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Flávio de Carvalho

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Flávio de Carvalho (Barra Mansa, RJ, 1899-Valinhos,SP, 1973) é uma figura múltipla, fascinante. Engenheiro-arquiteto foi um dos iniciadores da arquitetura moderna no Brasil e também pintor, escultor, cenógrafo, pensador, escritor. Sua radical modernidade se ligava ao modo como retratava o aspecto psicológico de seus personagens, trabalhando com uma linguagem que fica entre o expressionismo e o surrealismo. Flávio foi autor de obras consideradas chocantes, como uma série de desenhos Minha Mãe Morrendo, que fez retratando os últimos instantes de vida de sua mãe; e experiências de rua, em que ele mesmo saia em busca de reações do público, como quando saiu com um chapéu andando na direção oposta de uma procissão (e quase foi linchado) ou quando, num dia quente de verão, vestiu-se com o “new look”, um conjunto de blusa e saia curta, idealizando um figurino para o homem dos trópicos. O artista também organizou vários momentos da modernidade brasileira e foi o criador do CAM, Clube dos Artistas Modernos, onde muitas inovações tomaram corpo na arte brasileira.
O interesse de Flávio de Carvalho é buscar novas maneiras de subjetividade: o “eu” não como uma entidade autônoma, mas como algo “inventado” no embate com o outro, com a cultura e a história. A arte seria um dos meios de experimentar novos horizontes tanto para o sujeito como para a realidade. 
Em 1931, irá realizar sua Experiência nº2, que consistia em andar em sentido contrário a uma procissão de Corpus Christi pelas ruas de São Paulo com um boné de veludo verde na cabeça, e a posterior publicação do livro de igual título, narrando, segundo ele, a sua experiência sobre a psicologia das multidões. Este seu ato não se tratou apenas de um simples caminhar, mas de um enfrentamento direto com uma multidão temente a Deus e ‘alienada’ politicamente, levando-os a uma repulsão corporal em relação ao artista.
Experiência nº2, Flávio de Carvalho irá narrar no seu livro que, ao ver a procissão, lhe ocorreu “a ideia de fazer uma experiência, [e] desvendar a alma dos crentes por meio de um reagente qualquer”, a fim de “provocar a revolta para ver alguma coisa do inconsciente”. E continua:
Tomei logo a resolução de passar em revista o cortejo, conservando o meu chapéu na cabeça e andando em direção oposta à que ele seguia para melhor observar o efeito do meu ato ímpio na fisionomia dos crentes. A minha altura, acima do normal, me tornava mais visível, destacando a minha arrogância e facilitando a tarefa de chamar a atenção.
Apesar dos pedidos para que ele se descobrisse em sinal de respeito, ele não o fez, e continuava a penetrar a procissão em sentido contrário, provocando-os e aumentando a hostilidade. A multidão então se volta contra ele e, em coro crescente grita: “Lincha!”, “Lincha... Mata... mata!”. Para salvar-se do linchamento, precisou fugir para a Leiteria Campo Bello, na Rua de São Bento e ficar lá até a polícia resgatá-lo. Ao ser preso, ele justificou-se dizendo que estava realizando uma “experiência sobre a psicologia das multidões”. Em seguida foi liberado e “acusado pela polícia tão somente de comunista”. 
O Teatro de experiência
"Em 1922, com um grupo de valentes, procedemos a uma revolucionária revisão de valores. Em 1934, entraremos no período das execuções sumárias. Flávio começa pelo teatro. A mocidade concluirá o resto". (Menotti Del Picchia, 1933)
O Teatro de Experiência nasce em decorrência do debate traçado entre Flávio de Carvalho, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald Sampaio, entre outros, em torno das ideias de renovação das artes cênicas no Brasil.
"O teatro seria um laboratório e funcionaria com o espírito imparcial das pesquisas de laboratório. Lá seria experimentado o que surgia de vital no mundo das idéias: cenários, modos de dicção, mímica, dramatização de novos elementos de expressão, problemas de iluminação e de som conjugados ao movimento de formas abstratas, aplicação de predeterminados testes (irritantes ou calmantes) para observar a reação do público com o intuito de formar uma base prática da psicologia do divertimento, realizar espetáculos-provas só para autores, espetáculos de vozes, de luzes, promover o estudo esmerado da influência da cor e da forma na composição teatral, diminuir ou eliminar a influência humana ou figurada na representação, incentivar elementos alheios à rotina e escrever para o teatro... e muito mais coisas que no momento me escapam". (Flávio de Carvalho, 1939)
A partir de ambiciosos objetivos, ocupou-se então o andar térreo do edifício do CAM. A primeira peça a ser encenada seria O Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade, mas como o texto não ficou pronto a tempo, Flávio redigiu O Bailado do Deus Morto. Após algumas festas para angariar fundos, inaugurou-se o teatro em 15 de novembro de 1933; as sessões seriam às quartas feiras, com ingresso a quatro mil réis (40% de desconto para sócios do clube).
Com cenário e figurino visualmente simples, cujo material utilizado era basicamente alumínio e tecido rústico, o Teatro de Experiência conseguiu superar o entrave da precariedade econômica e produzir a atmosfera ideal para a encenação da peça. O Bailado acontecia ao redor de um deus animal moribundo: seres humanos mascarados assistiam perplexamente a situação e procuravam aleatoriamente lugares onde pudessem se aglomerar e se esconder, numa movimentação expressionista. E foi aí que Hugo Adami proferiu o primeiro palavrão do teatro brasileiro.
A última frase do espetáculo era: "a psicanálise matou deus". A primeira encenação foi suficiente para que a imprensa levantasse o estandarte da moral e dos bons costumes. Após a terceira apresentação, a polícia encerrou a experiência.
Vanessa S. Machado
(bolsista / FAPESP)
Daisy V. M. Peccinini de Alvarado
(coordenadora do projeto)

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