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Prévia do material em texto

DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL 
I 
l8 ediçáo - 1992 
-- - 
T335j Tesheiner, José M. Rosa 
Jurisdição voluntária / José Maria 
Rosa Tesheiner. - Rio de Janeiro : 
Aide Ed., 1992. 
1. Direito processual civil. I. Título. 
CDD-341.46 
ISBN. 85-321-00724 
PUBLICAÇÁO NQ 147 
Direitos desta ediçáo reservados à 
AIDE EDITORA E COMÉRCIO DE LIVROS LTDA. 
Rua Siqueira Campos, 143 - 2Qandar - Lojas 22 e 23 
Tels.: 235-2440 - 236-5986 - 256-2975 - Fax.: (021)237-4583 
Copacabana - 22033 - Rio - RJ 
Impresso no Brasil 
Pnnted in Brad 
la PARTE 
1. O conceito de jurisdição . . . . . . . . . . . . . . 11 
2. A jurisdição como atividade de substituição . . . 13 
3. A coisa julgada como característica da jurisdição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 
4. Jurisdição e lide . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 
5. Jurisdição e imparcialidade . . . . . . . . . . . . 22 
6. Jurisdição e juizo final . . . . . . . . . . . . . . . 26 
7. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 
2a PARTE 
JURISDIÇÁO VOLUNTARIA 
1. Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 
. . . . . . . . . . . . . . . . 2 . Jurisdição voluntária 40 
Conceito e classificação . . . . . . . . . . . . 40 
. . . . . . . . . . . . . 3 . Tutela de pessoas incertas 55 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.1. Nascituro 55 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.2. Testamentos 62 
. . . . . . . . . . . . . . . . 3.3. Herança jacente 73 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4. Coisas vagas 74 
. . . . . . . . . . . . . . . . . 4 . Tutela de incapazes 76 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.1. Pátrio poder 76 
. . . . . . . . 4.2. Busca e apreensão de incapaz 81 
. . . . . . . . . . . . . . . 4.3. Família substituta 85 
4.4. Considerações sobre a ação por ato 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . infracional 90 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5. Curatela 94 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6. Ausência 100 
4.7. Alienação, arrendamento e oneração 
. . . . . . . . . . . de imóveis de incapazes 105 
. . . . . . . . . . . . . . . . . 4.8. Emancipação 106 
. . . . . . . . . . . 4.9. Casamento de menores 107 
. . . . . . . . . . 5 . Tutela em atos da vida privada 109 
. . . . . . . . . . . . . . 5.1. Registros públicos 109 
5.1.1. Cancelamento de protesto de cambiais 111 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.2. Fundações 115 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3. Casamento 116 
5.4. Alienação de imóveis do cônjuge e de 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . bens dotais 119 
5.5. Extinção de usufruto e de fideicomisso . . 124 
5.6. Protestos. notificações e interpelações . . . 126 
. . . . . . 5.7. Separação e divórcio consensuais 131 
. . . . . . . . . . . . . 5.8. Separação de corpos 139 
5.9. Considerações sobre a alienação de coisa 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . comum 145 
5.10. Alienação de quinhão em coisa comum . . 148 
5.1 1 . Especialização de hipoteca legal . . . . . . 150 
5.12. Considerações sobre a alienação de bens 
. . . . . . . . . . depositados judicialmente 152 
6 . Tutela da prova de fatos jurídicos . Medidas 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . probatórias 154 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1. Justificação 155 
6.2. Considerações sobre a produção 
. . . . . . . . . . . . . antecipada de provas 156 
6.3. Considerações sobre a exibição de 
. . . . . . . . . . . . . . documento ou coisa 158 
. . . . . . . . 7 . Benefício da assistência judiciária 162 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Bibliografia 167 
1- PARTE 
JURISDIÇÃO 
Sumário:- I. O conceito dejurisdição - 2 A jurisdição c m 
atividade de substituiçáo - 3. A coisa julgada como 
camcterlItica da jurisdição - 4. Jurisdição e lide - 5. Jwis- 
diçáo e implar:ialidade - 6 Jurisdição e juizo final - Z 
conchrsão. 
1. O CONCEITO DE JURISDIÇÁO 
Tem-se procurado definir a atividade jurisdicional 
contrapondo-a, de um lado, à atividade legislativa do 
Poder Legislativo e, de outro, à atividade administrativa, 
própria do Poder Executivo. Nessa linha de pensamento, 
todo ato estatal de exercício de poder se classificará como 
legislativo, administrativo ou jurisdicional. Não há quarta 
espécie. 
Várias têm sido as tentativas de conceituar a juris- 
dição. Nenhuma é imune à crítica: 
a) Caracterizada a jurisdição como atividade de 
aplicação de sanções, ficam fora as sentenças declara- 
tórias. 
b) Dito que importa em atividade de julgamento, 
sobra a execução. 
c) Apontada a coisa julgada como nota diferen- 
ciadora, restam excluídas a execução e a cautela 
d) Exigida a presença de um juiz, órgão do Estado, 
fica sem explicação o juízo arbitral. (Observe-se, porém, \ que náo tem sentido incluir-se o j k o arbitral, atividade 
privada, numa divisão das funções do Estado). 
e) Exigindo-se que o juiz seja órgão do Poder 
Judiciário, desconsidera-se o processo de impeachment. 
f) Ao se afirmar que o juiz regularelação entre o autor 
e o réu, ignora-se a substituição processual, em que não 
I há coincidência entre as partes em sentido material e as 
partes em sentido formal. 
1 g) Ao se exigir um autor, deixa-se de lado o processo inquisitório. 
h) A característica de uma lide falta ou pode faltar nas 
i ações constitutivas necessárias. 
i) A caracterização do juiz como terceiro imparcial 
1 tem seu ponto fraco no processo penal, especialmente quando o único ofendido é o Estado, de que ele é órgão. 
j) A assertiva de que o juiz aplica lei anterior tropeça 
na jurisdição de equidade e em todos os casos em que o 
juiz supre lacuna da lei. 
k) Por fim, a jurisdição como norma concreta cai em 
face da competência normativa da Justiça do Trabalho e 
da ação direta de declaração de inconstitucionalidade. 
Não se dê importância demasiada à imperfeição de 
qualquer conceito de jurisdição. A busca obsessiva da 
"essência" da jurisdição se vincula ao conceptualismo 
que, no campo do Direito, conduz a indesejável distan- 
ciamento da realidade. 
Na verdade, o conceito de jurisdição varia, conforme 
se queira ou não incluir a atividade judicial executiva e a 
cautela; conforme se pretenda ounão abranger, além da 
jurisdição civil, a penal; conforme se queira ou não abar- 
car a jurisdição voluntária; conforme se intente ou não 
incluir a competência normativa dos tribunais. 
A seguif, as principais idéias com que os juristas têm 
procurado caracterizar a jurisdição, a saber: a de subs- 
tituição, a de coisa julgada, a de lide e a de impar- 
cialidade. 
2. A JURISDIÇÃO COMO ATIVTDA.DE DE 
SUBSTITUIÇÃO 
Jurisdição, disse CHIOVENDA, é a "função do Es- 
tado que tem por escopo a atuação da vontade concreta 
da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos 
públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos 
públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já 
no torná-la, praticamente, efetiva 
a) Na cognição, a jurisdição consiste na substituição 
definitiva e obrigatória da atividade Uttele&a do juiz à 
atividade intelectiva, não só das partes, mas de todos os 
cidadãos, no afirmar existente ou não existente urna von- 
tade concreta da lei concemerúe &partes. 
b) E quanto à atuação definitiva da vontade 
verificada, se se trata de uma vontade só exeqüível pelos 
órgãos públicos, tal execução em si não é jurisdição: 
assim, não é jurisdição a execução da sentença penal. 
Quando, porém, se trata de uma vontade de lei exequível 
pela parte em causa, a jurisdição consiste nasubstituição, 
pela atividade material dos órgãos do Estado, da 
atividade devida (grifei), seja que a atividade pública 
tenha por fim constranger o obrigado a agir, seja que vise 
ao resultado da atividade. Em qualquer caso, portanto, é 
uma atividade pública exercida em lugarde outrem (não, 
entendamos, em rqresent~ão de outros). 
Não existe jurisdição somente quando, no curso da 
execução, surgem contestações que é preciso resolver 
(seja sobre a existência da ação executória, ou sobre 
certas medidas executórias); antes, importa em jurisdição 
a própria aplicação das medidas executórias, porque se 
coordena com a atuação da lei.(...). Na doutrina 
italiana( ...) dominava a opinião de que a execução cons- 
tituía mero exercício de império, atividade ad- 
ministrativa, e de que a jurisdição se adscrevia à cognição 
e se exauria com a sentença Suposto o conceito, então 
corrente, de escopo processual (definição de con- 
trovérsia), isso era compreensível. Mas plausível não era 
a tentativa de justificar semelhante conceito com a idéia 
romana do jus úicere ligada ao especial ordenamento 
judiciário dos romanos. Só no direito comum foi que se 
desenvolveu o princípio jurisdictio in sola notione comk- 
tit, acolhido, depois, pela doutrina italiana e francesa. 
Ora, não devemos contrapor império e jurZEdição, como 
qualitativamente diversos: a jurisdição não é, ao 
contrário, mais que um complexo de atos de império 
reagrupados por determinado escopo que o caracteriza, 
e emanados em virtude dos correspondentes poderes 
postos a s e ~ ç o desse escopo e da função jurisdicional." 
(CHIOVENDA, Giuseppe. I-& de Direito Proca- 
sua1 CNi2,2a ed., São Paulo, Saraiva, 1965, v. 2, pp. 4-11.) 
Crítica. Ao se caracterizar a jurisdição como ativi- 
dade de substituição, é preciso que se aponte, com 
clareza, quem é o substituído. Dizer que o juiz substitui 
"todos os cidadãos" não tem sentido ou tem apenas o de 
indicar que ele exerce atividade estatal. No processo -de 
conhecimento, não se pode dizer que o juiz substitui o 
autor, máxime quando profere sentença de improce- 
dência; nem se pode dizer que substitui o réu, máxime 
quando profere sentença de procedência; se afirmamos 
que substitui quem tem razão, fica por explicar por que 
motivo não bastou a anterior afirmação de seu direito, 
feita pelo vencedor. O que se pode, então, dizer é que a 
sentença substitui o acordo das partes: acordo quernão 
houve ou que o Estado declara juridicamente irrelevante 
(sentença constitutiva necessária; sentença penal). 
Dizer-se, porém, que a sentença substitui o acordo das 
partes apenas significa que a jurisdição é um sucedâneo 
da defesa privada 
Na verdade, a jurisdição é atividade primária do Es- 
tado, especialmente em matéria penal. Por isso, a idéia 
chiovendiana, de caracterizar a jurisdição como atividade 
substituta, somente é admissivel como afirmação de que 
elaimporta em heterorregulação. O Estado, na execução, 
se interpõe entre as partes e substitui o credor (náo o 
devedor, como afirmou Chiovenda), no exercício de seu 
poder sobre a parte adversa Por essa via, a idéia de 
substituição acaba por confiuir com a de imparcialidade, 
como nota característica da jurisdição. 
3. A COISA JULGADA COMO CARACTER~STICA 
DA JURISDIÇÃO 
Em sentido restrito, circunscrito ao étimo do termo, 
jurisdição é julgamento, atividade declarativa, de pro- 
dução de certeza jurídica. 
Assim, segundo CALAMANDREI, dois são os carac- 
teres essenciais da jurisdição: 1" é é atividade de 
substituição; 29) é uma atividade declarativa. (Límites 
entre jurisdición y administración en Ia sentencia civil. 
1917. In CALAMANDREI, Piero. Estudios sobre e1 
processo civil. Buenos Aires, 1961). 
Da primeira característica apontada se falou no item 
anterior. Quanto à segunda, nada há que objetar, se nos 
limitamos ao núcleo da jurisdição, mas é inaceitável a 
assertiva da natureza dúplice das sentenças constitutivas, 
em que haveria jurisdição no declarar e administração na 
criação, modificação ou extinção da relação jurídica. 
Apontar o núcleo da jurisdição não importa em reduzi-la 
ao núcleo. 
Seguindo, de certo modo, nas pegadas de CALA- 
MANDREI, que já apontava a coisa julgada como "pedra 
de toque" da atividade jurisdicional, ALLORIO dá um 
passo a mais, ao caracterizar como jurisdicional apenas a 
sentença que produza certeza jurídica. 
Seu ponto de partida é uma lição de Kelsen, no sen- 
tido de que as fhções do Estado não se distinguem por 
seus fins (o juizo quanto à finalidade é sociológico), mas 
apenas pelas f o m e conseqüentes efeiros. O Direito é 
ciencia dos efeitos jurídicos e não haveria interesse em 
estudar a função jurisdicional como atividade distinta, se 
não fossem diversos os seus efeitos. Ora, a sentença 
produz um efeito jurídico que lhe é peculiar e que não se 
encontra em qualquer outro ato: é o efeito declarativo, a 
coisa julgada material. Se é verdade que esta não ocorre 
nos atos administrativos, inclusive nos de "jurisdição" 
voluntária e se é verdade que ela se faz presente na 
jurisdição propriamente dita, por que não apontar tal 
circunstância como característica e elemento diferen- 
ciador? Entre a jurisdição voluntária e a contenciosa não 
há diferença de substância, mas apenas de forma, oque 
explica a fungibilidade de determinadas matérias, en- 
quadradas pelo direito positivo ora numa ora noutra 
categoria. Asentença constitutiva proferida em sede con- 
tenciosa produz coisa julgada material. & portanto, in- 
condicionalmente jurisdicional, sendo correto afirmar-se 
que a mudança juridica dela decorrente datia se pro- 
duzir, porque presentes os pressupostos legais. Quanto 
aos atos de instrução, é evidente que são atos processuais, 
mas não jurisdicionais. Quanto às medidas cautelares, é 
certo que não produzem coisa julgada material. Portanto, 
não são jurisdicionais, o que não significa que entrem no 
h b i t o da jurisdição voluntária A coisa julgada é que 
diferencia a jurisdição em sentido próprio, mas isso não 
significa que a falra de coisa julgada seja um fenbmeno 
exclusivo da "jurisdição" volunt4ria, pois é óbvio que não 
produzem tal efeito os atos legislativos e os adminis- 
trativos; nem por isso a legislação e a administração 
entram na "jurisdição" voluntária Em suma, jurisdicio- 
nal é todo ato e só o ato que produza coisa julgada 
material, entendida esta nos termos do Art. 2.909 do 
Código Civil italiano ("A declaração de certeza contida 
na sentença passada em julgado forma estado para todo 
efeito entre as partes, seus herdeiros e sucessores."). 
(ALLORIO, EMCO. Problemi di Dirirto. Milano, Giuffrk, 
1957,~. 2.) 
Crítica. Não há dúvida de que se pode isolar a ca- 
tegoria dos atos produtores de coisa julgada material e 
atribuir-lhes, com exclusividade, a denominação de ju- 
risdicionais. Mas uma teoria processual nada ganha com 
essa redução conceitual, que exclui de seu âmbito não 
apenas os atos judiciais executivos e cautelares, mas, 
dentro mesmo do processo de conhecimento, os atos de 
instrução e as sentenças meramente processuais. Vin- 
cula-se, por outro lado, o conceito de jurisdição a um 
efeito que não é necessário, mas contingente, que pode 
existir num sistema processual e noutro não. Entre n6s, 
por exemplo, a sentença penal condenatória não produz 
coisa julgada material, embora dela possa decorrer, 
mesmo quando nula, a fixação do márimo da pena 
imponível. A ação de revisão cabe sempre. Um habeas- 
corpza pode, a qualquer tempo, decretar a nulidade do 
processo e da sentença. Os efeitos desta podem ser 
apagados por ato do Legislativo (anistia) ou do E- 
xecutivo (graça, indulto). 
A coisa julgada pode, sim, funcionar como indicativo 
da natureza jurisdicional de um ato. Observe-se: o ato 
administrativo não produz coisa julgada (material); o ato 
jurisdicionalpode produzi-la Por isso, presente o efeito 
de coisa julgada, pode-se afirmar que o ato é juris- 
dicional, sem que, de sua ausência, se possa concluir que 
o ato seja administrativo ou legislativo. 
De outro lado, num sistema em que se entrega ao Poder 
Judiciário a funçãode produzir a certeza jurídica, a pos- 
sibilidade de ser um ato revisto pelo Poder Judiciário exclui 
a hipótese de que tenha natureza jurisdicional. fi o que 
ocorre com a demissão de funcionário público, embora em 
decorrência de processo (administrativo) de apuração de 
falta grave. Pelo contrário, há de se ter como jurisdicional 
o julgamento, por órgão da Administra@ ou do Poder 
Legislativo, que produza coisa julgadamaterial, não poden- 
do, pois, ser revisto pelo Judiciário. 
4. JURISDIÇÃO E LIDE 
O conceito de lide, tal como construido por CAR- 
.NELUITI, tem fundamental importância para aqueles 
tantos que vêem na lide o objeto do processo, definindo 
a jurisdição como atividade voltada à sua composição. 
Ao conceito de lide se chega passo a passo, a partir da 
idéia de "interesse". 
Interesse é a relação entre o homem e os bens. Sujeito 
do interesse é o homem: o bem, o seu objeto. O trágico 
está em que os interesses humanos são ilimitados, mas 
limitados os bens. (Interesse, "situazwne favorevole a1 
soddkfacimento di um bisogno" - CARNELUTII, Fran- 
cesco. Lezione di diritto processuale civile. Padova, 
Cedam, 1931. v. I, p. 5 - "o meglio, possibilità de1 soda - 
facimento di un bisogno mediante um bem" - Id. Pn'ncipi 
de1 Processopenale. Napoli, Morimo, 1960, p. 44). 
Conflito de interesses. Se duas ou mais pessoas têm 
interesse pelo mesmo bem, que a urna s6 possa satisfazer, 
tem-se um conflito intersubjetivo de interesses ou, 
simplesmente, um confiito de interesses. 
Pretensão. 6 o ato de se exigir a subordinação do 
interesse de outrem ao próprio. ("I2 concetto di pretesa, 
assai variamente inteso, era stato me definito, dopo 
dcune incertezze, quale esigenza della soddisfazione di un 
proprio interesse in confronto con un interesse altnzi". 
CARNELUTII. Sistema, V40; Istituzioni, V78; Teoria 
generale de1 dintto, p. 20; Diritto eprocesso, p. 53; Principi 
delprocesso pende, cit. p. 93). 
Lide: Conflito de interesses, qualificado por uma 
pretensão resistida. 
('Za lite é i1 conflitto di interessi tra due pemne 
qualificato dalla pretesa dell'una e dalla resistenza 
dell'altra. " Ibid .) 
Crítica. A idéia de lide não explica a jurisdição, como 
demonstrou CALAMANDREI, argumentando com as 
sentenças constitutivas necessárias (Litis y jwkdición. In 
Estudios sobre elproceso civil. Buenos Aires, 1961). 
Efetivamente, tome-se o exemplo da ação anulatória 
de casamento. A anulação, requerida por um dos 
conjuges, somente pode ser decretada por sentença judi- 
cial, nada importando que o outro concorde (submissão 
à pretensão) ou não (resistência à pretensão). 
De igual forma, é irrelevante, no processo penal, a 
submissão do réu. Ainda que ele concorde com a pena 
pretendida pelo Ministério Público, é necessária a sen- 
tença, para que ela possa efetivamente ser aplicada. 
Por outro lado, o desaparecimento da pretensão acar- 
reta o da lide e deveria, por conseqüência lógica, deter- 
minar a extinção do processo. Contudo, e isso pode 
ocorrer em processo penal, pode o Ministério Público 
pedir a absolvição do réu (renúncia à pretensão) e, con- 
tudo, condená-lo o juiz. 
E não parece razoável afirmar-se que a atividade do 
juiz é administrativa ou jurisdicional, conforme o réu 
concorde ou não com a pretensão do autor, quando 
juridicamente irrelevante a opção do demandado. 
~mbora JOSÉ FREDERICO MARQUES veja uma 
lide, no processo penal, mesmo quando o Ministério 
Público pede a absolvição, caso em que permanece 
latente (Ensaio sobre a jurisdição voluntária, 2%d., São 
Paulo, Saraiva, 1959, p. 255), o próprio CARNELU'ITI 
veio a afirmar que nele não há lide, o que o levou a 
enquadrar o processo penal na categoria da jurisdição 
voluntária (Pn'mipi delprocessopenale. Napoli, Morano, 
1960, pp. 48-9). 1 
Insistindo em ver na lide o objeto do processo, 
escreve ADA GRINOVER: "fi certo que Calamandrei 
criticou o conceito de lide de Carnelutti, afirmando ter 
ele sentido sociol6gico e não jurídico; também Liebman 
realçou que o connito de interesses existentes entre as 
partes fora do processo é a razão de ser, a causa remota, 
mas não o objeto do processo. 
Mas para transferir a posição de Carnelutti do plano 
sociol6gico para o plano juridico, basta identificar o 
mérito com aquela parcela de lide que é deduzida pelo 
autor, em juizo, através da pretensão, e à qual o réu 
resiste, através de suas exceções ou da mera insatisfação." 
(As condições da ação penal. São Paulo, Bushatsky, 1977, 
pp. 10-1). 
Ora, com essa restrição, já não é a lide que se 
apresenta como objeto do processo, mas o pedido do 
autor, isto é, a parcela da lide deduzida em juizo. E se 
a lide, como tal, não é o objeto do processo, não se pode 
definir jurisdição como atividade tendente à sua 
composição. 
Contudo, embora negando que a lide seja objeto do 
processo, dela nos servimos, juntamente com a idéia de 
direito subjetivo, para caracterizar a jurisdição conten- 
ciosa em oposição à voluntária. 
Como se verá no momento próprio, a jurisdição con- 
tenciosa visa à tutela de direitos subjetivos e supõe 
interesse de agir decorrente de uma suposta resistência 
do adversário. 
Todavia, a lide que aí se apresenta é abstrata, apenas 
suposta pelo legislador, o que dá margem a que se veja 
nas ações constitutivas necessárias uma hipótese de 
presunção absoluta de lide, independente, por isso, da 
existência de efetiva resistência do réu. 
5. JURISDIÇÁO E IMPARCIALIDADE 
Trata-se, aqui, de caracterizar a jurisdição como 
regulação de uma relação interpessoal por um terceiro 
imparcial. 
Pode-se apontar como fundamento da jurisdição, as- 
sim entendida, o art. 10 da Declaração Universal dos 
Direitos do Homem, em que se lê: "Toda pessoa tem 
direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida 
publicamente e com justiça por um tribunal indepen- 
dente e imparcial, para a determinação de seus direitos 
e obrigações ou para o exame de qualquer acusação 
contra ela em matéria penal." 
Indicam-se, af, o "conteúdo" ou "matéria" jurisdi- 
cional: determinação dos direitos e deveres de uma pes- 
soa em face de outra (jurisdição civil); exame de acusação 
formulada contra alguém, em matéria penal (jurisdição 
penal). 
Observe-se que o Direito organiza a sociedade e 
regula o convívio mediante normas, gerais e abstratas 
umas, individuais e concretas outras. Não existindo se- 
não para regular relações entre pessoas, à idéia de 
Direito como conjunto de normas se pode contrapor a de 
"relação interpessoal regulada pelo Direito", dois lados 
de uma s6 moeda 
Tais relações são reguladas pelo Direito por três 
modos fundamentais: a) mediante a atribuição, a um dos 
sujeitos da relação (sujeito ativo), de um direito subjetivo 
a uma prestação do devedor, sujeito este passivo, que 
deve praticar o ato previsto na norma (relação jurídica de 
crédito e débito); b) mediante a atribuição, ao sujeito 
ativo, do poder de praticar o ato previsto na norma, cujos 
efeitos sofre o sujeito passivo (relação jurídica de poder 
e sujeição, caso dos direitos potestativos ou formativos); 
mediante uma norma de liberdade (inexistência de 
relação jurídica, isto é, inexistência de crédito ou poder 
de um em face do outro). 
Distingue-se o ato legislativo do jurisdicional. A lei é 
norma geral e abstrata, ao passo que o ato jurisdicional 
tem a natureza de norma concreta 
Distingue-se a jurisdição da administração. O ato 
administrativo importa na ediçáo de norma concreta, 
pelo próprio Estado, na sua relação com o súdito. O ato 
jurisdicional supõe a edição de norma concreta por um 
terceiro, estranho ?i relação regulada. 
Quer se trate de jurisdição civil, quer de jurisdição 
penal, trata-se sempre de regular uma relação interpes- 
soal, por algum de seus modos, isto é, por declaração ou 
atribuição de umcrédito; por declaração ou atribuição 
de um poder; por negação da existência de crédito ou 
poder de um em face do outro; ou mediante execução. 
No exercício da jurisdição penal, o juiz regula a relação 
entre o Estado e o acusado, sujeitando este ao poder 
punitivo daquele, no caso de condenação, ou emitindo uma 
regra de liberdade, no caso de absolvição. 
Pode-se apontar, como elemento "formal" da juris- 
dição, a circunstância de emanar tal regulação de um 
órgão "independente e imparcial", como parece decor- 
rer do citado artigo da Declaração dos Direitos do 
Homem? 
Não se trata, é evidente, da "virtude" da impar- 
cialidade, que se exige, sim, do juiz, sem que se possa, 
porém, transformá-la em fundamento da jurisdição, sob 
pena de se criar uma teoria processual limitada aos juízes 
virtuosos; nem se trata de imparcialidade no sentido de 
que o juiz não deva ter um interesse direto e pessoal na 
causa, diverso do interesse geral e impessoal do Estado, 
o que também se exige do administrador público, não se 
constituindo em característica da jurisdição. 
A imparcialidade deve ser entendida no sentido: a) de 
que existam partes, um autor e um réu; b) que o juiz não 
seja uma delas, pois ninguém é juiz em causa própria (Nemo 
j h h rem suam); c) que o juiz seja "independente", isto 
é, não subordinado nem ao autor nem ao réu, o que im- 
plicaria, em última análise, na transformação de uma das 
partes em juiz. Jurisdição implica, pois, em heterorregu- 
lação: regulação de relacjks estranhas ao julgador; não de 
relações de que seja parte. 
Na jurisdição civil, abstraídos os casos em que o 
próprio Estado seja uma das partes, não há dificuldade 
em se ver no juiz um terceiro, independente e imparcial. 
Todavia, na jurisdição penal (e essa é a crítica mais 
contundente à caracterização da jurisdição a partir da 
idéia de imparcialidade), não se pode olvidar que o juiz 
é órgão do Estado e, portanto, está o Estado a regular 
relação entre ele próprio e o acusado e não relação a que 
seja estranho. Ademais, no âmbito penal, não é rara a 
atribuição, ao juiz, da dupla função de acusar e de julgar 
(processo inquisitório), caso em que sequer há um autor. 
A essa dupla objeção se pode responder dizendo que, 
realmente, não é senão através do artifício da distinção 
entre Estado-juiz e Estado-acusador, que se atribui ao 
julgador a condição de terceiro. Parcializa-se o Ministério 
Público, para que se possa ter um juiz imparcial. Trata-se, 
sim, de um artiflcio, mas que atinge o seu objetivo. A 
jurisdição penal é possível porque se pode separar a função 
de acusar da função de julgar. Há possibilidade lógica, 
porque o juiz, embora seja órgão do Estado, não se con- 
funde com o Estado (a parte não se confunde com o todo 
em que se integra). Há possibilidade psicológica, porque 
nada impede que o juiz se posicione com independência 
em face de outro órgão do Estado. Há possibilidade jurí- 
dica, porque se pode atribuir a órgãos diversos as funções 
essencialmente diversas de acusar e de julgar. Quanto ao 
processo penal inquisitório, já não existe no Brasil (Cons- 
tituição Federal, art. 129, I). Se existisse, caberia falar de 
uma "função de administração da justiça", sem cariiter 
jurisdicional. 
Por fim, observa-se que, "de fato", pode ocorrer que 
o juiz não seja nemindependente nemimparcial, sem que 
isso afete os efeitos da sentença. fi que, no composto 
"poder jurisdicional", desaparecido o jurisdicional, resta 
ainda a realidade bruta do poder. Que isso não surpreen- 
da, porque o Direito não representa senão um imenso 
esforço para coibir o arbítrio e transformar a força bruta 
em justiça. 
6. JURISDIÇÁO E J U ~ O FINAL 
Os egípcios acreditavam que, morrendo, com- 
pareceriam ante um tribunal, presidido por Osiris, para 
receber punição ou recompensa. No "Livro dos Mortos", 
que se costumava depositar nos túmulos, se lia: "Não fiz 
mal, não cometi violências, não roubei, não matei, não 
menti, não fiz ninguém chorar." 
Os cristãos ainda hoje acreditam que, desaparecido o 
mundo, extintas as estrelas e transformado o Sol em 
globo de fuligem, todos ressuscitarão e serão julgados por 
Deus, que os chamará à luz da eterna presença ou os 
abandonará às trevas da eterna ausência (PAPINI). 
Como se comporta a idéia de jurisdição, em face do 
juízo final? 
Para caracterizá-la, os juristas têm lançado mão de 
quatro idéias fundamentais. Vejamos como reage cada 
uma delas em face do juízo final. 
Conforme CEIIOVENDA, o juiz, no exercício da 
jurisdiçao, substitui uma das partes, ou ambas, ou todos 
os cidadãos, exercendo atividade que lhes incumbiria 
primariamente. Na expressiva imagem de CALA- 
MANDREI, é como se, havendo alguém se obrigado a 
tocar flauta, se pusesse o juiz a tocar em lugar dele. 
Ora, no juizo final, Deus não está a substituir quem 
quer que seja. Muito menos a lacrimejante criatura, 
prostrada a seus pés, no infinito terror do inferno eterno 
- Afastai-vos de mim, malditos! - onde haverá choro e 
ranger de dentes. 
Na verdade, a idéia de substituição não explica nem 
sequer a jurisdição terrestre, porque esta é atividade 
primária do Estado, especialmente em matéria penal. 
Por isso, a idéia chiovendiana, de caracterizar a juris- 
dição como atividade substituta, somente é admissivel 
como afirmação de que ela se constitui em sucedâneo da 
defesa privada. O Estado, de modo especial na execução, 
se interpõe entre as partes e substitui o credor, no e- 
xercício de seu poder sobre o devedor. Por essa via, a 
idéia de substituição acaba por confluir com a de impar- 
cialidade, como nota típica da jurisdição. 
Mas, vestida a jurisdição com as vestes da impar- 
cialidade, impõe-se concluir que o último juízo não terá 
caráter jurisdicional. Nele não se vislumbra intervenção de 
um terceiro imparcial, numa relação intersubjetiva, com o 
escopo de regulá-la. Tampouco nele se enxerga qualquer 
resquício de defesa privada. Não há partes. A criatura se 
encontra só, ante seu Criador. h verdade que, no processo 
penal, temos uma situação similar: o acusado, só, ante o 
Estado. Todavia, com o artificio da separação dos poderes 
e da entrega da função acusatbria ao órgão do Ministério 
Público, consegue-se colocar o juiz, órgão do Poder 
Judiciário, na situação de terceiro imparcial, entre o Es- 
tado - administração e o acusado. Nada disso é admissivel 
no juízo final. Tudo se consumou, dissiparam-se todos os 
artifícios. 
E a idéia de lide? Ela não serve sequer para explicar 
o processo penal. Quando o marido enciumado matou a 
Colombina, em sua disputa com o Arlequim, extinguiu-se 
a lide, pelo perecimento de seu objeto. 
Lide supõe pretensão, ato de exigir algo de outrem. 
Ora, quando o Ministério Público exerce a pretensão 
punitiva, é do juiz que ele exige a punição, não do cul- 
pado. Portanto, a lide, objeto do processo penal, ocor- 
reria entre o acusador e o juiz: um verdadeiro disparate! 
A idéia de lide, que já não resiste ao processo penal, 
menos ainda resiste ao juizo final. Nele não se buscará 
compor quaisquer conflitos de interesses, qualificados ou 
não por pretensões resistidas. Acabou-se a busca desen- 
freada de bens. Aqueles fragmentos de terra, pequenos 
ou grandes, que deram origem a inumeráveis contendas, 
já não têm nenhuma importância. As histórias, milhões 
de vezes repetidas, de lutas pelo poder e por ambição de 
mando, tornaram-se todas desconexas, quase inveros- 
símeis. Extinguiram-se o desejo de sexo e as lutas 
provocadas pelas fêmeas. Já não há lides. Já não há vida. 
Na verdade, apenas a concepção da jurisdição como 
coisa julgada é que resiste ao teste do juizo final. Em 
termos de imutabilidade, nada há que se lhe compare. 
Nele se encontraria, então, a jurisdição elevada ao seu 
mais alto grau: a jurisdição absoluta. 
Todavia, embora sirvapara explicar o juizo divino, 
refugamos a vinculação da atividade jurisdicional ao seu 
resultado, eventual, de produção de coisa julgada, porque 
não há coisa julgada na execução e, contudo, é nesta que 
melhor se delineia a razão histórica e lógica da jurisdição: 
um sucedâneo da defesa privada. Ademais, em processo 
penal, um habem-copus, um indulto ou uma anistia po- 
dem, a qualquer tempo, desconstituir a sentença conde- 
natória. 
Na verdade, entre o juízo divino e a jurisdição ter- 
restre existe um abismo, o mesmo abismo que separa o 
Criador da criatura. Por mais que os juizes se reputem 
melhores, mais sábios e mais nobres do que os juris- 
dicionados, certo é que, entre eles e as partes, não deixará 
nunca de existir a essencial igualdade derivada de sua 
igual condição humana. 
E, de outro lado, seremos tolamente imprudentes, se 
a Deus pedirmos justiça, no juízo final. Somente sua 
misericórdia poderá nos absolver. 
Sem a pretensão de uma definição "perfeita", tenho 
que a jurisdição se apresenta, na atualidade, sob três 
formas distintas: 
a) Em primeiro lugar, temos a jurisdição em sua 
forma clássica, como atividade do Estado preposta à 
tutela de direitos subjetivos, públicos ou privados, quer 
se trate de direitos de crédito, quer de direitos for- 
mativos. 
Enquadra-se nessa categoria a açáo declaratória da 
autenticidade ou falsidade de documento. Se o documen- 
to não serve à prova de direito nenhum, o autor é 
carecedor de ação, por falta do interesse de agir. 
b) Em segundo lugar, temos as hipóteses de tutela de 
interesses públicos, mediante ação. 
Em principio, o Estado tutela o interesse público 
mediante atividade administrativa Há, contudo, casos 
que tendem a ser cada vez mais numerosos, em que se 
prefere a via jurisdicional. 
Integra-se nesse grupo, em primeiro lugar, a ação penal. 
O interesse público de punir, isoladamente considerado, 
seria mais bem atendido mediante atividade ad- 
ministrativa. Prefere-se, porém, avia jurisdicional, a fim de 
se tutelar também o interesse individual do acusado de se 
subtrair à imposição da pena. Aí, o cerne da profunda 
diferenq entre a jurisdição civil e a peaal: a jurisdição civil 
existe em h ç ã o da açáo; a jurisdição penal, em função da 
defesa. 
Também tutelam interesses públicos ou difusos: a ação 
direta de declaração de inconstitucionalidade, a ação civil 
pública, a ação popular e o mandado de injunção. 
Não há identidade entre a tutela de direitos subjetivos e 
a de interesses públicos, embora urna e outra se enquadrem 
na ampla categoria da jurisdição conteniosa É por 
isso, certo cuidado, para não se transpor indevidamente 
princípios próprios de uma categoria para a outra. 
c) Temos, por fim, a jurisdição voluntária, atividade do 
Estado preposta à tutela de interesses privados. 
Sob outro aspecto, temos que a jurisdição pode ser 
definitiva, mediante cognição ou mediante execução. E 
pode, também, ser provisória, caso da chamada tutela 
cau telar. 
Ajurisdiçáo voluntária se exerce mediante atividade de 
wgni@o, mas sem a característica de imutabilidade, o que 
toma, quanto a ela, menos útil a distinção entre tutela 
definitiva e tutela provisória. Inegável, contudo, a exis- 
tência de medidasautelares de jurisdição voluntária (v.g. 
a liminar de suspensão da tutela, CPC, art. 1.197). O que 
não há é execução de jurisdição voluntária. 
Podemos, então, traçar o seguinte esquema: 
(Tutela de direitos subjetivos, 
piiblicos ou privados; 
Tutela de interesses piíblicos, 
mediante açáo). 
SWnári0:- 1. I w ã o - 2 Jurlr&Oo voluntária - Con- 
ceito e chsificação - 3. T#da de pessoa incertas - 3.1. 
Nascituro - 3.2 Testamentos - 3.3. H q a jacente - 3.4. 
Cokas w q p - 4. Tutela de incapazes - 4.1. Párrio poder - 
4.2 Busca e apeemão de incapaz - 4.3. Famfua substituta - 
4.4. Comiderações sobre a açdo par ato i n . M - 4.5. 
Cwrrtela - 4.6 Auêhcia - 4.7. Alienação, mrendamento ou 
oneração de imóvek de incapazes - 4.8. Emancipaçáo - 4.9. 
Casamento de menores - 5. T d a em atos da vidapivada - 
5.1. Regisms públicos - 5.2 Fundações - 5.3. &amem - 
5.4. Alienação de imóveis do c 8 & e e de bens dotais - 5.5. 
Ewtinçdo de usujiuto e de jideicomísso - 5.6. htestos , 
nofificaçdes e interpehções - 5.7. Sepanrçbo e d i v b ~ w con- 
se& - 5.8. Sepamção de corpos - 5.9. Conrideraççdes 
sobre a alienação de coira comum - 5.10. Alienação de 
quinhão em coisa comum - 5.11. E s p e c i a l ~ ã o de hipoteca 
legal - 5.12 Consideraçbes sobre a alienaçbo de bens 
depositados judicialmente - 6 Tutela da prova de fatos 
jurídicos. Medidas probatóriar - 61. Juh'ficaçdo - 6 2 
ComideraçBes sobre aprodução amc@ada de provas - 63. 
Comideraçóes sobre a eubiçdo de documento ac coisa - Z 
ilkneflcw da assktênciajudiciáM 
"Em 15 de novembro de 1815, narra SOLOMON 
MAYNARD, o irmão de Beethoven, Caspar Carl, mori 
reu tuberculoso, deixando viúva, Johanna, e um filho de 
nove anos, Karl. Beethoven imediatamente se movimen- 
tou para assumir a tutela exclusiva do rapaz. Seguiu-se 
um longo conflito em que Beethoven e a mãe do rapaz se 
enfrentaram em torno da concessão da tutela, com 
Beethoven saindo finalmente vencedor pírrico em 1820. 
Seis anos depois, em fins de julho de 1826, Karl tentou o 
suicídio num esforço bem-sucedido para livrar-se da 
dominação do seu tio, cuja proteção sufocante se tornara 
finalmente insuportável." 
Em transgressão direta da última vontade do irmão, 
que se pronunciara pela tutela conjunta, Beethoven re- 
clamou a tutela exclusiva. Dirigiu-se ao Landrecht, o 
tribunal que tinha jurisdição sobre questões de natureza 
cível envolvendo a nobreza, afirmando que Johanna ca- 
recia de quali-dades morais e intelectuais suficientes. 
Invocou a circunstância de Johanna, ainda vivo Caspar, 
haver sido condenada por furto de dinheiro de seu 
marido. Na pior das hipóteses, Johanna furtara o seu 
próprio dinheiro, pois levara para o casamento um dote 
considerável e tinha herdado do pai a grande casa em 
Alsevorstadt onde ela e o marido viviam e que Ihes 
proporcionava uma substancial renda de aluguel. A acu- 
sação de desvio de dinheiro fora especiosa, mas tecnica- 
mente correta sob aleivienense. A09 de janeiro de 1816, 
o Landrecht deu ganho de causa a Beethoven. Karl foi 
tirado de sua mãe e colocado na escola particular para 
rapazes de Cajetan Giannatasio de1 Rio, permitidas visi- 
tas de sua mãe, desde que acompanhada de um repre- 
sentante de Beethoven. 
Quando, mais tarde, em 1818, Beethoven levou Karl 
para sua própria e desordenada casa, Johanna reatou 
esforços no sentido de contestar a tuteh. Dirigiu-se ao 
Landrecht, alegando que lhe tinha sido barrado o acesso 
ao filho, que as condições morais, educacionais e físicas 
do rapaz deixavam muito a desejar e que a excentricidade 
e a surdez de Beethoven eram suficientemente notórias 
para justificar sua remoção. 
Ouvido, Beethoven traiu-se, vindo a declarar que não 
tinha nenhuma prova de sua nobreza. Ao inteirar-se da 
impostura de Beethoven nessa questão, o Landrecht 
afastou o caso de sua jurisdição, numa declaração de 18 
de dezembro de 1818: "Pelo depoimento de Ludwig van 
Beethoven, como a cópia anexa das minutas da sessão de 
11 de dezembro do corrente ano deste tribunal mostra, 
parece que ele é incapaz de provar sua nobreza; por 
conseguinte, a matéria da tutela é transferida para o 
Magistrat7', sendo esta a instância civil que tinha 
jurisdição sobre casos que envolviam cidadãos comuns. 
O Magistrat não viu com bons olhos a posição de 
Beethoven no litígio. Karl foi devolvido à mãe por várias 
semanas no começo de 1819 e, a 17 de setembro, promul- 
gou sua decisão, concedendo a tutela a Johanna, com 
Leopold Nussbock como co-tutor. 
Beethoven recorreu ara o Real e Imperial Tribunal 
de Apelação da Baixa 1ustria que, a 10 de janeiro de 
1820, solicitou um relatório minucioso de todo o processo 
à instância inferior. O Magktrat respondeu: 
"a. que o Recorrente, emvirtude do seu defeito 
físico e por causa da inimizade que nutre em 
relação à mãe do tutelado, é considerado inapto 
para exercer a tutela. 
b. que a tutela pertence por lei à mãe natural. 
c. que o ter ela cometido um desvio de dinheiro 
do qual foi considerada culpada contra seu marido 
no ano de 1811 e pelo qual foi punida com prisão 
domiciliar por um mês sob vigilância policial, já não 
constitui impedimento na presente data". 
Apesar do caudal de ataques desencadeados por 
Beethoven contra o caráter e a moralidade de Johanna, 
nessa época começou a circular o extraordinário boato 
de que ele estava apaixonado por sua cunhada. 
Uma audiência perante o Magistrat teve lugar a 29 de 
março de 1820, por sugestão do Tribunal de Apelação. 
Os magistrados, conhecedores de que influências polí- 
ticas tinham sido acionadas, mostraram-se conciliadores, 
mas recusaram-se a revogar a decisão anterior, mas, a O8 
de abril, o Tribunal de Apelação decidiu a favor de 
Beethoven. 
Karl fugiu para a mãe. Foi rapidamente recambiado 
para Beethoven. 
Meses depois, grávida de Johann Hofbauer, Johanna 
veio a dar à luz uma menina. Deu-lhe o nome de Iudovica, 
a forma feminina de Ludwig, "um testemunho fantástico da 
força do vínculo existente entre os antagonistas desse 
drama", conclui o biógrafo. (SOLOMON, Maynard. 
Beethoven. Rio de Janeiro, Zahar, 1987, pp. 311-35). 
Essa longa luta entre Beethoven e sua cunhada, pela 
posse do pequeno Karl, serve para nos situar no âmago 
da distinção entre jurisdição contenciosa e jurisdição 
voluntária. 
Observa-se que, no plano concreto, é inegável, no 
caso, a existência de um conflito de interesses entre os 
litigantes. 
Isso, porém, não basta para se caracterizar a hipótese 
como de jurisdição contenciosa Precisamos ir além, e 
indagar da finalidade, em abstrato, da tutela jurisdicional. 
Trata-se de afirmar a existência de direito subjetivo de 
um contendor em face do outro, isto é, de afirmar a 
prevalência de um dos interesses em conflito? A 
hipótese, então, é, sim, de jurisdição contenciosa Trata- 
se, pelo contrário, de tutelar o interesse único da criança, 
buscando-se a solução que melhor lhe convenha? Então, 
a hipótese é de jurisdição voluntária. 
Certamente como tal é que seria vista, hoje, a longa 
luta de Beethoven pela tutela de seu sobrinho. Crianças 
não são ariimaizinhos de estimação, sobre as quais caiba 
exercer direitos possessórios. 
Mas, certamente, essa não seria a opinião de 
Beethoven, convencido de que estava a reivindicar legiti- 
mamente seu direito de exercer a tutela 
Conceito e classincação 
Observamos atrás que, para caracterizar a jurisdição, 
tem-se lançado mão de quatro idéias fundamentais: subs- 
tituição, lide, imparcialidade e coisa julgada. 
Buscou-se, assim, caracterizar a jurisdição, com os 
olhos postos na jurisdição contenciosa. 
Entretanto, mesmo deixando-se de lado o processo 
penal, em que nenhuma dessas idéias se mostra inteira- 
mente satisfatória, no campo mesmo do processo civil, há 
atividades-fim, exercidas pelos juízes, até mesmo com a 
observância do método processual, caracterizado por 
seus dois princípios fundamentais, 9 da ação e o do 
contraditório, que não se encaixam nos parâmetros da 
substituição, da lide ou da imparcialidade, ausente, ou- 
trossim, o efeito de coisa julgada. São os casos de 
jurisdição voluntária, cujo caráter jurisdicional é negado 
por uns e afirmado por outros. 
Escreveu CHIOVENDA: "qualificou-se com o nome 
romano iurisdktio voluntaria na doutrina e na prática do 
processo italiano medieval aquele complexo de atos que 
os órgãos judiciais realizavam em face de um único 
interessado, ou sob o acordo de vários interessados, in 
valentes." 
"Caráter da jurisdição voluntária não é (...) a ausência 
de contraditório, mas a ausência de duas partes. 
A jurisdição voluntária é (...) uma forma especial de 
atividade do Estado, exercitada em parte pelos órgãos 
judiciários, em parte pelos administrativos, e 'perten- 
cente à função administrativa', embora distinta da massa 
dos atos administrativos, por certos caracteres par- 
ticulares." (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de 
Direito Processual Civil, 2-! ed., São Paulo, Saraiva, 1965, 
v. 2, pp. 16-7). 
Modernamente, tende-se a considerar jurisdicional 
também a jurisdição voluntária, como observa CAR- 
NELUTTI: o estudo comparativo da jurisdição 
voluntária e da jurisdição contenciosa não s6 reforçou a 
opinião de que também aquela é verdadeira e própria 
jurisdição, mas também apontou para a presença ou 
ausência de lide e, portanto, para a presença de duas 
partes ou de apenas uma (ou melhor, de dois interesses 
ou de um interesse único) como caráter diferencial entre 
uma e outra espécie de jurisdição. Reconheceu-se, assim, 
que pode haver processo civil sem lide e, pois, com uma 
s6 parte (em sentido "material"); e, assim como a 
jurisdição, dividiu-se o processo em "contencioso" e 
"voluntário". O processo voluntário, portanto, não é mais 
considerado uma forma processual anômala, mas como 
um dos dois tipos normais de processo civil. (CAR- 
NELUlTI, Francesco. Princlpii de1 processo penale. 
Napoli, Morano, 1960, pp. 48-9) 
Penso que se deva definir como jurisdicional a 
atividade própria do Poder Judiciário. Cabe, então, in- 
dagar, quanto à jurisdição voluntária, se haveria razão 
para atribui-la ao Poder Executivo. 
Ora, a jurisdição voluntária importa em tutela de 
interesses privados, o que justifica sua exclusão do âmbito 
da Administração, porque desta se espera que busque o 
interesse público. Como observa EDSON PRATA, são 
duas situações bastante díspares: a administração busca o 
interesse público; a jurisdição voluntária, o interesse 
privado. "Pouco importa que na busca do interesse privado 
esteja tamb6m presente o interesse público, mediata ou 
imediatamente. O certo é que os interesses são radical- 
mente diferentes." (PRATA, Edson. JurrSdição voluntária. 
Sáo Paulo, Universitária de Direito, 1979, p. 75). 
Certo, não é difícil apontar casos de tutela de interes- 
ses privados por órgãos da Administração, destruindo-se, 
assim, a afirmação fundamental de que a atividade ad- 
ministrativa jamais tutela interesses privados. 
Tome-se, como exemplo, a homologação de transação 
extrajudicial. O ato homologatório, quando judicial, sem 
dúvida constitui ato de jurisdição voluntária. O ato, porém, 
pode também ser praticado pelo Ministério Público (Lei 
7.244184 - Lei das Pequenas Causas - art. 55, parágrafo 
único), que, sem dúvida, não integra o Poder Judiciário. 
Cabe, então, perguntar onde se encontra a anomalia: 
se na atribuição, ao juiz, de ato que teria natureza ad- 
ministrativa; se na atribuição, ao Ministério Público, de 
ato que teria natureza jurisdicional. 
A resposta se há de buscar na história da partilha das 
competências entre os três Poderes. Atribuiu-se ao 
Poder Judiciário o monopólio da jurisdição contenciosa. 
Atribuiu-se-lhe, também, mas sem caráter monopo- 
lístico, a tutela de interesses privados, isto é, a jurisdição 
voluntária 
Tem-se, então, que o ato de homologação de acordo 
extrajudicial é, por natureza, ato de jurisdição voluntária. 
A anomalia, portanto, estaria, não na atribuição ao 
Judiciário de uma atividade pretensamente administra- 
tiva, mas na atribuição, ao Ministério Público, de uma 
atividade de jurisdição voluntária. Não há, porém, aí, 
qualquer inconstitucionalidade, porque, como bem nota 
HUGO NIGRO M A Z Z W , "apenas a jurisdição con- 
tenciosa é privativa do Poder Judiciário". (Acordos 
celebrados perante o Ministério Público. Justitia, São 
Paulo, (130): 44-7, jul./set., 1985). 
Os processosde jurisdição contenciosavisam à tutela 
de direitos subjetivos, públicos ou privados, bem como às 
tutelas de interesses públicos mediante ação. 
Os processos de jurisdição voluntária visam à tutela 
de interesses privados. 
Não basta, porém, a idéia de direito subjetivo, con- 
traposta à de interesse, para se determinar a espécie de 
jurisdição de que se trata, até mesmo porque o próprio 
direito subjetivo, na definição de JHERING, é um 
interesse juridicamente protegido. 
Precisamos, então, lançar mão de uma idéia com- 
plementar, que é a de lide: não, porém, a idéia de lide 
concreta, como ela se nos apresenta como fato da vida, 
mas urna idéia de lide abstrata, idealizada, desencarnada, 
tal como se apresenta ao legislador, ao dar forma ao 
processo. k evidente que, na luta, cheia de ódio, dos pais 
pela posse dos filhos há um conflito de interesses, qua- 
lificado por uma pretensão resistida, assim como ter um 
interesse escuso o requerente da interdição. Contudo, 
em ambos os casos, nega-se a existência de lide, porque 
em processos tais, não se trata de compor um connito de 
interesses entre os contendores, mas de se encontrar a 
melhor solução, para se atender a um interesse "único": 
o da criança ou o do interditando, respectivamente. 
Para determinar, pois, a espécie de jurisdição de que se 
trata, convém formulemos duas perguntas, a saber:(l) 
trata-se de tutela de interesse público ou de tutelar eventual 
direito subjetivo em face do@) sujeito+) passivo(s)? (2) 
trata-se de processo em que o interesse de agir se compõe 
pela alegação, expressa ou implícita, de um conflito de 
interesses, entre quem pretende a subordinação do interes- 
se alheio ao próprio e quem resiste? 
Se a resposta é afirmativa, para ambas as perguntas, 
a hipótese é de jurisdição contenciosa; basta uma 
negação para que se tenha jurisdição voluntária. 
A relevância da distinção entre as duas formas de 
jurisdição diz respeito sobretudo ao grau de subor- 
dinação das partes aos poderes do juiz. Em se tratando 
de jurisdição contenciosa, não pode o juiz senão entregar 
a cada um o que é seu, independentemente de qualquer 
critério de conveniência ou de oportunidade; em se 
tratando de jurisdição voluntária, o juiz não é obrigado a 
observar critério de legalidade estrita, podendo adotar 
em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou 
oportuna (CPC, art. 1.109). 
Também ALCIDES DE MENDONÇA LIMA lança 
mão da conjugação das idéias de lide e de direito sub- 
jetivo para caracterizar a jurisdição como contenciosa ou 
voluntária. Diz: 
"Na jurisdição contenciosa, é essencial um con- 
flito de interesses, um litígio, decorrente de 
pretensão insatisfeita e, em regra, resistida pelo 
réu." 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
"Na jurisdição contenciosa, o juiz tem o dever de 
não omitir-se quanto à norma protetora dos direitos 
subjetivos correspondentes. Não há hipótese de 
deixar de fazer a incidência, cabendo, na sentença, 
indicar apenas o destinatário favorecido. Por con- 
seguinte, autor e réu têm o direito de obter a 
prestação jurisdicional, com o reconhecimento da 
pretensão pleiteada conforme o direito pertinente à 
.espécie sub judice. Já na jurisdição voluntária, a 
mesma se desenvolve para atender apenas a 'interes- 
ses' ou a 'direitos' (conforme o termo empregado, 
com relativa sinonímia), desde que haja conveniik- 
cia ouvantagempara o titular ou titulares, consoante 
entenda o juiz com discricionariedade. Inexiste a 
obrigação de o juiz cumprir preceito de direito ob- 
jetivo, como acontece na contenciosa". (LIMA, AI- 
cides de Mendonça. Comenfáiios m Código & 
PLocmo Civü. São Paulo, Revista dos Tribunais, 
1982, pp. 18-9). 
Ressalva-se, porém, que, para o citado autor, a 
jurisdição voluntária não é, como sustento, espécie de 
jurisdição, mas atividade administrativa exercida pelo 
juiz. 
Os processos de jurisdição contenciosa supõem par- 
tes, em sentido material e formal. São estruturados, em 
abstrato, por lei, para a decisão, pelo juiz, de uma lide, 
real ou presumida. São informados por dois grandes 
princípios, o da imparcialidade, motivo por que supõem 
açãa, e o da legalidade, no sentido de que servem à tutela 
de direitos subjetivos. 
A jurisdição contenciosa envolve, pois, as idéias cone- 
xas de partes, de conflito de interesses e de lide. 
O processo de jurisdição contenciosa é processo de 
partes, no sentido de que supõe um conflito de interesses 
entre pessoas diversas, partes em sentido material. 
Mais ainda: pressupõe-se a existência de uma lide, 
isto é, de um conflito de interesses não apenas potencial, 
mas em ato, ou seja, qualificado por uma pretensão resis- 
tida. Contudo, tais são suposições de normas legais 
abstratas e, portanto, apenas em abstrato é que cabe 
examinar o pressuposto da lide. A existência ou ine- 
xistência de lide, em concreto, é irrelevante. Pressupõe- 
se, em abstrato, uma lide que, em concreto, pode 
inexistir, por ausência de conflito entre as partes. Assim, 
uma ação de cobrança pode resultar de um acordo entre 
o autor e o réu, para fraudar terceiros (ação em fraude 
de credores). Nem por isso se há de qualificar tal ação 
como de jurisdição voluntária. A ação de cobrança se 
inscreve entre os processos de jurisdição contenciosa a 
partir do confiito de interesses suposto pelo legislador. 
No caso das açóes constitutivas necessárias, a lide é 
presumida juris et de jure. Essa é a razão pela qual o juiz 
não pode senão indeferir o pedido de anulação de 
casamento que, em petição conjunta, lhe formulem os 
c6njuges. Eles têm que simular uma lide, propondo um 
deles a ação, com citação do outro, para contestá-la. É 
nomeado um "curador do vínculo", para suprir a falta real 
de um conflito de interesses. 
De igual modo, no processo penal, não poderia o juiz 
senão indeferir o pedido de aplicação da pena que 
formulassem em conjunto acusador e acusado. É preciso 
que o Ministério Público proponha a ação, promova a 
citação do réu e produza as provas do crime ou 
contravenção, para que o juiz possa aplicar qualquer 
pena. 6 irrelevante a inexistência de lide em concreto. O 
processo penal não se transforma em processo de 
jurisdição voluntária pelo fato de o Ministério Público 
requerer a absolvição ou de o acusado concordar com a 
denúncia. 
Os processos de jurisdição contenciosa pressupõem 
partes não s6 em sentido material (conflito de interesses 
entre pessoas diversas), mas também em sentido formal, 
isto é, a existência de pedido formulado por uma das 
partes, ou substituto processual, em face da outra. Não 
há jurisdição (contenciosa) sem ação. 
Não se pode, contudo, negar a existência histórica de 
processos de iniciativa do próprio juiz. Põe-se, então, em 
xeque, o princípio da imparcialidade. Se esta é, não 
obstante, preservada, assim como preservado o princípio 
da legalidade estrita, pode-se ver, em tais processos, uma 
fórmula híbrida: processos iniciados por um ato ad- 
ministrativo do juiz que, em seguida, assume a sua ver- 
dadeira condição de terceiro imparcial. Se o próprio 
princípio da legalidade estrita é afetado, pela descon- 
sideração de eventuais direitos subjetivos de uma das 
partes, o processo se descaracteriza como jurisdicional 
contencioso. Ingressamos no campo da jurisdição volun- 
tária; se o fim visado é a tutela de interesses privados; no 
campo da administração da justiça, se visada a tutela de 
interesses públicos ou difusos. 
Tende-se, cada vez mais, a regrar a administração, 
sujeitando-a ao princípio da legalidade. É ineliminilvel, 
porém, um vasto campo de decisões sujeitas a critérios 
de conveniência e de oportunidade. 
Na jurisdição contenciosa observa-se o princípio da 
legalidade estrita, no sentido de que o juiz deve decidir 
em função da existência ou inexistência de direitosub- 
jetivo. 
A decisão judicial da lide importa, pois, na afirmação 
de direito subjetivo de uma parte em face da outra, 
motivo por que a decisão é firma (produz coisa julgada) 
e não sujeita a revisão por critérios de conveniência ou 
de oportunidade. 
Não há, todavia, produção de coisa julgada aos 
processos de execução, por ausência de declaração, e nos 
processos cautelares, porque nestes o juiz profere 
decisão provisória, necessária em face de penculum in 
mora. 
A jurisdição voluntária não é incompatível com as 
idéias de ação e de partes em sentido formal. De regra, o 
procedimento tem início por provocação do interessado 
ou do Ministério Público (CPC, art. 1.104). Frequente- 
mente, o requerente formula pedido em face de outrem, 
podendo-se, pois, falar de ação e de partes em sentido 
formal. Todavia, tampouco há incompatibilidade entre a 
jurisdição voluntária e a iniciativa judicial do processo. 
A jurisdição voluntária é protetiva de interesses 
privados, o que, conjugada com a ausência de partes em 
sentido material, exclui a imparcialidade como nota sua. 
Não se trata de afirmar ou negar, nem de fazer valer 
direito subjetivo de uma parte em face da outra. Em 
muitos casos, há apenas a relação requerente-juiz, como 
nas hipóteses de tutela de pessoas incertas. Em outros, 
trata-se, sim, de regular uma relação intersubjetiva, mas 
não entre o autor e o réu, nem entre qualquer deles e o 
substituído processual do outro. É o caso da destituição 
do pátrio poder. A criança não é parte, embora sofra os 
efeitos da sentença. Finalmente, em casos limítrofes à 
jurisdição contenciosa, trata-se efetivarnente de regular 
relação intersubjetiva entre o autor e o réu, advindo a 
qualificação da hipótese como de jurisdi ão voluntária da H exclusão da idéia de direito subjetivo. o caso, vg., da 
separação de corpos concedida sem caráter cautelar. O 
marido é expulso do lar, concedendo-se à mulher o uso 
exclusivo da morada comum, sem afirmar-se direito sub- 
jetivo seu, porquanto o marido pode até mesmo ser o 
proprietário único do imóvel. 
Porque não se trata de tutelar direitos subjetivos, o 
juiz, na jurisdição voluntária, não está obrigado a obser- 
var o critério legalidade estrita (CPC, art. 1.109). 
Critérios de conveniência ou de oportunidade podem ser 
levados em consideração. Como corolário, da jurisdição 
voluntária não decorre coisa julgada material. A sentença 
poderá ser modificada, sem prejuizo dos efeitos já 
produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes, 
diz o art. 1.11 1 do Código de Processo Civil. 
"A jurisdição voluntária", ensina 0VfD10 BAFTIS- 
TA DA SILVA, "distingue-se da contenciosa em que na 
primeira não há jurisdição 'declarativa' de direitos, o que 
é responsável pela ausência de coisa julgada, deter- 
minada pela maior relevância da eficácia constitutiva da 
sentença proferida em processo de jurisdição voluntária, 
justamente em detrimento da eficácia declaratória". 
(Curso Processo Civil. Porto Alegre, Fabris, 1987, v. I, p. 
36). ALLORIO já observara que, na sentença cons- 
titutiva, proferida em sede contenciosa, o juiz declara que 
a mudança "devia" se produzir, porque presentes o s 
pressupostos legais (Problemi di Dintto. Milano, Giuffrè, 
1957, v. 2). 
Distingue-se, assim, a sentença constitutiva neces- 
sária, proferida em processo de jurisdição contenciosa, 
da sentença também constitutiva, produzida em processo 
de jurisdição voluntária Também CHIOVENDA já ob- 
servara: "encontramos no campo do processo, vale dizer, 
na jurisdição (contenciosa), sentenças constitutivas 
também, isto é, às quais se prendem novos estados 
jurídicos, e isso para alguns representa uma dificuldade. 
Mas as sentenças constitutivas contêm a atuação de um 
direito à constituição de um novo estado jurídico, direito 
correspondente a um sujeito jurídico contra outro. Pelo 
contrário, a constituição ou desenvolvimento de estados 
jurídicos, ocorrente na jurisdição voluntária, não atua um 
direito correspondente a Ticio contra Caio" (Imtituições. 
São Paulo, Saraiva, 1965, v. 11, p. 19). 
Em suma: na sentença constitutiva proferida em 
processo de jurisdição contenciosa, o juiz declara e cons- 
titui, sendo a eficácia declaratória suficientemente forte 
para que se produza coisa julgada material. Na sentença 
constitutiva proferida em processo de jurisdição 
voluntária, é mínimo o efeito declaratório, o que explica 
a ausência de coisa julgada. Não se afirma, por exemplo, 
que o nomeado tenha direito subjetivo à tutela. 
AS vezes há tão-a6 declaração de que foram 
preenchidos os requisitos legais e, eventualmente, também 
da conveniência do ato, como ocorre na autorização para 
alienação de imóvel de incapaz. 
Quanto aos atos administrativos: comportam, mas 
não exigem, a presença de partes, quer em sentido 
material, quer em sentido formal. São, de regra, 
praticados de ofício. Visam à tutela de interesses públicos 
ou difusos. 
O art. 1.104 do CPC exige provocação do interessado 
ou do Ministério Público, mesmo em procedimento de 
jurisdição voluntária. Todavia, havendo urgência, bem 
como nos casos de tutela de pessoas incertas, "admite-se 
e até se exige a iniciativa judicial, como acontece nas 
alienações judiciais, herança jacente, arrecadação de 
bens de ausentes e alguns outros procedimentos man- 
tidos pela forma do Código de 1939 (SANTOS, Ernane 
Fidelis dos. Introdução ao Direito Processual Civil 
Brasileiro. Rio, Forense, 1978, p. 23). 
Aplicam-se "na jurisdição voluntária os mesmos 
princípios da capacidade processual, contidos no Título 
I1 do Livro I. Ressalva-se, porém, em alguns casos, pela 
pr6pria natureza da matéria, a necessidade de se alargar 
a capacidade de requerer em juízo, como acontece na 
emancipação requerida pelo menor e nos casos de supri- 
mento para casamento, quando injustamente haja 
discordância dos pais." (Id Bid, p. 24). 
O art. 1.109 estabelece não estar o juiz, na jurisdição 
voluntária, obrigado a observar critério de legalidade 
estrita. "No entanto, é preciso que se acautele, com 
máximo rigor, no entendimento do que seja 'critério de 
legalidade estrita'. Em primeiro lugar, deve-se atentar 
para o fato de que tal faculdade não quer significar 
permissão de praticar ilegalidade. Em segundo lugar, o 
abandono do critério de legalidade estrita s6 se pode 
verificar quando não fira direitos subjetivos dos interes- 
sados. Em conseqüência, a conclusão a que se chega é 
que o abrandamento da legalidade estrita só é 
autorizado nos casos de se permitir ou de se determinar 
prática, sem a formalidade que não lhe seja da essência, 
ou melhor dizendo, que não se integre na substância do 
ato. Como exemplo, podemos citar a possibilidade de 
dispensa de venda em hasta pública de bens pertencen- 
tes a incapazes tutelados e curatelados. Outro exemplo, 
nomeação de tutor ou curador, sem obedecer à 
gradação estabelecida na lei civil." (Id. Bid., pp. 25 e 
29). 
Da sentença proferida em processo de jurisdição 
voluntária não cabe ação rescisória, mas a de anulação do 
ato jurídico. "Um exemplo de caso concreto esclarece 
melhor a questão: A esposa requereu ao juiz suprimento 
judicial, para poder vender imóvel do casal, sem anuência 
do esposo. Alegou que ele estava em lugar incerto e não 
sabido, citando-o por edital. Cumpridas as fases 
procedimentais, o juiz deferiu o pedido e a venda foi 
realizada, mediante expedição de alvará, após o t r a i t o 
em julgado. Posteriormente, apareceu o marido e, 
alegando nunca ter estado em lugar incerto e não sabido, 
pretendeu a rescisão da sentença. Teve ele seu pedido 
indeferido liminarmente, pois a ação adequada para o 
caso seria não a rescisão da sentença autorizativa da 
venda, mas a de anulabilidade do próprio negócio 
jurídico, com fundamento em vício do procedimento de 
jurisdição voluntáriaque concluíra pela autorização do 
contrato." (Id Ibid., pp. 43-4). 
Em conclusão: a jurisdição contenciosa se vincula à 
existência de direitos subjetivos (direitos a uma 
prestação ou direitos formativos). Daí a existência 
necessária de partes em sentido material, isto é, dos 
sujeitos da relação intersubjetiva que será regulada por 
um terceiro imparcial, o juiz; na jurisdição voluntária 
não se trata de tutelar direitos subjetivos, mas de 
proteger interesses legítimos. Da inexistência de 
direitos subjetivos decorre o afrouxamento do princípio 
da legalidade, admitindo-se que o juiz decida por razões 
de conveniência e oportunidade, sem que se trate de 
atividade administrativa, porque pertinente a interesses 
"privados". 
A passagem da jurisdição contenciosa para a 
voluntária depende das concepções dominantes em uma 
dada sociedade, a respeito da existência ou inexistência, 
no caso, de direitos subjetivos. Assim, pode-se conceber 
a tutela ou a posse dos filhos como direito subjetivo do 
tutor ou do pai, caso em que as decisões judiciais concer- 
nentes à nomeação e remoção de tutor e à guarda dos 
filhos se enquadrariam na jurisdição contenciosa. Pode- 
se, pelo contrário, entender que, em se tratando de 
crianças, não têm os pais ou tutores verdadeiros direitos 
subjetivos sobre elas, porque crianças não são coisas, não 
são objeto de direitos. Nesse caso, as decisões concernen- 
tes à nomeação e remoção de tutor e à guarda dos filhos 
melhor se enquadram na jurisdição voluntária. 
Em alguns casos, a jurisdição voluntária se volta à 
tutela de pessoas incertas. Enquadram-se, aí, os casos do 
nascituro, dos testamentos de um modo geral, da herança 
jacente e das coisas vagas, em que não há lide. No caso 
particular da busca e apreensão de testamento, o que 
falta é a finalidade de tutela de direito subjetivo. Na 
hipótese de remoção de testamenteiro, não se cogita nem 
de lide nem de direito subjetivo. 
Em outros casos, a jurisdição voluntária se volta à 
tutela de incapazes. Enquadram-se, aí, os casos do pátrio 
poder, da busca e apreensão de incapaz, da família subs- 
tituta, da curatela, da ausência, de alienação de imóveis 
de incapazes, da emancipação e do casamento de 
menores, em que não se visa à tutela de direito subjetivo 
e em que, de regra, tampouco nos deparamos com lide. 
Terceira categoria compreende os casos em que a 
jurisdição voluntária se apresenta como participação do 
juiz em atos privados que constituem exercício de facul- 
dades jurídicas ou manifestações da capacidade de agir, 
bem como a atividade judicial dirigida à documentação 
ou publicidade de fatos jurídicos. Enquadram-se, aí, os 
casos dos wgistros públicos, das fundações, do casamen- 
to, da alienação de imóveis do canjuge, da extinção do 
usufruto, dos protestos, da separação e divórcio consen- 
suais, da alienação de quinhão em coisa comum e da 
especialização de hipoteca legal, em que falta o elemento 
"lide". Aseparação de corpos, conforme a concepção que 
dela se tenha, entra nessa categoria, por ausência de 
direito subjetivo, podendo ou não haver lide. 
Quarta categoria compreende os casos em que a 
jurisdição se volta à tutela da prova de fatos jurídicos. 
Enquadram-se, af, a justificação, por ausência de lide, a 
produção antecipada de provas, quando preparatória de 
processo de jurisdição voluntária, e a exibição de 
documento para apropriação de dados, esta por ausência 
de direito subjetivo à exibição. 
Temos, por fim, o caso do benefício da assistência 
judiciária, com que se trata de suprir, não a incapacidade 
jurídica, mas financeira, do beneficiado. 
Temos, pois, a seguinte classificação: 
1. Tutela de pessoas incertas. 
2. Tutela de incapazes. 
3. Tutela em atos da vida privada. 
4. Tutela da prova de fatos jurídicos. 
5. Assistência judiciária. 
\ 3. TUTELA DE PESSOAS INCERTAS 
"A personalidade civil do homem começa do 
nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a 
concepção os direitos do nascituro." (Código Civil, 
art. 4". 
"Suponha-se", observa S~LVIO RODRIGUES, "que 
um indivíduo morreu deixando esposa grávida; se a 
criança nascer morta, o patrimdnio do de cujus passará 
aos herdeiros deste, que podem ser seus pais, se ele os 
tiver; se a criança nascer viva, morrendo no segundo 
subsequente, o patridnio de seu pai pré-morto passará 
aos herdeiros do infante, no caso, sua mãe." (Direito Civil. 
Parte Geral, 18%d, São Paulo, Saraiva, 1988, pp. 37-8). 
O nascituro, embora não tenha personalidade, tem 
capacidade para adquirir por testamento. "Morto o tes- 
tador antes de seu nascimento, a titularidade da herança 
ou legado fica, provisoriamente, em suspenso. Se o nas- 
cituro nascer com vida, adquire naquele instante o 
domínio de tais bens. Se nascer morto, referidos bens são 
devolvidos aos herdeiros legítimos, ou ao substituto 
testamentário, retroagindo a devolução à data da aber- 
tura da sucessão." (RODRIGUES, Sílvio. Direito das 
Sucessões, 15%d., São Paulo, Saraiva, 1988, p.192). 
Vale a doação feita ao nascituro, sendo aceita pelos 
pais (Código Civil, art. 1.169). "Não tendo o nascituro 
personalidade, a qual s6 será adquirida se nascer com 
vida, a doação a ele feita se resolverá, se nascer morto. 
Isso porque ficará faltando, na relação contratual, a 
presença de um elemento básico, isto é, o donatário." (Id 
Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 16" 
ed., São Paulo, Saraiva, 1987, pp. 207). 
Para a proteçáo dos eventuais direitos do nascituro, a 
lei civil prevê a nomeação de um curador e a lei proces- 
sual, a posse em nome do nascituro. 
O art. 462 do Código Civil estabelece: 
"Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer, 
estando a mulher grávida, e não tendo o pátrio 
poder. Parágrafo único: Se a mulher estiver inter- 
dita, seu curador será o do nascituro". 
"O pressuposto fático da curatela é a incapacidade; o 
pressuposto jurídico, uma decisão judicial. Não pode 
haver curatela senão deferida pelo juiz, no que, aliás, este 
instituto difere do pátrio poder, que é de origem sempre 
legal, e da tutela, que pode provir da nomeação dos pais." 
(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito de FarníZia, 3" 
ed., Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 309). 
"Falecendo o pai, se a mulher estiver grávida, dar- 
se-à curador ao nascituro, no caso de não ter ela o pátrio 
poder, o que somente ocorrerá s e ~ d o ela incapaz por 
alienação mental ou lhe sendo retirada apaíria potestas 
por sentença" (Ibid pp. 313-4). 
Os arts. 877 e 878 do Código de Processo Civil 
autorizam a mulher grávida a requerer sentença que a 
declare investida na posse dos direitos que assistam ao 
nascituro. 
Se a.mãe é capaz, o juiz lhe defere a posse em nome 
do nascituro (CPC, art. 877). Se incapaz, o juiz nomeia 
curador ao nascituro (CPC, art. 878, parágrafo único). Se 
ela se encontra interdita, seu curador será automatica- 
mente o do nascituro (Código Civil, art. 462, parágrafo 
único). 
Aposse em nome do nascituro não é medida cautelar, 
embora submetida ao regime das cautelares, no que se 
refere ao procedimento. A incerteza é quanto ao nas- 
cimento com vida, e não quanto ao conteúdo de outra 
sentença. A tutela é preventiva e provisória, mas não há 
ação principal a ser proposta 
A posse em nome do nascituro é semelhante à posse 
de funcionário em cargo público. Inspiram-se ambos os 
atos na concepção civilistica da quase-posse das coisas 
incorpóreas. Expressivo, a propósito, o art. 878 do CPC, 
ao referir-se à posse de direitos. Em ambos os casos, 
preexiste a situação jurídica (a de nascituro desde a 
concepção e a de funcionário desde a nomeação), e- 
xigindo-se, porém, um ato posterior, de investidura, para 
que o titular de direitos possa exercer os atos que lhe 
competem (exercício dos direitos que assistam ao nas- 
cituro, exercicio dos atospróprios do cargo público). Em 
ambos os casos pode sobrevir caducidade: pelo nas- 
cimento sem vida, no caso do nascituro; pelo fato de o 
empossado não entrar em exercicio no prazo legal, no 
caso do funcionário. 
Não há dúvida de que, por detrás do processo de 
posse em nome do nascituro, pode haver um conflito de 
interesses entre este e os demais herdeiros do pai morto. 
Contudo, não se trata de processo estruturado para a 
composição de uma lide, motivo por que, para que se 
componha o interesse de agir da mãe, não é necessário 
que esta alegue qualquer resistência dos -demais her- 
deiros. Na verdade, a imissão da mãe na posse dos 
direitos do nascituro é indispensável, não para que se 
componha lide entre os herdeiros, como deixa claro o art. 
877,s 29, do CPC, mas para que a mãe possa representar 
o nascituro perante terceiros, que de modo algum são 
partes no processo; para que possa, por exemplo, votar 
em nome do nascituro em assembléia geral de sociedade 
an6nima. 
Não se cogita, pois, na hipótese assim examinada em 
abstrato, de uma lide entre herdeiros, sujeita a decisão 
judicial, daí o seu enquadramento no âmbito da jtirisdição 
voluntária. Trata-se, em última análise, de um ato solene, 
de constituição de um curador ao nascituro. 
Observa HUMBERTO THEODORO JÚNIOR que 
"o Código não determina a citação dos interessados, 
expressamente, mas também não a dispensa. " 
"Assim, por força do art. 812, impõe-se aplicar, com- 
plementarmente, o rito dos arts. 802 e 803, devendo os 
interessados serem citados para contestar o pedido em 
cinco dias (Sérgio Sahione Fade1 entende, também, que 
'deve haver ci&cia dos interessados'). 
- 
Aliás, o 52Qdo art. 877 faz presumir que os interes- 
sados integram a relação processual, pois dispõe que 
'será dispensado o exame se os herdeiros do falecido 
aceitarem a declaração da requerente', o que, como é 
óbvio, deve se dar no prazo de contestação." (Processo 
Cautelar, 5bd. , São Paulo, Universitária de Direito, 
1983, pp. 364-5). 
Também OVÍDIO exige a citação dos demais her- 
deiros: "Os legitimados passivos hão de ser os demais 
herdeiros que concorram com o nascituro" (SEVA, 
Ovídio A. Baptista d a Comentários ao Código de Processo 
Civil. Porto Alegre, Le Jur, 1985, p. 605). 
Não há substituição porque, na concepção de nosso 
Direito, a posse da mãe não decorre da simples existência 
do nascituro, como ocorre com o já nascido, mas da 
sentença. O reconhecimento da gravidez, pelos demais 
herdeiros do pai falecido, dispensa o exame médico (art. 
877,# 29), mas não o processo. Assim, não se cogita de um 
antecedente ato das partes, que dispensasse o ato judicial, 
dando a este o &ter de substituição. 
A sentença constitutiva proferida em processo de 
jurisdição contenciosa declara o direito à mudança 
jurídica. "O objeto da sentença constitutiva", diz 
CHIOVENDA (Inst., I/208), "é a vontade concreta de lei 
por força da qual se deve produzir a mudança, ou, em 
outros termos, o 'direito à mudança jurídica."' 
Porque há essa declaração é que a sentença produz 
coisa julgada material. 
Pergunta-se: há declaração tal, na posse emnome do 
nascituro? 'A sentença, aí, declara a gravidez da mãe e, 
portanto, a existência do nascituro. Pode-se ir além, e 
dizer que a sentença declara o direito do nascituro de 
concorrer à herança de seu pai. 
É certo, contudo, que tal sentença não produz coisa 
julgada. Evidenciada a falsidade da gravidez, os atos 
praticados pela mãe permanecerão válidos, por aplicação 
da teoria da aparência, mas os herdeiros do pai não 
precisarão promover prévia ação rescisória, para pleitear 
em juizo, contra a mãe, indenização, com fundamento na 
falsidade da gravidez por ela afirmada e dos prejuízos que 
seus atos, praticados em nome de inexistente nascituro, 
vieram a causar. 
Por que não há coisa julgada? Porque, ao investir a 
mãe na posse dos direitos do nascituro, o que o juiz 
declara é a "aparência" de haver um nascituro, o que, no 
'Direito brasileiro, bem se evidencia pela colocação da 
medida entre as cautelares: não hápericulum in mora 
vinculado a posterior sentença, definitiva, mas o juiz 
assegura eventuais direitos do nascituro, com base- no 
fwnk boni juk. 
Não há, pois,"declaração de direito", mas de aparên- 
cia do direito, motivo por que tampouco há produção de 
coisa julgada material. 
OVÍDIO BAP'ITSTA DA SILVA confirma: "Parece 
induvidosa a conclusão de que a declaração a que se 
refere o art. 878 não tem qualquer semelhança com o 
efeito natural das sentenças declaratórias, no sentido do 
art. 4Qdo CPC, de tal modo que o suposto 'reco- 
nhecimento dos direitos' do nascituro ficassem 
protegidos pela indiscutibilidade do que fora judicial- 
mente declarado. A demanda de que se trata, de resto, 
não põe em causa nenhuma relação jurídica cujo reco- 
nhecimento se peça. As severas limitações das defesas 
permitidas ao demandado, que tornam impossível a con- 
testação da paternidade, ou outras exceções similares, 
está a indicar que toda esta matéria não poderá ficar 
imune ao exame judicial em processo subsequente. Daí 
porque não nos parece coerente a conclusão a que o 
mesmo Pontes de Miranda chega, de que a sentença 
contenha elemento declarativo bastante para a produção 
de coisa julgada material, 'entre partes'." (Ibid. p. 609). 
Com razão afirma HUMBERTO THEODORO 
JÚNIOR que "é possível mulher pedir, em outra opor- 
tunidade, a repetição do exame, alegando deficiência do 
primeiro". (Loc. cit. ). 
- 
~nvestida na posse dos direitos do nascituro, a mãe 
promoverá, se necessário, as ações cautelares, 
possessórias, petitórias ou ainda outras que forem per- 
tinentes. 
O processo tem caráter cautelar, não no sentido 
próprio, de regulação provisória da lide (litisregulação), 
mas no sentido de que assegura direitos incertos, isto é, 
direitos de pessoa que poderá não vir a existir, decidindo, 
outrossim, o juiz, com base na aparência (fumus boni 
juris) da gravidez. Ao invés de classificar aposse emnome 
do nascituro como processo de jurisdição voluntária, o 
Código a inclui entre as medidas cautelares, com o igual 
efeito de excluir a produção de coisa julgada, o que 
mostra que a presença ou ausência desta não serve como 
critério para distinguir a jurisdição contenciosa da 
voluntária. 
A sentença, embora declaratória da gravidez, é 
predominantemente constitutiva: imite a mãe na posse 
dos direitos do nascituro. Não há condenação dos demais 
herdeiros. Se estes negam a paternidade ou que deter- 
minados bens sejam da herança, há necessidade de outro 
processo. Nada, a respeito, se resolve no processo de 
posse em nome do nascituro. 
Em síntese, temos que, no processo de posse em 
nome do nascituro, não há partes, porque não se supõe a 
existência de conflito de interesses entre pessoas diver- 
sas; mais claramente ainda, nele não há lide, nem subs- 
tituição, nem produção de coisa julgada material. A 
sentença é constitutiva, podendo-se mesmo dizer que 
corresponde ao exercício de um direito formativo da 
mãe: direito de, por declaração de vontade expressa na 
petição inicial e em conjugação com a sentença, investir- 
se na posse dos direitos que assistam ao nascituro. A 
existência ou inexistência desse direito não é, porém, 
declarada com força de coisa julgada, porque a 
declaração assenta na aparência de haver ou não 
gravidez, além da incerteza quanto ao subsequente nas- 
cimento com vida. 
Trata-se de ação? Sim, porque há pedido de tutela 
jurisdicional formulado em face de outrem, para as- 
\ seguração de direitos do nascituro e, por outro lado, a sentença proferida não tem natureza meramente homologatória. Tem forte conteúdo decisional: provada a gravidez, imite a mãe na posse dos direitos do nascituro. 
a 3.2. TESTAMENTOS Os arts. 1.125 a 1.141, do Código de Processo Civil,

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