Buscar

marcelo neves. interdisciplinaridade.pdf

Prévia do material em texto

R 
l 
R454 
·-----
Revista do lnstituto de Renneneutica Juridica vol. J, n. 3 
-Porto Alegre: Ins titulo de Henneneutica Juridica, 2005 
v. ; 16 x 23 em. 
Anual 
l . Hermeneutica jurldica. 2. lnstituto de Henneneutica Jurldica. 
ISSN J 678-1864. Direito 
CDU: 34(05) 
CIP- Catalogac;ao na fonte: Paula Pcgas de Lima CRB 1 0/J 229 
ISSN 1678-186-l-
REYISTA DO INSTITUTO DE HERMENEUTICA JURiDICA 
, ' r CRITICA A DOGMATICA 
DOS BAN COS ACADEMICOS A PRATICA DOS TRIBUNAlS 
Andre Copetti 
Eros Roberto Grau 
Friedrich Muller 
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 
Jose Luis Bolzan de Morais 
Lenio Luiz Streck 
Leone! Pires Ohlweiler 
Luis Alberto Warat 
Luiz Antonio Rizzatto Nunes 
Marcelo Campos Galuppo 
Marcelo Neves 
Margarida Maria Lacombe Camargo 
.. 
~ 
· Rogerio Gesta Leal 
Tercio Sampaio Ferraz Junior 
Vicente de Paulo Barretto 
Porto Alegre, 2005 
cRITIC" A oooMATIC.a. 
, j 0 d es Sao Paulo· Nova Cultural, DESCARTES, Rene. Discurso do merooo. s pe•~sa or . . 
J~99. p.33-100. 
lJRHlBit Ralf. Derecho y justicia. Bogot!: Temis, 1994. 
' 2 d Sao Paulo· Ma-GRAU, Eros Roberto. 0 dil'eico pasta eo dil·eito pressuposto. . e . . 
lhciros, 1998. . . 
. A /' at'on discourses 1n morality 
uONTHER, Klaus . The sense of approprrateness. pp IC I 
(lilt/law. Albany: University ofNew York, 1993. 
l!ABERMAS, Jtirgen. Wahrheir und Rechtfertigung. Philosaphische Aufsiitze. Frank:· 
furt am Main: Suhrkamp, 1999. . 
. Direito e democracia: Entre faticidade e validarfe. Rio de Janetro : Tempo 
Br~s ileiro, 1997. v. 1. 
Ensayos politicos. Barcelona: Peninsula, 1988. . 
- - · . . · 'd ' 2 ed Barcelona· Gedrsa, HOERSTER, Norbert. En defensa del positlvtsmo pm reo. , , . 
1992. . 1998 
. . 6 d s- Paulo· Marnns Fontes, · 
KELSEN Hans . Teoriapura do dlreltO . . e . ao . . . 
' ifi 2 d Rode Janet· KOYRB, Alexandre. Escudos de historia do pensamento cientr reo. . e . t 
ro; Forensc: Universi taria, 2q01. 
. d dB osAires·Los~da 1947. TbNNIES Ferdinand. Comunidad y socre a . uen . ' 
' d~ . B T . Imprensa Nacional, 1979. 
V!El-'WEG Theodor. Tdpica ejurispru e:ncra. rast ta. 
" • · 2 ed Bue· 
, . dad Esbozo de sociologia comprei'ISIVO. . . WEBER, Max. Economta y so ere · 
nos Aires: Fondo de Cultura £con6mica, l992. 
.' lift 
PESQUISA INTERDISCIPl.INAR NO BRASIL: 
0 PARADOXO DA INTERDISCIPliNARIDADE. 
Marcelo Neves·· 
Quando se trata boje de pesquis imerdisc1p ' ar, pode-seperceber que, 
entre os pesquisadores des diversos cum a er, ha como gue urn discur-
so quase consensual de _;we a interdisciplinaridade e importante e, de certa 
maneira, indispensavel ao desenvolvimento da ciencia, teoria e pnitica. Isso 
tambem vale no ambito do direito. Num certo sentido, a interdisciplinaridade 
afl!a como urn valor e, pottanto, e amplamente agregadora. 0 problema e que, 
quando se procura operacjonaljzar ess~ valor sur em serias divergencias e 
incon uencias a respeito do que significa a r6 · interdisci lina · 
como tom& Ia ule'>'BAte pa~a a~: diveriai di~:cipli"Aali eAYeh•ieas. As diferentes 
cidadelas do saber tendem, entao, a defender os seus metodos, conceitos e 
pretensoes de validade, passando a ver a interdisciplinaridade como urn mero 
. instrumento de afirmac;:ao de suas exigencias, nao como urn horizonte de seus 
limites e possibilidades. E como o valor ' paz'. Por exemplo, Sharon e Arafat, 
ou melhor, o govemo de Israel e a Autoridade Palestina, declaram ser plena-
mente a favor da paz, mas, quando se trata de operacionalizar concretamente 
·· · ilma proposta de paz, os flancos lutam ferozmente na defesa de seus interes-
·.{}es. A guerra na defesa da soberan.ia ou da autonomia passa a ser vista como 
:o rneio da paz. Assim como se pode falar de um para de dificil 
tambem se pode falar de um xo da interdisciplinarida 
vontVeJrQ'encia em tome de sua relevancia, emesmo m 1spensa tlida e, o exclui 
problema da dificuldade de sua operacionalizac;:ao em face da pretensao de 
proferida no Workshop Legal Educarion in lAtin America, promovido pel a Escols de 
•M!>Ji'!l-''trelllnde Sao Paulo da Funda~iio Getulio Vargas, em 12 e 13 de dez.embro de 2003. 
da Escola de Dtrcito de Sao Paulo d11 Fundapo Oetullo Vargas (FGV). LIVre-
teem Direito {Fribourg) . P6s-Doutorado em Direito (Frankfurt c London). 
207 
r 
' 
I 
E 
I. ' 
CR(TJCA A DOGMATICA 
autonomia das di versas disciplinas e mesmo por for9a de tendencias ao imperi-
alismo disciplinar. 
Nesse comentario, pretendo fazer algumas breves considerar;oes sobre 
as d ificulciades de supsra~ao desse pa@doxo.J considerando os proprios limites 
da co~reensao adequada do conceito de interdisciplinaridade, especialmente 
no caso da pesquisa juridica no Brasil. Em primeiro Lugar, abordarei a c~fus~o 
de mterd1sciplinaridade j uridica com encic · · · · (II). Num segun· 
do momento, tratare1 a con sao de interdisciplinaridade com im erialismo 
dj.s.ciplinar (HI) . Em seguida, apontarei para o risco e con undir-se interdis· 
ci.e.linaridade com metadisciplinaridade (lV). Com base nessas cons1derayoes, 
procurare1 deli nil a inletdiS'Clphnandade juridica como espa9o de comuta~iio 
discursiva entre diversos campos do saber juddico (V). Por fim, farei uma 
breve referencia ao problema dos limites da pesquisa juridic a interdisciplinar 
no Br~sil em face da propria fragilidade das fronteiras do campo juridico {VI). 
(J 
isco ue ronda a pretensao de pesquisa juridica interdisciplinar no 
Brasil e com nd~ -Ia c o e · ' · · ' · . A interdisciplinaridade si~­
ficaria urn somat6rio de conheciment ssa 
ten enc1a, que remonta a influencia da tradi9ao ibero-americana de ensino e 
estudos j uridicos no Brasil, esta intimamente relacionada com o chama~o ~ 
charelismo ' no ambito do qual urn generalismo no sentido do conhec imento a~ de varias esferas das ciencias e das humarudades era super:stima· 
do. Conhecimentos de economia, psicologia, ciencias sociais, filosofia, htera~­
ra, matematica, etc. sobrepoem-se num amontoado de infonnayoes quanll-
tativamente impresswnantes, como se tudo isso pudesse levar a uma melhor 
compreensao do direito e dar-lhe maior relevancia social. 0 que decorre dess.e 
modele enciclopedista, tao conhecido entre nos, e urn s~erficiatismo g~nerah· 
z~e pouca relevancia pratica e pouco significado teorico para as d1yersas 
areas do saber. Portanto, deve-se, parece-me, de antemao, distinguir clara· 
mente enciclopedismo juridico de interdisciplinaridade referente ao dircito, 
m 
Urn outre risco que o discurso da interdisciplinaridade pede tomar invisi· 
vel refere·se ao fa to de que, em seu nome, venham a desenvolver-se apenas 
208 
NEVES, Muccio. Pcsquiso lntcrdHciplrnor .. 
fQ...rmas de imperialismo disciplinar no ambito do direito. Esse nao e urn proble-
ma exclusivamente brasileiro, ele ronda as faculdades de direito tambem nos 
chamados paises deseRvolv:ilies. Assim e que, por ex.emplo, muJtas vezes, un-
plicita OU expJicitamente, SQb 0 rotulo da interdiscipJinaridade, superestiiTja-se 0 
pa e] da amilise ec sobretudo sob a formula aparentemen-
te interdisciplina " aw an con om · ", pretende·se subordinar os criterios 
do direito a uma racionalidade puramente economica. N~se caso, pleiteia.;Se, 
por assim dizer, uma "economic jurisprudence'' QUe desconhece qua!Qu.er 
racionalldade juridica especifica. Ou seja, nao se trata de uma intermedjayao 
de racionalidade econ6m1ca e racionalidade juridica, em favor de uma pnitica 
juridica mais adequada economicamente, mas sim de "imperialismo economi-
co" ou colonizayao economica do direito. 
Mas nao s6 no concernente a economia podem·sc observar certas ten-
dencias no senti do de, sob o r6tulo da interdisciplinaridade, promover o imperi-
alismo disciplinar. Tambem com relayao a analise politics do direito, ha uma 
forte tradiyao de considerar o direito urn epifenomeno do poderou ideologia 
politica, pleiteando uma ''political jurisprudence". s· ' tradiyao 
manifestaram-se, por ultimo, no movimento" 'tical legal studie ". ~ao_se 
trata nesse caso de intermediar a 16gica QQ poder e a ]Oi!Ca do dj rejtQ .. em 
busca de uma pratica juridica politicamente satisfat6ria, mas s jm de "imperia-
lismo politico" ou colonizar;ao politica do direito. 
Por fim, cabe advertir certas tendencias da sociologia j uridica de, 
retensao a arentemente interdisci linar, transfonnar o conhecimento 
'ol6 ico do direito em adrao ultimo da ratica uri . n rna 
-~--· e~ ecie de "sociolo icaljurisprudence". Em vez de uma intermediayiiO 
·::··interdisciplinar entre sociolog1a e ogmatica j uridica ou na fonnade "Law 
. and Society", trata-se, nesse caso, de " imperialismo sociologico" ou colo-
;· niza91io social do direito . 
Em todos esses casos, subjacente um modelo teorico que niio leva a 
seno a complexidade social, desconsidera-se a propria diferencjacao do di.reito 
c9..mo campo de ayoes e vivencias dentro sociedade, sustentando-se u~a 
_d.c:sdjferenciacriio economica, politica ou social do direito, Disso decorre que a 
dogmatioajuridica como campo de saber destinado especificamente a auto-
reflexao do direito, no ambito da qual,, com relevancia pnhica, procuram-se 
209 
7 
CrtfTICA ).. OOGMA1'1CA 
definir "as condi<(oes do juridicamente possivel"'' e considerada algo presctndi-
vel ou, no minima, de pouca relevancia. Isso porque nao se reconhece qualquer 
16gica ou pretensao de racionalidade propria da esfera juridica. Mas a 
imprescindibilidade de urn a dogrmitica juridica interdisciplinarmente sensivel 
implies que esta tenha de teruma postura altamente seletiva em face das exi-
gencias e dos conhecimentos economicos, politicos e socio16gicos que preten-
dem ter validade no campo juridico. ~e fosse prescindivel, sob pretexto da 
interdisciplinaridade, a seletividade, pel a propria dogmatica juridica como es a-
r; ~ e exao do · ectment~~onomJ.cc;>s, 
P.Oliticos o sociol6 icos veis ta ' a-
es dedi~ E e claro que nao .e isso que se pTetende aqui. 
IV 
1 LUHMANN, Niklas. Rechtssyslem und Rechtsdogmatik. Stuttgart: Kohlhammer, 1974, P·.19· 
No mesmo sentido, ver FERRAZ JR,, Tercio Sampaio. Funr.iio social ria dogmatlcajurldtCD· 
S3o Paulo: Revista dos Tribuna is, 1980, p. 99 e ss. 
210 
NEVES, M1rcc lu. Ptrqul!D tllr.olisclpl•nur. 
• it • ' • , ("d . b . ..~ . -== dtzer, autontana e Q!ma paraatxo ~ - mo esses d!~J'S<)S'caJnpOS de· 
vemdefinir os seus limites e relacionarem-se uns com os outros. Desconhece-
s~. dessa maneira, que os diversos campos observam os problemas e procuram 
soluciona-los de acordo com seus pr6prios criterios, traduzindo, com base nes-
tes, a linguagem de outras esferas na sua propria linguagem, do que resulta a 
emergencia de novos sentidos. Isso nao 6 diferente como direito e as diversas 
disciplinas que dele se ocupam. Nessas coodiyiSes, nao cabe confundir 
interdisciplinaridade com metadisciplinaridade: o resultado seria a esterilidade 
ret6rica do metadiscurso controlador. 
" 
Fica a pergunta: como enfrentar e su erar o paradoxa da interdisci. 
plinaridade sem cairnos falsos caminhos do enciclopedtsmo, o n~!.!!li-Smo 
disciplinar au dametadisciplinari d.a.de? Sem duvida, a interdisciplinaridade im-
poe-se em face da relar;ao problematica entre as esferas de saber e da neces-
sidade de aprendizado reciproco.lsso nao e diferente com relaylio ao direito. 
Mas qualquer pesquisa interdisciplinar deve pressupor a pretensao de autono-
mia dos respectivos campos do saber envolvidos na pesquisa, cada um deles 
observando os problemas e oferecendo-lhes solur;oes de acordo com criterios 
pr6prios. l;{essa perspectiva a jnterdisciplinaridade niio surge para negar a 
~utonomia discmlum :, easoaea ~~ necessidades e racjonalidades pr6prjas dos 
rernectivos camQQi_do saber, mas sim ~:na fudj 5car-lhe:.....EEtretanto, ao forta -
1~~ a autonomia, busca facilitar a compreenslio reciproca dos discursos en-
volvidos, em pnnc1pto hemuhicos e opacos uns para os outros. Pode-se dizer 
que a tnferdtsciplinaridade emerge naquele espayo urn tanto instavel e fluido 
em que urn discurso disciplinar, em bora insistindo na respectiva autonomia, tenta 
compreender outre discurso ou se fazer compreensivel por ele. M.as isso nao.e 
·:. tao simples. Na interdisciplinaridade , a linguagem pr6pria de um campo do sa~ 
·:: · ber, por exemplo, a economia, e traduztda n_::;._l~ntt~~~-P.!2I?Dul..Q..!l.utrom­
:,:~· JfQJ)or exempla;i0'6ogmatiell jt:1riG«:a. Tal tradu<(ao e feita de acordo com os 
.:· criterios do-campo em que a linguagem advinda do outro campo pretende ter 
·:"·relevancJa. AqUl cabe lembrar o proverb\O "lTadutton, tradittori"-. ----
Em outras palavra a interdisciplinaridade e urn espar;o iluido e instavel 
1. · de scursiva. ela, o sentido originario de um discurso atravessa 
um ttansfonna orpar:a ser compreendido e ganhar sentido no ambito de um 
211 
I HITIC.A A DOGMATICA 
outro discurso. Nesse sentido, a interdisciplinaridade pennite que a linguagem 
econ6mtca, politica ou sociol6g1ca seja compreendida e ganhe sentido no ambi-
to da dogmatica juridicae vice-versa. lsso forti fica a adequavao reciproca e 
uma certa cooperayao num ambiente de conflituosidade disciplinar, sem que as 
respeclivas pretensoes de autonomia sejam negadas, Ao contrario, com s 
interdisciplinaridade como transfonnador entre diversos discursos sabre o di-
reito, as diferentes esferas de saber enriquecem-se conceitualmente e tendem 
a ganhar uma maier capacidade na solur;:ao dos problemas que se lhes apres:n· 
tam. Uma dovnatjca Juridtca dispos~a ahrir .. 5e iuterdiscip~nnente aos tn· 
fluxes efs""pressoes advindas da analise econ6mica, politica ou sociol6gtcTl:lo 
dire1t0, e mesmo aquelas eeeocrentes ~ reflexao filos6fica do at ret to, tende a 
te ma maJOr capacidade te6rica e pratica de enfrentar os problemas que se 
Jhe apresentam eo cer so ur;:oes mais apropna s os mesmos do que ~m 
modelo formalista, msensivel a mterdtsciplinaridade. 0 mesmo va ~do 
o osto: a analise economica, polittca e socto ogica e mesmo a reflexao filos6fi-
ca o an o mats ncas concettua men e e mats m-nrretltes na ptati-
guanto m·ais elas forem capazes de tra uzn ou cornu ar nas soas 
tin ns mediante o transformadorda interdiscipimandaae,a-linguagemda 
@gmatica juridica. Em suma, a interdisc1p m nn1 ~que a mguagem 
de urn campo de saner seja traduz1da e, portanto, compreendtda em outre cam-
po de saber, tornando-a praticamente relevante neste campo. Em todo caso, 
cabe considerar que as fronteiras dos diversos dominies do saber devem ~star 
definidas . Nao ha in terdisciplinaridade sem autonomia disciplinar, mas s1m a 
miscelanea resultante de urn ecletismo esteril. 
De certa maneira, pode-se dizer, usando a ,Jinguagem d teo ria dos si 
""" · · · · · · · a a es eci fica ento ~que 
e~trulural entre duas disciplinas, haven do varias interdisciplinaridade~, confo~~ 
me os cam ~A flpher o e se relacionam, como, por exemplo do attca ~r 
dica e analise economica do dire ito OU ogma ICa JUO IC~ e ~g1~1ca. 
-~~~~~~~~""~~~~~~~~~~--- mo E'ialmphca uma mfluencia concentrada entre as esferas do saber e, ao mes 
· d ~ d · fl - · l indo umas e tempo, uma forte seletiv1da e em tace as tn uenc1as, exc u . . 
viabilizando outras. Mas, como forma de acoplamento estrutural, a interdJscl-
plinaridade facilita interpenetrac;:oes sem aringir a autonomia operacional dos 
respectivos campos do saber, antes as fortificando. . 
· Se pretendessemos [alar de urn metadiscurso interdisciplin.ar roaiS 
abrangente, eJe Jimitar-se-ia a maxima elementar de que OS diverS OS dlscursOS 
212 
I.JEVES, M•rcdo 1'uyu1Ju •M<r<lmipl•nt>r . • 
devem respeitar-se reciprocamente, sem imporem a sua raciooalidade especi-
fica a rase· . e de urn u Isso eo que o fil6sofo alemao 
Wolfgang ~lsch1 chama de ' azao transvers" : ela nao vern de cima, impon-
do aos di sos Jscursos uma su · a idade, mas, ao observar a preten-
sao de autonomia e racionalidade particular dos diversos discursos, sugere-
lhes transversalmente o respeito eo aprendizado reciprocos. Sendo assim, a 
razao transversal da interdisciplinaridade rejeita tanto o "imperialismo discipli-
nar" quanta o "autismo disciplinar" com relar;:iio ao direito. 
VI 
Para concluir, gostaria de lembrar que, no caso brasileiro, o exito da 
pesquisa interdisciplinar com relac;:lio ao direito complica-se sobremaneira por 
forc;:a da propria fragil idade das fronteiras do campo juridico. A deficienci,Ua 
atj.tonomja do di~ dificulta a distinc;:ao, com relevancia pnitica, entre auto-
observar;:ao juridico-dogmatica e hetero-observa iio economica, sociol6 ic 
politica do djrejto Isso implica uma sobrecarga para a dogm hcajuridica, en-' • 
'canegada sobretudo de refletir as fronteiras do direito, ou seja, a sua identida- : 
de. Ao c ia ocorrido no co~texto de rule.ofl~w da E4ropa.\· 
Ocidental e a-se amda no Bra a e 
di erenciar o campo juridico na fronteira de output (adequa~ao socjal). mas / 
ta~em e, sobretudo, de diferencici-lo na f · · · 4 • • ' • 
qica ou 
fOJ£as sociais ex.ercem nesta frontej ra3 Dai result a mva tentat;:ao peonanente 
.. .: de subordinar muitas vezes em nome !la itltcl'9i&;if!liflas:idade. o conhecimento 
:\. e;j;ecificame~te jiiridico-dogmatico a analise ecpnOmica, a as esh1dos &aeielo-
·~· gicos ou aos modelos polmco-ideol6gicos. Tal tentar;:ao parece-me apontar na 
;; contramao da ntstona, porque leva anegar;:ao da complexidade social e da 
:.~,; necessidade de definir com maior clareza as fronteiras do campo juridico. A 
~.~~ fortificayi!.o da pesquisa interdisciplinar no Brasil depende paradoxalmente de 
1 WELSCH, Wolfgang. Vernunft: Die zeitgenossische Vemunfikritik und das Konzept der trans-
Verso len Vermmfi. 2. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996; __ . Gesellschafl ohne Mela-
Ertiihlung7 In: ZAPF, Wolfgang (Hg.). Die Modernisienmg moderner Gesellschafien: Verhall· 
dlungen des 25. Deulschetl Soziologen.toges in Frankfurt am Main 1990. Fran1<fur1 am Main; 
New York: Campus, 1991 , p. 174-184. 
213 
I 
I I 
I 
! 
~-. .................... ----------------------------------------------~~------------------------------------~~~~~~~~~==~----~~tl '~·· 
CRITICA A OOGMATICA 
uma m~or delimitar,:ao p,peracional da esfera juridica, o que implica o fortale-
cimento da autonomia disciplinar da dogmatjcajuridica como plano de auto-
reflexao do direito com relevancia pnitica. 0 resto e camaval juridico, com 
suas belas alegorias cheias de reverberayoes eloquentes, sem pratican1ente 
nenhum significado para a pratica nem para o desenvolvimento juridicos. 
REFERENCIAS BffiLlOGRAFICAS 
FERRAZ JR., Tercio Snmpaio. Fun~oo social da dogmaticajuridica. Sao Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 1980,. 
LUHMANN, Niklas. Rechtssystem und Rechtsclogmatik. Stuttgart: Kohlharmner, 1974. 
. lnteressen und Interessenjurisprudenz im 'Spannungsfeld von Gesetzgebung 
und Reclltsprechung. Zeitsch1·ijt filr Neuere Rechtsgeschichte, 12, Wieo, Manz, 1990. 
p. 1-13. 
NEVES, Marcelo. 0 problema da implementa~ao curricular nas p6s-gradua .. oes em 
direito no Brasil. Anais do J• Reunioo Anual do Conse/ho Nacional de Pesquisa e 
P6s-Gradua~iio em Direito, Rio de Janeiro, 27 e 28 de outubro, 1994. p. 54-64. 
NEVES, Marcelo. Verfassung tmd Posiliyillft des Rechts in der peripheren Moderne: 
Eine tlteoretische Betrachtung ,und eine Interpretation des Falls Brasilien. Berlin: 
Duncker& Humblot, 1992. 
WELSCH, Wolfgang, Vernunft: Die zeltgenossische Vernunftkritik und das Konzept 
der transversa/en Vernurift. 2. ed .. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996. 
. Gesellscbaft ohne Meta-Erziihlung? In: ZAPF, Wolfgang (Hg.). Die Modernisi· 
erung moderner Gese/lschaften. Verhandlungen des 25. Deutschen Soziologentages 
in Frankfurt am Main /990. Frankfurt am Main~ New York: Campus, !99!. p. 174-184. 
1 NEVES, Marcelo. Verfassung und PositivWit des Rechts in dtr peripheren Modeme: Eir.C 
theoretische Betracillung rmd eine Interpretation des Falls Brasilien. Berlin: Duncker &.l{utTJ-
blot, !992, p. 207 e ss.; __ . 0 problema da implemcnta~~o cunicular nas p6s-gra~us~iies e~ 
direito no Brasil. Ana is da J• Reunioo Anual do Conselho Nacional de Pesqui:ra e Pos-Or~dii~D 
t;oo 1!11! Direito Rio de Janeiro, 27 e 28 do oorubro, 1994. p. 54-64. Com rela~!o a expcnencr 
europcia, em s;ntido diverso, LUHMANN, Rechtssystem. .. , op. cit., p. 29 e ss.; _. Jnter~· 
sen und fntercssenjurisprudenz im Spannungsfcld von Gesetzgebung und Rechtsprechun&· ZttiS· 
chriftfiir Neuere Rechtsgt!:rchichte, 12, Wien, Man2., 1990, p. 1·13, 5. 
214 
0 PRINCiPIO DA PROPORCIONALIDADE SOB UMA 
PERSPECfi VA HERMENEUTICA EARGUMENTATIVA 
Margari da Maria Lacombe Camargo' 
1 INTRODU~AO 
Ap6s a irrupyiio de uma crise no Direito, experimentada pelo interven -
cionismo estatal da segunda metade do seculo XX, que niio media esforyos<em 
regulamentar to doe qualquer aspecto da realidade e da vida social, notadamente 
as relay5es economicas, o Estado foi chamado a Jegitimar seus atos cada vez 
mais presentes na vida diaria dos cidadaos. Por isso, o Poder JudiciArio se viu 
cada vez mais envolvido com quest5es de ordem tecnica, estranhas aos Jimites 
~teen tao estabelecidos pel a dogmatica juridica, ao rnesmo tempo em que o 
mcremento do exercicio da cidadania, eo crescimento da consciencia demo-
cratica, passou a exigirque as iniciativas do Govemo, pormais especificas que 
foss em, encontrassem fundarnento nos direitos consagrados constitucionalmente, 
de forma a garantir sua legihmidade. 0 Poder Judiciirio reassume entao o 
~ape! de guardiiio da Constituiyao , i.nvalidando todo e qua! ~uer ;to 
mfraconstitucional que viesse a agredir seu texto, ou os valores nela guameci-
d?s·. Tal instancia de controle, a seu turno, fortalece o aspecto objetivo dos 
d1re1tos fundamentais que, pel a sua forya irradiante, passam a garantir o liame 
' de senti do capaz de unificar a ordcm juridica positiva, controlando os efeitos 
· ~ai decorrentes. 0 relevo dado, por conseguinte, a jurisdi~ao constitucional, 
vem alterar substancialmente o equilibria entre os poderes, atingindo especial-
a soberania popular expressa na representa9iio politica parlamentar, por 
sua vez incapaz de representar os d1versos interesses cad a vez mais presentes 
'Doutor em Direito (UGF). Mesrre em Direito (PUC/RJ). Coordenadora e Professora do 
de P6s-Gradua,.:iio em Direito da Un1versidade Gam a Filho (RJ). Professor a Adjunte 
Faculdade Nacional de Dinito da Universidade F'ederal do R10 de Janeiro (RJ). Pesqu1sador.l 
Casa de Rui Barbosa (RJ). 
:!15

Outros materiais