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DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL I l8 ediçáo - 1992 -- - T335j Tesheiner, José M. Rosa Jurisdição voluntária / José Maria Rosa Tesheiner. - Rio de Janeiro : Aide Ed., 1992. 1. Direito processual civil. I. Título. CDD-341.46 ISBN. 85-321-00724 PUBLICAÇÁO NQ 147 Direitos desta ediçáo reservados à AIDE EDITORA E COMÉRCIO DE LIVROS LTDA. Rua Siqueira Campos, 143 - 2Qandar - Lojas 22 e 23 Tels.: 235-2440 - 236-5986 - 256-2975 - Fax.: (021)237-4583 Copacabana - 22033 - Rio - RJ Impresso no Brasil Pnnted in Brad la PARTE 1. O conceito de jurisdição . . . . . . . . . . . . . . 11 2. A jurisdição como atividade de substituição . . . 13 3. A coisa julgada como característica da jurisdição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 4. Jurisdição e lide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 5. Jurisdição e imparcialidade . . . . . . . . . . . . 22 6. Jurisdição e juizo final . . . . . . . . . . . . . . . 26 7. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2a PARTE JURISDIÇÁO VOLUNTARIA 1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 . . . . . . . . . . . . . . . . 2 . Jurisdição voluntária 40 Conceito e classificação . . . . . . . . . . . . 40 . . . . . . . . . . . . . 3 . Tutela de pessoas incertas 55 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.1. Nascituro 55 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2. Testamentos 62 . . . . . . . . . . . . . . . . 3.3. Herança jacente 73 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4. Coisas vagas 74 . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 . Tutela de incapazes 76 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1. Pátrio poder 76 . . . . . . . . 4.2. Busca e apreensão de incapaz 81 . . . . . . . . . . . . . . . 4.3. Família substituta 85 4.4. Considerações sobre a ação por ato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . infracional 90 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5. Curatela 94 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6. Ausência 100 4.7. Alienação, arrendamento e oneração . . . . . . . . . . . de imóveis de incapazes 105 . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.8. Emancipação 106 . . . . . . . . . . . 4.9. Casamento de menores 107 . . . . . . . . . . 5 . Tutela em atos da vida privada 109 . . . . . . . . . . . . . . 5.1. Registros públicos 109 5.1.1. Cancelamento de protesto de cambiais 111 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.2. Fundações 115 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3. Casamento 116 5.4. Alienação de imóveis do cônjuge e de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . bens dotais 119 5.5. Extinção de usufruto e de fideicomisso . . 124 5.6. Protestos. notificações e interpelações . . . 126 . . . . . . 5.7. Separação e divórcio consensuais 131 . . . . . . . . . . . . . 5.8. Separação de corpos 139 5.9. Considerações sobre a alienação de coisa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . comum 145 5.10. Alienação de quinhão em coisa comum . . 148 5.1 1 . Especialização de hipoteca legal . . . . . . 150 5.12. Considerações sobre a alienação de bens . . . . . . . . . . depositados judicialmente 152 6 . Tutela da prova de fatos jurídicos . Medidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . probatórias 154 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1. Justificação 155 6.2. Considerações sobre a produção . . . . . . . . . . . . . antecipada de provas 156 6.3. Considerações sobre a exibição de . . . . . . . . . . . . . . documento ou coisa 158 . . . . . . . . 7 . Benefício da assistência judiciária 162 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Bibliografia 167 1- PARTE JURISDIÇÃO Sumário:- I. O conceito dejurisdição - 2 A jurisdição c m atividade de substituiçáo - 3. A coisa julgada como camcterlItica da jurisdição - 4. Jurisdição e lide - 5. Jwis- diçáo e implar:ialidade - 6 Jurisdição e juizo final - Z conchrsão. 1. O CONCEITO DE JURISDIÇÁO Tem-se procurado definir a atividade jurisdicional contrapondo-a, de um lado, à atividade legislativa do Poder Legislativo e, de outro, à atividade administrativa, própria do Poder Executivo. Nessa linha de pensamento, todo ato estatal de exercício de poder se classificará como legislativo, administrativo ou jurisdicional. Não há quarta espécie. Várias têm sido as tentativas de conceituar a juris- dição. Nenhuma é imune à crítica: a) Caracterizada a jurisdição como atividade de aplicação de sanções, ficam fora as sentenças declara- tórias. b) Dito que importa em atividade de julgamento, sobra a execução. c) Apontada a coisa julgada como nota diferen- ciadora, restam excluídas a execução e a cautela d) Exigida a presença de um juiz, órgão do Estado, fica sem explicação o juízo arbitral. (Observe-se, porém, \ que náo tem sentido incluir-se o j k o arbitral, atividade privada, numa divisão das funções do Estado). e) Exigindo-se que o juiz seja órgão do Poder Judiciário, desconsidera-se o processo de impeachment. f) Ao se afirmar que o juiz regularelação entre o autor e o réu, ignora-se a substituição processual, em que não I há coincidência entre as partes em sentido material e as partes em sentido formal. 1 g) Ao se exigir um autor, deixa-se de lado o processo inquisitório. h) A característica de uma lide falta ou pode faltar nas i ações constitutivas necessárias. i) A caracterização do juiz como terceiro imparcial 1 tem seu ponto fraco no processo penal, especialmente quando o único ofendido é o Estado, de que ele é órgão. j) A assertiva de que o juiz aplica lei anterior tropeça na jurisdição de equidade e em todos os casos em que o juiz supre lacuna da lei. k) Por fim, a jurisdição como norma concreta cai em face da competência normativa da Justiça do Trabalho e da ação direta de declaração de inconstitucionalidade. Não se dê importância demasiada à imperfeição de qualquer conceito de jurisdição. A busca obsessiva da "essência" da jurisdição se vincula ao conceptualismo que, no campo do Direito, conduz a indesejável distan- ciamento da realidade. Na verdade, o conceito de jurisdição varia, conforme se queira ou não incluir a atividade judicial executiva e a cautela; conforme se pretenda ounão abranger, além da jurisdição civil, a penal; conforme se queira ou não abar- car a jurisdição voluntária; conforme se intente ou não incluir a competência normativa dos tribunais. A seguif, as principais idéias com que os juristas têm procurado caracterizar a jurisdição, a saber: a de subs- tituição, a de coisa julgada, a de lide e a de impar- cialidade. 2. A JURISDIÇÃO COMO ATIVTDA.DE DE SUBSTITUIÇÃO Jurisdição, disse CHIOVENDA, é a "função do Es- tado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva a) Na cognição, a jurisdição consiste na substituição definitiva e obrigatória da atividade Uttele&a do juiz à atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os cidadãos, no afirmar existente ou não existente urna von- tade concreta da lei concemerúe &partes. b) E quanto à atuação definitiva da vontade verificada, se se trata de uma vontade só exeqüível pelos órgãos públicos, tal execução em si não é jurisdição: assim, não é jurisdição a execução da sentença penal. Quando, porém, se trata de uma vontade de lei exequível pela parte em causa, a jurisdição consiste nasubstituição, pela atividade material dos órgãos do Estado, da atividade devida (grifei), seja que a atividade pública tenha por fim constranger o obrigado a agir, seja que vise ao resultado da atividade. Em qualquer caso, portanto, é uma atividade pública exercida em lugarde outrem (não, entendamos, em rqresent~ão de outros). Não existe jurisdição somente quando, no curso da execução, surgem contestações que é preciso resolver (seja sobre a existência da ação executória, ou sobre certas medidas executórias); antes, importa em jurisdição a própria aplicação das medidas executórias, porque se coordena com a atuação da lei.(...). Na doutrina italiana( ...) dominava a opinião de que a execução cons- tituía mero exercício de império, atividade ad- ministrativa, e de que a jurisdição se adscrevia à cognição e se exauria com a sentença Suposto o conceito, então corrente, de escopo processual (definição de con- trovérsia), isso era compreensível. Mas plausível não era a tentativa de justificar semelhante conceito com a idéia romana do jus úicere ligada ao especial ordenamento judiciário dos romanos. Só no direito comum foi que se desenvolveu o princípio jurisdictio in sola notione comk- tit, acolhido, depois, pela doutrina italiana e francesa. Ora, não devemos contrapor império e jurZEdição, como qualitativamente diversos: a jurisdição não é, ao contrário, mais que um complexo de atos de império reagrupados por determinado escopo que o caracteriza, e emanados em virtude dos correspondentes poderes postos a s e ~ ç o desse escopo e da função jurisdicional." (CHIOVENDA, Giuseppe. I-& de Direito Proca- sua1 CNi2,2a ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, pp. 4-11.) Crítica. Ao se caracterizar a jurisdição como ativi- dade de substituição, é preciso que se aponte, com clareza, quem é o substituído. Dizer que o juiz substitui "todos os cidadãos" não tem sentido ou tem apenas o de indicar que ele exerce atividade estatal. No processo -de conhecimento, não se pode dizer que o juiz substitui o autor, máxime quando profere sentença de improce- dência; nem se pode dizer que substitui o réu, máxime quando profere sentença de procedência; se afirmamos que substitui quem tem razão, fica por explicar por que motivo não bastou a anterior afirmação de seu direito, feita pelo vencedor. O que se pode, então, dizer é que a sentença substitui o acordo das partes: acordo quernão houve ou que o Estado declara juridicamente irrelevante (sentença constitutiva necessária; sentença penal). Dizer-se, porém, que a sentença substitui o acordo das partes apenas significa que a jurisdição é um sucedâneo da defesa privada Na verdade, a jurisdição é atividade primária do Es- tado, especialmente em matéria penal. Por isso, a idéia chiovendiana, de caracterizar a jurisdição como atividade substituta, somente é admissivel como afirmação de que elaimporta em heterorregulação. O Estado, na execução, se interpõe entre as partes e substitui o credor (náo o devedor, como afirmou Chiovenda), no exercício de seu poder sobre a parte adversa Por essa via, a idéia de substituição acaba por confiuir com a de imparcialidade, como nota característica da jurisdição. 3. A COISA JULGADA COMO CARACTER~STICA DA JURISDIÇÃO Em sentido restrito, circunscrito ao étimo do termo, jurisdição é julgamento, atividade declarativa, de pro- dução de certeza jurídica. Assim, segundo CALAMANDREI, dois são os carac- teres essenciais da jurisdição: 1" é é atividade de substituição; 29) é uma atividade declarativa. (Límites entre jurisdición y administración en Ia sentencia civil. 1917. In CALAMANDREI, Piero. Estudios sobre e1 processo civil. Buenos Aires, 1961). Da primeira característica apontada se falou no item anterior. Quanto à segunda, nada há que objetar, se nos limitamos ao núcleo da jurisdição, mas é inaceitável a assertiva da natureza dúplice das sentenças constitutivas, em que haveria jurisdição no declarar e administração na criação, modificação ou extinção da relação jurídica. Apontar o núcleo da jurisdição não importa em reduzi-la ao núcleo. Seguindo, de certo modo, nas pegadas de CALA- MANDREI, que já apontava a coisa julgada como "pedra de toque" da atividade jurisdicional, ALLORIO dá um passo a mais, ao caracterizar como jurisdicional apenas a sentença que produza certeza jurídica. Seu ponto de partida é uma lição de Kelsen, no sen- tido de que as fhções do Estado não se distinguem por seus fins (o juizo quanto à finalidade é sociológico), mas apenas pelas f o m e conseqüentes efeiros. O Direito é ciencia dos efeitos jurídicos e não haveria interesse em estudar a função jurisdicional como atividade distinta, se não fossem diversos os seus efeitos. Ora, a sentença produz um efeito jurídico que lhe é peculiar e que não se encontra em qualquer outro ato: é o efeito declarativo, a coisa julgada material. Se é verdade que esta não ocorre nos atos administrativos, inclusive nos de "jurisdição" voluntária e se é verdade que ela se faz presente na jurisdição propriamente dita, por que não apontar tal circunstância como característica e elemento diferen- ciador? Entre a jurisdição voluntária e a contenciosa não há diferença de substância, mas apenas de forma, oque explica a fungibilidade de determinadas matérias, en- quadradas pelo direito positivo ora numa ora noutra categoria. Asentença constitutiva proferida em sede con- tenciosa produz coisa julgada material. & portanto, in- condicionalmente jurisdicional, sendo correto afirmar-se que a mudança juridica dela decorrente datia se pro- duzir, porque presentes os pressupostos legais. Quanto aos atos de instrução, é evidente que são atos processuais, mas não jurisdicionais. Quanto às medidas cautelares, é certo que não produzem coisa julgada material. Portanto, não são jurisdicionais, o que não significa que entrem no h b i t o da jurisdição voluntária A coisa julgada é que diferencia a jurisdição em sentido próprio, mas isso não significa que a falra de coisa julgada seja um fenbmeno exclusivo da "jurisdição" volunt4ria, pois é óbvio que não produzem tal efeito os atos legislativos e os adminis- trativos; nem por isso a legislação e a administração entram na "jurisdição" voluntária Em suma, jurisdicio- nal é todo ato e só o ato que produza coisa julgada material, entendida esta nos termos do Art. 2.909 do Código Civil italiano ("A declaração de certeza contida na sentença passada em julgado forma estado para todo efeito entre as partes, seus herdeiros e sucessores."). (ALLORIO, EMCO. Problemi di Dirirto. Milano, Giuffrk, 1957,~. 2.) Crítica. Não há dúvida de que se pode isolar a ca- tegoria dos atos produtores de coisa julgada material e atribuir-lhes, com exclusividade, a denominação de ju- risdicionais. Mas uma teoria processual nada ganha com essa redução conceitual, que exclui de seu âmbito não apenas os atos judiciais executivos e cautelares, mas, dentro mesmo do processo de conhecimento, os atos de instrução e as sentenças meramente processuais. Vin- cula-se, por outro lado, o conceito de jurisdição a um efeito que não é necessário, mas contingente, que pode existir num sistema processual e noutro não. Entre n6s, por exemplo, a sentença penal condenatória não produz coisa julgada material, embora dela possa decorrer, mesmo quando nula, a fixação do márimo da pena imponível. A ação de revisão cabe sempre. Um habeas- corpza pode, a qualquer tempo, decretar a nulidade do processo e da sentença. Os efeitos desta podem ser apagados por ato do Legislativo (anistia) ou do E- xecutivo (graça, indulto). A coisa julgada pode, sim, funcionar como indicativo da natureza jurisdicional de um ato. Observe-se: o ato administrativo não produz coisa julgada (material); o ato jurisdicionalpode produzi-la Por isso, presente o efeito de coisa julgada, pode-se afirmar que o ato é juris- dicional, sem que, de sua ausência, se possa concluir que o ato seja administrativo ou legislativo. De outro lado, num sistema em que se entrega ao Poder Judiciário a funçãode produzir a certeza jurídica, a pos- sibilidade de ser um ato revisto pelo Poder Judiciário exclui a hipótese de que tenha natureza jurisdicional. fi o que ocorre com a demissão de funcionário público, embora em decorrência de processo (administrativo) de apuração de falta grave. Pelo contrário, há de se ter como jurisdicional o julgamento, por órgão da Administra@ ou do Poder Legislativo, que produza coisa julgadamaterial, não poden- do, pois, ser revisto pelo Judiciário. 4. JURISDIÇÃO E LIDE O conceito de lide, tal como construido por CAR- .NELUITI, tem fundamental importância para aqueles tantos que vêem na lide o objeto do processo, definindo a jurisdição como atividade voltada à sua composição. Ao conceito de lide se chega passo a passo, a partir da idéia de "interesse". Interesse é a relação entre o homem e os bens. Sujeito do interesse é o homem: o bem, o seu objeto. O trágico está em que os interesses humanos são ilimitados, mas limitados os bens. (Interesse, "situazwne favorevole a1 soddkfacimento di um bisogno" - CARNELUTII, Fran- cesco. Lezione di diritto processuale civile. Padova, Cedam, 1931. v. I, p. 5 - "o meglio, possibilità de1 soda - facimento di un bisogno mediante um bem" - Id. Pn'ncipi de1 Processopenale. Napoli, Morimo, 1960, p. 44). Conflito de interesses. Se duas ou mais pessoas têm interesse pelo mesmo bem, que a urna s6 possa satisfazer, tem-se um conflito intersubjetivo de interesses ou, simplesmente, um confiito de interesses. Pretensão. 6 o ato de se exigir a subordinação do interesse de outrem ao próprio. ("I2 concetto di pretesa, assai variamente inteso, era stato me definito, dopo dcune incertezze, quale esigenza della soddisfazione di un proprio interesse in confronto con un interesse altnzi". CARNELUTII. Sistema, V40; Istituzioni, V78; Teoria generale de1 dintto, p. 20; Diritto eprocesso, p. 53; Principi delprocesso pende, cit. p. 93). Lide: Conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida. ('Za lite é i1 conflitto di interessi tra due pemne qualificato dalla pretesa dell'una e dalla resistenza dell'altra. " Ibid .) Crítica. A idéia de lide não explica a jurisdição, como demonstrou CALAMANDREI, argumentando com as sentenças constitutivas necessárias (Litis y jwkdición. In Estudios sobre elproceso civil. Buenos Aires, 1961). Efetivamente, tome-se o exemplo da ação anulatória de casamento. A anulação, requerida por um dos conjuges, somente pode ser decretada por sentença judi- cial, nada importando que o outro concorde (submissão à pretensão) ou não (resistência à pretensão). De igual forma, é irrelevante, no processo penal, a submissão do réu. Ainda que ele concorde com a pena pretendida pelo Ministério Público, é necessária a sen- tença, para que ela possa efetivamente ser aplicada. Por outro lado, o desaparecimento da pretensão acar- reta o da lide e deveria, por conseqüência lógica, deter- minar a extinção do processo. Contudo, e isso pode ocorrer em processo penal, pode o Ministério Público pedir a absolvição do réu (renúncia à pretensão) e, con- tudo, condená-lo o juiz. E não parece razoável afirmar-se que a atividade do juiz é administrativa ou jurisdicional, conforme o réu concorde ou não com a pretensão do autor, quando juridicamente irrelevante a opção do demandado. ~mbora JOSÉ FREDERICO MARQUES veja uma lide, no processo penal, mesmo quando o Ministério Público pede a absolvição, caso em que permanece latente (Ensaio sobre a jurisdição voluntária, 2%d., São Paulo, Saraiva, 1959, p. 255), o próprio CARNELU'ITI veio a afirmar que nele não há lide, o que o levou a enquadrar o processo penal na categoria da jurisdição voluntária (Pn'mipi delprocessopenale. Napoli, Morano, 1960, pp. 48-9). 1 Insistindo em ver na lide o objeto do processo, escreve ADA GRINOVER: "fi certo que Calamandrei criticou o conceito de lide de Carnelutti, afirmando ter ele sentido sociol6gico e não jurídico; também Liebman realçou que o connito de interesses existentes entre as partes fora do processo é a razão de ser, a causa remota, mas não o objeto do processo. Mas para transferir a posição de Carnelutti do plano sociol6gico para o plano juridico, basta identificar o mérito com aquela parcela de lide que é deduzida pelo autor, em juizo, através da pretensão, e à qual o réu resiste, através de suas exceções ou da mera insatisfação." (As condições da ação penal. São Paulo, Bushatsky, 1977, pp. 10-1). Ora, com essa restrição, já não é a lide que se apresenta como objeto do processo, mas o pedido do autor, isto é, a parcela da lide deduzida em juizo. E se a lide, como tal, não é o objeto do processo, não se pode definir jurisdição como atividade tendente à sua composição. Contudo, embora negando que a lide seja objeto do processo, dela nos servimos, juntamente com a idéia de direito subjetivo, para caracterizar a jurisdição conten- ciosa em oposição à voluntária. Como se verá no momento próprio, a jurisdição con- tenciosa visa à tutela de direitos subjetivos e supõe interesse de agir decorrente de uma suposta resistência do adversário. Todavia, a lide que aí se apresenta é abstrata, apenas suposta pelo legislador, o que dá margem a que se veja nas ações constitutivas necessárias uma hipótese de presunção absoluta de lide, independente, por isso, da existência de efetiva resistência do réu. 5. JURISDIÇÁO E IMPARCIALIDADE Trata-se, aqui, de caracterizar a jurisdição como regulação de uma relação interpessoal por um terceiro imparcial. Pode-se apontar como fundamento da jurisdição, as- sim entendida, o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que se lê: "Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por um tribunal indepen- dente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal." Indicam-se, af, o "conteúdo" ou "matéria" jurisdi- cional: determinação dos direitos e deveres de uma pes- soa em face de outra (jurisdição civil); exame de acusação formulada contra alguém, em matéria penal (jurisdição penal). Observe-se que o Direito organiza a sociedade e regula o convívio mediante normas, gerais e abstratas umas, individuais e concretas outras. Não existindo se- não para regular relações entre pessoas, à idéia de Direito como conjunto de normas se pode contrapor a de "relação interpessoal regulada pelo Direito", dois lados de uma s6 moeda Tais relações são reguladas pelo Direito por três modos fundamentais: a) mediante a atribuição, a um dos sujeitos da relação (sujeito ativo), de um direito subjetivo a uma prestação do devedor, sujeito este passivo, que deve praticar o ato previsto na norma (relação jurídica de crédito e débito); b) mediante a atribuição, ao sujeito ativo, do poder de praticar o ato previsto na norma, cujos efeitos sofre o sujeito passivo (relação jurídica de poder e sujeição, caso dos direitos potestativos ou formativos); mediante uma norma de liberdade (inexistência de relação jurídica, isto é, inexistência de crédito ou poder de um em face do outro). Distingue-se o ato legislativo do jurisdicional. A lei é norma geral e abstrata, ao passo que o ato jurisdicional tem a natureza de norma concreta Distingue-se a jurisdição da administração. O ato administrativo importa na ediçáo de norma concreta, pelo próprio Estado, na sua relação com o súdito. O ato jurisdicional supõe a edição de norma concreta por um terceiro, estranho ?i relação regulada. Quer se trate de jurisdição civil, quer de jurisdição penal, trata-se sempre de regular uma relação interpes- soal, por algum de seus modos, isto é, por declaração ou atribuição de umcrédito; por declaração ou atribuição de um poder; por negação da existência de crédito ou poder de um em face do outro; ou mediante execução. No exercício da jurisdição penal, o juiz regula a relação entre o Estado e o acusado, sujeitando este ao poder punitivo daquele, no caso de condenação, ou emitindo uma regra de liberdade, no caso de absolvição. Pode-se apontar, como elemento "formal" da juris- dição, a circunstância de emanar tal regulação de um órgão "independente e imparcial", como parece decor- rer do citado artigo da Declaração dos Direitos do Homem? Não se trata, é evidente, da "virtude" da impar- cialidade, que se exige, sim, do juiz, sem que se possa, porém, transformá-la em fundamento da jurisdição, sob pena de se criar uma teoria processual limitada aos juízes virtuosos; nem se trata de imparcialidade no sentido de que o juiz não deva ter um interesse direto e pessoal na causa, diverso do interesse geral e impessoal do Estado, o que também se exige do administrador público, não se constituindo em característica da jurisdição. A imparcialidade deve ser entendida no sentido: a) de que existam partes, um autor e um réu; b) que o juiz não seja uma delas, pois ninguém é juiz em causa própria (Nemo j h h rem suam); c) que o juiz seja "independente", isto é, não subordinado nem ao autor nem ao réu, o que im- plicaria, em última análise, na transformação de uma das partes em juiz. Jurisdição implica, pois, em heterorregu- lação: regulação de relacjks estranhas ao julgador; não de relações de que seja parte. Na jurisdição civil, abstraídos os casos em que o próprio Estado seja uma das partes, não há dificuldade em se ver no juiz um terceiro, independente e imparcial. Todavia, na jurisdição penal (e essa é a crítica mais contundente à caracterização da jurisdição a partir da idéia de imparcialidade), não se pode olvidar que o juiz é órgão do Estado e, portanto, está o Estado a regular relação entre ele próprio e o acusado e não relação a que seja estranho. Ademais, no âmbito penal, não é rara a atribuição, ao juiz, da dupla função de acusar e de julgar (processo inquisitório), caso em que sequer há um autor. A essa dupla objeção se pode responder dizendo que, realmente, não é senão através do artifício da distinção entre Estado-juiz e Estado-acusador, que se atribui ao julgador a condição de terceiro. Parcializa-se o Ministério Público, para que se possa ter um juiz imparcial. Trata-se, sim, de um artiflcio, mas que atinge o seu objetivo. A jurisdição penal é possível porque se pode separar a função de acusar da função de julgar. Há possibilidade lógica, porque o juiz, embora seja órgão do Estado, não se con- funde com o Estado (a parte não se confunde com o todo em que se integra). Há possibilidade psicológica, porque nada impede que o juiz se posicione com independência em face de outro órgão do Estado. Há possibilidade jurí- dica, porque se pode atribuir a órgãos diversos as funções essencialmente diversas de acusar e de julgar. Quanto ao processo penal inquisitório, já não existe no Brasil (Cons- tituição Federal, art. 129, I). Se existisse, caberia falar de uma "função de administração da justiça", sem cariiter jurisdicional. Por fim, observa-se que, "de fato", pode ocorrer que o juiz não seja nemindependente nemimparcial, sem que isso afete os efeitos da sentença. fi que, no composto "poder jurisdicional", desaparecido o jurisdicional, resta ainda a realidade bruta do poder. Que isso não surpreen- da, porque o Direito não representa senão um imenso esforço para coibir o arbítrio e transformar a força bruta em justiça. 6. JURISDIÇÁO E J U ~ O FINAL Os egípcios acreditavam que, morrendo, com- pareceriam ante um tribunal, presidido por Osiris, para receber punição ou recompensa. No "Livro dos Mortos", que se costumava depositar nos túmulos, se lia: "Não fiz mal, não cometi violências, não roubei, não matei, não menti, não fiz ninguém chorar." Os cristãos ainda hoje acreditam que, desaparecido o mundo, extintas as estrelas e transformado o Sol em globo de fuligem, todos ressuscitarão e serão julgados por Deus, que os chamará à luz da eterna presença ou os abandonará às trevas da eterna ausência (PAPINI). Como se comporta a idéia de jurisdição, em face do juízo final? Para caracterizá-la, os juristas têm lançado mão de quatro idéias fundamentais. Vejamos como reage cada uma delas em face do juízo final. Conforme CEIIOVENDA, o juiz, no exercício da jurisdiçao, substitui uma das partes, ou ambas, ou todos os cidadãos, exercendo atividade que lhes incumbiria primariamente. Na expressiva imagem de CALA- MANDREI, é como se, havendo alguém se obrigado a tocar flauta, se pusesse o juiz a tocar em lugar dele. Ora, no juizo final, Deus não está a substituir quem quer que seja. Muito menos a lacrimejante criatura, prostrada a seus pés, no infinito terror do inferno eterno - Afastai-vos de mim, malditos! - onde haverá choro e ranger de dentes. Na verdade, a idéia de substituição não explica nem sequer a jurisdição terrestre, porque esta é atividade primária do Estado, especialmente em matéria penal. Por isso, a idéia chiovendiana, de caracterizar a juris- dição como atividade substituta, somente é admissivel como afirmação de que ela se constitui em sucedâneo da defesa privada. O Estado, de modo especial na execução, se interpõe entre as partes e substitui o credor, no e- xercício de seu poder sobre o devedor. Por essa via, a idéia de substituição acaba por confluir com a de impar- cialidade, como nota típica da jurisdição. Mas, vestida a jurisdição com as vestes da impar- cialidade, impõe-se concluir que o último juízo não terá caráter jurisdicional. Nele não se vislumbra intervenção de um terceiro imparcial, numa relação intersubjetiva, com o escopo de regulá-la. Tampouco nele se enxerga qualquer resquício de defesa privada. Não há partes. A criatura se encontra só, ante seu Criador. h verdade que, no processo penal, temos uma situação similar: o acusado, só, ante o Estado. Todavia, com o artificio da separação dos poderes e da entrega da função acusatbria ao órgão do Ministério Público, consegue-se colocar o juiz, órgão do Poder Judiciário, na situação de terceiro imparcial, entre o Es- tado - administração e o acusado. Nada disso é admissivel no juízo final. Tudo se consumou, dissiparam-se todos os artifícios. E a idéia de lide? Ela não serve sequer para explicar o processo penal. Quando o marido enciumado matou a Colombina, em sua disputa com o Arlequim, extinguiu-se a lide, pelo perecimento de seu objeto. Lide supõe pretensão, ato de exigir algo de outrem. Ora, quando o Ministério Público exerce a pretensão punitiva, é do juiz que ele exige a punição, não do cul- pado. Portanto, a lide, objeto do processo penal, ocor- reria entre o acusador e o juiz: um verdadeiro disparate! A idéia de lide, que já não resiste ao processo penal, menos ainda resiste ao juizo final. Nele não se buscará compor quaisquer conflitos de interesses, qualificados ou não por pretensões resistidas. Acabou-se a busca desen- freada de bens. Aqueles fragmentos de terra, pequenos ou grandes, que deram origem a inumeráveis contendas, já não têm nenhuma importância. As histórias, milhões de vezes repetidas, de lutas pelo poder e por ambição de mando, tornaram-se todas desconexas, quase inveros- símeis. Extinguiram-se o desejo de sexo e as lutas provocadas pelas fêmeas. Já não há lides. Já não há vida. Na verdade, apenas a concepção da jurisdição como coisa julgada é que resiste ao teste do juizo final. Em termos de imutabilidade, nada há que se lhe compare. Nele se encontraria, então, a jurisdição elevada ao seu mais alto grau: a jurisdição absoluta. Todavia, embora sirvapara explicar o juizo divino, refugamos a vinculação da atividade jurisdicional ao seu resultado, eventual, de produção de coisa julgada, porque não há coisa julgada na execução e, contudo, é nesta que melhor se delineia a razão histórica e lógica da jurisdição: um sucedâneo da defesa privada. Ademais, em processo penal, um habem-copus, um indulto ou uma anistia po- dem, a qualquer tempo, desconstituir a sentença conde- natória. Na verdade, entre o juízo divino e a jurisdição ter- restre existe um abismo, o mesmo abismo que separa o Criador da criatura. Por mais que os juizes se reputem melhores, mais sábios e mais nobres do que os juris- dicionados, certo é que, entre eles e as partes, não deixará nunca de existir a essencial igualdade derivada de sua igual condição humana. E, de outro lado, seremos tolamente imprudentes, se a Deus pedirmos justiça, no juízo final. Somente sua misericórdia poderá nos absolver. Sem a pretensão de uma definição "perfeita", tenho que a jurisdição se apresenta, na atualidade, sob três formas distintas: a) Em primeiro lugar, temos a jurisdição em sua forma clássica, como atividade do Estado preposta à tutela de direitos subjetivos, públicos ou privados, quer se trate de direitos de crédito, quer de direitos for- mativos. Enquadra-se nessa categoria a açáo declaratória da autenticidade ou falsidade de documento. Se o documen- to não serve à prova de direito nenhum, o autor é carecedor de ação, por falta do interesse de agir. b) Em segundo lugar, temos as hipóteses de tutela de interesses públicos, mediante ação. Em principio, o Estado tutela o interesse público mediante atividade administrativa Há, contudo, casos que tendem a ser cada vez mais numerosos, em que se prefere a via jurisdicional. Integra-se nesse grupo, em primeiro lugar, a ação penal. O interesse público de punir, isoladamente considerado, seria mais bem atendido mediante atividade ad- ministrativa. Prefere-se, porém, avia jurisdicional, a fim de se tutelar também o interesse individual do acusado de se subtrair à imposição da pena. Aí, o cerne da profunda diferenq entre a jurisdição civil e a peaal: a jurisdição civil existe em h ç ã o da açáo; a jurisdição penal, em função da defesa. Também tutelam interesses públicos ou difusos: a ação direta de declaração de inconstitucionalidade, a ação civil pública, a ação popular e o mandado de injunção. Não há identidade entre a tutela de direitos subjetivos e a de interesses públicos, embora urna e outra se enquadrem na ampla categoria da jurisdição conteniosa É por isso, certo cuidado, para não se transpor indevidamente princípios próprios de uma categoria para a outra. c) Temos, por fim, a jurisdição voluntária, atividade do Estado preposta à tutela de interesses privados. Sob outro aspecto, temos que a jurisdição pode ser definitiva, mediante cognição ou mediante execução. E pode, também, ser provisória, caso da chamada tutela cau telar. Ajurisdiçáo voluntária se exerce mediante atividade de wgni@o, mas sem a característica de imutabilidade, o que toma, quanto a ela, menos útil a distinção entre tutela definitiva e tutela provisória. Inegável, contudo, a exis- tência de medidasautelares de jurisdição voluntária (v.g. a liminar de suspensão da tutela, CPC, art. 1.197). O que não há é execução de jurisdição voluntária. Podemos, então, traçar o seguinte esquema: (Tutela de direitos subjetivos, piiblicos ou privados; Tutela de interesses piíblicos, mediante açáo). SWnári0:- 1. I w ã o - 2 Jurlr&Oo voluntária - Con- ceito e chsificação - 3. T#da de pessoa incertas - 3.1. Nascituro - 3.2 Testamentos - 3.3. H q a jacente - 3.4. Cokas w q p - 4. Tutela de incapazes - 4.1. Párrio poder - 4.2 Busca e apeemão de incapaz - 4.3. Famfua substituta - 4.4. Comiderações sobre a açdo par ato i n . M - 4.5. Cwrrtela - 4.6 Auêhcia - 4.7. Alienação, mrendamento ou oneração de imóvek de incapazes - 4.8. Emancipaçáo - 4.9. Casamento de menores - 5. T d a em atos da vidapivada - 5.1. Regisms públicos - 5.2 Fundações - 5.3. &amem - 5.4. Alienação de imóveis do c 8 & e e de bens dotais - 5.5. Ewtinçdo de usujiuto e de jideicomísso - 5.6. htestos , nofificaçdes e interpehções - 5.7. Sepanrçbo e d i v b ~ w con- se& - 5.8. Sepamção de corpos - 5.9. Conrideraççdes sobre a alienação de coira comum - 5.10. Alienação de quinhão em coisa comum - 5.11. E s p e c i a l ~ ã o de hipoteca legal - 5.12 Consideraçbes sobre a alienaçbo de bens depositados judicialmente - 6 Tutela da prova de fatos jurídicos. Medidas probatóriar - 61. Juh'ficaçdo - 6 2 ComideraçBes sobre aprodução amc@ada de provas - 63. Comideraçóes sobre a eubiçdo de documento ac coisa - Z ilkneflcw da assktênciajudiciáM "Em 15 de novembro de 1815, narra SOLOMON MAYNARD, o irmão de Beethoven, Caspar Carl, mori reu tuberculoso, deixando viúva, Johanna, e um filho de nove anos, Karl. Beethoven imediatamente se movimen- tou para assumir a tutela exclusiva do rapaz. Seguiu-se um longo conflito em que Beethoven e a mãe do rapaz se enfrentaram em torno da concessão da tutela, com Beethoven saindo finalmente vencedor pírrico em 1820. Seis anos depois, em fins de julho de 1826, Karl tentou o suicídio num esforço bem-sucedido para livrar-se da dominação do seu tio, cuja proteção sufocante se tornara finalmente insuportável." Em transgressão direta da última vontade do irmão, que se pronunciara pela tutela conjunta, Beethoven re- clamou a tutela exclusiva. Dirigiu-se ao Landrecht, o tribunal que tinha jurisdição sobre questões de natureza cível envolvendo a nobreza, afirmando que Johanna ca- recia de quali-dades morais e intelectuais suficientes. Invocou a circunstância de Johanna, ainda vivo Caspar, haver sido condenada por furto de dinheiro de seu marido. Na pior das hipóteses, Johanna furtara o seu próprio dinheiro, pois levara para o casamento um dote considerável e tinha herdado do pai a grande casa em Alsevorstadt onde ela e o marido viviam e que Ihes proporcionava uma substancial renda de aluguel. A acu- sação de desvio de dinheiro fora especiosa, mas tecnica- mente correta sob aleivienense. A09 de janeiro de 1816, o Landrecht deu ganho de causa a Beethoven. Karl foi tirado de sua mãe e colocado na escola particular para rapazes de Cajetan Giannatasio de1 Rio, permitidas visi- tas de sua mãe, desde que acompanhada de um repre- sentante de Beethoven. Quando, mais tarde, em 1818, Beethoven levou Karl para sua própria e desordenada casa, Johanna reatou esforços no sentido de contestar a tuteh. Dirigiu-se ao Landrecht, alegando que lhe tinha sido barrado o acesso ao filho, que as condições morais, educacionais e físicas do rapaz deixavam muito a desejar e que a excentricidade e a surdez de Beethoven eram suficientemente notórias para justificar sua remoção. Ouvido, Beethoven traiu-se, vindo a declarar que não tinha nenhuma prova de sua nobreza. Ao inteirar-se da impostura de Beethoven nessa questão, o Landrecht afastou o caso de sua jurisdição, numa declaração de 18 de dezembro de 1818: "Pelo depoimento de Ludwig van Beethoven, como a cópia anexa das minutas da sessão de 11 de dezembro do corrente ano deste tribunal mostra, parece que ele é incapaz de provar sua nobreza; por conseguinte, a matéria da tutela é transferida para o Magistrat7', sendo esta a instância civil que tinha jurisdição sobre casos que envolviam cidadãos comuns. O Magistrat não viu com bons olhos a posição de Beethoven no litígio. Karl foi devolvido à mãe por várias semanas no começo de 1819 e, a 17 de setembro, promul- gou sua decisão, concedendo a tutela a Johanna, com Leopold Nussbock como co-tutor. Beethoven recorreu ara o Real e Imperial Tribunal de Apelação da Baixa 1ustria que, a 10 de janeiro de 1820, solicitou um relatório minucioso de todo o processo à instância inferior. O Magktrat respondeu: "a. que o Recorrente, emvirtude do seu defeito físico e por causa da inimizade que nutre em relação à mãe do tutelado, é considerado inapto para exercer a tutela. b. que a tutela pertence por lei à mãe natural. c. que o ter ela cometido um desvio de dinheiro do qual foi considerada culpada contra seu marido no ano de 1811 e pelo qual foi punida com prisão domiciliar por um mês sob vigilância policial, já não constitui impedimento na presente data". Apesar do caudal de ataques desencadeados por Beethoven contra o caráter e a moralidade de Johanna, nessa época começou a circular o extraordinário boato de que ele estava apaixonado por sua cunhada. Uma audiência perante o Magistrat teve lugar a 29 de março de 1820, por sugestão do Tribunal de Apelação. Os magistrados, conhecedores de que influências polí- ticas tinham sido acionadas, mostraram-se conciliadores, mas recusaram-se a revogar a decisão anterior, mas, a O8 de abril, o Tribunal de Apelação decidiu a favor de Beethoven. Karl fugiu para a mãe. Foi rapidamente recambiado para Beethoven. Meses depois, grávida de Johann Hofbauer, Johanna veio a dar à luz uma menina. Deu-lhe o nome de Iudovica, a forma feminina de Ludwig, "um testemunho fantástico da força do vínculo existente entre os antagonistas desse drama", conclui o biógrafo. (SOLOMON, Maynard. Beethoven. Rio de Janeiro, Zahar, 1987, pp. 311-35). Essa longa luta entre Beethoven e sua cunhada, pela posse do pequeno Karl, serve para nos situar no âmago da distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. Observa-se que, no plano concreto, é inegável, no caso, a existência de um conflito de interesses entre os litigantes. Isso, porém, não basta para se caracterizar a hipótese como de jurisdição contenciosa Precisamos ir além, e indagar da finalidade, em abstrato, da tutela jurisdicional. Trata-se de afirmar a existência de direito subjetivo de um contendor em face do outro, isto é, de afirmar a prevalência de um dos interesses em conflito? A hipótese, então, é, sim, de jurisdição contenciosa Trata- se, pelo contrário, de tutelar o interesse único da criança, buscando-se a solução que melhor lhe convenha? Então, a hipótese é de jurisdição voluntária. Certamente como tal é que seria vista, hoje, a longa luta de Beethoven pela tutela de seu sobrinho. Crianças não são ariimaizinhos de estimação, sobre as quais caiba exercer direitos possessórios. Mas, certamente, essa não seria a opinião de Beethoven, convencido de que estava a reivindicar legiti- mamente seu direito de exercer a tutela Conceito e classincação Observamos atrás que, para caracterizar a jurisdição, tem-se lançado mão de quatro idéias fundamentais: subs- tituição, lide, imparcialidade e coisa julgada. Buscou-se, assim, caracterizar a jurisdição, com os olhos postos na jurisdição contenciosa. Entretanto, mesmo deixando-se de lado o processo penal, em que nenhuma dessas idéias se mostra inteira- mente satisfatória, no campo mesmo do processo civil, há atividades-fim, exercidas pelos juízes, até mesmo com a observância do método processual, caracterizado por seus dois princípios fundamentais, 9 da ação e o do contraditório, que não se encaixam nos parâmetros da substituição, da lide ou da imparcialidade, ausente, ou- trossim, o efeito de coisa julgada. São os casos de jurisdição voluntária, cujo caráter jurisdicional é negado por uns e afirmado por outros. Escreveu CHIOVENDA: "qualificou-se com o nome romano iurisdktio voluntaria na doutrina e na prática do processo italiano medieval aquele complexo de atos que os órgãos judiciais realizavam em face de um único interessado, ou sob o acordo de vários interessados, in valentes." "Caráter da jurisdição voluntária não é (...) a ausência de contraditório, mas a ausência de duas partes. A jurisdição voluntária é (...) uma forma especial de atividade do Estado, exercitada em parte pelos órgãos judiciários, em parte pelos administrativos, e 'perten- cente à função administrativa', embora distinta da massa dos atos administrativos, por certos caracteres par- ticulares." (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, 2-! ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, pp. 16-7). Modernamente, tende-se a considerar jurisdicional também a jurisdição voluntária, como observa CAR- NELUTTI: o estudo comparativo da jurisdição voluntária e da jurisdição contenciosa não s6 reforçou a opinião de que também aquela é verdadeira e própria jurisdição, mas também apontou para a presença ou ausência de lide e, portanto, para a presença de duas partes ou de apenas uma (ou melhor, de dois interesses ou de um interesse único) como caráter diferencial entre uma e outra espécie de jurisdição. Reconheceu-se, assim, que pode haver processo civil sem lide e, pois, com uma s6 parte (em sentido "material"); e, assim como a jurisdição, dividiu-se o processo em "contencioso" e "voluntário". O processo voluntário, portanto, não é mais considerado uma forma processual anômala, mas como um dos dois tipos normais de processo civil. (CAR- NELUlTI, Francesco. Princlpii de1 processo penale. Napoli, Morano, 1960, pp. 48-9) Penso que se deva definir como jurisdicional a atividade própria do Poder Judiciário. Cabe, então, in- dagar, quanto à jurisdição voluntária, se haveria razão para atribui-la ao Poder Executivo. Ora, a jurisdição voluntária importa em tutela de interesses privados, o que justifica sua exclusão do âmbito da Administração, porque desta se espera que busque o interesse público. Como observa EDSON PRATA, são duas situações bastante díspares: a administração busca o interesse público; a jurisdição voluntária, o interesse privado. "Pouco importa que na busca do interesse privado esteja tamb6m presente o interesse público, mediata ou imediatamente. O certo é que os interesses são radical- mente diferentes." (PRATA, Edson. JurrSdição voluntária. Sáo Paulo, Universitária de Direito, 1979, p. 75). Certo, não é difícil apontar casos de tutela de interes- ses privados por órgãos da Administração, destruindo-se, assim, a afirmação fundamental de que a atividade ad- ministrativa jamais tutela interesses privados. Tome-se, como exemplo, a homologação de transação extrajudicial. O ato homologatório, quando judicial, sem dúvida constitui ato de jurisdição voluntária. O ato, porém, pode também ser praticado pelo Ministério Público (Lei 7.244184 - Lei das Pequenas Causas - art. 55, parágrafo único), que, sem dúvida, não integra o Poder Judiciário. Cabe, então, perguntar onde se encontra a anomalia: se na atribuição, ao juiz, de ato que teria natureza ad- ministrativa; se na atribuição, ao Ministério Público, de ato que teria natureza jurisdicional. A resposta se há de buscar na história da partilha das competências entre os três Poderes. Atribuiu-se ao Poder Judiciário o monopólio da jurisdição contenciosa. Atribuiu-se-lhe, também, mas sem caráter monopo- lístico, a tutela de interesses privados, isto é, a jurisdição voluntária Tem-se, então, que o ato de homologação de acordo extrajudicial é, por natureza, ato de jurisdição voluntária. A anomalia, portanto, estaria, não na atribuição ao Judiciário de uma atividade pretensamente administra- tiva, mas na atribuição, ao Ministério Público, de uma atividade de jurisdição voluntária. Não há, porém, aí, qualquer inconstitucionalidade, porque, como bem nota HUGO NIGRO M A Z Z W , "apenas a jurisdição con- tenciosa é privativa do Poder Judiciário". (Acordos celebrados perante o Ministério Público. Justitia, São Paulo, (130): 44-7, jul./set., 1985). Os processosde jurisdição contenciosavisam à tutela de direitos subjetivos, públicos ou privados, bem como às tutelas de interesses públicos mediante ação. Os processos de jurisdição voluntária visam à tutela de interesses privados. Não basta, porém, a idéia de direito subjetivo, con- traposta à de interesse, para se determinar a espécie de jurisdição de que se trata, até mesmo porque o próprio direito subjetivo, na definição de JHERING, é um interesse juridicamente protegido. Precisamos, então, lançar mão de uma idéia com- plementar, que é a de lide: não, porém, a idéia de lide concreta, como ela se nos apresenta como fato da vida, mas urna idéia de lide abstrata, idealizada, desencarnada, tal como se apresenta ao legislador, ao dar forma ao processo. k evidente que, na luta, cheia de ódio, dos pais pela posse dos filhos há um conflito de interesses, qua- lificado por uma pretensão resistida, assim como ter um interesse escuso o requerente da interdição. Contudo, em ambos os casos, nega-se a existência de lide, porque em processos tais, não se trata de compor um connito de interesses entre os contendores, mas de se encontrar a melhor solução, para se atender a um interesse "único": o da criança ou o do interditando, respectivamente. Para determinar, pois, a espécie de jurisdição de que se trata, convém formulemos duas perguntas, a saber:(l) trata-se de tutela de interesse público ou de tutelar eventual direito subjetivo em face do@) sujeito+) passivo(s)? (2) trata-se de processo em que o interesse de agir se compõe pela alegação, expressa ou implícita, de um conflito de interesses, entre quem pretende a subordinação do interes- se alheio ao próprio e quem resiste? Se a resposta é afirmativa, para ambas as perguntas, a hipótese é de jurisdição contenciosa; basta uma negação para que se tenha jurisdição voluntária. A relevância da distinção entre as duas formas de jurisdição diz respeito sobretudo ao grau de subor- dinação das partes aos poderes do juiz. Em se tratando de jurisdição contenciosa, não pode o juiz senão entregar a cada um o que é seu, independentemente de qualquer critério de conveniência ou de oportunidade; em se tratando de jurisdição voluntária, o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna (CPC, art. 1.109). Também ALCIDES DE MENDONÇA LIMA lança mão da conjugação das idéias de lide e de direito sub- jetivo para caracterizar a jurisdição como contenciosa ou voluntária. Diz: "Na jurisdição contenciosa, é essencial um con- flito de interesses, um litígio, decorrente de pretensão insatisfeita e, em regra, resistida pelo réu." . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . "Na jurisdição contenciosa, o juiz tem o dever de não omitir-se quanto à norma protetora dos direitos subjetivos correspondentes. Não há hipótese de deixar de fazer a incidência, cabendo, na sentença, indicar apenas o destinatário favorecido. Por con- seguinte, autor e réu têm o direito de obter a prestação jurisdicional, com o reconhecimento da pretensão pleiteada conforme o direito pertinente à .espécie sub judice. Já na jurisdição voluntária, a mesma se desenvolve para atender apenas a 'interes- ses' ou a 'direitos' (conforme o termo empregado, com relativa sinonímia), desde que haja conveniik- cia ouvantagempara o titular ou titulares, consoante entenda o juiz com discricionariedade. Inexiste a obrigação de o juiz cumprir preceito de direito ob- jetivo, como acontece na contenciosa". (LIMA, AI- cides de Mendonça. Comenfáiios m Código & PLocmo Civü. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pp. 18-9). Ressalva-se, porém, que, para o citado autor, a jurisdição voluntária não é, como sustento, espécie de jurisdição, mas atividade administrativa exercida pelo juiz. Os processos de jurisdição contenciosa supõem par- tes, em sentido material e formal. São estruturados, em abstrato, por lei, para a decisão, pelo juiz, de uma lide, real ou presumida. São informados por dois grandes princípios, o da imparcialidade, motivo por que supõem açãa, e o da legalidade, no sentido de que servem à tutela de direitos subjetivos. A jurisdição contenciosa envolve, pois, as idéias cone- xas de partes, de conflito de interesses e de lide. O processo de jurisdição contenciosa é processo de partes, no sentido de que supõe um conflito de interesses entre pessoas diversas, partes em sentido material. Mais ainda: pressupõe-se a existência de uma lide, isto é, de um conflito de interesses não apenas potencial, mas em ato, ou seja, qualificado por uma pretensão resis- tida. Contudo, tais são suposições de normas legais abstratas e, portanto, apenas em abstrato é que cabe examinar o pressuposto da lide. A existência ou ine- xistência de lide, em concreto, é irrelevante. Pressupõe- se, em abstrato, uma lide que, em concreto, pode inexistir, por ausência de conflito entre as partes. Assim, uma ação de cobrança pode resultar de um acordo entre o autor e o réu, para fraudar terceiros (ação em fraude de credores). Nem por isso se há de qualificar tal ação como de jurisdição voluntária. A ação de cobrança se inscreve entre os processos de jurisdição contenciosa a partir do confiito de interesses suposto pelo legislador. No caso das açóes constitutivas necessárias, a lide é presumida juris et de jure. Essa é a razão pela qual o juiz não pode senão indeferir o pedido de anulação de casamento que, em petição conjunta, lhe formulem os c6njuges. Eles têm que simular uma lide, propondo um deles a ação, com citação do outro, para contestá-la. É nomeado um "curador do vínculo", para suprir a falta real de um conflito de interesses. De igual modo, no processo penal, não poderia o juiz senão indeferir o pedido de aplicação da pena que formulassem em conjunto acusador e acusado. É preciso que o Ministério Público proponha a ação, promova a citação do réu e produza as provas do crime ou contravenção, para que o juiz possa aplicar qualquer pena. 6 irrelevante a inexistência de lide em concreto. O processo penal não se transforma em processo de jurisdição voluntária pelo fato de o Ministério Público requerer a absolvição ou de o acusado concordar com a denúncia. Os processos de jurisdição contenciosa pressupõem partes não s6 em sentido material (conflito de interesses entre pessoas diversas), mas também em sentido formal, isto é, a existência de pedido formulado por uma das partes, ou substituto processual, em face da outra. Não há jurisdição (contenciosa) sem ação. Não se pode, contudo, negar a existência histórica de processos de iniciativa do próprio juiz. Põe-se, então, em xeque, o princípio da imparcialidade. Se esta é, não obstante, preservada, assim como preservado o princípio da legalidade estrita, pode-se ver, em tais processos, uma fórmula híbrida: processos iniciados por um ato ad- ministrativo do juiz que, em seguida, assume a sua ver- dadeira condição de terceiro imparcial. Se o próprio princípio da legalidade estrita é afetado, pela descon- sideração de eventuais direitos subjetivos de uma das partes, o processo se descaracteriza como jurisdicional contencioso. Ingressamos no campo da jurisdição volun- tária; se o fim visado é a tutela de interesses privados; no campo da administração da justiça, se visada a tutela de interesses públicos ou difusos. Tende-se, cada vez mais, a regrar a administração, sujeitando-a ao princípio da legalidade. É ineliminilvel, porém, um vasto campo de decisões sujeitas a critérios de conveniência e de oportunidade. Na jurisdição contenciosa observa-se o princípio da legalidade estrita, no sentido de que o juiz deve decidir em função da existência ou inexistência de direitosub- jetivo. A decisão judicial da lide importa, pois, na afirmação de direito subjetivo de uma parte em face da outra, motivo por que a decisão é firma (produz coisa julgada) e não sujeita a revisão por critérios de conveniência ou de oportunidade. Não há, todavia, produção de coisa julgada aos processos de execução, por ausência de declaração, e nos processos cautelares, porque nestes o juiz profere decisão provisória, necessária em face de penculum in mora. A jurisdição voluntária não é incompatível com as idéias de ação e de partes em sentido formal. De regra, o procedimento tem início por provocação do interessado ou do Ministério Público (CPC, art. 1.104). Frequente- mente, o requerente formula pedido em face de outrem, podendo-se, pois, falar de ação e de partes em sentido formal. Todavia, tampouco há incompatibilidade entre a jurisdição voluntária e a iniciativa judicial do processo. A jurisdição voluntária é protetiva de interesses privados, o que, conjugada com a ausência de partes em sentido material, exclui a imparcialidade como nota sua. Não se trata de afirmar ou negar, nem de fazer valer direito subjetivo de uma parte em face da outra. Em muitos casos, há apenas a relação requerente-juiz, como nas hipóteses de tutela de pessoas incertas. Em outros, trata-se, sim, de regular uma relação intersubjetiva, mas não entre o autor e o réu, nem entre qualquer deles e o substituído processual do outro. É o caso da destituição do pátrio poder. A criança não é parte, embora sofra os efeitos da sentença. Finalmente, em casos limítrofes à jurisdição contenciosa, trata-se efetivarnente de regular relação intersubjetiva entre o autor e o réu, advindo a qualificação da hipótese como de jurisdi ão voluntária da H exclusão da idéia de direito subjetivo. o caso, vg., da separação de corpos concedida sem caráter cautelar. O marido é expulso do lar, concedendo-se à mulher o uso exclusivo da morada comum, sem afirmar-se direito sub- jetivo seu, porquanto o marido pode até mesmo ser o proprietário único do imóvel. Porque não se trata de tutelar direitos subjetivos, o juiz, na jurisdição voluntária, não está obrigado a obser- var o critério legalidade estrita (CPC, art. 1.109). Critérios de conveniência ou de oportunidade podem ser levados em consideração. Como corolário, da jurisdição voluntária não decorre coisa julgada material. A sentença poderá ser modificada, sem prejuizo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes, diz o art. 1.11 1 do Código de Processo Civil. "A jurisdição voluntária", ensina 0VfD10 BAFTIS- TA DA SILVA, "distingue-se da contenciosa em que na primeira não há jurisdição 'declarativa' de direitos, o que é responsável pela ausência de coisa julgada, deter- minada pela maior relevância da eficácia constitutiva da sentença proferida em processo de jurisdição voluntária, justamente em detrimento da eficácia declaratória". (Curso Processo Civil. Porto Alegre, Fabris, 1987, v. I, p. 36). ALLORIO já observara que, na sentença cons- titutiva, proferida em sede contenciosa, o juiz declara que a mudança "devia" se produzir, porque presentes o s pressupostos legais (Problemi di Dintto. Milano, Giuffrè, 1957, v. 2). Distingue-se, assim, a sentença constitutiva neces- sária, proferida em processo de jurisdição contenciosa, da sentença também constitutiva, produzida em processo de jurisdição voluntária Também CHIOVENDA já ob- servara: "encontramos no campo do processo, vale dizer, na jurisdição (contenciosa), sentenças constitutivas também, isto é, às quais se prendem novos estados jurídicos, e isso para alguns representa uma dificuldade. Mas as sentenças constitutivas contêm a atuação de um direito à constituição de um novo estado jurídico, direito correspondente a um sujeito jurídico contra outro. Pelo contrário, a constituição ou desenvolvimento de estados jurídicos, ocorrente na jurisdição voluntária, não atua um direito correspondente a Ticio contra Caio" (Imtituições. São Paulo, Saraiva, 1965, v. 11, p. 19). Em suma: na sentença constitutiva proferida em processo de jurisdição contenciosa, o juiz declara e cons- titui, sendo a eficácia declaratória suficientemente forte para que se produza coisa julgada material. Na sentença constitutiva proferida em processo de jurisdição voluntária, é mínimo o efeito declaratório, o que explica a ausência de coisa julgada. Não se afirma, por exemplo, que o nomeado tenha direito subjetivo à tutela. AS vezes há tão-a6 declaração de que foram preenchidos os requisitos legais e, eventualmente, também da conveniência do ato, como ocorre na autorização para alienação de imóvel de incapaz. Quanto aos atos administrativos: comportam, mas não exigem, a presença de partes, quer em sentido material, quer em sentido formal. São, de regra, praticados de ofício. Visam à tutela de interesses públicos ou difusos. O art. 1.104 do CPC exige provocação do interessado ou do Ministério Público, mesmo em procedimento de jurisdição voluntária. Todavia, havendo urgência, bem como nos casos de tutela de pessoas incertas, "admite-se e até se exige a iniciativa judicial, como acontece nas alienações judiciais, herança jacente, arrecadação de bens de ausentes e alguns outros procedimentos man- tidos pela forma do Código de 1939 (SANTOS, Ernane Fidelis dos. Introdução ao Direito Processual Civil Brasileiro. Rio, Forense, 1978, p. 23). Aplicam-se "na jurisdição voluntária os mesmos princípios da capacidade processual, contidos no Título I1 do Livro I. Ressalva-se, porém, em alguns casos, pela pr6pria natureza da matéria, a necessidade de se alargar a capacidade de requerer em juízo, como acontece na emancipação requerida pelo menor e nos casos de supri- mento para casamento, quando injustamente haja discordância dos pais." (Id Bid, p. 24). O art. 1.109 estabelece não estar o juiz, na jurisdição voluntária, obrigado a observar critério de legalidade estrita. "No entanto, é preciso que se acautele, com máximo rigor, no entendimento do que seja 'critério de legalidade estrita'. Em primeiro lugar, deve-se atentar para o fato de que tal faculdade não quer significar permissão de praticar ilegalidade. Em segundo lugar, o abandono do critério de legalidade estrita s6 se pode verificar quando não fira direitos subjetivos dos interes- sados. Em conseqüência, a conclusão a que se chega é que o abrandamento da legalidade estrita só é autorizado nos casos de se permitir ou de se determinar prática, sem a formalidade que não lhe seja da essência, ou melhor dizendo, que não se integre na substância do ato. Como exemplo, podemos citar a possibilidade de dispensa de venda em hasta pública de bens pertencen- tes a incapazes tutelados e curatelados. Outro exemplo, nomeação de tutor ou curador, sem obedecer à gradação estabelecida na lei civil." (Id. Bid., pp. 25 e 29). Da sentença proferida em processo de jurisdição voluntária não cabe ação rescisória, mas a de anulação do ato jurídico. "Um exemplo de caso concreto esclarece melhor a questão: A esposa requereu ao juiz suprimento judicial, para poder vender imóvel do casal, sem anuência do esposo. Alegou que ele estava em lugar incerto e não sabido, citando-o por edital. Cumpridas as fases procedimentais, o juiz deferiu o pedido e a venda foi realizada, mediante expedição de alvará, após o t r a i t o em julgado. Posteriormente, apareceu o marido e, alegando nunca ter estado em lugar incerto e não sabido, pretendeu a rescisão da sentença. Teve ele seu pedido indeferido liminarmente, pois a ação adequada para o caso seria não a rescisão da sentença autorizativa da venda, mas a de anulabilidade do próprio negócio jurídico, com fundamento em vício do procedimento de jurisdição voluntáriaque concluíra pela autorização do contrato." (Id Ibid., pp. 43-4). Em conclusão: a jurisdição contenciosa se vincula à existência de direitos subjetivos (direitos a uma prestação ou direitos formativos). Daí a existência necessária de partes em sentido material, isto é, dos sujeitos da relação intersubjetiva que será regulada por um terceiro imparcial, o juiz; na jurisdição voluntária não se trata de tutelar direitos subjetivos, mas de proteger interesses legítimos. Da inexistência de direitos subjetivos decorre o afrouxamento do princípio da legalidade, admitindo-se que o juiz decida por razões de conveniência e oportunidade, sem que se trate de atividade administrativa, porque pertinente a interesses "privados". A passagem da jurisdição contenciosa para a voluntária depende das concepções dominantes em uma dada sociedade, a respeito da existência ou inexistência, no caso, de direitos subjetivos. Assim, pode-se conceber a tutela ou a posse dos filhos como direito subjetivo do tutor ou do pai, caso em que as decisões judiciais concer- nentes à nomeação e remoção de tutor e à guarda dos filhos se enquadrariam na jurisdição contenciosa. Pode- se, pelo contrário, entender que, em se tratando de crianças, não têm os pais ou tutores verdadeiros direitos subjetivos sobre elas, porque crianças não são coisas, não são objeto de direitos. Nesse caso, as decisões concernen- tes à nomeação e remoção de tutor e à guarda dos filhos melhor se enquadram na jurisdição voluntária. Em alguns casos, a jurisdição voluntária se volta à tutela de pessoas incertas. Enquadram-se, aí, os casos do nascituro, dos testamentos de um modo geral, da herança jacente e das coisas vagas, em que não há lide. No caso particular da busca e apreensão de testamento, o que falta é a finalidade de tutela de direito subjetivo. Na hipótese de remoção de testamenteiro, não se cogita nem de lide nem de direito subjetivo. Em outros casos, a jurisdição voluntária se volta à tutela de incapazes. Enquadram-se, aí, os casos do pátrio poder, da busca e apreensão de incapaz, da família subs- tituta, da curatela, da ausência, de alienação de imóveis de incapazes, da emancipação e do casamento de menores, em que não se visa à tutela de direito subjetivo e em que, de regra, tampouco nos deparamos com lide. Terceira categoria compreende os casos em que a jurisdição voluntária se apresenta como participação do juiz em atos privados que constituem exercício de facul- dades jurídicas ou manifestações da capacidade de agir, bem como a atividade judicial dirigida à documentação ou publicidade de fatos jurídicos. Enquadram-se, aí, os casos dos wgistros públicos, das fundações, do casamen- to, da alienação de imóveis do canjuge, da extinção do usufruto, dos protestos, da separação e divórcio consen- suais, da alienação de quinhão em coisa comum e da especialização de hipoteca legal, em que falta o elemento "lide". Aseparação de corpos, conforme a concepção que dela se tenha, entra nessa categoria, por ausência de direito subjetivo, podendo ou não haver lide. Quarta categoria compreende os casos em que a jurisdição se volta à tutela da prova de fatos jurídicos. Enquadram-se, af, a justificação, por ausência de lide, a produção antecipada de provas, quando preparatória de processo de jurisdição voluntária, e a exibição de documento para apropriação de dados, esta por ausência de direito subjetivo à exibição. Temos, por fim, o caso do benefício da assistência judiciária, com que se trata de suprir, não a incapacidade jurídica, mas financeira, do beneficiado. Temos, pois, a seguinte classificação: 1. Tutela de pessoas incertas. 2. Tutela de incapazes. 3. Tutela em atos da vida privada. 4. Tutela da prova de fatos jurídicos. 5. Assistência judiciária. \ 3. TUTELA DE PESSOAS INCERTAS "A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro." (Código Civil, art. 4". "Suponha-se", observa S~LVIO RODRIGUES, "que um indivíduo morreu deixando esposa grávida; se a criança nascer morta, o patrimdnio do de cujus passará aos herdeiros deste, que podem ser seus pais, se ele os tiver; se a criança nascer viva, morrendo no segundo subsequente, o patridnio de seu pai pré-morto passará aos herdeiros do infante, no caso, sua mãe." (Direito Civil. Parte Geral, 18%d, São Paulo, Saraiva, 1988, pp. 37-8). O nascituro, embora não tenha personalidade, tem capacidade para adquirir por testamento. "Morto o tes- tador antes de seu nascimento, a titularidade da herança ou legado fica, provisoriamente, em suspenso. Se o nas- cituro nascer com vida, adquire naquele instante o domínio de tais bens. Se nascer morto, referidos bens são devolvidos aos herdeiros legítimos, ou ao substituto testamentário, retroagindo a devolução à data da aber- tura da sucessão." (RODRIGUES, Sílvio. Direito das Sucessões, 15%d., São Paulo, Saraiva, 1988, p.192). Vale a doação feita ao nascituro, sendo aceita pelos pais (Código Civil, art. 1.169). "Não tendo o nascituro personalidade, a qual s6 será adquirida se nascer com vida, a doação a ele feita se resolverá, se nascer morto. Isso porque ficará faltando, na relação contratual, a presença de um elemento básico, isto é, o donatário." (Id Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 16" ed., São Paulo, Saraiva, 1987, pp. 207). Para a proteçáo dos eventuais direitos do nascituro, a lei civil prevê a nomeação de um curador e a lei proces- sual, a posse em nome do nascituro. O art. 462 do Código Civil estabelece: "Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer, estando a mulher grávida, e não tendo o pátrio poder. Parágrafo único: Se a mulher estiver inter- dita, seu curador será o do nascituro". "O pressuposto fático da curatela é a incapacidade; o pressuposto jurídico, uma decisão judicial. Não pode haver curatela senão deferida pelo juiz, no que, aliás, este instituto difere do pátrio poder, que é de origem sempre legal, e da tutela, que pode provir da nomeação dos pais." (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito de FarníZia, 3" ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 309). "Falecendo o pai, se a mulher estiver grávida, dar- se-à curador ao nascituro, no caso de não ter ela o pátrio poder, o que somente ocorrerá s e ~ d o ela incapaz por alienação mental ou lhe sendo retirada apaíria potestas por sentença" (Ibid pp. 313-4). Os arts. 877 e 878 do Código de Processo Civil autorizam a mulher grávida a requerer sentença que a declare investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro. Se a.mãe é capaz, o juiz lhe defere a posse em nome do nascituro (CPC, art. 877). Se incapaz, o juiz nomeia curador ao nascituro (CPC, art. 878, parágrafo único). Se ela se encontra interdita, seu curador será automatica- mente o do nascituro (Código Civil, art. 462, parágrafo único). Aposse em nome do nascituro não é medida cautelar, embora submetida ao regime das cautelares, no que se refere ao procedimento. A incerteza é quanto ao nas- cimento com vida, e não quanto ao conteúdo de outra sentença. A tutela é preventiva e provisória, mas não há ação principal a ser proposta A posse em nome do nascituro é semelhante à posse de funcionário em cargo público. Inspiram-se ambos os atos na concepção civilistica da quase-posse das coisas incorpóreas. Expressivo, a propósito, o art. 878 do CPC, ao referir-se à posse de direitos. Em ambos os casos, preexiste a situação jurídica (a de nascituro desde a concepção e a de funcionário desde a nomeação), e- xigindo-se, porém, um ato posterior, de investidura, para que o titular de direitos possa exercer os atos que lhe competem (exercício dos direitos que assistam ao nas- cituro, exercicio dos atospróprios do cargo público). Em ambos os casos pode sobrevir caducidade: pelo nas- cimento sem vida, no caso do nascituro; pelo fato de o empossado não entrar em exercicio no prazo legal, no caso do funcionário. Não há dúvida de que, por detrás do processo de posse em nome do nascituro, pode haver um conflito de interesses entre este e os demais herdeiros do pai morto. Contudo, não se trata de processo estruturado para a composição de uma lide, motivo por que, para que se componha o interesse de agir da mãe, não é necessário que esta alegue qualquer resistência dos -demais her- deiros. Na verdade, a imissão da mãe na posse dos direitos do nascituro é indispensável, não para que se componha lide entre os herdeiros, como deixa claro o art. 877,s 29, do CPC, mas para que a mãe possa representar o nascituro perante terceiros, que de modo algum são partes no processo; para que possa, por exemplo, votar em nome do nascituro em assembléia geral de sociedade an6nima. Não se cogita, pois, na hipótese assim examinada em abstrato, de uma lide entre herdeiros, sujeita a decisão judicial, daí o seu enquadramento no âmbito da jtirisdição voluntária. Trata-se, em última análise, de um ato solene, de constituição de um curador ao nascituro. Observa HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que "o Código não determina a citação dos interessados, expressamente, mas também não a dispensa. " "Assim, por força do art. 812, impõe-se aplicar, com- plementarmente, o rito dos arts. 802 e 803, devendo os interessados serem citados para contestar o pedido em cinco dias (Sérgio Sahione Fade1 entende, também, que 'deve haver ci&cia dos interessados'). - Aliás, o 52Qdo art. 877 faz presumir que os interes- sados integram a relação processual, pois dispõe que 'será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente', o que, como é óbvio, deve se dar no prazo de contestação." (Processo Cautelar, 5bd. , São Paulo, Universitária de Direito, 1983, pp. 364-5). Também OVÍDIO exige a citação dos demais her- deiros: "Os legitimados passivos hão de ser os demais herdeiros que concorram com o nascituro" (SEVA, Ovídio A. Baptista d a Comentários ao Código de Processo Civil. Porto Alegre, Le Jur, 1985, p. 605). Não há substituição porque, na concepção de nosso Direito, a posse da mãe não decorre da simples existência do nascituro, como ocorre com o já nascido, mas da sentença. O reconhecimento da gravidez, pelos demais herdeiros do pai falecido, dispensa o exame médico (art. 877,# 29), mas não o processo. Assim, não se cogita de um antecedente ato das partes, que dispensasse o ato judicial, dando a este o &ter de substituição. A sentença constitutiva proferida em processo de jurisdição contenciosa declara o direito à mudança jurídica. "O objeto da sentença constitutiva", diz CHIOVENDA (Inst., I/208), "é a vontade concreta de lei por força da qual se deve produzir a mudança, ou, em outros termos, o 'direito à mudança jurídica."' Porque há essa declaração é que a sentença produz coisa julgada material. Pergunta-se: há declaração tal, na posse emnome do nascituro? 'A sentença, aí, declara a gravidez da mãe e, portanto, a existência do nascituro. Pode-se ir além, e dizer que a sentença declara o direito do nascituro de concorrer à herança de seu pai. É certo, contudo, que tal sentença não produz coisa julgada. Evidenciada a falsidade da gravidez, os atos praticados pela mãe permanecerão válidos, por aplicação da teoria da aparência, mas os herdeiros do pai não precisarão promover prévia ação rescisória, para pleitear em juizo, contra a mãe, indenização, com fundamento na falsidade da gravidez por ela afirmada e dos prejuízos que seus atos, praticados em nome de inexistente nascituro, vieram a causar. Por que não há coisa julgada? Porque, ao investir a mãe na posse dos direitos do nascituro, o que o juiz declara é a "aparência" de haver um nascituro, o que, no 'Direito brasileiro, bem se evidencia pela colocação da medida entre as cautelares: não hápericulum in mora vinculado a posterior sentença, definitiva, mas o juiz assegura eventuais direitos do nascituro, com base- no fwnk boni juk. Não há, pois,"declaração de direito", mas de aparên- cia do direito, motivo por que tampouco há produção de coisa julgada material. OVÍDIO BAP'ITSTA DA SILVA confirma: "Parece induvidosa a conclusão de que a declaração a que se refere o art. 878 não tem qualquer semelhança com o efeito natural das sentenças declaratórias, no sentido do art. 4Qdo CPC, de tal modo que o suposto 'reco- nhecimento dos direitos' do nascituro ficassem protegidos pela indiscutibilidade do que fora judicial- mente declarado. A demanda de que se trata, de resto, não põe em causa nenhuma relação jurídica cujo reco- nhecimento se peça. As severas limitações das defesas permitidas ao demandado, que tornam impossível a con- testação da paternidade, ou outras exceções similares, está a indicar que toda esta matéria não poderá ficar imune ao exame judicial em processo subsequente. Daí porque não nos parece coerente a conclusão a que o mesmo Pontes de Miranda chega, de que a sentença contenha elemento declarativo bastante para a produção de coisa julgada material, 'entre partes'." (Ibid. p. 609). Com razão afirma HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que "é possível mulher pedir, em outra opor- tunidade, a repetição do exame, alegando deficiência do primeiro". (Loc. cit. ). - ~nvestida na posse dos direitos do nascituro, a mãe promoverá, se necessário, as ações cautelares, possessórias, petitórias ou ainda outras que forem per- tinentes. O processo tem caráter cautelar, não no sentido próprio, de regulação provisória da lide (litisregulação), mas no sentido de que assegura direitos incertos, isto é, direitos de pessoa que poderá não vir a existir, decidindo, outrossim, o juiz, com base na aparência (fumus boni juris) da gravidez. Ao invés de classificar aposse emnome do nascituro como processo de jurisdição voluntária, o Código a inclui entre as medidas cautelares, com o igual efeito de excluir a produção de coisa julgada, o que mostra que a presença ou ausência desta não serve como critério para distinguir a jurisdição contenciosa da voluntária. A sentença, embora declaratória da gravidez, é predominantemente constitutiva: imite a mãe na posse dos direitos do nascituro. Não há condenação dos demais herdeiros. Se estes negam a paternidade ou que deter- minados bens sejam da herança, há necessidade de outro processo. Nada, a respeito, se resolve no processo de posse em nome do nascituro. Em síntese, temos que, no processo de posse em nome do nascituro, não há partes, porque não se supõe a existência de conflito de interesses entre pessoas diver- sas; mais claramente ainda, nele não há lide, nem subs- tituição, nem produção de coisa julgada material. A sentença é constitutiva, podendo-se mesmo dizer que corresponde ao exercício de um direito formativo da mãe: direito de, por declaração de vontade expressa na petição inicial e em conjugação com a sentença, investir- se na posse dos direitos que assistam ao nascituro. A existência ou inexistência desse direito não é, porém, declarada com força de coisa julgada, porque a declaração assenta na aparência de haver ou não gravidez, além da incerteza quanto ao subsequente nas- cimento com vida. Trata-se de ação? Sim, porque há pedido de tutela jurisdicional formulado em face de outrem, para as- \ seguração de direitos do nascituro e, por outro lado, a sentença proferida não tem natureza meramente homologatória. Tem forte conteúdo decisional: provada a gravidez, imite a mãe na posse dos direitos do nascituro. a 3.2. TESTAMENTOS Os arts. 1.125 a 1.141, do Código de Processo Civil,
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