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01 TEORIAS DE REGIMES INTERNACIONAIS

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Teorias de regime 
	
  
O principal objetivo deste capítulo é o de realizar uma revisão das teorias 
de regimes, representadas pelas obras de Stephan Krasner, Robert Keohane, John 
Ruggie e Oran Young. Com isto, pretendemos obter uma visão mais clara sobre as 
propostas teóricas que circundam o tema dos regimes internacionais. Porém, antes 
de começar uma discussão sobre a teoria de regimes propriamente, gostaríamos de 
fazer algumas observações sobre o conceito de instituições, com o objetivo de 
esclarecer qual é a relação entre instituições e regimes, assim como apontar uma 
diferença fundamental que existe dentro das teorias de relações internacionais no 
que diz respeito à concepção de instituições e a sua influência na política mundial. 
 
Da forma mais básica possível, podemos afirmar que instituições são nada 
mais do que ações ou comportamentos padronizados que se estendem no espaço e 
no tempo. Porém, ao nos defrontarmos com esta definição, é certamente legítimo 
se perguntar sobre a sua utilidade, tendo em vista que, de tão genérica que ela é, o 
conceito de instituições enquanto comportamentos padronizados abarca absoluta-
mente toda e qualquer ação humana identificável e passível de ser descrita. Sob 
esta égide, já que tudo se transforma em instituição, o estudo das instituições em 
nada acrescentaria. 
Conforme vamos argumentar neste capítulo, existem três saídas para esse 
dilema que representam três tradições de pensamento nas relações internacionais. 
A primeira é o realismo estrutural tradicional de Kenneth Waltz; a segunda é o 
neoliberalismo institucional de Keohane; e a terceira é o construtivismo de Onuf e 
Giddens. 
O realismo estrutural tradicional desmerece o conceito de instituições ba-
seando-se na ideia de que as instituições são simplesmente o reflexo das relações 
de poder subjacentes. O neoliberalismo institucional afirma que nem todos os 
comportamentos padronizados são instituições, já que alguns deles, como o mer-
cado e a soberania, são padrões naturais e invioláveis da conduta humana (e dos 
Estados). Logo, o neoliberalismo institucional defende a ideia de que as institui-
ções são formas planejadas e propositivas de comportamento padronizado que 
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alteram o cálculo de custo benefício que os atores realizam ao perseguir um de-
terminado objetivo. Por fim, a abordagem construtivista afirma que não faz senti-
do distinguir entre instituições naturais e artificiais, já que ambas são produtos da 
interação social humana. Além disso, as abordagens construtivistas afirmam que 
as instituições se tornam relevantes na medida em que são reflexivamente monito-
radas. Ou seja, as instituições, assim que são identificadas, passam a ser reflexi-
vamente monitoradas pelos agentes e tornam-se objeto de planejamento e inter-
venção da ação humana. Por esse motivo, as instituições atuam tanto na constitui-
ção dos atores, quanto são constituídas por esses atores que agem de forma refle-
xiva. 
 
O primeiro elemento que devemos atentar na obra de Onuf é a afirmação 
que este autor faz de que o realismo estrutural de Waltz é, na realidade, uma ree-
dição do pensamento liberal clássico aplicado aos estados em lugar dos indiví-
duos. Quanto à relação entre o pensamento liberal e o realismo de Waltz, Onuf 
afirma que: 
 
“Any assessment of the way that liberal scholars in IR today understand institu-
tions must also take realists into account. […] Their world consists of independ-
ent, goal-oriented, calculating and highly competitive entities called states. This 
is, of course, a liberal point of view rigorously applied to states as if they were 
human individuals” (Onuf, 2002, p. 220). 
 
Tendo em vista que o realismo estrutural é, em suma, uma reedição do 
pensamento liberal aplicado aos estados, podemos fazer a seguinte pergunta: de 
que forma o liberalismo, de acordo com Onuf, conceitualiza as instituições? Para 
responder a esta pergunta, Onuf retorna ao pensamento de Friedrich Hayek, um 
acadêmico liberal austríaco defensor enfático do liberalismo. De acordo com Ha-
yek, as instituições podem ser classificadas em dois tipos: (1) aquelas que emer-
gem espontaneamente como o produto da ação de muitos homens, mas que não 
são planejadas por nenhum deles; e (2) aquelas que são intencionalmente planeja-
das com o intuito de ordenar a relação entre indivíduos em uma sociedade. 
A divisão de Hayek entre instituições naturais, que emergem espontanea-
mente e instituições artificiais, que emergem por convenção, se reflete no debate 
político, de acordo com Onuf, da seguinte forma: 
 
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“Either one believes that institutions are too important to be left to chance be-
cause they limit people’s choices, for good or bad. Political arrangements exem-
plified by the modern state fit this description. Or one believes that it is important 
to leave institutions alone because they give people the room that they need to 
make rational choices. Markets illustrate the point.” (Onuf, 2002, p. 212). 
 
A partir desta exposição podemos compreender, portanto, que o sistema 
internacional imaginado por Kenneth Waltz não possui espaço para instituições. 
Isso acontece porque, seguindo o pensamento liberal, as instituições artificiais 
limitam o raio de ação do indivíduo racional, o qual, no realismo estrutural, é 
igualado aos estados. Nesse pensamento, as instituições não só são desnecessárias 
como são também perigosas, pois tenderão a refletir os interesses dos agentes 
mais poderosos e limitar a ação dos agentes mais fracos. Por outro lado, percebe-
mos também que esta divisão se reflete no pensamento de Keohane e em seu neo-
liberalismo institucional. Para Keohane, as instituições são “importante demais 
para serem deixadas ao acaso”, já que elas possuem o poder de impor limites a 
liberdade de ação dos estados e podem ser manipuladas (planejadas) de forma a 
atenderem melhor os objetivos dos mesmos. 
Não entraremos no debate, neste trabalho, sobre a melhor forma de insti-
tuição; não discutiremos se as instituições espontâneas são mais ou menos eficien-
tes do que as planejadas. Isso porque, fundamentalmente, concordamos com a 
visão de Onuf que a dicotomia entre natural e artificial é falsa. 
Conforme afirma Onuf, “para que possamos pensar as instituições à parte 
da natureza, seria necessário que nós também fossemos capazes de pensar em nós 
mesmos à parte da natureza” (Onuf, 2002, p. 214). Dessa maneira, instituições são 
espontâneas da mesma forma como são também planejadas, assim que se tornam 
reflexivamente monitoradas pelos agentes. 
Apesar de concordarmos com Onuf, não podemos perder de vista o fato de 
que tanto o neorrealismo de Kenneth Waltz quanto o neoliberalismo institucional 
de Keohane conceitualizam as instituições como sendo ou de ordem natural e es-
pontânea ou de ordem artificial e planejada. É por este motivo que essas duas cor-
rentes observam as instituições da soberania, da anarquia e da auto-ajuda como 
sendo naturais. Ou seja, padrões de comportamento que emergem espontaneamen-
te da interação entre estados. O realismo estrutural e o neoliberalismo institucional 
diferenciam-se na medida em que: (1) o realismo estrutural afirma que as institui-
ções, enquanto formas artificiais, são sempre o reflexo da distribuição de poder e, 
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portanto, não possuem qualquer influência nos resultados; e (2) o neoliberalismo 
institucional afirma que as instituições possuem alguma autonomia e emergem 
enquanto ordens propositivas que objetivam “melhorar” e tornar o sistema “natu-ral” da anarquia mais eficiente. 
Se admitirmos, seguindo a proposta de Onuf, que não existe qualquer dico-
tomia entre instituições naturais e artificiais, o cenário torna-se muito mais com-
plexo. Mas por que o cenário se torna mais complexo? Ora, porque ao aceitar que 
determinadas instituições são naturais, tanto o realismo estrutural quanto o neoli-
beralismo institucional anulam uma possível variável na equação causal. Em ou-
tras palavras, estas teorias afirmam que, se determinado comportamento é natural 
e inexorável, não faz qualquer sentido problematizá-lo. Ao escolher transformar 
todas as instituições em variáveis, ou seja, que podem variar de acordo com o 
comportamento, tem-se um cenário de muito maior imprecisão no sentido de que 
é mais difícil determinar as cadeias causais explicativas de um determinado fenô-
meno. Por este motivo, uma das tarefas que o construtivismo – e especialmente o 
construtivismo de Onuf – se propõe a fazer é especificar os elementos que com-
põem as instituições e classificá-las de acordo com estes elementos. Por exemplo, 
como veremos a seguir, instituições são compostas de regras. Porém, existem va-
riados tipos de regras que possuem “funções” diferentes dentro da estrutura insti-
tucional. Regras, ao mesmo tempo que criam as instituições, criam também os 
agentes, que, por sua vez, monitoram reflexivamente as instituições e atuam sobre 
elas, modificando-as. 
Como afirmamos anteriormente, instituições são um conjunto de compor-
tamentos padronizados. Não importa se estes comportamentos padronizados são o 
resultado não intencional das ações realizadas por indivíduos racionais ou se são 
planejadas propositivamente; o que nos interessa aqui é reconhecer que as insti-
tuições são compostas por um determinado conjunto de regras que guiam e infor-
mam o comportamento dos agentes. A soberania, por exemplo, é uma instituição 
porque incorpora regras sobre a natureza dos participantes (estados soberanos) e o 
seu papel, ou seja, aquilo que se espera que um estado soberano faça (criam ex-
pectativas). Na terminologia de Giddens, regras podem ser constitutivas – regras 
que constituem e definem o que é o “jogo” – ou podem ser reguladoras – regras 
que determinam como os agentes previamente definidos pelas regras constitutivas 
devem se comportar. Definir as instituições como um conjunto de regras nos pos-
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sibilita compreender de que forma as instituições se relacionam com os agentes de 
um dado sistema social. Além do mais, regras nos permitem entender porque os 
comportamentos padronizados se reproduzem no tempo e no espaço. 
Giddens, em seu livro A Constituição da Sociedade (1989), apresenta o 
termo “estrutura” exatamente como regras e recursos que condicionam a agência 
humana e que propiciam, desta maneira, a reprodução dos sistema sociais e das 
suas instituições. O que se quer dizer com isto é que a agência não ocorre fora da 
estrutura (ou seja, constrangida por ela), mas ela acontece por meio da estrutura. 
Neste sentido, instituições não existem à parte do comportamento dos agentes. 
Muito pelo contrário, as instituições são compreendidas enquanto regras que 
guiam a agência e que, consequentemente, contribuem para a sua reprodução e 
transformação. 
Faz-se necessário notar que, de acordo com Giddens, sistemas sociais não 
possuem estruturas propriamente ditas, mas apresentam propriedades estruturais. 
Essa afirmação deriva do fato de que as propriedades estruturais não existem in-
dependentemente da agência. Ou seja, as propriedades estruturais se reproduzem 
pela agência de atores sociais. Portanto, a afirmação de que a estrutura, ou as insti-
tuições, restringem e limitam a ação dos indivíduos é amplamente falsa. Como 
vimos, a estrutura pensada como princípios estruturais é constituída pela própria 
agência humana. Isso não significa, porém, que do ponto de vista do indivíduo 
isolado as instituições não se apresentem como constrangimentos à liberdade de 
sua ação. Porém, temos que lembrar que as instituições são nada mais nada menos 
que a ação de outros agentes, e não uma força ou lei natural que existe além da 
capacidade de controle humana. Dessa forma, a estrutura (ou as instituições) são 
compreendidas como formas tanto de coerção quanto de facilitação, já que é por 
meio delas que o individuo se torna um agente. Em outras palavras, é por meio 
das instituições que o agente se torna um ator político. 
Para deixar claro um elemento que diz respeito à relação entre estrutura e 
instituições, Giddens afirma que: 
 
“Como acontece comumente com seu uso nas ciências sociais, o termo ‘estrutura’ 
tende a ser ligado com os aspectos mais duradouros dos sistemas sociais em men-
te, e não quero perder esta conotação. Os mais importantes aspectos da estrutura 
são as regras e os meios recursivamente envolvidos em instituições. As institui-
ções são, por definição, os aspectos mais duradouros da vida social. Ao falar das 
propriedades estruturais dos sistemas sociais refiro-me às suas características ins-
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titucionalizadas, proporcionando ‘solidez’ através do tempo e do espaço” (Gid-
dens, 1989, p. 28). 
 
Ou seja, Giddens concebe as instituições como “aspectos mais duradouros 
da vida social”, evidentemente estabilizados pelas regras e pelos recursos envol-
vidos em sua reprodução e transformação. 
Dito isso, podemos nos perguntar de que forma o pensamento de Giddens 
se relaciona com a nossa discussão prévia sobre a naturalidade ou artificialidade 
das instituições? Ora, se, como vimos, toda ação humana acontece por meio da 
estrutura, e se as estruturas são pensadas enquanto regras, assim como institui-
ções, então podemos concluir que qualquer ação humana é altamente instituciona-
lizada, pois ocorre dentro de um grande e complexo sistema de regras e institui-
ções. O que queremos dizer com isso é que a ação humana, ou a agência, só pode 
ser compreendida enquanto uma ação estruturada, organizada por regras e recur-
sos e, necessariamente, institucionalizada. 
Gostaríamos, neste momento, de comentar mais dois pontos sobre a teoria 
de Giddens. O primeiro é a ideia de reflexividade. Em nosso entendimento, o ca-
ráter reflexivo da agência é a pedra fundamental de Giddens. Para este autor, todo 
ser humano possui a capacidade de monitorar reflexivamente aquilo que acontece 
ao seu redor. Nas palavras do autor, 
 
“O monitoramento reflexivo da atividade é uma característica crônica da ação co-
tidiana e envolve a conduta não apenas do indivíduo mas também de outros. Quer 
dizer, os atores são só controlam e regulam continuamente o fluxo de suas ativi-
dades e esperam que outros façam o mesmo por sua própria conta, mas também 
monitoram rotineiramente aspectos, sociais e físicos, dos contextos que se mo-
vem” (Giddens, 1989, p. 6). 
 
 É por conta da monitoração reflexiva que qualquer atividade padronizada - 
em outras palavras, atividades guiadas por regras - se torna clara e identificável 
para os atores sociais. Nesse sentido, mesmo admitindo que determinados padrões 
de comportamento emergem espontaneamente, eles assim que são identificados – 
ou seja, traduzidos enquanto regras – passam a ser objeto da ação intencional dos 
atores. Dessa forma, podemos admitir, por exemplo, que o mercado efetivamente 
surgiu a partir da interação de indivíduos auto-centrados que buscavam egoistica-
mente o bem próprio. Porém, desde o momento em que este padrão foi determi-
nado, ele passou a ser levado em consideração na conduta estratégica dos demais 
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atores. É por estemotivo que, na reconstrução do sistema monetário internacional 
do pós-segunda guerra, Keynes propôs uma série de medidas interventivas que 
objetivavam “corrigir” algumas imperfeições do livre mercado. A ação de Keynes 
só pode ser explicada a partir da ideia de que os atores monitoram tanto as suas 
condutas diárias quanto as dos demais atores e que, a partir da monitoração, capa-
citam-se a atuar sobre as instituições. 
 A segunda ideia que gostaríamos de destacar é a afirmação de que existem 
dois tipos fundamentais de regras. As regras constitutivas são aquelas que consti-
tuem os atores que participam de um determinado sistema social. As regras cons-
titutivas contribuem, portanto, para a constituição do significado da ação social. 
Por outro lado, as regras reguladoras determinam o que um dado ator deve fazer. 
As regras reguladoras estão em estreita conexão com as sansões sociais, já que 
elas devem estipular uma “punição” para o caso de um comportamento desviante. 
Para os fins deste trabalho, gostaríamos de fazer a seguinte proposta: em 
primeiro lugar, deve-se notar que todas as regras são tanto constitutivas quanto 
reguladoras. Porém, há uma diferença de ênfase: enquanto algumas regras são 
essencialmente constitutivas, outras são mais voltadas para a regulação da ação. 
Em segundo lugar, notamos que as regras possuem graus diferentes de durabilida-
de (dimensão temporal) e de alcance espacial. Da mesma forma, regras possuem 
graus diferentes de aceitação social – por exemplo, a prática do nepotismo é am-
plamente reproduzida, porém trata-se de um padrão social repreensível. O que 
queremos dizer é que uma regra pode ser violada – algumas mais do que outras – 
sem que deixe de ser regra. 
Tendo em vista o que foi exposto acima, propomos que tanto o realismo 
estrutural quanto o neoliberalismo institucional tratam a (1) anarquia, (2) a sobe-
rania, e (3) a auto-ajuda como regras constitutivas do sistema internacional. Dessa 
forma, estas correntes escolhem não problematizá-las já que imaginam que estas 
três instituições são amplamente aceitas e sólidas o suficiente para não serem fre-
quentemente violadas. Em outras palavras, como estas regras possuem alto grau 
de amplitude espaço-temporal, não se faz necessário questioná-las. Por outro lado, 
os regimes internacionais são caracterizados como regras reguladoras. Ou seja, 
regimes são instituições compostas por regras que objetivam regular a interação 
de atores previamente constituídos por outras regras mais profundas e enraizadas 
nas práticas sociais. Em suma, o que propomos é que existam “dois níveis” de 
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instituições: aquelas que são constitutivas e aquelas que são reguladoras. O siste-
ma internacional é formado por um conjunto de regras constitutivas; os regimes, 
por um conjunto de regras reguladoras. 
 
2.1. 
A teoria da estabilidade hegemônica e a demanda por regimes 
 
Segundo Stephen D. Krasner (1985), regimes podem ser definidos como 
“princípios, normas, regras e procedimentos entorno das quais as expectativas dos 
atores convergem em uma determinada área de concentração” (issue area, no ori-
ginal). Esta definição é frequentemente utilizada por outros autores que tratam do 
tema de regimes internacionais. Nesta visão, regimes são instituições sociais – 
entendidas como uma série de práticas sociais padronizadas e reconhecidas como 
tal - que intervém em uma cadeia causal modificando os resultados dos processos 
e também as expectativas dos atores. 
Podemos resumir esta abordagem da seguinte maneira: Imagina-se, a prin-
cípio, que o sistema internacional seja composto por estados soberanos que relaci-
onam-se entre si em um ambiente de anarquia. A abordagem estrutural modifica-
da, associada ao pensamento de Robert Keohane, (1) aceita as premissas de que os 
estados são os principais atores na política mundial; (2) que o sistema internacio-
nal é descentralizado. Ou seja, sua estrutura é anárquica no sentido de que lhe 
falta uma autoridade suprema; e (3) que, por fim, dadas as circunstâncias acima, o 
comportamento de auto-ajuda é o que prevalece entre os atores políticos. Em ou-
tras palavras, aceita-se a visão de Kenneth Waltz sobre o sistema internacional. 
Porém, como fica claro na obra de Keohane, o sistema internacional não vive em 
um constante estado de guerra, como sugeririam as premissas descritas pelo sis-
tema de Waltz. Muito pelo contrário. 
Para o autor, a política mundial deve ser entendida tanto pela anarquia da 
relação entre estados quanto pela institucionalização destas mesmas relações. Ou 
seja, nas palavras de Keohane, “boa parte dos comportamentos são reconhecidos 
pelas participantes como o reflexo de regras, normas e convenções, e o seu signi-
ficado é interpretado à luz destes entendimentos”. Em suma, o autor sugere que 
existe algo a mais neste sistema internacional do que bolas de bilhar, que se cho-
cam livremente em um limbo institucional. 
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Acreditamos que a seguinte passagem de Keohane é bastante clara sobre a 
sua posição em relação à teoria realista estrutural: 
 
“The theoretical analysis of international regimes begins with what is at least an 
apparent anomaly from the standpoint of realist theory: the existence of many 
‘sets of implicit or explicit principles, norms, rules, and decision-making proce-
dures around which actor expectations converge’, in a variety of areas of interna-
tional relations” (Keohane, 1989, p. 101). 
 
Temos, portanto, dois elementos. Por um lado, as teorias tradicionais sobre 
regimes aceitam a existência do sistema internacional anárquico de Waltz. Por 
outro lado, estas teorias afirmam que o desenho básico deste sistema internacional 
não é o suficiente para explicar o comportamento dos estados. O sistema de Waltz 
não prevê a possibilidade de cooperação e a existência de normas e regras co-
muns. Um novo elemento, é, portanto, introduzido na forma de uma variável in-
terveniente. Esse elemento corresponde às instituições sociais, ou, mais precisa-
mente, aos regimes internacionais. Como afirma Krasner, “regimes podem ser 
concebidos como variáveis intervenientes que se colocam entre variáveis causais 
básicas (principalmente poder e interesse) e os resultados (outcomes) e compor-
tamentos”. 
A visão de Krasner e Keohane suscita duas perguntas fundamentais: (1) 
por que os regimes surgem? e (2) como os regimes se transformam? 
Quanto à primeira pergunta – por que os regimes surgem – duas possíveis 
respostas são apresentadas por Keohane. A primeira resposta se fundamenta na 
ideia de que a concentração de poder em uma unidade do sistema fará com que 
esta unidade estabeleça uma série de regimes internacionais (normas, regras e 
procedimentos) com a intenção de estabilizar a sua posição dominante. Ou seja, 
estes regimes vão institucionalizar práticas que são, em suma, benéficas aos inte-
resses da potência hegemônica. 
Um argumento semelhante pode ser encontrado na obra de John Ikenberry, 
After Victory (Ikenberry, 2001). De acordo com este autor, ao fim da segunda 
guerra mundial, a posição hegemônica dos Estados Unidos frente aos demais paí-
ses do mundo permitiu aos norte americanos escolher o que fazer com o seu novo 
poder adquirido: 
 
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“The question is: what does this state do with its new abundance of Power? It has 
three choices. It can dominate – use its commanding material capabilities to pre-
vail in the endless conflicts over the distribution of gains. It can abandon – wash 
its hands of postwar disputes and return home.Or it can try to transform its fa-
vorable postwar power position into a durable order that commands the allegiance 
of the other states within the order […] After 1919 and 1945, the leading state has 
resorted to institutional strategies as mechanisms to establish restraints on indis-
criminate and arbitrary state power and ‘lock in’ a favorable and durable postwar 
order” (Ikenberry, 2001, p.4). 
 
O que nos interessa reter desta passagem transcrita acima é a ideia de que 
uma potência hegemônica possui efetivamente a capacidade de escolha; ela pode 
limitar o uso do seu poder com o objetivo de garantir uma ordem estável e dura-
doura. A institucionalização, portanto, pode perfeitamente ser entendida como 
uma camada a mais na estrutura do sistema internacional realista. Regimes, desta 
maneira, podem ser entendidos como uma camada institucional criada e fomenta-
da pela potência hegemônica com o intuído de consolidar uma ordem duradoura e 
favorável. 
Ainda sobre a primeira pergunta – por que os regimes surgem – podemos 
encontrar uma outra resposta dentro da obra de Keohane. Trata-se da teoria da 
estabilidade hegemônica. Esta teoria possui duas variantes fundamentais. A pri-
meira tem suas origens na obra de Charles Kindlberger e possui caráter econômi-
co. O argumento de Kindelberger é ancorado na ideia de que o mercado mundial 
apresenta falhas sistêmicas. Para que o mercado e a economia mundial se estabili-
zem, é necessário que exista uma potência hegemônica disposta a atuar de manei-
ra anticíclica, garantindo a liquidez – quando há escassez de dinheiro – e garan-
tindo a demanda constante para mercadorias produzidas nos demais países. Além 
do mais, a potência hegemônica também possui a responsabilidade de zelar pelo 
controle das balanças de pagamento, garantindo que todos os países adotem polí-
ticas econômicas liberais (não protecionistas)1. 
A segunda variante da teoria da estabilidade hegemônica é a que mais nos 
interessa neste momento. Segundo Keohane, a estabilidade hegemônica diz que 
“mudanças nas capacidades relativas de recursos disponíveis para os estados mais 
poderosos explicam as mudanças nos regimes”. Esta teoria deriva do entendimen-
to realista do sistema internacional. Logo, ela afirma que um sistema será mais 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1 A obra de Kindelberger apresenta um argumento bastante diferente daquele utilizado pelas variantes realistas da teoria da 
estabilidade hegemônica. Porém, uma explicação mais detalhada do argumento de Kindelberger ficará reservada para um 
trabalho subsequente.	
  
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estável na medida em que o poder se encontre mais concentrado. De acordo com 
Keohane: 
 
“[The theory of hegemonic stability] holds that hegemonic structures of Power, 
dominated by a single country, are most conductive to the development of strong 
international regimes whose rules are relatively precise and well obeyed. Accord-
ing to the theory, the decline of hegemonic structures of power can be expected to 
presage a decline in the strength of corresponding international economic re-
gimes” (Keohane, 1989, p. 75). 
 
Vemos, portanto, que, para a teoria da estabilidade hegemônica, a força de 
um regime está diretamente relacionada à concentração de poder no sistema inter-
nacional. Quanto mais concentrado estiver o poder, mais fortes serão os regimes. 
Por outro lado, na ocorrência da erosão do poder de uma potência hegemônica, a 
teoria prevê que os regimes também se enfraquecerão. 
Por conseguinte, podemos ver que a teoria de Keohane afirma (1) que os 
regimes internacionais surgem em decorrência da concentração de poder relativo 
em uma potência hegemônica; e (2) que os regimes mudam refletindo o padrão da 
distribuição de poder entre as unidades do sistema. 
Gostaríamos de fazer duas observações neste momento. Como a posição 
de Keohane deriva fundamentalmente de uma visão estrutural realista das relações 
internacionais, não é estranho que encontremos a afirmação de que a distribuição 
de capacidades entre as unidades do sistema determine o comportamento dos ato-
res. A única diferença, porém, é que, para Keohane, esse comportamento se en-
contra institucionalizado na forma de regimes. Estes regimes, por sua vez, influ-
enciam o comportamento e o cálculo de interesse das unidades. A segunda obser-
vação de Keohane é que a distribuição de poder no sistema internacional não re-
sulta imediatamente na construção de regimes. É necessário, além da concentra-
ção de poder, que exista a vontade, por parte do hegemon, de estabelecer um re-
gime. Como pudemos observar em Ikenberry, o hegemon possui, em última análi-
se, a escolha entre usufruir de seu excedente de poder imediatamente ou escolher 
por utilizar este mesmo poder para estabelecer condições adequadas para um do-
mínio prolongado no tempo. 
Até agora vimos como o estruturalismo modificado de Keohane, e, parti-
cularmente, a teoria da estabilidade hegemônica, explica a formação e a mudança 
de regimes internacionais como um reflexo da concentração ou difusão de poder 
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dentro do sistema internacional. Porém, como reconhece Keohane, o que vimos 
até agora não explica as diferenças entre os regimes, nem mesmo o por quê de 
determinados regimes serem mais duradouros e resistirem melhor a mudanças nas 
configurações de poder do que outros. Para solucionar este problema, Keohane 
faz uma afirmação interessante: a teoria da estabilidade hegemônica explica, em 
suma, a existência da oferta de regimes internacionais, mas não explica a deman-
da. Ou seja, ela explica por que as potências hegemônicas escolhem ofere-
cer/construir um regime, mas não explica porque os demais estados aceitam e, em 
grande medida, demandam o estabelecimento de regimes. 
Tal afirmação nos chama a atenção para dois pontos. Em primeiro lugar, 
devemos reconhecer que os regimes não são simplesmente impostos unilateral-
mente pelas potências hegemônicas. Pelo contrário, um regime necessita de algum 
grau de aprovação entre os demais estados, caso contrário, não resistirá por muito 
tempo. Em segundo lugar, precisamos atentar para o fato de que regimes possuem 
uma função. Ou seja, devemos entender que a criação de regimes é, de alguma 
maneira, uma ação intencional e propositiva, e não simplesmente o resultado não 
intencional derivado da distribuição de poder no sistema internacional. Tal reco-
nhecimento nos permitirá explicar, como faremos mais tarde, por que determina-
dos regimes mudam mesmo sem que tenha havido qualquer mudança na distribui-
ção de poder. Podemos imaginar, a priori, que regimes precisam desempenhar 
uma dada função. Ao falhar nessa tarefa, o regime tenderá a ser abandonado em 
favor de um outro que seja mais eficiente. Para Keohane, regimes existem porque 
o sistema internacional anárquico possui falhas, assim como mercados também 
possuem. Os regimes, portanto, serão pensados como instrumentos que objetivam 
superar as falhas do sistema internacional. Trata-se de uma visão utilitarista, sem 
sombra de dúvidas. 
Ao expor a teoria da estabilidade hegemônica, Keohane se sustentou nas 
bases do realismo estrutural. Neste momento, porém, para tratar da demanda por 
regimes, veremos o lado mais liberal deste autor. Essa análise baseia-se “na tradi-
ção da teoria de microeconomia, focando nos constrangimentos e nos incentivos 
que afetam as escolhas feitas pelosatores”. Em suma, Keohane afirma que “mu-
danças nas características do sistema internacional alteram os custos de oportuni-
dade para os atores em vários cursos de ação possíveis”. Em outras palavras, os 
regimes são entendidos como forças que alteram o estado natural do sistema in-
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ternacional, modificando a relação de custo/benefício para os atores envolvidos. A 
ideia de regimes como variáveis intervenientes é bastante precisa para descrever 
esta relação. 
Para entendermos a diferença que os regimes fazem, é necessário antes en-
tender o contexto “natural” das relações entre os atores na ausência de regimes. 
Para Keohane, “duas características do contexto internacional são importantes: a 
política mundial não possui instituições governamentais impositivas, e é marcada 
pela constante incerteza”. Logo, podemos presumir que a demanda por regimes 
busca minimizar (1) a falta de um governo supranacional autoritário, e (2) a incer-
teza quanto as expectativas dos atores. Para Keohane, 
 
“Within this setting, a major function of international regimes is to facilitate the 
making of mutually beneficial agreements among governments, so that the struc-
tural condition of anarchy does not lead to a complete ‘war of all against all’” 
(Keohane, 1989, p. 106). 
 
Para Keohane, a política mundial pode ser comparada a um mercado. Em 
condições perfeitas, nenhum tipo de regulação se faz necessária para que se obte-
nha um resultado ótimo. Em casos como este, a simples operação de um sistema 
de auto-ajuda resultará em ganhos mútuos e na estabilidade do sistema (assim 
como afirma a teoria liberal clássica). Entretanto, segundo o autor, não é isto o 
que se observa empiricamente. Se tal proposição fosse verdadeira, não haveria 
demanda para a construção de instituições e regimes internacionais. Mais especi-
ficamente, ao invés de regimes, teríamos uma profusão de acordos ad hoc que 
refletiriam um conjunto de interesses pontuais. 
 Keohane sugere que o sistema internacional, assim como concebido pela 
tradição neorrealista, apresenta similaridades com a teoria de mercados imperfei-
tos, ou “market failure”. Ou seja, em sua forma “nua e crua” o sistema internacio-
nal oferece constrangimentos que aumentam os custos da cooperação. Logo, em 
função da anarquia do sistema internacional surge a necessidade de criação de 
regimes que reestabelecem as condições de segurança, informação e previsibilida-
de necessárias para que acordos possam ser firmados e cumpridos. 
Quais são, então, as funções que um regime deve cumprir? Para explicar 
esse ponto, Keohane recorre ao trabalho de Ronald Coase. Segundo este autor, 
existem três condições que permitem a realização pareto-ótima dos fatores de pro-
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dução no funcionamento do mercado. A primeira condição é a existência de um 
framework legal, presumivelmente estabelecido por uma autoridade governamen-
tal, que garanta o cumprimento dos contratos entre as partes; a segunda condição é 
a existência de “informação plena”, ou seja, os atores sabem perfeitamente suas 
intenções mútuas; e a terceira condição é a ausência de custos de transação2. 
De acordo com Keohane, 
 
“If	
   all	
   these	
   conditions	
   were	
   met	
   in	
   world	
   politics,	
   ad	
   hoc	
   agreements	
  
would	
  be	
   costless	
   and	
   regimes	
  unnecessary.	
  At	
   least	
  one	
  of	
   them	
  must	
  
not	
  be	
  fulfilled	
  if	
  international	
  regimes	
  are	
  to	
  be	
  of	
  value,	
  as	
  facilitators	
  of	
  
agreements,	
   to	
   independent	
   utility-­‐maximizing	
   actors	
   in	
   world	
   politics”	
  
(Keohane,	
  1989,	
  p.	
  111).	
  
 
Ocorre, porém, que nenhuma destas condições existe na política mundial. 
Isso significa que, em qualquer hipótese, a existência de regimes é uma precondi-
ção para a realização exitosa de acordos entre estados. Segue deste raciocínio, 
portanto, que a função dos regimes na política mundial deve ser a de garantir (1) a 
existência de um framework legal; (2) a promoção do monitoramento mútuo das 
ações dos atores (informação); e (3) a redução dos custos de transação. A deman-
da por regimes ocorre exatamente porque os atores sabem que, nas condições 
normais do sistema internacional, o estabelecimento de acordos entre estados é, na 
melhor da hipóteses, um evento raro e, presumivelmente, de curta duração. 
Tentaremos sumarizar o que foi dito até agora. Regimes são princípios, 
normas, regras e procedimentos entorno das quais as expectativas dos atores con-
vergem em uma determinada área de concentração. De acordo com a teoria da 
estabilidade hegemônica, o surgimento e a mudança de regimes refletem as dinâ-
micas da distribuição de poder no sistema internacional. Além disso, vimos que os 
regimes não são simplesmente uma imposição unilateral das potências hegemôni-
cas sobre os demais estados. Há, efetivamente, a necessidade de estabelecimento 
de regimes internacionais para que a cooperação entre estados possa ocorrer3. 
 
	
  
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
2 Não entraremos em maiores detalhes sobre a teoria de Ronald Coase. Este trabalho se encontra melhor definido em After 
Hegemony, do próprio Keohane. 
3 Em After Hegemony, o argumento de Keohane é mais complexo. Para este autor, a criação de regimes internacionais 
prescinde inexoravelmente de uma potência hegemônica. Contudo, após terem sido estabelecidos, os regimes podem 
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2.2. 
Regimes espontâneos, negociados e impostos 
	
  
Vejamos agora, rapidamente, como é a visão de Oran Young (Young, 
1983) sobre a formação e a evolução de regimes. Para Young, regimes são nada 
mais que instituições sociais. Assim como qualquer instituição social, regimes são 
definidos pela sua capacidade de produzir padrões de comportamentos previsíveis 
e, consequentemente, contribuir para a consolidação das expectativas dos atores 
envolvidos. Mais especificamente, “regimes internacionais são aqueles que per-
tencem a atividades que interessam aos membros do sistema internacional”. 
Young trabalha com a ideia de que qualquer atividade social padronizada, 
sendo reconhecida como tal, influencia as expectativas dos atores com relação ao 
comportamento. De forma geral, podemos afirmar que as instituições sociais, in-
clusive regimes internacionais, “constituem uma resposta a problemas de coorde-
nação ou situações nas quais a busca pelos interesses individuais leva a resultados 
socialmente indesejáveis”. Esta visão é similar à de Keohane quanto à demanda 
por regimes. 
Estas atividades padronizadas, enquanto instituições sociais, podem ser de 
três tipos: elas podem ser ordens espontâneas, ordens negociadas ou ordens im-
postas. 
Ordens espontâneas são aquelas que emergem de um comportamento natu-
ral, e que não são planejadas pelos atores que a constituem. O mercado – entendi-
do pela perspectiva liberal – é uma ordem espontânea porque emerge do compor-
tamento egoísta de inúmeros indivíduos e não é planejado por nenhum deles. Es-
tes indivíduos, comportando-se de maneira não coordenada, reproduzem compor-
tamentos padronizados sem qualquer intenção de fazê-lo. Outro exemplo de or-
dem espontânea, desta vez, a partir do pensamento realista, é a balança de poder. 
Similarmente ao mercado, osistema internacional anárquico também gera espon-
taneamente comportamentos padronizados, como a balança de poder4. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
continuar a existir mesmo após a erosão do poder do hegemon. As condições para que um regime possa sobreviver “após a 
hegemonia” são aquelas descritas por Keohane como “o lado da demanda” por regimes. 
4 Do ponto de vista marxista, o mercado não é considerado uma ordem espontânea. Isso porque o funcionamento do merca-
do depende da existência de uma autoridade que garanta (1) a inviolabilidade da propriedade privada, e (2) a inviolabilida-
de dos contratos. Tais elementos não nascem espontaneamente. Da mesma forma, podemos criticar a visão realista de que o 
sistema internacional nasceu de forma espontânea. O princípio da soberania, por exemplo, é uma ordem, na melhor das 
hipóteses, negociada, e na pior da hipóteses, imposta.	
  
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Ordens negociadas, por outro lado, são regimes caracterizados pelo esfor-
ço consciente para chegar a acordos sobre problemas comuns. Ordens negociadas, 
em suma, expressam o consentimento explicito dos atores envolvidos sobre os 
problemas comuns e as possíveis soluções a estes problemas. Young sugere que 
ordens negociadas podem ser de tipo constitucional, na qual todos os atores dire-
tamente afetados pelas decisões participam das negociações; ou elas podem ser 
“barganhas legislativas”. Nesses casos, os atores envolvidos na negociação tomam 
decisões que afetam atores que não estão diretamente envolvidos. De forma geral, 
para esse autor, as ordens negociadas são as mais frequentes na política mundial. 
Por esse motivo, é igualmente frequente que estudiosos do assunto se esqueçam 
de que existem outras formas de ordem que não são negociadas. 
Ordens impostas diferem das demais porque são criadas com o intuito de 
beneficiar apenas os atores mais poderosos do sistema. Nas palavras de Young, 
 
“In short, imposed orders are deliberately established by dominant actors who 
succeed in getting others to conform to the requirements of these orders through 
some combination of coercion, cooptation, and the manipulation of incentives 
[…] overt hegemony occurs when the dominant actor openly and explicitly artic-
ulates institutional arrangements and compels subordinate actors to conform to 
them” (Young, 1983, p. 100). 
 
Ordens impostas derivam da disparidade de poder entre as unidades do sis-
tema internacional. Todavia, não se deve imaginar que as ordens impostas se fun-
damentam somente na coerção pura e simples. É bem sabido que a imposição uni-
lateral aberta, baseada na força explícita, não possui condições de se sustentar por 
longos períodos. Em função disso, a maior parte das ordens impostas não se apre-
senta como tal. Segundo Young, hábitos de obediência por parte dos subordinados 
emergem com o tempo. Portanto, a dominação contínua no tempo tende a adquirir 
o status de legitimidade5. 
Porém, o mais relevante nesse tipo de ordem é a sua vulnerabilidade à mu-
danças nas estruturas de poder. Qualquer modificação na distribuição de capaci-
dades entre os atores pode levar a uma dissolução da ordem imposta causando (1) 
a emergência de um período de anarquia e caos (como foi o período entre guerras) 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
5 “Regimes that arise in the form of imposed orders are sometimes increasingly accepted as legitimate with the passage of 
time, so that it becomes less necessary for the dominant actors to coerce others into conforming with their requirements” 
(Young, 1983, p. 102). 
	
  
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ou (2) a emergência de uma nova ordem liderada por um outro ator mais podero-
so. 
Para Young, é importante distinguir entre as formas de ordem porque cada 
uma delas leva a resultados comportamentais diferentes. Ordens espontâneas são 
extremamente eficientes: elas produzem resultados com baixos custos de transa-
ção, não necessitam de organizações formais nem de códigos de conduta que res-
tringem a liberdade individual. Por outro lado, ordens negociadas são custosas e 
implicam na redução da liberdade dos atores. Ordens impostas, por sua vez, ser-
vem aos interesses dos atores mais poderosos e resultam em arranjos pouco efici-
entes se comparados com as ordens espontâneas e negociadas. 
Enfatizaremos dois pontos da argumentação de Young. Em primeiro lugar, 
Young afirma que a incidência de ordens negociadas tenderá a variar de acordo 
com o grau de centralização do poder e da autoridade em uma sociedade. Quanto 
mais descentralizados forem o poder e a autoridade, maior será a chance de emer-
girem ordens negociadas. Ao mesmo tempo, a proeminência de ordens impostas 
tenderá a variar inversamente em relação ao grau de interdependência. Segue des-
se raciocínio que o aumento na interdependência favorece a emergência de ordens 
negociadas, enquanto a diminuição da interdependência favorecerá o surgimento 
de ordens impostas. 
Para os fins deste trabalho, gostaríamos de propor a seguinte interpretação: 
o conceito de ordem negociada pode ser muito bem descrito pela ideia de Keoha-
ne sobre a demanda por regimes internacionais. Nesse sentido, regimes emergem 
a partir do cálculo racional dos atores, que procuram coordenar as suas ações para 
atingir o ponto pareto-ótimo de utilização dos fatores de produção. Por outro lado, 
o conceito de ordem imposta pode muito bem ser associado à teoria da estabilida-
de hegemônica. Dessa forma, regimes internacionais emergem na política mundial 
como o reflexo do poder discrepante do hegemon e tenderão a favorecer os inte-
resses deste mesmo hegemon. Em suma, enfatizaremos, por fim, a ideia de que 
ordens negociadas apresentam mais probabilidade de existir em ambientes com 
alto grau de homogeneidade e convergência de interesses. Por outro lado, ordens 
impostas tendem a surgir quando existe grande disparidade de poder e divergência 
de interesses. 
Conforme argumentaremos mais adiante, a mudança do regime de propri-
edade intelectual da OMPI para a OMC, na década de 90, poderá ser entendida de 
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duas maneiras. (1) O aumento na interdependência da política mundial nas últimas 
décadas do século XX aumentou a necessidade de criação de uma ordem negocia-
da mais abrangente, que refletisse as novas condições de convergência de interes-
ses entre norte e sul; e (2) a disparidade de poder entre países do norte, especial-
mente os Estados Unidos, Alemanha e Japão, em relação aos países do sul – 
acrescido da falta de convergência dos interesses destas duas partes - favoreceu a 
emergência de um regime de propriedade intelectual imposto, ao invés de negoci-
ado. 
 Este capítulose propõe a analisar a teoria da estabilidade hegemônica. 
Devido a isso, achamos interessante avançar algumas críticas feitas a essa teoria. 
Apresentaremos o trabalho de Guzzini6 e Ruggie7. Escolhemos esses dois autores 
em função de sua importância para a disciplina de relações internacionais e, fun-
damentalmente, porque suas críticas são consideravelmente construtivas. 
 
2.3. 
Críticas à teoria da estabilidade hegemônica 
	
  
 Como vimos na seção anterior, a teoria da estabilidade hegemônica afirma 
que uma mudança na distribuição de poder no sistema internacional resultará em 
uma mudança nas formas institucionais, no nosso caso, regimes internacionais, 
que vigoram entre os estados. Esta teoria é claramente guiada pela ideia de que o 
poder (e a sua distribuição) é a variável que explica o comportamento dos atores 
em um dado sistema. De forma geral, podemos afirmar que a teoria da estabilida-
de hegemônica é uma extensão das teses realistas que afirmam que quanto maior 
for o diferencial de poder, maior será a estabilidade do sistema internacional. É 
evidente, também, que a potência hegemônica usará este diferencial de poder para 
avançar instituições internacionais que assegurem os seus interesses próprios. 
 Segundo Guzzini, na década de 80, a teoria da estabilidade hegemônica 
(TEH) afirmava que o declínio do poder norte americano causava o declínio do 
multilateralismo. Em outras palavras, os Estados Unidos agiram de forma unilate-
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
6	
  Guzzini, Stefano. From (alleged) unipolarity to the decline of multilateralism? A power-theoretical critique. In: 
Newman, Edward (ed.) et. al. Multilateralism under challenge? Power, international order, and structural change, 
United Nations University Press, 2006. 
7	
  Ruggie, J. G. International regimes, transactions, and change: embedded liberalism in the postwar economic 
order. In: Krasner, Stephen, D. (coord.), International Regimes, Ithaca, Cornell University Press, 1983. 
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ral exatamente porque sua capacidade de liderar as instituições multilaterais esta-
va fraquejando. Entretanto, a TEH afirma que, no período do entre guerras, a fa-
lência da ordem liberal internacional estava associada à falta de uma liderança 
hegemônica. Além do mais, atualmente, associa-se o unilateralismo da política 
norte americana com a preponderância de seu poder no sistema internacional. O 
argumento, para deixá-lo mais claro, é que a existência ou não de uma potência 
hegemônica não pode ser causalmente ligado ao comportamento dos estados, 
principalmente ao fenômeno do unilateralismo ou multilateralismo. A unipolari-
dade pode resultar em multilateralismo, como pode também resultar em unilatera-
lismo. 
 Para Guzzini esta incoerência acontece porque a TEH depende, em última 
análise, da capacidade de medir e comparar o poder das unidades. Contudo, Guz-
zini afirma que o poder não é fungível. Em outras palavras, o poder não pode ser 
medido, e, portanto, não pode ser utilizado como uma variável explicativa para o 
comportamento. O poder, segundo Guzzini, é um conceito relativo e multidimen-
sional. Isso significa que o poder não pode ser analisado nem como recursos, nem 
como resultados. Segundo o autor, “since power is not measurable, claims to a 
specific unipolarity cannot be independently checked to save the causal links of a 
systemic power analysis going from unipolarity to the decline of multilateralism”. 
O que acontece, portanto, de acordo com Guzzini, é que uma determinada 
concepção de poder que seja compartilhada pelos atores de um determinado sis-
tema acaba funcionando exatamente como se tal poder efetivamente existisse. Isso 
significa que a teoria da estabilidade hegemônica, no final das contas, colabora 
para a perpetuação da percepção (1) de que os Estados Unidos são a maior potên-
cia; (2) de que o sistema internacional é unipolar; e (3) de que os Estados Unidos 
possuem a missão de liderar unilateralmente o mundo, pois sem a sua ajuda o sis-
tema internacional mergulharia no caos. 
Nas palavras do autor: 
 
“A particular conception of power, if shared, has an actual effect on world order. 
Precisely because the distribution of power resources does not determinate out-
comes, but are often understood to do so, the capacity to shape the definitions of 
power is not mere semantics, but has political effect” (Guzzini, 2006, p. 120). 
 
“If it were true that the US enjoys a very large power and superiority, then it is 
only natural that it assumes a large responsibility for international affairs. Insist-
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ing on the special power of the US triggers and justifies a disposition for action” 
(Guzzini, 2006, p. 129). 
 
“The political implications are clear. The more observers stress the unprecedented 
power of the US, the more they mobilize the political discourse of agency and re-
sponsibility tying it to the US and the US alone, and the more they can exempt 
US action from criticism, since it responds to the ‘‘objective’’ (power) circum-
stances of our time” (Guzzini, 2006, p. 130). 
 
Concordamos com Guzzini em sua crítica ao discurso que procura repre-
sentar os Estados Unidos como um líder natural que se esforça em promover, por 
vias unilaterais, o bem comum. Acreditamos que propostas como estas servem 
apenas para reproduzir as práticas autoritárias e “policiais” por parte dos EUA ao 
redor do mundo. Concordamos que a TEH pode, sim, ser utilizada como uma 
“desculpa científica” para reproduzir situações de dominação e exploração. 
Porém, devemos sempre estar atentos para o fato de que se os Estados 
Unidos não possuíssem efetivamente o poder para realizar tais ações unilaterais, 
não seria a imaginação compartilhada que os capacitaria à tais feitos. Afirmar que 
o poder não é fungível, que ele não pode ser genericamente descrito e determina-
do não significa que ele não exista e que ele não influencie a política mundial. Por 
exemplo, na ocasião da negociação dos acordos TRIPS, no final da década de 80, 
os Estados Unidos se utilizaram, como mostra o trabalho de Susan K. Sell (2003) 
e Christopher May (2000), amplamente da “seção 301” para pressionar países em 
desenvolvimento à assinar um acordo que seria, em última análise, maléfico aos 
próprios interesses desses países. É virtualmente impossível explicar esse compor-
tamento sem imaginar que o poder de barganha norte americano foi fundamental 
para a criação do TRIPS. Supor o contrário seria imaginar que os países em de-
senvolvimento são absolutamente incapazes de legislar e negociar por si próprios 
acordos internacionais. 
Concordamos com Guzzini no sentido de que não é possível utilizar o con-
ceito de poder como uma variável sem qualquer preocupação em mencionar o que 
é este poder e porque este poder é compreendido como poder pelos demais parti-
cipantes de um processo social. No caso da “seção 301”, o que constituía o poder 
norte americano era a sua desproporcional capacidade produtiva e de consumo 
frente aos demais participantes da negociação. Nos termos de Marisa Gandelman 
(2004), o que constituía o poder da “seção 301” era a capacidade dos Estados 
Unidos em negar o acesso tanto à tecnologias quanto ao seu mercado interno aos 
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demais estados. Porém, somente esta capacidade não bastava; era necessário fazer 
com queos demais países reconhecessem que a “seção 301” constituía uma ins-
tância de poder. Ou seja, era necessário fazer com que os demais países temessem 
serem alvo da “seção 301” para que então ela pudesse ser utilizada como um arse-
nal na mesa de negociações. Era esse elemento, neste caso sim, “imaginado” que 
constituía o poder norte americano na negociação dos TRIPS. Era exatamente o 
medo de ser alvo de uma retaliação por meio da “seção 301” que proporcionou 
uma vantagem comparativa aos Estados Unidos. Esse medo, porém, não era so-
mente imaginado; ele era muito bem fundamentado na disparidade de recursos 
que os Estados Unidos ostentavam frente aos demais estados, principalmente fren-
te aos países em desenvolvimento. 
 
2.4. 
A forma e o conteúdo dos regimes internacionais 
	
  
John Gerard Ruggie, assim como os demais autores analisados neste estu-
do, define regimes internacionais como “instituições sociais em torno das quais as 
expectativas dos atores convergem em uma determinada áreas das relações inter-
nacionais” (Ruggie, 1983). Dessa forma, regimes possuem duas características 
fundamentais: em primeiro lugar, eles constrangem as ações dos atores limitando 
o escopo de suas escolhas em uma determinada área; em segundo lugar, regimes 
conformam as expectativas mútuas dos atores de maneira intersubjetiva. Logo, 
Ruggie afirma que regimes internacionais podem ser comparados à uma “lingua-
gem dos estados”. Em outras palavras, é a partir dos regimes que os estados co-
municam o seu entendimento sobre o sistema internacional e constituem suas ex-
pectativas sobre o comportamento dos demais estados. Para Ruggie, portanto, 
regimes não são somente uma série de regras e procedimentos, mas são, além dis-
so, princípios subjacentes de ordem e significados compartilhados pelos atores de 
um dado sistema. Em suma, regimes possuem um determinado propósito intersub-
jetivo (princípios e normas) e uma determinada forma (regras e procedimentos). 
Além do mais, enquanto formas institucionais, regimes manifestam o que 
Ruggie chama de “internacionalização da autoridade política”. Isso porque eles 
são a manifestação de um conjunto compartilhado de princípios e significados 
sobre o entendimento dos atores a respeito do que é legítimo, dos direitos e das 
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obrigações políticas dos estados. Regimes são, portanto, uma gramática que con-
fere significado à ação dos estados. Regimes compreendem uma série de concep-
ções sobre o que é a ordem; sobre os princípios que guiam as ações dos estados; e 
sobre quais os instrumentos legítimos a serem adotados para a garantia do funcio-
namento suave do sistema internacional. 
Ruggie avança três argumentos fundamentais no que diz respeito à teoria 
de regimes. O primeiro deles é um complemento à TEH: 
 
“Whatever its institutional manifestation, political authority represents a fusion of 
power with legitimate social purpose. The prevailing interpretation of interna-
tional authority focuses on power only; it ignores the dimension of social pur-
pose. The problem with this formulation in that power may predict the form of the 
international order, but not its content” (Ruggie, 1983, p. 198). 
 
Como havíamos observado, a forma da ordem internacional significa as 
regras e os procedimentos; o conteúdo dessa ordem refere-se aos princípios e às 
normas. A TEH afirma que a estabilidade do sistema internacional depende da 
existência de um hegemon. Porém, a TEH nada apresenta sobre o conteúdo que 
esta ordem promoverá. Por exemplo, durante a hegemonia britânica, no século 
XIX, os princípios que guiavam a ordem internacional eram os do liberalismo 
ortodoxo. Em contraste, a ordem que emerge sob a hegemonia norte americana 
após a segunda guerra mundial se fundamenta no princípios do “embedded libera-
lism”. Segundo Ruggie, estas duas ordens são completamente diferentes no que 
diz respeito ao conteúdo (princípios e normas). A TEH, apesar de ter algum valor 
para explicar a formação e a mudança de regimes, não é capaz de diferenciar entre 
o conteúdo da ordem liberal ortodoxa e o da ordem liberal “embedded”. 
O segundo argumento de Ruggie é uma crítica ao determinismo da TEH. 
Para o autor, as teorias estruturais tradicionais relacionam causalmente a hegemo-
nia com a ocorrência da transnacionalização de capitais. Para Ruggie, esta ligação 
causal não pode ser feita porque regimes dizem respeito à relação dos estados com 
outros estados e dos estados com o mercado. Os regimes internacionais não influ-
enciam o mercado em si. O que importa para nós, neste trabalho, é que, segundo 
Ruggie, regimes internacionais não determinam as relações do mercado, porém 
eles possuam a capacidade de criar um ambiente permissivo ou restritivo para as 
relações no mercado. Em suma, 
 
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“That is to say, international economic regimes provide a permissive environment 
for the emergence of specific kinds of international transactions flows that actors 
take to be complementary to the particular fusion of power and purpose that is 
embodied within those regimes […] These regimes, then, are neither determina-
tive nor irrelevant, but provide part of the context that shapes the character of 
transnationalization” (Ruggie, 1983, p. 199). 
 
 O terceiro argumento de Ruggie diz repeito à ocorrência de mudanças nos 
regimes. Para o autor, “o modelo prevalecente [a TEH] postula apenas uma fonte 
de mudança de regime, a ascensão ou declínio de hegemons, e duas direções de 
mudança de regime, maior abertura ou fechamento”. Ou seja, quando há a ascen-
são de um hegemon, a tendência é que surjam regimes abertos, liberais; e quando 
há o declínio de hegemons, a tendência é que os regimes liberais enfraqueçam, 
dando lugar a posturas mais nacionalistas e protecionistas no que diz repeito ao 
comércio. Ruggie sugere que, além do poder, outra variável também deve ser con-
siderada; isto é, devemos observar a variação do propósito do regime. 
 Portanto, temos um modelo que aceita que uma variação negativa no poder 
(ausência de um hegemon) pode mesmo assim resultar em um regime forte em 
função de uma variação positiva nos propósitos compartilhados entre os atores do 
sistema internacional. Para Ruggie, isto significa que, havendo a convergência de 
interesses entre os estados, regimes e instituições podem emergir e se manter fun-
cionando. Dessa maneira, Ruggie afirma que o (suposto) declínio da hegemonia 
americana na década de 70 não resultou no fim da ordem liberal “embedded” por-
que havia grande convergência de propósito entre os estados do sistema internaci-
onal. O que aconteceu, neste caso, ao contrário da mudança ocorrida na virada do 
século XIX para o século XX, foi uma mudança no regime guiada pelas normas. 
Ou seja, mudaram os instrumentos de ordenação do regime (regras e procedimen-
tos), mas mantiveram-se os princípios e normas intactas. 
O que nos importa no trabalho de Ruggie é a ideia defendida pelo autor de 
que regimes não são simplesmente o reflexo do poder e da hegemonia. Regimes, 
funcionando como uma “linguagem dos estados”, refletem uma série de princípios 
e expectativas que os atores possuem sobre o comportamento político legítimo; 
regimes conferem significado às ações dos estados em um ambiente internacional. 
 
Ao longo deste capítulo vimos que a teoria da estabilidade hegemônica 
afirma que a estabilidade do sistema internacional depende da existência de um 
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hegemon. Além disso, vimos também que os regimes tendem a refletir os interes-
ses dos atores mais poderosos do sistemainternacional. Como a TEH é uma teoria 
que deriva do entendimento neorrealista sobre a natureza do sistema internacional, 
entende-se que qualquer mudança nos regimes será o resultado de uma mudança 
na distribuição de poder entre as unidades do sistema. Por outro lado, conforme 
afirma Ruggie e também, em alguma medida, Keohane, regimes também depen-
dem de algum grau de convergência de interesses. Para Ruggie, especificamente, 
a distribuição de poder explica somente a forma, mas não o conteúdo do regime. 
Neste trabalho, concordamos parcialmente com a hipótese de que regimes 
são variáveis intervenientes. Porém, deve-se destacar que para podermos imaginar 
os regimes como variáveis intervenientes, é necessário imaginar o que seria o 
comportamento “natural” dos atores. Vimos, contudo, na introdução deste capítu-
lo, que não existe um comportamento que possa ser chamado de “natural”, em 
oposição à um comportamento “artificial”. De qualquer maneira, neste capítulo 
em especial, escolhemos tratar os comportamentos associados ao sistema interna-
cional anárquico de Waltz como “naturais”, já que eles são instruídos pelas regras 
constitutivas (regras que constituem os atores), que são, por sua vez, profunda-
mente enraizadas e apresentam grande estabilidade no espaço e no tempo. Nesse 
sentido, de acordo com as teorias analisadas neste capítulo, regimes são regras 
reguladoras; ou seja, regras que determinam o que os atores previamente constitu-
ídos podem ou devem fazer. 
	
  
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