Buscar

Florestan Fernandes e o Desenvolvimento Nacional

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 15 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

X I C O N G R E S S O B R A S I L E I R O D E S O C I O L O G I A 
1 A 5 D E S E T E M B R O D E 2 0 0 3 , U N I C A M P , 
C A M P I N A S , S P 
 
 
 
 
 
 
 
G R U P O D E T R A B A L H O : P E N S A M E N T O S O C I A L 
N O B R A S I L 
 
 
 
 
 
 
MUDANÇA SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO 
PENSAMENTO DE FLORESTAN FERNANDES NOS ANOS 
50. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
Tatiana Gomes Martins 
 3 
 
 Este trabalho tem como objetivo destacar a absorção de algumas questões 
politicamente relevantes do cenário histórico-social por Florestan Fernandes 
num momento específico de sua obra, o final dos anos 50. O enfoque é colocado 
no texto “Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento” enquanto 
produção elucidativa do caráter que a temática do desenvolvimento nacional 
adquire frente à configuração do capitalismo nacional e dos projetos de 
desenvolvimento que se apresentam na esfera política no período (FERNANDES, 
1979). Esse texto de Florestan Fernandes corresponde a uma comunicação 
redigida para o Seminário sobre resistências à mudança: fatores que dificultam ou 
impedem o desenvolvimento, organizado pelo Centro Latino-Americano de 
Pesquisas em Ciências Sociais, da UNESCO, em 1959. Isso define, em certa 
medida, os contornos de um trabalho que, ao mesmo tempo em que procura 
responder às exigências da temática central do seminário, pretende estabelecer o 
alcance e os limites da mesma. 
 É inegável a importância que Florestan Fernandes atribui à problemática 
da mudança social. Ela está presente desde os trabalhos sobre o folclore 
paulistano e sobre a marginalidade social, produzidos na década de 40, 
permanecendo nos escritos realizados durante as décadas de 50 e 60, 
considerando as devidas nuanças. Trata-se justamente de um período em que a 
sociedade brasileira passa por diversas transformações decorrentes do 
estabelecimento do capitalismo no Brasil, o que justifica o interesse das ciências 
sociais, de uma maneira geral, por temas diretamente relacionados às tensões 
que cercam, por exemplo, o campo da política econômica, os processos de 
urbanização e industrialização e a integração econômica e social do Brasil. 
 Se este trabalho começa com a afirmação da constante presença do tema 
da mudança social na obra de Florestan Fernandes é porque, conforme a própria 
afirmação do autor, essa concepção está na base de sua definição de 
desenvolvimento, permitindo caracterizar as perspectivas teóricas que dão 
sentido a tais categorias na construção analítica do autor. Desse modo, no texto 
“Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, afirma que: 
...os conceitos de desenvolvimento social e de evolução social 
descrevem os mesmos fenômenos em níveis diferentes da realidade 
 4 
social. O primeiro apanha os processos de mudança social 
progressiva no nível histórico, tal como eles transcorrem em dado 
sistema social em certo período de tempo. O segundo apreende os 
processos de mudança social progressiva no nível supra-histórico, no 
qual se pode abstrair e analisar os fenômenos de formação, duração, 
e sucessão dos tipos sociais. (FERNANDES, 1979, p.317) 
 É aqui que a interpretação do autor marca sua posição no que se refere a 
uma das mais importantes tensões colocadas pela sociedade brasileira no 
momento: a questão do desenvolvimento nacional. Frente às inquietações acerca 
da definição dos moldes do desenvolvimento nacional, Florestan Fernandes 
chama a atenção para a especificidade histórica da realidade social considerada 
para a compreensão do sentido tomado por esse processo no Brasil. Para 
Florestan Fernandes, isso corresponde à análise da “qualidade da mudança e 
seus influxos na reintegração do sistema social em dada direção” (FERNANDES, 
1979, p.319). Coloca-se, então uma questão fundamental, saber de que se trata 
tal qualidade. 
 Nesse mesmo texto, Florestan Fernandes insinua um tipo de 
desenvolvimento que acompanha o desenvolvimento cultural1. A partir de tal 
afirmação, pode-se aproximar a sua concepção de desenvolvimento com as 
acepções de mudança cultural espontânea e mudança cultural provocada 
presentes de maneira explícita, por exemplo, no texto “A ciência aplicada e a 
educação como fatores de mudança cultural provocada” de 1958, no qual o autor 
procura definir a importância da ciência e da educação na passagem do primeiro 
ao segundo tipo de mudança social (FERNANDES, 1960). No primeiro caso, o 
desenvolvimento cultural aparece na medida em que se formam, na sociedade 
brasileira, as condições de emergência de uma nova forma de conceber a 
realidade, um novo “estilo de pensamento”, na acepção mannheimiana, que 
permite aos indivíduos a capacidade de escolha racional dos fins imediatos de 
suas ações (MANNHEIM, 1981). A mudança cultura provocada, por sua vez coloca 
 
1
 Para essa definição, Florestan Fernandes faz a seguinte referência: E. Willems, Dicionário de Sociologia, 
Porto Alegre, Editora Globo, 1950, p.42. 
 
 5 
essa capacidade de maneira ampliada na qual os indivíduos adquirem o controle 
racional da própria mudança social. 
O que caracteriza a mudança cultural provocada, em relação ao 
elemento racional, é a extensão dos limites da ação intencional. Além 
da escolha deliberada dos alvos, ela envolve o conhecimento objetivo 
dos meios, das condições e dos mecanismos através dos quais 
aqueles precisam ser atingidos. Em outras palavras, o elemento 
racional penetra em todos os níveis do comportamento inteligente dos 
homens, de modo a ordenar as atividades por eles desenvolvidas no 
plano relativamente abstrato, em que se definem suas intenções de 
intervir na realidade, seja em função dos fins, seja em função dos 
meios e das condições das própria intervenção. (FERNANDES, 1960, 
p.188) 
 A “qualidade” da mudança se constrói, portanto, na possibilidade de 
concretização da mudança cultural provocada, sobretudo no que ela diz respeito 
ao aproveitamento das tendências de racionalização do estilo de vida por todas as 
esferas da vida social. O sentido que Florestan Fernandes confere ao processo de 
mudança social está assentado, portanto, na dimensão cultural através da qual 
se pode garantir a alteração da ordem social como um todo. Nesse sentido a 
ampliação da mudança cultural traz consigo um elemento democrático que 
molda, dentro da argumentação, a qualidade da mudança desejada. No texto 
“Atitudes e Motivações Desfavoráveis ao Desenvolvimento”, ela aparece com as 
seguintes palavras: 
...as alterações em processo, na sociedade de classes, tendem a 
oferecer maior relevo à utilização da mudança cultural provocada ou 
dirigida. Doutro lado, fica claro que essa tendência insere a qualidade 
da mudança no âmbito da consciência social e das técnicas sociais de 
controle racional. (FERNANDES, 1979, p.342) 
 É através desse tipo de argumentação que se pode identificar a marca da 
influência do sociólogo Karl Mannheim (1893-1947) na interpretação de 
 6 
Florestan Fernandes sobre a realidade brasileira. Para os objetivos deste 
trabalho, a importância dessa influência aparece de duas maneiras. Em primeiro 
lugar, pode-se destacar a argumentação de Florestan Fernandes segundo a qual 
a situação em que vivia o Brasil nos anos 50 correspondia às características de 
uma mudança cultural espontânea. Ou seja, tratava-se de uma situação na qual 
havia indícios do surgimento de técnicas de controle social que poderiam, ou 
melhor, deveriam, ser canalizadas para a consolidação de uma sociedade 
controlada democraticamente. Nesse sentido, a passagemdo estado de mudança 
cultural espontânea para o de mudança social provocada corresponderia ao 
estabelecimento do Planejamento Democrático, sistematizado e defendido por 
Mannheim quando da análise da crise da sociedade de classes na Alemanha: 
O planejamento para a liberdade não significa a imposição de uma 
forma definida de individualidade, mas tendo o conhecimento e a 
experiência de decidir que tipo de educação, que tipo de grupos 
sociais e que tipo de situações proporcionam a melhor oportunidade 
de fomentar a iniciativa, o desejo de formar o próprio caráter e de 
decidir o próprio destino. (MANNHEIM, 1962, p.274) 
 Nas palavras de Florestan Fernandes, isso corresponde, efetivamente, a 
um projeto nacional pautado em uma determinada concepção de 
desenvolvimento. 
No conjunto, porém, a mudança produzida pela capacidade do agente 
humano de lidar com as forças domesticadas do meio social é posta a 
serviço de ideais coletivos que valorizam o progresso material, social e 
moral do homem. A mudança converte-se em verdadeira técnica 
social, inserida no pensamento inventivo como um recurso destinado a 
introduzir aperfeiçoamentos progressivos em todos os campos em que 
a atividade humana se desenrola de forma socialmente organizada. 
(FERNANDES, 1979, p.330-331, grifos do próprio autor) 
 O segundo ponto importante da influência de Mannheim está diretamente 
relacionado ao primeiro e consiste na definição do papel da sociologia na 
 7 
determinação do sentido das técnicas sociais na nova ordem social. Isso porque é 
a disciplina capaz de fazer o diagnóstico da situação e de apontar as tendências 
concretas para o planejamento democrático. 
A Sociologia, como um levantamento meticuloso, como uma descrição 
de fatos, ainda será necessária numa era de mudanças assim, porém 
a essência de sua contribuição consistirá em uma busca na nova 
direção dos acontecimentos e nas exigências destes. (MANNHEIM, 
1973, p.84) 
 Tal argumentação sustenta teoricamente os propósitos da Sociologia 
Aplicada que, como já foi dito, é sistematizada no decorrer da década de 50, 
correspondendo, assim, à 
Análise dos efeitos disnômicos da vida social e das condições 
previsíveis de intervenção racional no controle das situações em que 
eles emergem socialmente. (FERNANDES, 1960, p.151) 
 Como se pode notar, na argumentação de Florestan Fernandes, a 
realização do projeto de controle racional, planejado, da realidade social tem 
como pressupostos a intervenção do conhecimento científico no processo social e 
a superação dos descompassos entre o desenvolvimento material e o 
desenvolvimento moral da sociedade. Esse ponto de partida leva o autor a 
enfrentar os dilemas nacionais que envolvem diretamente tais pressupostos uma 
vez que eles estão ausentes em setores primordiais para o que considera como 
desenvolvimento nacional. Em primeiro lugar, pode-se destacar o final da década 
de 50 como um momento de revisão da política nacional desenvolvimentista que 
se expressa em tensões identificáveis em vários setores da sociedade. No plano 
econômico, ela ganha força na medida em que se coloca a centralidade da 
intervenção do Estado na economia, o que fomenta e divide as diversas 
formulações teóricas que procuravam um caminho para a crise econômica que já 
começava a mostrar alguns sinais (LESSA, 1981). 
 O tema aparece no trabalho considerado, na medida em que dialoga com 
os critérios de definição do estado, ou do projeto, de desenvolvimento, como já foi 
dito. Nesse sentido, considerando os requisitos para a implantação do 
 8 
planejamento democrático ao fazer referência às “atitudes e motivações 
favoráveis ao desenvolvimento”, o autor argumenta que mesmo os países 
considerados “adiantados”, do ponto de vista econômico, não realizam as 
potencialidades construtivas da ordem social capitalista. No caso dos países 
considerados “subdesenvolvidos”, a questão se coloca justamente na 
especificidade histórica em que tais potencialidades são coibidas. Por isso, o 
enfoque deve ser dado nas condições que definem o comportamento social. 
Nos “países adiantados”, as atitudes e motivações tendem a ser 
dinamicamente inadequadas em virtude de não se ajustarem, de 
modo orgânico, às exigências da situação histórico-social. 
Imobilizadas por interesses profundos das camadas dominantes ou 
por valores conspícuos mas obsoletos, restringem a capacidade de 
atuação racional dos homens, limitam o rendimento ou refreiam a 
renovação das instituições e impedem os avanços necessários na 
direção da ordem social planificada. Nos “países subdesenvolvidos”, 
as atitudes e motivações tendem a ser inadequadas, quando 
respondem às exigências da situação histórico-social, por 
transcenderem a capacidade de atuação racional socialmente 
organizada do homem, de funcionamento normal das instituições e às 
vezes até, de crescimento equilibrado das bases ecológicas, 
demográficas e econômicas da vida social. Assimiladas por via da 
“imitação” de “povos adiantados”, produzem, simultaneamente, 
progresso social e desorganização social, o qual as coloca entre 
fatores dinâmicos do subaproveitamento crônico das vantagens 
asseguradas pelas mudanças sócio-culturais bem sucedidas. 
(FERNANDES, 1979, p.345-346) 
 No plano político-social, as tensões se apresentam tanto na emergência 
dos movimentos sociais que buscam uma resposta aos problemas desencadeados 
pelo período anterior, quanto na disputa entre os setores que defendiam e os que 
rejeitavam as medidas de internacionalização da economia (IANNI, 1975). Nesse 
sentido, o esgotamento da política nacional-desenvolvimentista, já no final dos 
 9 
anos 50, evidencia o jogo de interesses dominante que passa a configurar o tema 
de muitas pesquisas no período. Com efeito, nesse momento de revisão das teses 
desenvolvimentistas, pode se identificar uma ampliação do discurso marxista que 
define muitas das categorias e interpretações sobre a realidade nacional 
(LAHUERTA, 1999, PÉCAULT, 1990). Além disso, vale lembrar também a 
influência que o projeto de aliança de classes defendido pelo Partido Comunista 
exerce sobre vários setores da intelectualidade nacional (BRANDÃO, 1997). 
Assim, tendo em vista o projeto de planejamento democrático e a influência das 
questões levantadas por esse discurso, Florestan Fernandes chega à crítica às 
classes dominantes, no que se refere à defesa de interesses particularistas, e à 
incapacidade de intervenção do Estado no desenvolvimento social. 
Por motivos diferentes, os alvos de desenvolvimento social, 
valorizados tanto nos “países adiantados” (como a Inglaterra, a 
Alemanha, a França, os Estados Unidos etc.), quanto nos “países 
subdesenvolvidos” (da América, da Ásia, da Oceania ou da África), 
incentivam mudanças direta ou indiretamente subordinadas aos 
interesses e aos valores sociais das camadas dominantes na 
estrutura de poder. (FERNANDES, 1979, p.321) 
 E tratando diretamente da campanha de divulgação da política nacional-
desenvolvimentistas completa: 
Medidas formuladas em nome dos “interesses da Nação” raramente 
correspondem, de fato, às necessidades vitais da comunidade como 
um todo. No entanto, tais medidas contam em média, com pressões 
abertas ou dissimuladas da propaganda organizada. Além disso, 
quase sempre se beneficiam de alguma popularidade, em virtude das 
vantagens inegáveis que podem assegurar a nações que lutam contra 
os problemas do após-guerra ou do subdesenvolvimento econômico, 
político e social. (FERNANDES, 1979, p.321) 
 Conseqüentemente, como a própria definição de planejamento 
democrático pressupõe uma específica intervenção da sociologia, a questão do 
 10 
papeldo sociólogo entra na ordem do dia, principalmente levando em 
consideração o fato de ela fazer parte de um contexto de valorização do 
conhecimento científico como sinônimo de urbanização e progresso – tal como se 
pode observar na cidade de São Paulo nos anos 50 (ARRUDA, 2001). Disso 
resulta, por exemplo, o apoio que o governo Carvalho Pinto (1959-1963) garante 
ao projeto Economia e Sociedade no Brasil e à criação da FAPESP no início dos 
anos 60. Além disso, no decorrer da década de 50 e início dos anos 60, o tema do 
papel do sociólogo permeia, com esse sentido, o debate entre Guerreiro Ramos e 
Florestan Fernandes, o que demonstra sua importância no contexto intelectual. 
Desse modo, no corpo da obra de Florestan Fernandes, além da sistematização já 
citada no livro Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada (1960) ele aparece com uma 
nova roupagem no livro A Sociologia Numa Era de Revolução Social (1962), no 
qual também se dá a incorporação das problemáticas colocadas pelo contexto 
histórico-social. No texto que constitui o tema deste artigo, por sua vez, o 
problema da relação entre o sociólogo e o desenvolvimento nacional expressa 
uma tensão constantemente presente nos trabalhos de Florestan Fernandes , a 
tensão universalismo X particularismo. Nesse caso, ela diz respeito á definição das 
medidas cabíveis ao desenvolvimento nacional. 
Mas resta a pergunta, que nos parece crucial: o sociólogo deve aceitar, 
passivamente, a condição de apologista das “tendências de 
desenvolvimento” que, no fundo, asseguram vantagens certas apenas 
às camadas que se beneficiam diretamente da ordem social existente? 
O que interessa a tais camadas, em regra, não é tanto o “progresso 
social” como a continuidade de sua posição na estrutura de poder em 
transformação. (...) Sem identificar-se com semelhantes ideologias, o 
sociólogo não pode admitir que seja pacífico e universalmente 
defensável o ideal de reproduzir, nas nações subdesenvolvidas do 
presente, o passado mais ou menos longínquo dos países adiantadas 
da atualidade. A sociedade, ao contrário do que se supunha em 
relação à natureza, pode “dar saltos”(...). 
 11 
Segundo pensamos, a saída do impasse pode ser obtida pela análise 
das próprias tendências de desenvolvimento social, constatáveis 
objetivamente. O sociólogo não pode impedir que certas camadas 
sociais capitalizem, durante certo tempo, os benefícios do 
desenvolvimento social – nem essa é sua função, propriamente 
entendida. Ele deve, somente, tomar cuidados especiais para não se 
tornar um ingênuo porta-voz ou um agente dócil das ideologias das 
referidas camadas. (FERNANDES, 1979, p.322) 
 Florestan Fernandes problematiza, dessa forma, o caráter da interpretação 
que permite ao sociólogo desempenhar sua função. Segundo as definições 
presentes no trabalho “A Sociologia: objeto e principais problemas”, transcrito da 
Enciclopédia Delta em 1857 e publicado posteriormente em Ensaios de Sociologia 
Geral e Aplicada (1960), a sociologia é dividida em seis disciplinas, a saber: 
Sociologia Sistemática, Sociologia Descritiva, Sociologia Comparada, Sociologia 
Diferencial, Sociologia Aplicada e Sociologia Geral ou Teórica. Cada uma delas são 
definidas tendo em vista, também, a compreensão do autor acerca dos métodos 
em sociologia, presente de uma maneira geral nos ensaios que compõem o livro 
Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica (1967) escritos no mesmo 
período. 
 Assim, para a análise das “atitudes e motivações desfavoráveis ao 
desenvolvimento”, Florestan Fernandes destaca a importância das sociologias 
Aplicada, Sistemática e Diferencial. No primeiro caso, como já foi dito, a 
relevância reside no encaminhamento do sentido do desenvolvimento nacional, 
rumo ao Planejamento Democrático. É a partir dessa perspectiva que se adquire 
conhecimento sobre os “problemas sociais” e sobre as medidas necessárias para 
o aproveitamento das tendências de desenvolvimento em benefício da sociedade 
como um todo. 
 No que diz respeito à temática do trabalho, as outras duas divisões da 
sociologia promovem resultados específicos. A Sociologia Sistemática tem como 
objetivo a explicação dos fenômenos sociais através das conexões entre 
condições, fatores e efeitos em que se manifestam. Essas conexões são 
estabelecidas segundo a metodologia weberiana buscando conjugar as condições 
 12 
e os motivos das ações sociais para a análise de seu sentido (FERNANDES, 
1972). Desse modo, Florestan Fernandes busca na Sociologia Sistemática as 
contribuições acerca das atitudes e motivações que relacionadas com condições 
específicas compõem os “diferentes estados da moderna sociedade de classes”. 
Desse ponto de vista metodológico, o quadro de emergência da sociedade classes 
pressupõe as manifestações de uma revolução cultural que se configuram em três 
dimensões: a política, explicitada na capacidade de racionalização da 
administração e no desvendamento dos interesses em jogo na esfera social; a 
científica, com possibilidade de aplicação do conhecimento científico na análise 
dos problemas sociais; e a social, caracterizada pelo desenvolvimento de técnicas 
de controle social. A importância da Sociologia Sistemática está fundamentada, 
portanto na análise sincrônica dos fenômenos sociais que operam nesse sentido, 
considerando sua importância manutenção ou alteração da estrutura social. 
A análise sincrônica revela qual é a natureza, a variedade e as 
funções dos mecanismos de consciência social e das técnicas de 
controle na sociedade de classes. Cabe à análise diacrônica 
evidenciar quais são as influências dinâmicas mais profundas e 
persistentes dos referidos elementos na preservação e na alteração 
do padrão de equilíbrio dessa sociedade. (FERNANDES, 1979, p.332, 
não grifado no original) 
 Por isso, Florestan Fernandes destaca que o fator explicativo na Sociologia 
Diferencial consiste, justamente, na dimensão particular, histórica, em que 
ocorrem os processos sociais nas sociedades consideradas. Em se tratando 
precisamente das atitudes e motivações relacionadas ao desenvolvimento social, 
para o autor, ela permite apreender o desenvolvimento da sociedade de classes 
através do “padrão de equilíbrio social instável” que lhe é inerente, 
correspondendo, assim, à utilização da teoria do conflito de Marx na análise do 
processo de desenvolvimento. Como resultado pode-se analisar a forma pela qual 
as atitudes e motivações favoráveis ou desfavoráveis ao processo variam de 
acordo com o contexto histórico-social em que se desenvolvem e operam, 
definindo o seu sentido histórico. 
 13 
Dessas interpretações decorre, claramente, um conceito de 
desenvolvimento social como “categoria histórica”. Ele traduz, 
literalmente, a forma histórica pela qual os homens lutam, 
socialmente, pelo destino do mundo em que vivem, com os ideais 
correspondentes de organização da vida humana e de domínio ativo 
crescente sobre os fatores de desequilíbrio da sociedade de classes. 
Daí resulta o sentido objetivo peculiar desse processo, que se 
apresenta, de modo variável mas universal, como um valor social, 
tanto no comportamento dos indivíduos, quanto nos movimentos 
sociais. (FERNANDES, 1979, p.337-338, grifos do próprio autor) 
 Ocorre que, para Florestan Fernandes, as possibilidades construtivas do 
conflito, do desenvolvimento social, numa sociedade cujas tendências de controle 
social não são orientadas, ou estão concentradas nas mãos das classes 
privilegiadas, são limitadas por sua própria natureza, o que define, do ponto de 
vista histórico, a forma como se manifestam e são tratados os movimentos sociais 
no Brasil. Nesse sentido, as “atitudes e motivações favoráveisao 
desenvolvimento” seriam aquelas capazes de garantir o funcionamento da 
sociedade de classes dentro de seu “padrão de equilíbrio instável”, no qual são 
potencializadas as possibilidades de desenvolvimento social nos moldes do 
planejamento democrático. Em contrapartida, as “atitudes e motivações 
desfavoráveis ao desenvolvimento” consistiriam nas forças sociais que operam 
em sentido oposto. É por esse caminho que Florestan Fernandes chega na 
segunda metade da década de 50, procurando destacar a questão da 
especificidade histórica. Essa dimensão direciona a interpretação do autor para 
a explicação do caráter das tendências de desenvolvimento na sociedade 
brasileira expresso no grau da função desempenhada pelas atitudes e motivações 
“desfavoráveis” ao desenvolvimento. Por outro lado, estando ainda fortemente 
influenciadas pela perspectiva estrutural-funcionalista que compõe o projeto seu 
de Planejamento Democrático, a perspectiva histórica permite o reconhecimento 
dos descompassos moral e material na sociedade brasileira enquanto 
manifestações características do estabelecimento da sociedade de classes no 
Brasil. Assim, ela fundamenta a crítica ao Estado e às classes dominantes dentro 
 14 
dos limites de sua função na ampliação das tendências democráticas da ordem 
social capitalista. Isso revela, de certa maneira, a forma com que Florestan 
Fernandes absorve as teses da esquerda brasileira, no período. De um lado, 
pode-se associar aquele projeto com ao projeto de aliança de classes e de 
desenvolvimento do capitalismo nacional promovidas pelo Partido Comunista. De 
outro, pode-se perceber a presença de temas característicos do discurso marxista 
tais como, ideologia, classes sociais, revolução, mas esses são inseridos, em 
última instância, na argumentação sobre os requisitos estruturais e funcionais 
da ordem social capitalista. Como conseqüência, são tomados enquanto 
tendências e obstáculos a um processo de desenvolvimento latente que depende 
apenas de medidas operacionais de consecução. Por outro lado, vale dizer que os 
contornos do projeto político defendido por Florestan Fernandes envolvem uma 
dimensão democrática que se abstêm de alguns projetos de caráter 
eminentemente econômico, o que possibilita a interpretação do sentido 
emancipatório que está por traz do mesmo. 
 Por isso, identificando a forma de abordagem da problemática do 
desenvolvimento, pode-se compreender a fundamentação teórica do 
Planejamento Democrático como um projeto de desenvolvimento nacional e, ao 
mesmo tempo, como enfrentamento da “questão nacional” que compõe o discurso 
político do momento (FRANCO, 1985; PÉCAUT, 1990). Evidentemente, dar conta 
do caráter desse projeto demandaria abarcar os diversos projetos em disputa no 
cenário político extrapolando os limites deste trabalho, mas vale dimensionar o 
teor político que permeia um texto de Florestan Fernandes elaborado e 
legitimado segundo os critérios do pensamento científico. Não é à toa que se trata 
de um momento de defesa da intervenção do intelectual na organização da 
sociedade e de produção de trabalhos que procuram delimitar os contornos dessa 
intervenção. Identificar a presença dessas questões na obra de Florestan 
Fernandes é um passo na análise do alcance e dos limites de sua dimensão 
política. 
 
BIBLIOGRAFIA 
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. (2001) Metrópole e Cultura: São Paulo 
no meio do século XX. Bauru, SP, EDUSC. 
 15 
BRANDÃO, Gildo Marçal. (1997) A esquerda positiva: as duas almas do Partido 
Comunista – 1920/1964. São Paulo, Hucitec. 
FERNANDES, Florestan. (1960) Ensaios de sociologia geral e aplicada. São Paulo, 
Pioneira. 
_________. (1972 a) Fundamentos empíricos da explicação sociológica. (2a. edição), 
Rio de Janeiro, Zahar. 
_________. (1976) A sociologia numa era de revolução social. (2a edição), Rio de 
Janeiro, Zahar. 
_________. (1979) Mudanças sociais no Brasil. (3a. edição), São Paulo, DIFEL. 
FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. (1978) “O tempo das ilusões”. In: CHAUÍ, 
Marilena e FRANCO, Maria Sylvia Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro, 
Paz e Terra. 
IANNI, Octavio. (1975) O colapso do populismo no Brasil. (3a. edição), Rio de 
Janeiro, Civilização Brasileira. 
LAHUERTA, Milton. (1999) Intelectuais e transição: entre a política e a profissão. 
São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH-USP. 
LESSA, Carlos. (1981) 15 anos de política econômica. São Paulo, Brasiliense. 
MANNHEIM, Karl. (1962) O homem e a sociedade: estudos sobre a estrutura social 
moderna. Rio de Janeiro, Zahar. 
_________. (1973) Diagnóstico de nosso tempo. Rio de Janeiro, Zahar. 
_________. (1981) “O pensamento conservador”. In: MARTINS, José de Souza (org.) 
Introdução crítica à sociologia rural. São Paulo, HUCITEC. 
PÉCAUT, Daniel. (1990) Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a 
nação. São Paulo, Ática.

Outros materiais