fatos reais e em muito se parecem com os contos da carochinha. Consideramo-las como fruto da imaginação de pessoas não civilizadas, destituídas de raciocínio lógico. No entanto, para os membros daquele grupo, os mitos não só são histórias que relatam fatos reais como também são histórias sagradas, pois, não se referem a pessoas ou fatos comuns, mas a entidades ou acontecimentos especiais, responsáveis pela existência e manutenção das coisas, quer daquelas favoráveis, quer das desfavoráveis”.�
Importa lembrar que, para a compreensão moderna de mito, a narrativa não é desprovida de lógica completa, antes possui uma lógica interna, típica do mito.
Seguindo a dissertação da filósofa Marilena Chauí, ‘o mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa’. � Mais que isso, ‘o mito é um discurso pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem a narrativa como verdadeira, porque confiam naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada na autoridade e confiabilidade do narrador’.� Essa autoridade nasce do fato de que o que a pronuncia, presenciou os fatos ou a recebeu de quem as presenciou, ou seja, Deus ou os deuses. Sendo assim, nos instrui Marilena Chauí, quanto à autoridade religiosa que recebeu o mito, ‘Sua palavra – o mito – é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável’.� 
Sintetizando: O mito é uma narrativa explicativa da realidade, proferida por uma autoridade religiosa que alega ter recebido-a da divindade, processo que chama de ‘revelação divina’. Esta autoridade pode ser uma liderança religiosa, um Texto Sagrado ou uma Tradição Religiosa específica.
Para discussão:
Que temas eram explicados pelos mitos na Antiguidade?
Que temas sofreram transformações, ao longo dos séculos, em sua interpretação? Que temas continuam sendo explicados da mesma forma, por determinados grupos?
As narrativas míticas devem ser consideradas inofensivas, pertinentes apenas ao foro íntimo, acerca das quais a filosofia não deveria discutir, ou tais narrativas interferem na existência concreta de pessoas, não apenas do que a defende, mas também de parcela da sociedade, que pode sofrer a interferência de suas perspectivas?
As narrativas judaico-cristãs, inscritas na Bíblia, devem ser consideradas como míticas ou não?
Consideração: Na perspectiva filosófica, o mito não é sinônimo de falso ou verdadeiro, antes a linguagem como se criava as interpretações do mundo na Antiguidade. É uma narrativa que não é filosófica nem científica, pois estas ainda não existem na época. Neste sentido, tanto as narrativas judaico-cristãs como as de qualquer outra Tradição, são pensadas a partir deste termo. Trata-se de uma terminologia descritiva e não um juízo de valor.
Tipos de Mitos
Apesar do tempo ter apagado muito das narrativas antigas, chega até a modernidade um número razoável de mitos, e ainda continuam sendo descobertas e traduzidos muitas outras. Deste grande número, pode-se classifica-los conforme suas temáticas, que são as mais variadas. Segue classificação do autor destacado:
Mitos Teogônicos – narram como surgiram os deuses. Um dos problemas mais antigos da humanidade é o do surgimento de todas as coisas. Os mitos traziam narrativas tratando do surgimento dos deuses. São os mitos teogonicos (teo = deus + gonia = origem, nascimento).
Mitos Cosmogônicos – mitos que narram a origem do mundo (Kosmos) e dos seres humanos. São extremamente comuns na Antiguidade, possuindo vários traços comuns entre diversos povos, como por exemplo, a idéia do ser humano ter sido criado do barro e ter se tornado ‘alma vivente’ pelo sopro divino em suas narinas.�
Mitos de Renovação – ligados, sobretudo, ao tempo, que era pautado, na Antiguidade, pelas festas religiosas, como as de Ano Novo e das Colheitas. 
Mitos Heróicos – narram feitos de seres extraordinários, a fim de fortalecer a identidade local ou a coragem, diante do perigo. Homens que matam leões, destroem sozinhos exércitos inteiros, dominam os fenômenos da natureza, etc.
Mitos Escatológicos - são narrativas que preveem o fim de todas as coisas, do universo ou dos seres humanos. Como exemplo, pode-se citar a narrativa de Gilgamesh. Na Tradição Cristã, embora tal visão não seja única, existem grupos de comunidades e teólogos que veem no livro bíblico do Apocalipse, uma narrativa desta natureza: uma descrição do fim dos tempos. 
Características da Consciência Mítica
Comunitária – não se pensa como indivíduo, na Antiguidade, salvo raras exceções, sobretudo, pelo herege, que não poucas vezes será disciplinado ou exterminado da comunidade, por divergir da visão predominante. A narrativa mítica é de todo o grupo. Não se afirma: ‘este é o meu pensamento, a minha idéia, etc.’. Afirma-se antes: ‘nós, povo tal, pensamos assim’. 
Questão: Como a narrativa bíblica que disserta sobre a transgressão do soldado Acã, e da consequente punição da divindade sobre todo o povo, ilustra esta característica? 
Sacralizada – a narrativa mítica é entendida como revelação divina, sagrada. Não há que se questionar. Pode atravessar o tempo e o espaço, sem alterar significativamente seu núcleo de informação. 
Exemplo: Pode-se destacar o imaginário mítico hindu de ‘divisão de castas’, que ainda pauta grande parte das relações sociais na Índia atual. Pesquisar na internet: pode ser requerido em nossa Avaliação!
Acrítica – porque sagrada a narrativa, é aceita sem análises. A dúvida passa a ser compreendida como fraqueza, e a difusão da dúvida, como subversão. Há que se ter um respeito absoluto pelas tradições.
Discussão: Por que o ser humano toma como verdadeiro algumas interpretações da realidade, que fogem da possibilidade lógica ou cientifica?
O filósofo e escritor brasileiro Rubem Alves explica este processo da seguinte forma: o indivíduo tem uma experiência religiosa em uma tradição específica. Esta experiência é inconfundível, única e inquestionável. Ele experimenta a Fé! 
De forma natural, passa a associar a autenticidade desta experiência à instituição que a possibilitou, que a veiculou, dando, portanto, a esta instituição, o crédito de poder lhe explicar toda a realidade sagrada. Esta interpretação é tomada, de forma inconsciente, como se fizesse parte daquela primeira experiência religiosa que teve, ou seja, as interpretações que a instituição faz da realidade passam a ser tomadas como sagradas também. No entanto, o mesmo não aderiuàquela tradição por tê-la estudado previamente, sua lógica, sua fundamentação, sua verdade. Sem querer, ele acaba adotando tudo o que defende aquela instituição, como se fosse uma verdade que não precisa questionar, não importando o fato de que outras instituições se fundamentem no mesmo Texto Sagrado, mas possuem versões diferentes da interpretação.�
Temas discutidos em Sala:
De que forma o mito colabora para a organização social?
De que forma pode colaborar para a manipulação das massas, tanto na Antiguidade quanto na Atualidade?
Como se visualiza, desde já, o Direito, na Antiguidade?
De que forma, o Caso Galileu Galilei ilustra as características da mentalidade mitológica?
Em que tipos de mitos se encaixa a narrativa babilônica de Enuma Elish? Qual a importância da análise desta narrativa, para a Filosofia?
Que considerações filosóficas pode-se extrair da narrativa do dilúvio, presente na Epopéia de Gilgamesh?
Temas da Próxima Unidade: Limites e Problemas dos Mitos – quais eram as estratégias do período mítico para coibir o surgimento da Filosofia? Ver outra apostila.
Tema 03 – Os limites e problemas da mentalidade mítica
De acordo com a discussão iniciada em sala, sobretudo do mito da ‘divisão do céu e da terra’ (que está logo abaixo), e com a leitura da reflexão após o mito neste arquivo, descreva a forma pelas quais os grupos de poder usavam o imaginário mítico para impedir a reflexão crítica acerca da realidade, no período anterior à filosofia. 
Por que o mito permaneceu como forma de pensamento majoritária, durante tanto tempo na História Humana?
Motivos da Permanência do Pensamento Mítico
Como já destacado, o mito era a forma de interpretar a realidade durante todo o tempo anterior à Filosofia. Mas, observadas as inconsistências dos mitos, como explicar que esta forma tenha perdurado durante tanto tempo na história da humanidade?
O mito pode ser interpretado em várias perspectivas: como linguagem falsa; como oposto à ciência; como linguagem metafórica ou como linguagem literal. Hoje, quando lemos relatos mitológicos, sentimos que não podemos lê-los como se tivessem sido reais. No entanto, para compreendermos a passagem da vigência do imaginário mítico que dominava a humanidade, para o surgimento da Filosofia, devemos observar que tais relatos foram, na maior parte do tempo, interpretados como se fossem descrições exatas da realidade. Na verdade, esta maneira de ver o mundo perdurou durante muito tempo após a filosofia, e ainda perdura. Basta relembrarmos de que, na Idade Média, na Europa, a figura do rei era interpretada como divina. 
Uma das respostas possíveis a esta questão pode ser percebida, quando consideramos o surgimento da democracia na Grécia. A democracia vai proporcionar liberdade para que todo cidadão grego possa participar das decisões dos destinos da cidade. Antes, esta liberdade estava restrita apenas ao rei, à corte e aos representantes da religião. 
A religião era a detentora das revelações divinas, a intérprete autorizada das questões humanas. Toda vez que alguém contrariava a sua opinião, era considerado ou como herege ou como subversor da ordem. As únicas exceções que poderiam ser feitas, eram aquelas originadas pela própria religião.
O pensamento filosófico, por outro lado, surge pela dúvida, pela curiosidade, pelo desejo de conhecer mais e melhor, mas representavam afrontas às opiniões dos sacerdotes e detentores do poder. Então, eram desestimuladas, consideradas como uma falha de caráter, falta de fé, ou coisa similar. Esta dominação pode ser percebida em algumas narrativas antigas. Vejamos:
4.1 - Prometeu e o Fogo dos Deuses – Prometeu é um titã grego, que criou os seres humanos. Desejando a evolução destes, roubou o fogo de Zeus, a fim de que não perdurassem como os animais, mas alcançassem existência superior. Por esta atitude, Zeus o condena ao sofrimento eterno, amarrado a um rochedo, sendo ferido por uma grande ave. O fogo, no mito, simboliza o conhecimento. 
4.2 - A Curiosidade e a Caixa de Pandora - No mito de Pandora, os deuses, desejando castigar a humanidade pelo fogo do conhecimento que receberam, criaram a mulher com o intuito de seduzir Epimeteu, irmão de Prometeu, a abrir uma caixa (Caixa de Pandora) que continha todos os males que poderiam atormentar a humanidade. A mulher, dominada por uma curiosidade muito grande, abre a caixa e deixa escapar toda sorte de males (mentira, doenças, inveja, velhice, guerra e morte), que afligem a humanidade. 
Em ambos os mitos, o desejo pelo conhecimento está associado à uma desobediência aos deuses. Esta idéia vai ser observada um pouco mais claramente em outra narrativa. Esta pertence à tradição iorubá, de origem africana. Ela narra o evento que gerou a separação entre o Céu e a Terra, bem como o motivo que levou a este acontecimento. Vejamos:
4.3 - Análise de Mito: Obatalá separa o Céu da Terra*
No início não havia a proibição de se transitar entre o Céu e a Terra.
A separação dos dois mundos foi fruto de uma transgressão, 
do rompimento de um trato entre os homens e Obatalá.
Qualquer um podia passar livremente do Orum para o Aiê.
Qualquer um podia ir sem constrangimento do Aiê para o Orum.
Certa feita um casal sem filhos procurou Obatalá
implorando que desse a eles o filho tão desejado.
Obatalá disse que não, pois os humanos que no momento fabricava
ainda não estavam prontos.
Mas o casal insistiu e insistiu, 
até que Obatalá se deu por vencido.
Sim, daria a criança aos pais, mas impunha uma condição:
o menino deveria viver sempre no Aiê
e jamais cruzar a fronteira do Orum.
Sempre viveria na Terra, nunca poderia entrar no Céu.
O casal concordou e foi-se embora.
Como prometido, um belo dia nasceu a criança.
Crescia forte e sadio o menino,
mas ia ficando mais e mais curioso.
Os pais viviam com medo de que o filho um dia
tivesse curiosidade de visitar o Orum.
Por isso escondiam dele a existência do Céu,
morando num lugar bem distante de seus limites.
Acontece que o pai tinha uma plantação 
que avançava para dentro do Orum.
Sempre que ia trabalhar em sua roça,
o pai saía dizendo que ia para outro lugar,
temeroso de que o menino o acompanhasse.
Mas o menino andava muito desconfiado.
Fez um furo no saco de sementes que o pai levava para a roça
e, seguindo a trilha das sementes que caíam no caminho,
conseguiu finalmente chegar ao Céu.
Ao entrar no Orum,
foi imediatamente preso pelos soldados de Obatalá.
Estava fascinado: tudo ali era diferente e miraculoso.
Queria saber tudo, tudo perguntava.
Os soldados o arrastavam para leva-lo a Obatalá
e ele não entendia a razão de sua prisão.
Esperneava, gritava, xingava os soldados.
Brigou com os soldados,
fez muito barulho, armou um escarcéu.
Com o rebuliço, Obatalá veio saber o que estava acontecendo.
Reconheceu o menino que dera para o casal de velhos
e ficou furioso com a quebra do tabu.
O menino tinha entrado no Orum!
Que atrevimento!
Em sua fúria, Obatalá bateu no chão com seu báculo,
ordenando a todos que acabassem com aquela confusão.
Fez isso com tanta raiva que seu opaxorô
atravessou os nove espaços do Orum.
Quando Obatalá retirou de volta o báculo,
tinha ficado uma rachadura no universo.
Dessa rachadura surgiu o firmamento,
separando o Aiê do Orum para sempre.
Desde então, os orixás ficaram residindo no Orum
e os seres humanos, confinados no Aiê.
Somente após a morte poderiam os homens ingressar no Orum.
* In: Prandi, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. Mito 295. Pgs. 514-516. São Paulo: Companhia das Letras, 2003
Considerações 1:
Como já salientado, o mito pode ser visto em mais de uma perspectiva, não sendo sinônimo de falso ou verdadeiro. Considerando que o mito pode estar falando também de uma realidade psicológica, tratamos a narrativa a partir das possibilidades e efeitos nele associados. Acentuamos que oresultado desta análise pode também ser visto em conexão a avaliações já realizadas sobre o uso da linguagem religiosa para ocultar imagens específicas da realidade.
Cumpre destacar que as tradições que criaram os mitos descansam em uma certeza religiosa paralela à certeza verificada nos fieis das religiões tradicionais vigentes na atualidade. Embora existam diferentes interpretações acerca do significado de um texto religioso, percebe-se que, em geral, predomina a linguagem mais próxima à literal.
Considerações 2:
Qualquer narrativa mítica está recheada de imagens de seres divinos, que não são visíveis no tempo presente. Nestas, anjos, deuses, seres híbridos e seres humanos se relacionam naturalmente, como se não houvesse nenhuma barreira ou diferenciação entre os planos divino e humano. Existem seres divinos fazendo refeição entre os seres humanos. Anjos e deuses em relação sexual com mulheres, gerando seres semi-divinos. Guerras envolvendo deuses e seres humanos. Divindades interferindo o tempo todo nos desenvolvimentos da história humana.
Provocações:
Os mitos que desestimulam a dúvida e a curiosidade, em geral, desafiam as seguintes questões:
Pode-se afirmar ter existido um tempo em que isso acontecia dessa forma?
Se aconteceu, por que já não se tem mais este tipo de contato que a humanidade tinha, na antiguidade, com a esfera divina?
Se não aconteceu, sob que perspectivas deveríamos analisar as narrativas míticas?
Quais são as respostas oferecidas pelo mito acima descrito, para estas questões?
Tais respostas poderiam ser lidas em perspectivas diferentes?
Considerações sobre o mito:
Em primeiro lugar, o texto relata acerca da existência de um período onde ainda não existia essa separação, onde se deram os acontecimentos narrados pelos mitos. Dessa forma, abre-se um espaço de explicação sobre como eventos de caráter miraculoso, maravilhoso, sobrenatural teriam acontecido. É que houve esse momento em que os dois planos, humano e divino estavam ligados.
Em segundo lugar, o texto trabalha a causa dessa separação. Secundariamente, seria por causa de uma transgressão, o descumprimento do trato entre o casal de velhos e Obatalá – o garoto que havia sido proibido de entrar no Orum, entrou. A culpa recai sobre os pais. No entanto, o acento mais grave é colocado sobre a atitude de curiosidade que dominava o menino. Em desobediência ao pai, fura o saco de sementes, segue e chega até o Céu. A curiosidade, neste caso, é uma atitude problemática, porque leva o indivíduo a transgressões de ‘tabus’, ditames que devem ser obedecidos, porque divinos. Este é um problema típico, tratado na literatura universal, sobretudo de governos e instituições autoritárias. Equivale proximamente ao estabelecimento da censura, onde ficava explicitado, através de lista de livros e doutrinas que ideias não poderiam jamais ser defendidas. Trata-se, em medida maior, de uma castração da liberdade de pensamento, sobretudo em relação a dogmas estabelecidos, dos quais dependem as instituições.
Considerações 4:
Já em uma perspectiva crítica, poderíamos adotar a ‘hermenêutica da suspeita’, desenvolvida por Nietzsche, Marx e Freud – que vem afirmar que os textos devem ser lidos principalmente em suas entrelinhas, em seus objetivos ocultos. A partir desta empreita, poderíamos apontar os seguintes resultados:
Questão exemplo: 
“Uma vez que a credibilidade de toda narrativa mítica esteja embasada em fundamentos não verificáveis, não repetíveis, intangíveis, como explicar que hoje já não existem mais tais fenômenos? R.: Através da criação de um elo-narrativo-mítico que revele o ‘por quê’ de tal ruptura, separação, ou não repetição de eventos como os narrados pelos mitos. O mito acima descrito cumpre bem esta função. A partir dele, aceitamos que suas narrativas sejam críveis, porque se deram em um momento na história da humanidade em que as leis da natureza seguiam outros cursos. 
Desta forma, a possibilidade de verificação da pertinência de uma interpretação literal do mito fica amarrada no próprio mito: ‘Eu creio nos mitos, ainda que expressem acontecimentos e experiências absurdas, porque outro mito me explica a razão pela qual tais acontecimentos já não mais se repetem’. Em outras palavras, o fundamento do mito fica sendo o próprio mito. ‘Eu acredito neste mito porque acredito em outro mito’. E assim por diante.
Sendo assim, os mitos com este timbre, cumprem a função de desmotivar a atitude crítica, como também amarrar a busca pelas verdades ou falsidades do mito no próprio mito, e em nada mais.
Uma vez que o imaginário mitológico sempre foi usado para justificar a ordem e a desordem social, o status quo, a distribuição e configuração da sociedade em termos de renda e classe, a Filosofia representa um dos maiores avanços na história da humanidade, no que diz respeito a ‘métodos de apreensão da realidade’ e de ‘destruição dos imaginários opressivos’. Ela faz isto perguntando acerca da pertinência dos relatos, mitológicos, religiosos, filosóficos ou científicos. No exemplo trabalhado, não se pretende responder à possibilidade histórica da relação entre o sagrado e o humano, nem pergunta sobre a suposta causa da separação entre o plano divino e humano, ou ainda explicar como se daria esta relação, questões que pertencem às opções religiosas e/ou filosóficas individuais, estando ainda fora da lente filosófica. Procura-se antes, verificar que as respostas acima produzidas servem a interesses específicos, e cumprem eficazmente determinadas finalidades: mais do que explicar determinadas realidades, o mito as justifica, inibindo ainda, a atitude crítica e a pesquisa. E é a atitude filosófica quem denuncia este fato!”
4.4 – A Narrativa Judaica e o Pecado de Eva:
Seguem comentários de Roger Shattuck, sobre o tema trabalhado:
“Roger Shattuck, em sua obra ‘Conhecimento Proibido’, situa a tentação ocorrida a Eva como tentação à posse de um conhecimento proibido. A insinuação da serpente a Eva foi a de que, comendo a fruta do conhecimento do bem e do mal, teria um conhecimento equivalente ao de Deus. O texto serviria, portanto, a desestimular esta busca”. Cf. Shattuck, 41.
‘Nenhum outro mito da criação que conheçamos mostra maior clareza e concentração ao tratar do conhecimento proibido’. Shattuck, 62.
Em 1559, por ocasião do cisma protestante, o catolicismo erigiu o Index librorum prohibitorum, lista de leituras proibidas.
“Os tabus são proibições muito antigas que em certo momento foram impostas a uma geração de povos primitivos, isto é, provavelmente lhes foram imprimidos pela força por uma geração anterior. Essas proibições diziam respeito a ações em relação às quais existia um forte desejo. Freud, Totem e Tabu”. In: Shattuck, 43.
“Durante boa parte da Idade Média, a busca pelo conhecimento foi comparada à atitude de Eva em desejar o conhecimento proibido. Foi apenas após ‘O Progresso do Aprendizado’, de Francis Bacon, no século XVII, que a busca pelo conhecimento alcançou um status positivo, abrindo novos campos de pesquisa”. Cf. Shattuck, 45.
Considerações Finais:
Os quatro exemplos dados acima podem ser lidos a partir de outras perspectivas. Podem receber significados completamente diversos. No entanto, a experiência histórica revela que houve sempre uma tentativa de instituições de poder, controlarem a livre pesquisa e a busca autônoma da ‘verdade.
Das quatro exemplificações acima, pode-se visualizar a estratégia do imaginário mítico em coibir a curiosidade, a busca por leituras da realidade que estejam fora do domínio da instituição que goza da autoridade e do poder de interpretar a realidade. 
De que forma, ainda hoje, instituições, religiosas ou seculares, procuram desestimular a curiosidade?
Shattuck, Roger. Conhecimento Proibido. São Paulo: Companhia das Letras, 1998
� Cf. Para Filosofar. Pág. 56.
� Pg. 57.
� Convite à Filosofia. Pg. 34.
� Idem. Ibidem.
� Idem. Pg. 35.
� Ver livro A Criação e o Dilúvio, da Editora Paulus.� Alves, Rubem. Protestantismo e Repressão. Cap. 02.

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