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Introduc¸a˜o a` Geometria Diferencial Rui Albuquerque Departamento de Matema´tica, Universidade de E´vora, Portugal Janeiro 2004 Prefa´cio O presente trabalho pretende fazer uma apresentac¸a˜o breve e o mais consistente poss´ıvel, das ideias, conceitos e instrumentos que hoje em dia se utilizam e fazem progredir o estudo da geometria. Mais espec´ıficamente, do ramo que e´ hoje conhecido por geometria diferencial. Pensamos, naturalmente, que o estudo da geometria na˜o se pode circunscrever a nenhuma teoria u´nica ou tratado global e final, e que tambem neste campo da criac¸a˜o humana e conhecimento cient´ıficos as ideias fluem de forma diversa e teˆm de ser, e sa˜o, aprendidas de muitas maneiras. Tanto da parte dos que ensinam como daquela dos que aprendem. Sem du´vida, a geometria diferencial joga um papel excepcional, mesmo na matema´tica toda se tal se pudesse considerar, porque afinal ela conjuga muitas e variad´ıssimas das mate´rias da a´lgebra e da ana´lise. Aparece nas soluc¸o˜es de problemas de va´rias varia´veis reais ou complexas, tratadas como espac¸os geome´tricos de dimensa˜o qualquer, ou nos problemas de varia´veis discretas, tratadas como abstracc¸o˜es das anteriores (referimo-nos a`s variedades alge´bricas); informa-nos sobre as propriedades intr´ınsecas da morfologia do espac¸o e suas medidas. Esse e´ precisamente o caso do globo terrestre como o nome “geo+metria”indica. A geometria diferencial obriga a profunda reflexa˜o sobre os conceitos e leva-nos a´ formulac¸a˜o de novas ideias e teorias, a` descoberta de estruturas geome´tricas antes na˜o imaginadas ou sequer procuradas. E finalmente remete-nos para o puro gozo da busca da demonstrac¸a˜o ou para o recolhimento na procura da mais sincera construc¸a˜o este´tica ou da abstracc¸a˜o intelectual. Numa interpretac¸a˜o livre e pessoal da influeˆncia da matema´tica sobre tudo o que ao homem diz respeito, a geometria mostra-nos de forma clarividente a forc¸a de uma teoria, o poder das ideias consolidadas pelo pensamento e indu´stria humanos na descoberta e explicac¸a˜o da realidade que nos rodeia ou como utens´ılio para a transformar; porque tem de facto uma correspondeˆncia com a Natureza. Por exemplo, quando falamos da “esfera de dimensa˜o quatro”podemos na˜o saber para o que servem os resultados a que chegamos, ainda que estes nos permitam de imediato intuir novos caminhos a perseguir dentro da matema´tica. Mas um f´ısico teo´rico podera´ utilizar qualquer dos nossos teoremas para explicar uma experieˆncia que ocorra num “espac¸o-tempo com condic¸o˜es de curvatura nula na fronteira”e que ele “compactifica”naquela esfera (ver [Ati79]). A realidade encarrega-se de mostrar que ambos tinham raza˜o, F´ısicos e Matema´ticos, mas cada um nos seus domı´nios e com os seus crite´rios de verdade — assim se tem verificado atrave´s da histo´ria, de forma iii iv mais preponderante desde que Newton e Leibniz descobriram o ca´lculo diferencial e com que benef´ıcios! Reafirmamos pois, com confianc¸a num futuro sempre intelig´ıvel e sempre mais humano, que a geometria diferencial consolida a nossa certeza nos valores do ensino, da cieˆncia e da arte, como instrumentos para a elevac¸a˜o da cultura de cada um e melhoria da condic¸a˜o e liberdade de todos. Este livro tem por primeiro objectivo o ensino. Em particular uma apresentac¸a˜o da geometria diferencial moderna aos alunos dos cursos de matema´ticas aplicadas da Universi- dade de E´vora, que esperamos cativar para o prosseguimento do estudo no curso do quarto ano “Ana´lise em Variedades”. Tem tambem o objectivo de dar um contributo, ou afirmar a necessidade de, elevar o grau de conhecimento da geometria e o esforc¸o da sua divulgac¸a˜o em Portugal e entre os estudantes que na˜o abdicam de estudar em portugueˆs. Aparte tudo o que ja´ se disse de subjectivo, importa estar avisado que os resultados que se apresentam sa˜o fruto de aturada e persistente busca dos seus autores, pelo que podera˜o ser compreendidos sempre melhor se o estudante os acompanhar com incentivo, desejo, abnegac¸a˜o e muita vontade cr´ıtica. Conteu´do Introduc¸a˜o 3 1 Material preparato´rio 5 1.1 A´lgebra linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.1.1 Espac¸os vectoriais e aplicac¸o˜es lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.1.2 Construc¸a˜o de espac¸os vectoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 1.2 Topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1.2.1 Espac¸os topolo´gicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1.2.2 Aplicac¸o˜es cont´ınuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.2.3 Topologias produto e quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.3 Espac¸os me´tricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.3.1 Noc¸o˜es principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.3.2 Espac¸os me´tricos completos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.4 Mais conceitos da topologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.4.1 Duas questo˜es sobre conexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.4.2 Va´rias propriedades definidas localmente . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.4.3 Espac¸os paracompactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 1.5 Ca´lculo diferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.5.1 Propriedades fundamentais das func¸o˜es diferencia´veis . . . . . . . . . 30 1.5.2 Func¸o˜es de Rn em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 1.5.3 Func¸o˜es de matrizes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 1.6 Teoremas da func¸a˜o inversa e da func¸a˜o impl´ıcita . . . . . . . . . . . . . . . 44 2 Variedades diferencia´veis 53 2.1 Definic¸o˜es e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 2.1.1 Definic¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 2.1.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 2.1.3 Propriedades topolo´gicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 2.2 Espac¸o tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 2.2.1 Definic¸a˜o e propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 2.2.2 Func¸o˜es suaves com valores reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 1 2 2.2.3 Campos vectoriais e pareˆntesis de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 2.3 Aplicac¸o˜es suaves entre variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 2.3.1 Curvas suaves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 2.3.2 Aplicac¸o˜es suaves e suas propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 2.4 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 2.4.1 Subvariedades imersas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 2.4.2 Subvariedades mergulhadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 2.4.3 Exemplos e caracterizac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 2.4.4 Prolongamentos de func¸o˜es e de campos vectoriais . . . . . . . . . . 83 2.5 Teoremas de construc¸a˜o de variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 3 Aplicac¸o˜es cla´ssicas 93 3.1 Grupos de Lie e a´lgebras de Lie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 3.2 Acc¸o˜es de grupos de Lie em variedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.2.1 Variedades homoge´neas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 3.2.2 Variedades quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 3.3 Variedades orienta´veis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 3.3.1 Orientac¸a˜o de um espac¸o vectorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 3.3.2 Orientac¸a˜o de uma variedade diferencia´vel. . . . . . . . . . . . . . . 113 3.4 Introduc¸a˜o a` geometria riemanniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 3.4.1 Espac¸os com produto interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 3.4.2 Variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 3.5 Breve refereˆncia ao estudo das curvas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122 3.5.1 Definic¸o˜es gerais em variedades riemannianas . . . . . . . . . . . . . 122 3.5.2 Estudo local das curvas em R3; a curvatura . . . . . . . . . . . . . . 123 3.5.3 Fo´rmulas de Frenet-Serret . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 Bibliografia 127 Introduc¸a˜o Este livro de matema´tica esta´ pensado da seguinte maneira. Destina-se a alunos do terceiro ano de uma licenciatura em matema´tica, que se supo˜e ja´ terem tido contacto razoa´vel mas na˜o amadurecido com os temas expostos no primeiro cap´ıtulo. Nomeadamente a a´lgebra linear e um pouco da teoria dos grupos, o ca´lculo diferencial em va´rias varia´veis ate´ aos teoremas da func¸a˜o impl´ıcita e da func¸a˜o inversa, a topologia e a me´trica. Claro que nestes vastos campos se intersecta aqui ou ali com pontos centrais da ana´lise funcional que o leitor pode estranhar na˜o serem perseguidos com a mesma profundidade. E´ o caso, por exemplo, dos espac¸os completos1. E´ que pretendemos avanc¸ar pelas a´guas mais calmas desse rio turbulento que e´ a topologia e a ana´lise para chegar ao vasto oceano da geometria, onde perigos na˜o menos avultosos nos podera˜o surpreender. Enfim, para ir ao mar convem aprender a nadar. No cap´ıtulo 1, a par do material apresentado que deve ser conhecido, tambem se prepara o caminho para alguns pontos espec´ıficos da geometria. Logo no in´ıcio, a colecc¸a˜o de resultados sobre espac¸os vectoriais dara´ lugar mais tarde a construc¸o˜es ana´logas na teoria dos fibrados vectoriais. Depois, o teorema dos espac¸os me´tricos que relaciona conceitos como (pre´-)compacto, completo, limitado, fechado e existeˆncia de subsucesso˜es convergentes, e´ apresentado tendo em vista dar um bom avanc¸o ao leitor no caminho que leva ao teorema de Hopf-Rinow da geometria riemanniana, que infelizmente ainda esta´ muito ale´m das possibilidades este livro. O conjunto de teoremas sobre topologia mais avanc¸ada tem em vista a introduc¸a˜o de partic¸o˜es da unidade nas variedades, embora por esta altura apenas de classe C0. O ca´lculo diferencial e´ exposto da forma mais sucinta que se encontrou. Por exemplo o teorema de Schwarz podia ser mais facilmente demonstrado se se aligeirasse as hipo´teses e introduzisse o integral de Riemann e o teorema de Fubini. E´ que a demonstrac¸a˜o que se apresenta e que vimos em [DA89] na˜o pede a continuidade das segundas derivadas, aparecendo como um resultado de natureza pontual. No fim do cap´ıtulo 1 temos os famosos teoremas da func¸a˜o inversa e da func¸a˜o impl´ıcita, que nos permitira˜o juntamente com os teoremas da derivada injectiva ou da derivada sobrejectiva, produzir novas variedades ora por imagem directa ora por imagem rec´ıproca. No segundo cap´ıtulo temos uma introduc¸a˜o a`s variedades que julgamos a mais indicada 1Pode o leitor interessado ver satisfeita, em parte, a sua curiosidade ficando a conhecer que existe tambem uma geometria diferencial em dimensa˜o infinita, onde se estudam as variedades de Banach, i.e. modeladas num espac¸o vectorial de Banach. 3 4 Introduc¸a˜o para os estudantes do terceiro ano. Note-se que a mate´ria central deste livro e´ precisamente o estudo das variedades. A nossa introduc¸a˜o permite fazer construc¸o˜es como a garrafa de Klein que na˜o sa˜o de descric¸a˜o fa´cil como subvariedades do espac¸o euclideano. Tambem a introduc¸a˜o do espac¸o tangente se pensa ser a mais conveniente. Vamos do global, ao local e finalmente ao pontual. Consideramos que o que faz a diferenc¸a em geo- metria sa˜o as questo˜es globais, e com isto julgamos estar mais pro´ximos tanto de uma das perspectivas originais da teoria (aquela de matema´ticos como H. Weyl na Alemanha e E. Cartan e A. Weyl em Franc¸anos anos 20 do se´culo passado) como das que fizeram escola durante grande parte do se´culo XX e ainda vigoram (as de H. Cartan, Grothendieck, M. Atiyah). As questo˜es locais podem sempre ser vistas como questo˜es da ana´lise e necessitam de especial atenc¸a˜o no estudo da geometria riemanniana. Esta geometria, ja´ agora convem explicar, centra-se no estudo das variedades munidas de uma me´trica, i.e. medida de com- primento de vectores e aˆngulos, que se admite poder ser varia´vel de espac¸o tangente para espac¸o tangente. Este estudo antecede cronolo´gicamente o das variedades, tendo surgido com C. F. Gauss e B. Riemann. Mostrou a sua grandeza nos finais do se´culo XIX com ma- tema´ticos como T. Levi-Civita, Bianchi e Ricci e provou a sua importaˆncia, entre outras, com a teoria da Relatividade de Einstein que provou a existeˆncia de curvatura no espac¸o- tempo (R4). Talvez o leitor reconhec¸a a refereˆncia aos exemplos cla´ssicos de curvatura 0, 1 e −1, respectivamente, no plano, na esfera e ponto-de-sela. Nos dois u´ltimos trata-se de exemplos de geometrias na˜o euclideanas em dimensa˜o dois. Note-se que a ideia de variedade provem de conceitos f´ısicos bem reais. Mas se a va- riedade por vezes tem uma existeˆncia real concreta, o mesmo na˜o se passa com o espac¸o tangente, que sendo uma abstracc¸a˜o ‘um passo acima’, pode ser considerada de diversas maneiras consoante o gosto do professor ou a necessidade do investigador. Ou seja, o espac¸o tangente tem de ser constru´ıdo pelo matema´tico que estuda variedades; ele na˜o surge de forma natural. Assim considerando, o que procura´mos fazer no cap´ıtulo 2 deste livro foi que essa construc¸a˜o fosse tanto o menos penosa poss´ıvel e a mais fa´cil de intuir para o leitor, como aquela que permitisse fazer as demonstrac¸o˜es dos resultados seguintes com o indispensa´vel rigor que se reserva para a matema´tica. Cap´ıtulo 1 Material preparato´rio 1.1 A´lgebra linear Comec¸amos por recordar alguns fundamentos da geometria cartesiana no quadro mais vasto da a´lgebra linear. Assumimos que o leitor domina as bases da teoria das matrizes, ate´ a` teoria dos determinantes. Uma o´ptima refereˆncia para esta mate´ria e´ [DA83]. Ao longo desta secc¸a˜o K designa um corpo. 1.1.1 Espac¸os vectoriais e aplicac¸o˜es lineares Da´-se o nome de espac¸o vectorial sobre o corpo K a um conjunto V munido da seguinte estrutura: (i) uma operac¸a˜o bina´ria + em V , denominada adic¸a˜o, tal que (V,+) e´ um grupo comutativo e (ii) uma operac¸a˜o de multiplicac¸a˜o por escalar K × V → V , denotada (λ, v) 7→ λv, satisfazendo: λ(ξv) = (λξ)v, (λ+ ξ)v = λv + ξv, λ(u+ v) = λu+ λv, 1v = v (1.1) para quaisquer λ, ξ ∈ K, u, v ∈ V . Os elementos de V sa˜o chamados de vectores, e os de K de escalares. Tem-se que para qualquer nu´mero natural n o produto cartesiano Kn e´ espac¸o vectorial sobre K. Em particular qualquer corpo e´ espac¸o vectorial sobre si pro´prio. Sejam v1, . . . , vj ∈ V . Estes vectores dizem-se linearmente independentes se na˜o existem escalares, na˜o todos nulos, λ1, . . . , λj ∈ K tais que λ1v1 + . . .+ λjvj = 0, (1.2) 5 6 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio isto e´, tais que o vector nulo seja combinac¸a˜o linear dos v1, . . . , vj com algum λi 6= 0. Caso contra´rio aqueles vectores dizem-se linearmente dependentes. Uma famı´lia {vα}α∈I de vectores de V , indiciada em I, diz-se geradora de V se qualquer vector v e´ combinac¸a˜o linear de alguns dos vα, ie. existem escalares λαβ , com αβ ∈ I e com o conjunto dos β finito, tais que v = ∑ β λαβvαβ . (1.3) Uma famı´lia minimal geradora de V chama-se uma base de V . Os vectores de uma base sa˜o portanto linearmente independentes. Se uma base existe e forem em nu´mero finito os seus elementos, dizemos que V tem dimensa˜o finita;sena˜o V tem dimensa˜o infinita. Se V tem dimensa˜o finita, enta˜o quaisquer duas bases teˆm o mesmo nu´mero de elementos (a demonstrac¸a˜o deste facto na˜o e´ nada imediata); nu´mero esse designado por dimensa˜o de V ou, abreviando, dimV . Sejam V,W dois espac¸os vectoriais sobre o mesmo corpo K. Uma func¸a˜o f : V → W diz-se uma aplicac¸a˜o (K-)linear ou uma transformac¸a˜o linear, se f(u+ v) = f(u) + f(v), f(λv) = λf(v) (1.4) para quaisquer u, v ∈ V, λ ∈ K. E´ trivial verificar que a soma de duas aplicac¸o˜es lineares f, g : V → W , definida por (f + g)(v) = f(v) + g(v), e´ tambe´m uma aplicac¸a˜o linear V →W . O mesmo e´ verdade para a multiplicac¸a˜o λf de um escalar λ pela aplicac¸a˜o linear, dado por (λf)(v) = λf(v). Designando enta˜o L(V,W ) = {f : V → W linear} prova-se que este conjunto adquire uma estrutura de espac¸o vectorial sobre K, com aquela adic¸a˜o e aquele produto por escalar, e que, se V e W teˆm dimensa˜o finita respectivamente n e m, enta˜o L(V,W ) tem dimensa˜o finita nm. Tomam especial destaque o espac¸o vectorial V ∗ = L(V,K), chamado dual de V , e o espac¸o EndV = L(V, V ) dos endomorfismos. Seja f : V → W uma aplicac¸a˜o linear. Dizemos que f e´, respectivamente, um mono- morfismo, um epimorfismo, ou um isomorfismo ('), se f e´, respectivamente, injectiva, sobrejectiva ou bijectiva. Dizemos que f e´ um endomorfismo se V = W e dizemos que e´ um automorfismo se, ale´m disso, f e´ tambe´m um isomorfismo. Verifica-se imediatamente que a composic¸a˜o de aplicac¸o˜es lineares e´ linear e que a inversa de um isomorfismo e´ tambe´m um isomorfismo linear. Com a composic¸a˜o como produto, podemos falar do grupo linear GL(V ) de todos os automorfismos de V . 1.1 A´lgebra linear 7 1.1.2 Construc¸a˜o de espac¸os vectoriais Seja V um espac¸o vectorial sobre K. Um subconjunto F de V diz-se um subespac¸o vectorial sobre K de V se F e´ um espac¸o vectorial com a estrutura induzida de V , ou seja, quando restringimos a F a adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o por escalares quaisquer. O mesmo e´ dizer: F e´ subespac¸o vectorial de V se ∀u, v ∈ F, ∀λ ∈ K, enta˜o u+ v ∈ F, λu ∈ F. (1.5) Sejam V,W dois espac¸os vectoriais. Podemos enta˜o definir, formalmente, a soma di- recta V ⊕W = {v + w : v ∈ V, w ∈W}. (1.6) que na˜o e´ mais que o produto cartesiano V ×W . Convem-nos pore´m utilizar a notac¸a˜o aditiva, pelo que se atribui o nome de soma directa a`quele conjunto, munido da operac¸a˜o + (v1 + w1) + (v2 + w2) = v1 + v2 + w1 + w2, (1.7) onde v1 + v2 esta´ em V e w1 + w2 esta´ em W , e da operac¸a˜o produto por escalar λ(v + w) = λv + λw. (1.8) E´ fa´cil verificar que a soma directa de V e W e´ um novo espac¸o vectorial sobre K, cuja dimensa˜o e´ finita e igual a` soma das dimenso˜es de V e de W se estas forem finitas. V introduz-se de forma un´ıvoca e linear na soma directa, e esta projecta-se de novo em V tambe´m de modo linear. Claro que V ⊕W 'W ⊕ V . Seja F ⊂ V um subespac¸o vectorial de V . Suponhamos que e´ imposta a relac¸a˜o ∼ em V : u ∼ v se v − u ∈ F. (1.9) E´ trivial verificar que ∼ e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia. Mais ainda, se u1, u2, v1, v2 ∈ V, λ ∈ K e se u1 ∼ u2, v1 ∼ v2, prova-se tambe´m que u1 + v1 ∼ u2 + v2 e que λu1 ∼ λu2. No conjunto quociente V/ ∼, conjunto das classes de equivaleˆncia v + F = {v′ : v′ ∼ v}, podemos definir enta˜o uma estrutura de espac¸o vectorial sobre K com as operac¸o˜es (v + F ) + (u+ F ) = (v + u) + F, λ(u+ F ) = λu+ F. (1.10) A demonstrac¸a˜o e´ um simples exerc´ıcio. Este espac¸o vectorial quociente sobre K e´ deno- tado por V/F . Se V tem dimensa˜o finita n, enta˜o F tambe´m tem e nesse caso, se v1, . . . , vj e´ uma base de F , que extendemos a uma base v1, . . . , vj , vj+1, . . . , vn como podemos sempre fazer, enta˜o vj+1+F, . . . , vn+F e´ uma base de V/F . Independentemente das bases, tem-se enta˜o a relac¸a˜o dimV = dimF + dimV/F. (1.11) 8 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio A projecc¸a˜o p : V → V/F, p(v) = v + F , e´ uma aplicac¸a˜o linear2. Sejam V,W dois espac¸os vectoriais, f : V →W uma aplicac¸a˜o linear. Tem-se enta˜o que ker f = { v ∈ V : f(v) = 0} (1.12) e´ um subespac¸o vectorial de V chamado nu´cleo ou kernel de f . Verifica-se sem dificuldade que f e´ um monomorfismo se, e so´ se, ker f = 0. Tambe´m a imagem de f imf = f(V ) = { f(v) : v ∈ V } (1.13) e´ um subespac¸o vectorial de W . Teorema 1.1.1 (do isomorfismo). Nas condic¸o˜es anteriores, suponhamos ainda V,W de dimensa˜o finita. Existe enta˜o um isomorfismo φ : V/ ker f ' imf. (1.14) Em particular, dimV = dimker f + dim imf . Demonstrac¸a˜o. Basta verificar que φ dada por v + ker f 7→ f(v) esta´ bem definida, que e´ linear, injectiva e sobrejectiva. ¤ Dada uma base e1, . . . , en de V , qualquer aplicac¸a˜oK-linear f : V →W fica inteiramente determinada pelas imagens f(e1), . . . , f(en), pois qualquer vector v ∈ V se escreve de modo u´nico como combinac¸a˜o linear dos vectores da base e depois basta usar a linearidade de f . Fixando tambe´m uma base e′1, . . . , e′m de W poderemos escrever f(ei) = m∑ j=1 bije ′ j . (1.15) Donde, a cada escolha de um par de bases temos uma e uma so´ matriz associada a` aplicac¸a˜o linear dada. Em suma, se fixarmos uma base teremos um isomorfismo V ' Kn; se fixarmos tambe´m uma base de W teremos um isomorfismo L(V,W ) ' L(Kn,Km) ' Mn×m(K), o espac¸o das matrizes n por m e coeficientes em K. Contudo, para os fins da geometria diferencial, o estudo de Kn e das matrizes na˜o se pode identificar com o estudo dos espac¸os vectoriais e aplicac¸o˜es lineares. Exerc´ıcios 2Aqui temos um exemplo de uma sucessa˜o exacta 0 −→ F −→ V −→ V/F −→ 0, ou seja, cada flecha tem imagem igual ao nu´cleo da flecha seguinte (e 0 designa o espac¸o vectorial nulo {0}). Este diagrama remete-nos para outro, ana´logo, que surge com a soma directa. Mas repare-se que na˜o existe forma cano´nica de escrever V = F ⊕ V/F ... 1.2 Topologia 9 1. Seja K′ um subcorpo de K e V um espac¸o vectorial sobre K. Mostre que V e´ espac¸o vectorial sobre K′. Mostre que Cn e´ espac¸o vectorial sobre R de dimensa˜o 2n. 2. Mostre que Kn na˜o e´ corpo, para n ≥ 2 e com produto definido pelo produto compo- nente a componente em K. 3. Seja f : V → W uma aplicac¸a˜o linear entre dois espac¸os vectoriais sobre K. Seja e1, . . . , en uma base de V . Prove que f e´ um monomorfismo se, e so´ se, os vectores f(e1), . . . , f(en) sa˜o linearmente independentes; e que f e´ um epimorfismo se, e so´ se, os vectores f(e1), . . . , f(en) geram W . 4. Descreva um isomorfismo L(K, V ) ' V . 5. Seja V um espac¸o vectorial de dimensa˜o n e seja p < n. Mostre que qualquer sistema de p vectores linearmente independentes se pode extender a uma base de V . 6. Seja Mn(K) o espac¸o vectorial das matrizes quadradas de ordem n e coeficientes em K. Mostre que S = {X ∈ Mn : X = XT } (XT representa a transposta) e Λ = {X ∈ Mn : X = −XT } sa˜o subespac¸os vectoriais reais e que Mn = S ⊕ Λ. (Sugesta˜o: repare que X = (X +XT )/2+ (X −XT )/2.) Recordamos que as matrizes de S se dizem sime´tricas e as de Λ se dizem anti-sime´tricas. 7. Dado X ∈ Mn×n(C), seja X∗ = XT . Mostre que Mn×n(C) e´ soma directa (sobre R) dos subespac¸os vectoriais reais das matrizes X tais que X = X∗ (matriz hermı´tica) e das matrizes Y tais que Y = −Y ∗ (matriz anti-hermı´tica). 1.2 Topologia As noc¸o˜es principais da teoria dos espac¸os topolo´gicos dominam a geometria diferencial. A generalidade com que queremos abordar este campo da matema´tica, obriga-nos na˜o so´ a recordar as noc¸o˜es principais como a conhecer algumas das suas mais fortes consequeˆncias. 1.2.1 Espac¸os topolo´gicos Dizemos que um conjunto X e´ um espac¸o topolo´gico se a ele estiver atribu´ıda uma topologia, isto e´, uma escolha de um subconjunto A do conjunto das partes de X tal que ∅, X ∈ A, se {Uα} e´ uma famı´lia qualquer de elementos deA, enta˜o ∪α Uα ∈ A, e se U1, . . . , Um sa˜o m (finito) elementos de A, enta˜o ∩mi=1 Ui ∈ A. (1.16) 10 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Os elementos de A dizem-se abertos; os seus complementares sa˜o os fechados. Devido a esta dualidade prova-se que a topologia pode ser descrita pelos fechados, devendo estes satisfazer: ∅, X sa˜o fechados, a intersecc¸a˜o de qualquer famı´lia de fechados e´ fechada e a unia˜o finita de fechados e´ fechada. Aos subconjuntos de X que conteˆm abertos que conteˆm um dado ponto ou elemento x de X da´-se o nome de vizinhanc¸as de x. Duas topologias ocorrem naturalmente sobre qualquer conjunto X: a discreta, PX , onde todos os subconjuntos de X sa˜o considerados abertos, e a cao´tica, onde apenas o vazio e o espac¸o todo sa˜o abertos. Temos de facto duas topologias. Dadas duas topologias A1 e A2 de X dizemos que A1 e´ mais fina que A2, ou que esta e´ menos fina que a primeira, se A1 ⊇ A2. Note-se que a topologia mais fina e´ a que tem mais abertos. Portanto, PX e´ a mais fina e a topologia cao´tica e´ a menos fina de todas. Teorema 1.2.1. Para qualquer conjunto B de partes de um conjunto X existe uma topologia em X com a propriedade de ser a menos fina que conte´m B. Demonstrac¸a˜o. Comec¸amos por notar que a intersecc¸a˜o, A = ∩ιAι, de qualquer famı´lia de topologias de X e´ uma topologia de X. Com efeito, ∅, X ∈ A porque esta˜o em todas; se {Uα} e´ uma famı´lia3 de abertos em todas as topologias Aι, enta˜o ∪αUα esta´ em todos os Aι e portanto em A; o mesmo sucede para a intersecc¸a˜o finita de abertos. Agora, para demonstrar o teorema basta fazer a intersecc¸a˜o de todas as topologias de X que conteˆm B. Tal famı´lia e´ na˜o vazia: PX e´ uma dessas topologias. ¤ Aquela topologia minimal dada pelo teorema diz-se gerada por B. Seja X um espac¸o topolo´gico eM ⊂ X. x ∈ X diz-se aderente aM se cada vizinhanc¸a de x conte´m pelo menos um ponto de M . Denota-se por M a adereˆncia ou fecho de M , isto e´, o conjunto dos pontos aderentes a M e tem-se que M e´ fechado se, e so´ se, M =M . Dizemos que M e´ denso em X se M = X. Um ponto x ∈ X e´ um ponto de acumulac¸a˜o de M se cada vizinhanc¸a de x conte´m pelo menos um ponto de M distinto de x. Um conjunto B de abertos de X e´ uma base da topologia de X se qualquer aberto e´ reunia˜o de abertos de B. O mesmo e´ dizer ∀U aberto, ∀x ∈ U, existe Vx ∈ B : x ∈ Vx ⊂ U. (1.17) E´ fa´cil mostrar que a topologia gerada por B coincide com a original. Estas duas u´ltimas asserc¸o˜es provam que uma topologia em X fica bem determinada se conhecermos um sis- tema fundamental de vizinhanc¸as de cada um dos seus pontos, isto e´, um sistema Bx 3Denotamos uma famı´lia qualquer por { }α, na˜o nos interessando especificar onde e´ que os ı´ndices esta˜o a variar: por isso e´ que dizemos famı´lia e na˜o conjunto. Se essa famı´lia for numera´vel, usamos enta˜o a notac¸a˜o { } n∈N. 1.2 Topologia 11 de vizinhanc¸as de x com a propriedade de outra qualquer vizinhanc¸a conter sempre uma das de Bx. Rec´ıprocamente: Proposic¸a˜o 1.2.1. Dada uma famı´lia B de subconjuntos de um conjunto X qualquer, B e´ base da topologia gerada por si se, e so´ se: (i) X e´ unia˜o dos elementos de B; (ii) dados V1, V2 ∈ B, se x ∈ V1 ∩ V2, enta˜o existe V3 ∈ B : x ∈ V3 ⊂ V1 ∩ V2. Demonstrac¸a˜o. E´ fa´cil verificar que as condic¸o˜es (i) e (ii) sa˜o necessa´rias. Para ver que sa˜o suficientes basta ver que B e´ a base de alguma topologia. Consideramos, mesmo, aquela em que os abertos sa˜o as unio˜es de conjuntos de B. Isto e´ uma topologia porque ∅ e´ a unia˜o vazia; porque se tem (i); porque a unia˜o de uma famı´lia de unio˜es de elementos de B e´ uma unia˜o de elementos de B; e finalmente porque, se Ui = ∪αVi,α, i = 1, 2, Vi,α ∈ B, enta˜o U1 ∩ U2 = ⋃ α,α′ ⋃ x∈V1,α∩V2,α′ V3,α,α′ , (1.18) onde os V3,α,α′ sa˜o dados por (ii), o que prova que qualquer intersecc¸a˜o finita de abertos e´ um aberto. ¤ Um espac¸o topolo´gico que admite uma base numera´vel4 (diz-se que satisfaz o segundo axioma da enumerabilidade) contera´ necessariamente um subconjunto denso. Um espac¸o topolo´gico contendo um conjunto numera´vel e denso chama-se separa´vel. Uma famı´lia {Uα} de subconjuntos de X diz-se uma cobertura de X se X = ∪αUα. A cobertura diz-se aberta (respectivamente fechada, finita) se os conjuntos Uα forem abertos (respectivamente fechados, em nu´mero finito). Se uma subfamı´lia dos {Uα} for ainda uma cobertura de X, enta˜o diz-se que e´ uma subcobertura de X. Proposic¸a˜o 1.2.2 (Lindelo¨f). Suponhamos que X tem uma base enumera´vel. Enta˜o de qualquer cobertura aberta de X pode-se extrair uma subcobertura enumera´vel. Demonstrac¸a˜o. Seja {Oα} uma cobertura aberta e seja {Un} uma base numera´vel. Seja x ∈ X. Como este ponto esta´ nalgum dos abertos Oα, existe enta˜o algum Un,x tal que x ∈ Un,x ⊂ Oα. A totalidade desses Un,x e´ ainda numera´vel e cobre X. A cada n associamos agora um dos Oα que conteˆm Un,x, formando assim uma subcobertura da cobertura de X inicial. ¤ Um subespac¸o topolo´gico do espac¸o topolo´gico X e´ um subconjunto Y de X munido da topologia induzida, isto e´, os abertos de Y sa˜o intersecc¸o˜es de Y com abertos de X. 4Enumera´vel , numera´vel ou ainda conta´vel sa˜o palavras sino´nimas e significam que se pode contar, isto e´, que um dado conjunto e´ finito ou que esta´ em correspondeˆncia biun´ıvoca com os nu´meros naturais. 12 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Mostra-se, com efeito, que tais restric¸o˜es induzem uma estrutura de espac¸o topolo´gico em Y . Uma topologia diz-se deHausdorff se quaisquer dois pontos teˆm vizinhanc¸as disjuntas5. Um subespac¸o de um espac¸o topolo´gico de Hausdorff e´ um espac¸o topolo´gico de Hausdorff, como e´ imediato verificar. As seguintes noc¸o˜es sa˜o fundamentais. Dizemos que um espac¸o topolo´gico X e´ com- pacto se X for de Hausdorff e se, de qualquer cobertura aberta de X, se puder extrair uma subcobertura finita. Esta u´ltima e´ conhecida como a condic¸a˜o de Heine-Borel . Proposic¸a˜o 1.2.3. Seja X um compacto e Y um subespac¸o topolo´gico fechado. Enta˜o Y e´ compacto. Demonstrac¸a˜o. Ja´ vimos que Y tambe´m e´ Hausdorff. Supondo agora que {Vα} e´ uma cobertura aberta de Y , tem-se que para cada α existe Uα aberto em X tal que Vα = Y ∩Uα. Enta˜o aqueles abertos de X juntamente com o aberto X\Y formam uma cobertura aberta de X, donde, por hipo´tese, se pode extrair uma subcobertura finita. Voltando a intersectar os elementos desta subcobertura com Y obtemos o resultado procurado. ¤ Igualmente esclarecedor e´ o seguinte resultado. Proposic¸a˜o 1.2.4. Se X e´ um espac¸o de Hausdorff e Y um subespac¸o topolo´gico compacto, enta˜o Y e´ fechado em X. Demonstrac¸a˜o. Vejamos que o complementar de Y e´ aberto. Seja x um elemento de X\Y . Como X e´ Hausdorff, para cada y ∈ Y existem vizinhanc¸as abertas Uy de x e Vy de y que na˜o se intersectam. Estas vizinhanc¸as dos pontos de Y formam uma sua cobertura e logo, por ser compacto, podemos extra´ır uma subcobertura finita. Sendo enta˜o Y ⊂ Vy1∪. . .∪Vyk , fica provada a existeˆncia de um aberto Uy1 ∩ . . . ∩ Uyk contendo x e na˜o intersectando Y , como quer´ıamos. ¤ Um espac¸o X e´ conexo se as suas u´nicas partes simultaˆneamente abertas e fechadas sa˜o X e o vazio. De maneira equivalente, X e´ conexo se na˜o for unia˜o de dois subconjuntos abertos, na˜o vazios e disjuntos. A demonstrac¸a˜o resulta de pensarmos no complementar de um conjunto simultaˆneamente aberto e fechado, pelo que a asserc¸a˜o anterior tambe´m vale com o termo ‘fechados’. 5Tambe´m se pode dizer que a topologia e´ separada. 1.2 Topologia 13 1.2.2 Aplicac¸o˜es cont´ınuas Seja f : X → Y uma aplicac¸a˜o entre dois espac¸os topolo´gicos X e Y , e seja x ∈ X. Dizemos que f e´ cont´ınua em x se ∀V viz. de f(x) em Y, ∃U viz. de x em X : f(U) ⊂ V. (1.19) Dizemos que f e´ cont´ınua em X se o for emtodos os pontos de X. Na˜o e´ demais salientar que a noc¸a˜o de continuidade e´ uma noc¸a˜o local , ie. so´ depende da func¸a˜o numa vizinhanc¸a de cada ponto. Proposic¸a˜o 1.2.5. Uma func¸a˜o f : X → Y e´ cont´ınua em X se, e so´ se, a imagem inversa de qualquer aberto em Y e´ aberta em X. Demonstrac¸a˜o. Tem-se imediatamente que a condic¸a˜o e´ suficiente. Vejamos que e´ neces- sa´ria. Sendo V um aberto em Y , queremos ver que f−1(V ) = {x ∈ X : f(x) ∈ V } e´ aberto em X. Ora, para cada ponto x desta imagem inversa, como V e´ uma vizinhanc¸a de f(x) e f e´ cont´ınua, existe uma vizinhanc¸a U de x tal que f(U) ⊂ V , ou seja, U ⊂ f−1(V ) e logo este conjunto e´ aberto em X. ¤ Uma vez que o conjunto f−1(Y \A) e´ composto de elementos de X que teˆm imagem em Y e na˜o em A, ou seja, e´ igual a f−1(Y )\f−1(A), qualquer que seja o subconjunto A, tambe´m podemos enunciar a proposic¸a˜o anterior dizendo que f e´ cont´ınua em X se, e so´ se, a imagem inversa de um fechado em Y e´ fechada em X. Supondo dadas func¸o˜es cont´ınuas g : Y → Z e f : X → Y , veˆ-se logo, pela proposic¸a˜o, que g ◦ f : X → Z e´ uma func¸a˜o cont´ınua. Outra propriedade nota´vel e´ a que segue. Proposic¸a˜o 1.2.6. Se f : X → Y e´ cont´ınua e X e´ conexo, enta˜o f(X) com a topologia induzida de Y e´ conexo. Demonstrac¸a˜o. Seja Z ⊂ f(X) um subconjunto simultaˆneamente aberto e fechado, na˜o vazio. Existem enta˜o um aberto Z ′ e um fechado Z ′′ de Y tais que Z = f(X) ∩ Z ′ = f(X) ∩ Z ′′, como exigem as definic¸o˜es. De tais subconjuntos Z ′ e Z ′′ descobre-se logo que as suas imagens inversas sa˜o iguais a` imagem inversa de Z por f . Assim f−1(Z) = X, por este ser conexo; o que implica por outro lado que Z = f(X). ¤ Uma aplicac¸a˜o diz-se aberta se a imagem directa de qualquer aberto e´ um aberto; uma aplicac¸a˜o f : X → Y chama-se um homeomorfismo se f for bijectiva, cont´ınua e se f−1 : Y → X for cont´ınua. Em virtude de 1.2.5, podemos dizer que um homeomorfismo e´ uma aplicac¸a˜o que e´ bijectiva, cont´ınua e aberta. Igualmente importante e´ o resultado seguinte, cuja prova envolve manipulac¸o˜es seme- lhantes a` anterior. 14 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Proposic¸a˜o 1.2.7. Seja f : X → Y uma func¸a˜o cont´ınua com espac¸o de chegada de Hausdorff. Se X e´ compacto, enta˜o f(X) com a topologia induzida de Y e´ compacto. Com a conhecida topologia da recta real gerada pelos intervalos abertos, temos o im- portante resultado seguinte generalizando outro de Weierstrass: Corola´rio 1.2.1 (Weierstrass). Seja f : X → R uma func¸a˜o cont´ınua sobre um espac¸o X compacto. Enta˜o f admite um ma´ximo e um mı´nimo. 1.2.3 Topologias produto e quociente Duas u´ltimas definic¸o˜es que permitem produzir novos espac¸os. Dados dois espac¸os topo- lo´gicos X e Y consideramos no produto cartesiano X × Y a topologia produto, que e´ gerada pelos produtos cartesianos U ×V de abertos U em X e V em Y . Daqui resulta sem dificuldade que as duas projecc¸o˜es pi1 : X × Y → X e pi2 : X × Y → Y sa˜o cont´ınuas e abertas. Tambe´m, por exemplo fixando x ∈ X, a inclusa˜o Y −→ X × Y y 7−→ (x, y) (1.20) e´ uma aplicac¸a˜o cont´ınua. Proposic¸a˜o 1.2.8. Dois espac¸os topolo´gicos X,Y sa˜o ambos, respectivamente, de Haus- dorff, separa´veis, compactos ou conexos se, e so´ se, X × Y e´ um espac¸o, respectivamente, de Hausdorff, separa´vel, compacto ou conexo. Demonstrac¸a˜o. A condic¸a˜o e´ suficiente porque as projecc¸o˜es pi1, pi2 sa˜o cont´ınuas e abertas. Assim, se o produto e´ de Hausdorff e x1, x2 ∈ X, tomamos y ∈ Y e vizinhanc¸as disjuntas W1,W2 respectivamente de (x1, y), (x2, y) em X × Y . Estas contera˜o por definic¸a˜o, respec- tivamente, vizinhanc¸as abertas U1 × V1 e U2 × V2 daqueles pontos. Claro que estas sera˜o disjuntas e U1 e U2 disjuntos sera˜o, provando que X e´ de Hausdorff. O mesmo se faz, mutatis mutandis, para Y . Quanto a` separabilidade, se {(xj , yj)} e´ um conjunto numera´vel denso, fazemos um truque como o anterior e provamos que {xj} e´ um conjunto denso em X. Finalmente, se X ×Y e´ compacto ou conexo, enta˜o pi1(X ×Y ) = X e´, respectivamente, compacto ou conexo pelas proposic¸o˜es 1.2.6 e 1.2.7. Vejamos que a condic¸a˜o e´ necessa´ria. Suponhamos primeiro que {xj},{yj} sa˜o conjun- tos numera´veis e densos respectivamente em X e Y . Enta˜o {(xi, yj)}i,j∈N tambe´m e´ um conjunto numera´vel e e´ denso em X × Y : qualquer vizinhanc¸a W de (x, y) conte´m uma vizinhanc¸a do tipo U × V , com U aberto em X e V aberto em Y , e por a´ı se veˆ que W intersecta o conjunto numera´vel. Logo X × Y e´ separa´vel. Agora suponhamos X,Y de Hausdorff. Dados (x1, y1), (x2, y2) ∈ X×Y dois pontos distintos, podemos supoˆr sem perda de generalidade que x1 6= X − 2. Como existem vizinhanc¸as U1 de x1 e U2 de x2 em X 1.2 Topologia 15 tais que U1 ∩ U2 = ∅, resulta enta˜o que U1 × Y ∩ U2 × Y = ∅ o que prova que o produto cartesiano e´ de Hausdorff. Para finalizar suponhamos X,Y compactos e seja {Wα} uma cobertura aberta de X×Y . Enta˜o para cada x ∈ X existem αx1 , . . . , αxkx dos α’s, em nu´mero finito, tais que os respectivos Wαxi , i = 1, . . . , kx, cobrem {x} × Y . Prova-se sem grande dificuldade, usando de novo a compacidade de Y , que existe vizinhanc¸a aberta Ux de x em X tal que Ux × Y ⊂Wαx1 ∪ . . . ∪Wαxkx . Agora, a famı´lia dos Ux forma uma cobertura aberta de X, pelo que podemos extra´ır uma subcobertura finita Ux1 , . . . , Uxl . Daqui resulta que a famı´lia finita {Wαxji }, j = 1, . . . , l, i = 1, . . . , kx, forma uma subcobertura de X × Y , como quer´ıamos. Deixamos como exerc´ıcio a demonstrac¸a˜o de que, se X,Y sa˜o conexos, enta˜o o produto cartesiano e´ conexo. ¤ Finalmente temos a definic¸a˜o de topologia quociente. Suponhamos queX e´ um espac¸o topolo´gico e f : X → Y e´ uma aplicac¸a˜o para um conjunto Y qualquer. Podemos enta˜o munir Y de uma topologia: aquela que e´ gerada pelos subconjuntos V tais que f−1(V ) e´ aberto em X. Temos com efeito a topologia menos fina que faz f ser cont´ınua. Mais ainda, nesta topologia os abertos de Y sa˜o precisamente osW ⊂ Y tais que f−1(W ) e´ aberto em X, pois se W = ∪αVα com os Vα abertos em Y , enta˜o f−1(W ) = ∪αf−1(Vα) e´ aberto em X. Exerc´ıcios 1. Seja B a base de uma topologia A. Mostre que a topologia gerada por B coincide com A. 2. Sejam A,B dois subconjuntos conexos de um espac¸o topolo´gico X. Mostre que A∪B e´ conexo se, e so´ se, A ∩B 6= ∅ ou A ∩B 6= ∅. (Referimo-nos a` topologia induzida). 3. Sejam A,B subconjuntos de um espac¸o topolo´gico X. Suponha A conexo e A ⊂ B ⊂ A. Mostre que B e´ conexo. Conclua que A e´ conexo. 4. Seja f : X → Y uma aplicac¸a˜o entre dois espac¸os topolo´gicos. Seja B uma base de Y . Prove que f e´ cont´ınua se, e so´ se, f−1(U) e´ aberto qualquer que seja U ∈ B. 5. Demonstre as proposic¸o˜es 1.2.6 e 1.2.7. Agora, sejam X compacto, Y de Hausdorff e f : X → Y bijectiva e cont´ınua. Prove que f e´ um homeomorfismo. 6. Descreva a topologia produto de Rn. Mostre que as func¸o˜es (u, v) 7→ u+v e (λ, u) 7→ λu sa˜o cont´ınuas, u, v ∈ Rn, λ ∈ R. Caso n = 1, mostre que u/v e´ cont´ınua (v 6= 0). 16 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio 7. Mostre que todas as func¸o˜es polinomiais Rn → R sa˜o cont´ınuas. O mesmo para as func¸o˜es racionais (raza˜o entre dois polino´mios), no seu domı´nio. 8. Seja X um espac¸o topolo´gico e W ⊂ X. x ∈ X diz-se um ponto interior a W se existe uma vizinhanc¸a de x em X contida em W . x diz-se fronteiro a W se qualquer sua vizinhanc¸a intersecta W e X\W . Um ponto x diz-se exterior a W se na˜o for interior nem fronteiro. Mostre que qualquer x ∈ X esta´ somente num dos treˆs casos anteriores. Mostre que W e´ aberto se, e so´ se, todos os seus pontos sa˜o interiores. Mostre que um ponto e´ interior a W se, e so´ se, e´ exterior a X\W . Mostre que W = {pontos interiores ou fronteiros}. 9. Mostre que R e´ separa´vel. O mesmo para Rn. Indique os pontosinteriores, fronteiros, exteriores, aderentes e de acumulac¸a˜o dos subconjuntos Q∩]0, 1] e {(1 + 1n)n}n∈N. 10. Seja f : X → Y uma func¸a˜o entre dois espac¸os topolo´gicos. Seja a ∈ X. Dizemos que b e´ o limite de f em a, e escrevemos limx→a f(x) = b, se qualquer que seja a vizinhanc¸a V de b existe uma vizinhanc¸a U de a tal que f(U) ⊂ V . Mostre que f e´ cont´ınua em a se, e so´ se, limx→a f(x) = f(a). 11. Defina o limite de sucesso˜es num espac¸o topolo´gico. Mostre que num espac¸o de Haus- dorff o limite, quando existe, e´ u´nico. 12. Sejam f : X → Rn uma func¸a˜o cont´ınua em a ∈ X (cf. exerc´ıcio 6) e limitada numa vizinhanc¸a U de a (ie. a imagem f(U) esta´ dentro de um intervalo limitado [−L,L]n). Seja g : X → R uma func¸a˜o tal que limx→a g(x) = 0. Mostre que limx→a(fg)(x) = 0. 13. Seja f : X → Y cont´ınua e A ⊂ X, B ⊂ Y subespac¸os topolo´gicos. Denotando a restric¸a˜o de f a A por f|A : A → Y , mostre que f|A e´ cont´ınua. Agora suponha f(X) ⊂ B e pense em f como func¸a˜o de X em B. Mostre que esta e´ cont´ınua. 14. Demonstre que se X,Y sa˜o conexos enta˜o X×Y e´ conexo. Mostre que X,Y teˆm base numera´vel de abertos se, e so´ se, X × Y tem base numera´vel de abertos. 15. Seja f : X → Y × Z. Verifique que f e´ cont´ınua se, e so´ se, sa˜o cont´ınuas as suas componentes em Y e em Z. Mostre que a func¸a˜o de R2 em R = R ∪ ∞ = S1 (!) definida por f(s, t) = |s/t| se t 6= 0 e f(s, 0) =∞ na˜o e´ cont´ınua embora o sejam cada uma das func¸o˜es s 7→ f(s, t) e t 7→ f(s, t) (quando se consideram, respectivamente, t e s fixos). 16. Mostre que, com a topologia quociente em Y , se f : X → Y e´ injectiva enta˜o f e´ aberta. Mostre que se f e´ aberta e X tem base numera´vel de abertos, enta˜o Y tem base numera´vel de abertos. 17. Os dois ‘so´lidos’ da figura 1.1 sera˜o homeomorfos? Imagine agora que eles se moldam como se de uma mate´ria pla´stica se tratasse. Mostre que os dois so´lidos se podem transformar um no outro. 1.3 Espac¸os me´tricos 17 Figura 1.1: Homeomorfos? E “homoto´picos”? Tambe´m. 18. Mostre que (X × Y )× Z e´ homeomorfo a Y × (X × Z). 19. Sabendo que os intervalos |a, b| de R sa˜o conexos (o s´ımbolo | denota ‘aberto’ ou ‘fechado’), mostre que os intervalos |a1, b1| × · · · × |an, bn| de Rn sa˜o conexos. O mesmo para as intersecc¸o˜es de intervalos deste tipo. E ainda para os complementares de um intervalo noutro, se n > 1. 20. Mostre que a unia˜o numera´vel de numera´veis e´ numera´vel. 1.3 Espac¸os me´tricos A mate´ria apresentada nesta secc¸a˜o e´ um subcap´ıtulo da anterior, cujo interesse sera´ o´bvio quando construirmos me´tricas sobre certos espac¸os da geometria riemanniana. A teoria mais geral dos espac¸os topolo´gicos permite uma introduc¸a˜o ra´pida dos espac¸os me´tricos, mas uns e outros mais tarde e´ que se revelara˜o. 1.3.1 Noc¸o˜es principais Da´-se o nome de espac¸o me´trico a um conjuntoX fornecido de uma aplicac¸a˜o d : X×X → [0,+∞[, chamada distaˆncia, que satisfaz as seguintes propriedades: d(x, y) = 0 se, e so´ se, x = y, d(x, y) = d(y, x) (simetria), d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z) (desigualdade triangular), (1.21) 18 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio quaisquer que sejam os pontos x, y, z ∈ X. Fixada aquela estrutura, podemos considerar em X a topologia (dita de espac¸o me´trico) gerada pelas bolas abertas, isto e´, pelo sistema de vizinhac¸as de um ponto x ∈ X B(x, r) = { y ∈ X : d(x, y) < r}, r ∈ R+. (1.22) Proposic¸a˜o 1.3.1. As bolas abertas formam um sistema fundamental de vizinhanc¸as na topologia da me´trica. A func¸a˜o d e´ cont´ınua. Demonstrac¸a˜o. Para a primeira parte basta-nos ver que as bolas formam uma base, ja´ que elas ja´ foram definidas em func¸a˜o dos pontos de X. Vamos aplicar a proposic¸a˜o 1.2.1, conferindo (i) e (ii) daquele resultado. Ora, tem-se X = ∪x∈XB(x, 1). E, se x ∈ B(a, r) ∩ B(b, s), tome-se δ = min{r − d(x, a), s − d(x, b)}. Ter-se-a´ enta˜o x ∈ B(x, δ) ⊂ B(a, r) ∩ B(b, s), pois, se y esta´ na primeira bola, enta˜o d(y, a) ≤ d(y, x) + d(x, a) ≤ r − d(x, a) + d(x, a) = r e pela mesma raza˜o se prova que d(y, b) ≤ s, ou seja, y esta´ na intersecc¸a˜o B(a, r)∩B(b, s), como quer´ıamos. Para provar que d e´ cont´ınua, seja (x, y) ∈ X × X e seja ² > 0. Queremos encontrar uma vizinhanc¸a W de (x, y), na topologia produto, tal que d(W ) ⊂ ]d(x, y)− ², d(x, y) + ²[ . Tomamos enta˜o W = B(x, ²/2)×B(y, ²/2), donde vira´ para qualquer par (z, w) ∈W d(x, y)− d(z, w) ≤ d(x, z) + d(z, w) + d(w, y)− d(z, w) < ², bem como d(z, w)− d(x, y) ≤ d(z, x) + d(x, y) + d(y, w)− d(x, y) < ², permitindo concluir |d(x, y)− d(z, w)| < ². ¤ Todo o espac¸o me´trico e´ de Hausdorff. Mais ainda, todo o espac¸o me´trico e´ normal, ie. e´ um espac¸o topolo´gico de Hausdorff tal que quaisquer dois fechados disjuntos possuem vizinhanc¸as disjuntas. Em geral, um qualquer espac¸o topolo´gico diz-se metrisa´vel se a sua topologia provem de uma me´trica. Se isto acontece, enta˜o ele tem de ser normal e verificar o primeiro axioma da enumerabilidade: todo o ponto tem um sistema fundamental de vizinhanc¸as enumera´vel. Ja´ vimos que um espac¸o topolo´gico com base numera´vel e´ separa´vel. No cap´ıtulo dos espac¸os me´tricos tem-se a rec´ıproca. Proposic¸a˜o 1.3.2. Um espac¸o me´trico X tem uma base numera´vel se, e so´ se, X e´ se- para´vel. 1.3 Espac¸os me´tricos 19 Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que X e´ separa´vel, ou seja, existe {xn}n∈N subconjunto denso em X. Podemos enta˜o considerar a base de X definida por{ B(xn, 1m) : n,m ∈ N } que e´ numera´vel porque N× N e´ equipotente a N. ¤ Dizemos que um espac¸o me´trico X e´ pre´-compacto6 se, qualquer que seja ² > 0, existe uma cobertura finita de X por meio de bolas de raio ². Isto e´ equivalente a` existeˆncia de um subconjunto finito F tal que, ∀x ∈ X, a distaˆncia de x a F e´ menor que ². Naturalmente, a distaˆncia entre dois subconjuntos A,B ⊂ X e´ definida por d(A,B) = inf{d(x, y) : x ∈ A, y ∈ B}. (1.23) Outra noc¸a˜o relevante e´ a de diaˆmetro de um conjunto A ⊂ X. Trata-se do valor, eventu- almente infinito, diam(A) = sup{d(x, y) : x, y ∈ A}. (1.24) Diz-se, enta˜o, que A e´ limitado se o seu diaˆmetro e´ finito; o que e´ equivalente a A estar contido nalguma bola. Prova-se facilmente que todo o espac¸o pre´-compacto e´ limitado. Lema 1.3.1. Todo o espac¸o me´trico pre´-compacto e´ separa´vel. Demonstrac¸a˜o. Por definic¸a˜o, para cada n natural, existe An finito tal que, ∀x ∈ X, se tem d(x,An) < 1n . Tomando A = ∪nAn vem que A e´ numera´vel e resulta que, para cada x, existe an ∈ A tal que d(x, an) < 1n , donde x ∈ A. Ou seja, A e´ numera´vel e denso em X. ¤ 1.3.2 Espac¸os me´tricos completos Nos espac¸os me´tricos convem abordar as questo˜es relacionadas com infinite´simos. Dado um tal espac¸o X, munido da habitual distaˆncia d, dizemos que uma sucessa˜o {xn}n∈N de pontos7 de X converge para x ∈ X se d(xn, x) → 0 (aqui trata-se da convergeˆncia na topologia de R). Tambe´m se pode dizer que x e´ o limite de xn. E´ um exerc´ıcio, quase imediato, verificar que S = {xn}n∈N ⊂ X conte´m alguma subsucessa˜o8 convergente se, e so´ se, S admite algum ponto de acumulac¸a˜o. Numa sucessa˜o convergente os seus pontos aproximam-se uns dos outros, tendo por limite um determinado ponto. Podemos supoˆr, contudo, que existem sucesso˜es cujos termos 6Tambe´m se pode chamar totalmente limitado. 7Consideraremos sempre que as sucesso˜es teˆm infinitos pontos distintos entre si. Portanto na˜o teˆm sequer subsucesso˜es constantes. 8Recordamos que uma subsucessa˜o de {xn} e´ uma escolha ordenada de alguns dos xn, ou seja, e´ uma sucessa˜o {xnk}k∈N com k 7→ nk crescente. 20 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio se aproximam uns dos outros e das quais se desconhece a` partida se teˆm ou na˜o limite. Sa˜o as chamadas sucesso˜es de Cauchy {xn}n∈N em X: ∀δ > 0, ∃p : n,m > p ⇒ d(xn, xm) < δ. (1.25) Seno espac¸o me´trico X todas as sucesso˜es de Cauchy sa˜o convergentes, enta˜o X diz-se completo (recorde-se que esta propriedade e´ conhecida da construc¸a˜o da recta real, sendo equivalente ao “teorema dos intervalos encaixados”). Imediatamente se constata que qualquer subconjunto Y de um espac¸o me´trico X herda uma estrutura de espac¸o me´trico: basta tomar a restric¸a˜o da aplicac¸a˜o distaˆncia a esse subconjunto. Claro que, enta˜o, a topologia de Y coincide com a topologia induzida pela do espac¸o maior. Se X for completo e Y for fechado, enta˜o Y tambe´m e´ completo, pois qualquer sucessa˜o de Cauchy em Y e´ sucessa˜o de Cauchy em X e, como tal, possui limite. Como os limites sa˜o pontos aderentes e Y = Y , conclui-se que o limite esta´ em Y . Nos espac¸os completos reaparecem resultados fundamentais do caso especial, bem co- nhecido, da recta real. Teorema 1.3.1. Seja X um espac¸o me´trico. As seguintes asserc¸o˜es sa˜o equivalentes: (i) X e´ compacto; (ii) de qualquer sucessa˜o em X podemos extrair uma subsucessa˜o convergente; (iii) X e´ pre´-compacto e completo. Demonstrac¸a˜o. (i)⇒(ii) Suponhamos que X e´ compacto e S = {xn}n∈N e´ uma sucessa˜o sem pontos de acumulac¸a˜o em X. Para cada k ∈ N, seja Sk = {xn}n≥k. Qualquer um destes subconjuntos Sk e´ fechado porque na˜o tem pontos aderentes ale´m dos seus pro´prios pontos. E´ claro que X = ∞⋃ k=1 X\Sk, pelo que daqui e da hipo´tese podemos extrair uma subcobertura finita: X = X\Sk1 ∪ . . . ∪X\Skl . (1.26) Mas isto e´ absurdo, porque, sendo ki = max{k1, . . . , kl}, vemos que Ski na˜o esta´ contido no lado direito da igualdade (1.26). S tem de ter algum ponto de acumulac¸a˜o; logo de S podemos extrair uma subsucessa˜o convergente. (ii)⇒(iii) E´ imediato que X e´ completo, pois uma sucessa˜o de Cauchy, admitindo por hipo´tese uma subsucessa˜o convergente, tem de convergir e para o mesmo limite. Provemos agora que X e´ pre´-compacto. Seja ² um real > 0 qualquer. Escolhamos x1 ∈ X, x2 ∈ X\B(x1, ²), x3 ∈ X\(B(x1, ²) ∪ B(x2, ²)) e assim por diante. Supondo que na˜o se tem pre´-compacidade, podemos construir uma sucessa˜o {xn}n∈N tal que xn+1 /∈ B(x1, ²) ∪ . . . ∪B(xn, ²). (1.27) 1.3 Espac¸os me´tricos 21 Existe, por hipo´tese, uma subsucessa˜o {xnk}k∈N da sucessa˜o constru´ıda, que e´ convergente. Chamando xˆ ∈ X ao seu limite, existe enta˜o uma ordem k0 tal que xnk ∈ B(xˆ, ²/2), ∀k > k0. Mas enta˜o teremos de ter xnk+1 ∈ B(xnk , ²), porque d(xnk+1 , xnk) ≤ d(xnk+1 , xˆ) + d(xˆ, xnk) < ², em contradic¸a˜o com (1.27). (iii)⇒(i) Suponhamos que X e´ pre´-compacto e completo. Do lema 1.3.1 vem que X e´ se- para´vel. Da proposic¸a˜o 1.3.2 resulta enta˜o que X tem uma base numera´vel, e da proposic¸a˜o 1.2.2 concluimos que nos basta considerar coberturas abertas de X enumera´veis, para ver que X e´ compacto. Tal como as anteriores, esta demonstrac¸a˜o far-se-a´ por reduc¸a˜o ao absurdo. Seja X = ∪nUn uma cobertura enumera´vel qualquer. Pensando naquela reunia˜o como X = ∞⋃ n=1 n⋃ i=1 Ui, podemos ja´ supoˆr que Un ⊂ Un+1. Tomemos agora, para cada natural n, um xn ∈ X\Un. Note-se que o caso estaria resolvido se um destes conjuntos X\Un fosse vazio. Vejamos que S = {xn}n∈N tem um ponto de acumulac¸a˜o. Existe uma cobertura X = B(y(1)1 , 1 2) ∪ . . . ∪B(y (1) k1 , 12), por X ser pre´-compacto. Segue que S tem uma parte infinita S1 nalgum B(y(1)i1 , 1 2). Usando de novo a pre´-compacidade de X e excluindo logo as bolas distantes, vemos que se pode considerar de novo uma unia˜o finita B(y(1)i1 , 1 2) ⊂ B(y (2) 1 , 1 4) ∪ . . . ∪B(y (2) k2 , 14) ⊂ B(y (1) i1 , 1), e deduzir que S1 tem uma parte infinita S2 nalgum B(y(2)i2 , 1 4). Podemos assim construir uma sucessa˜o de subconjuntos infinitos Sm ⊂ B(y(m)im , 12m ) ⊂ B(y (m−1) im−1 , 1 2m−2 ). Como os pontos y(m)im se aproximam uns dos outros, d(y (p) ip , y (q) iq ) < 1 2p−2 se q > p, e como X e´ completo, deduz-se que a sucessa˜o {y(m)im } converge para algum ponto yˆ. Ora, tambe´m se podem escolher pontos xim ∈ Sm, e construir uma subsucessa˜o de {xn} que, estando dentro daquelas bolas, tera´ de convergir; para o mesmo limite yˆ. Este e´ por isso um ponto de acumulac¸a˜o de S. Repare-se que yˆ /∈ Un, qualquer que seja n. Caso contra´rio, se pertencesse a um Uk, viria xm ∈ Uk, ∀m a partir de certa ordem, o que e´ falso por construc¸a˜o. Finalmente, devemos concluir que yˆ ∈ ∞⋂ n=1 X\Un. Mas este conjunto e´ vazio, pelo que chegamos a um absurdo. ¤ 22 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio A condic¸a˜o (ii) apresentada no teorema9 e´ conhecida como o teorema de Bolzano-- Weierstrass. Recorde-se que a topologia usual de R tambe´m vem de uma me´trica e que, por construc¸a˜o dos nu´meros reais, R e´ completo. Deixamos como exerc´ıcio a verificac¸a˜o de que a topologia produto de Rn e´ tambe´m dada pela distaˆncia d(x, y) = max {|yi − xi| : i = 1, . . . , n} (1.28) ∀x, y ∈ Rn. O exerc´ıcio e´ imediato ja´ que B(x, ²) =]x1 − ², x1 + ²[× · · ·×]xn − ², xn + ²[. Claramente obtemos um espac¸o completo pois uma sucessa˜o e´ de Cauchy em Rn se, e so´ se, as suas componentes sa˜o de Cauchy em R. Posto isto, temos o seguinte: Corola´rio 1.3.1. A ⊂ Rn e´ compacto se, e so´ se, A e´ fechado e limitado. Demonstrac¸a˜o. Comec¸emos por supoˆr A compacto. Enta˜o A e´ pre´-compacto e logo limi- tado. Seja a ∈ A; prova-se fa´cilmente que existe sucessa˜o xk → a com os xk ∈ A. Pelo teorema existe uma subsucessa˜o de xk que converge em A; mas as subsucesso˜es convergem para o mesmo limite que as sucesso˜es quando estas convergem. Logo so´ podemos ter a ∈ A. Agora suponhamosA fechado e limitado. Enta˜oA e´ completo, como se observou antes do teorema. Vejamos que A e´ pre´-compacto. Seja ² > 0 qualquer. Uma vez que consideramos a topologia induzida, so´ queremos ver que A esta´ contido numa unia˜o finita de bolas de raio ². Seja e1, . . . , en a base cano´nica de Rn e considere-se o conjunto I = ² 4 Ze1 + · · ·+ ²4Zen. Existe um subconjunto finito I = {yi} contido em I tal que A ⊂ ∪yi∈IB(yi, ²/2), porque A e´ limitado. Supomos desde ja´ que cada uma das bolas tem intersecc¸a˜o na˜o vazia com A. Assim, para cada yi ∈ I podemos escolher xi ∈ B(yi, ²/2) ∩ A. Enta˜o a unia˜o das bolas B(xi, ²) cobre A, pois sendo a ∈ A, existe algum yi ∈ I tal que d(yi, a) < ²/2. Logo d(xi, a) ≤ d(xi, yi) + d(yi, a) < ²2 + ² 2 = ² como quer´ıamos. Encontra´mos uma cobertura finita formada de bolas de raio ²; esta´ provado que A e´ pre´-compacto. Como tambe´m e´ completo, concluimos que A e´ compacto pelo teorema. ¤ Necessitaremos de considerar outros ‘espac¸os vectoriais topolo´gicos’ ale´m de Rn. Seja V um espac¸o vectorial sobre K. Uma norma em V e´ uma aplicac¸a˜o ‖ ‖ : V → [0,+∞[ que verifica: ‖u‖ = 0⇔ u = 0, ‖λu‖ = |λ|‖u‖, ‖u+ v‖ ≤ ‖u‖+ ‖v‖ (1.29) 9Tendo surgido no se´culo XIX a propo´sito do estudo dos subconjuntos compactos de C. A condic¸a˜o de Heine-Borel e´ mais recente — uma nota cronolo´gica pontual que talvez ajude no concerto das ideias. 1.3 Espac¸os me´tricos 23 ∀u, v ∈ V, ∀λ ∈ K. O par (V, ‖ ‖) diz-se enta˜o um espac¸o vectorial normado. Prova-se fa´cilmente (exerc´ıcio 4) que toda a norma define uma distaˆncia em V e logo que, com a topologia da me´trica, as operac¸o˜es de adic¸a˜o e multiplicac¸a˜o por escalar sa˜o cont´ınuas. Corola´rio 1.3.2. Suponhamos que V e´ um espac¸o vectorial normado de dimensa˜o finita n. Seja v1, . . . , vn uma base de V . Enta˜o o isomorfismo f : Rn → V definido por f(x1, . . . , xn) = x1v1 + · · ·+ xnvn (1.30) e´ um homeomorfismo. Demonstrac¸a˜o. Por linearidade e pelas observac¸o˜es precedentes, e´ imediato verificar que qualquer aplicac¸a˜o linear e´ cont´ınua se, e so´ se, ela e´ cont´ınua no ponto 0. Vejamos enta˜o que f e´ cont´ınua em 0. Tem-se 0 ≤ ‖f(x)‖ ≤ n∑ i=1 |xi|‖vi‖ pelo que o limite de f(x)quando x = (x1, . . . , xn)→ 0 e´ nulo, ou seja igual a f(0). Usando o crite´rio dado no exerc´ıcio 1, conclu´ımos que f e´ cont´ınua. Vejamos a continuidade de f−1 em 0 invocando o crite´rio anterior. Seja {vk} uma sucessa˜o em V tal que vk → 0 e f−1(vk) = xk ∈ Rn. Podemos ja´ supoˆr que todos os vk sa˜o na˜o nulos, ou que exclu´ımos os vectores nulos daquela sucessa˜o. Seja tk = max{|xki | : i = 1, . . . , n}. Vamos denotar ainda pelo mesmo tk uma subsucessa˜o dos tk, supondo que existe, que na˜o tem 0 como ponto de acumulac¸a˜o10. Enta˜o d (xk tk , 0 ) = max i ∣∣∣xki tk ∣∣∣ = 1. Pelo coroa´rio anterior o conjunto fechado e limitado Q = {y ∈ Rn : d(y, 0) = 1} e´ compacto, logo pelo teorema 1.3.1 a sucessa˜o {xk/tk} admite uma subsucessa˜o convergente em Q. Seja enta˜o xkj/tkj essa subsucessa˜o, com limite x ∈ Q. Enta˜o, por f ser linear e cont´ınua, vem que lim j f (xkj tkj ) = lim j vkj tkj = f(x) = u e logo, como x 6= 0, vem u 6= 0. Daqui resulta lim j tkj = lim j ‖vkj‖ ‖vkjtkj ‖ = 0 ‖u‖ = 0 o que e´ absurdo. Concluimos que todas as subsucesso˜es teˆm 0 como ponto de acumulac¸a˜o. Pelo exerc´ıcio 2 resulta que a sucessa˜o tk → 0; o que implica que xk tende para 0, como quer´ıamos demonstrar. ¤ 10Ou seja, existe um ² > 0, tal que todos os tk verificam |tk| ≥ ². 24 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Exerc´ıcios 1. Diz-se que uma sucessa˜o S = {xn} num espac¸o topolo´gico Y converge para x ∈ Y se, ∀ vizinhanc¸a V de x, ∃p : n ≥ p ⇒ xn ∈ V . Usa-se enta˜o a notac¸a˜o xn → x ou limxn = x. Suponha agora que Y e´ um espac¸o me´trico. a) Mostre que as duas noc¸o˜es de convergeˆncia em Y ja´ apresentadas coincidem. b) Mostre que uma sucessa˜o S = {xn} em Y tem alguma subsucessa˜o convergente se, e so´ se, S admite algum ponto de acumulac¸a˜o. c) Prove que entre espac¸os me´tricos X,Y a continuidade de uma func¸a˜o f : X → Y num ponto a ∈ X e´ equivalente a` seguinte condic¸a˜o: ∀{xn}, xn → a⇒ f(xn)→ f(a). 2. Prove que se S = {xn} e´ uma sucessa˜o num espac¸o me´trico e todas as subsucesso˜es de S teˆm um mesmo ponto x ∈ S como ponto de acumulac¸a˜o, enta˜o xn → x. 3. Seja (X, d) um espac¸o me´trico, A,B ⊂ X. Mostre que se A∩B 6= ∅, enta˜o d(A,B) = 0. Prove a rec´ıproca na hipo´tese de X ser compacto. 4. Seja V um espac¸o vectorial. Mostre que toda a norma definida em V induz uma distaˆncia em V (sugesta˜o: reflectir sobre (1.28)). Com essa topologia prove que (u, v) 7→ u + v e (λ, v) 7→ λv sa˜o cont´ınuas. Mostre que ‖(x1, . . . , xn)‖ = maxi |xi| define uma norma em Rn e que a topologia dada por esta norma e´ a usual (e´ chamada a norma do ma´ximo). 5. Sejam U, V,W treˆs espac¸os vectoriais normados. Seja A ∈ L(V,W ) (espac¸o das aplicac¸o˜es lineares de V para W ). Mostre que ‖A‖ = sup ‖u‖=1 ‖A(u)‖ (1.31) define uma norma no subespac¸o vectorial L(V,W ) = {A ∈ L(V,W ) : ‖A‖ < +∞}. Mostre que ‖A(u)‖ ≤ ‖A‖‖u‖, ∀u ∈ V , e que, se B ∈ L(U, V ), enta˜o ‖A ◦ B‖ ≤ ‖A‖‖B‖. Em tendo tempo, mostre ainda que ‖A‖ = inf{a ∈ R+ : ‖A(u)‖ ≤ a‖u‖, ∀u ∈ V }. (1.32) 6. Seja V um espac¸o vectorial normado de dimensa˜o finita. Utilize um argumento como na demonstrac¸a˜o do corola´rio 1.3.2 para mostrar que S = {v ∈ V : ‖v‖ = 1} e´ compacto. (Sugesta˜o: so´ falta ver que f−1(S) e´ limitado, onde f : Rn → V e´ a aplicac¸a˜o descrita em (1.30)). 7. Sejam V,W dois espac¸os vectoriais normados, com V de dimensa˜o finita. Mostre que L(V,W ) = L(V,W ). (Sugesta˜o: utilize o corola´rio 1.3.2 para ver que qualquer aplicac¸a˜o linear e´ cont´ınua; depois use o exerc´ıcio 6). Conclua: independentemente ‘das bases’ ou das normas, todas as aplicac¸o˜es lineares partindo de um espac¸o de dimensa˜o finita sa˜o cont´ınuas . 1.4 Mais conceitos da topologia 25 8. Mostre que quaisquer duas normas ‖ ‖1, ‖ ‖2 em V de dimensa˜o finita sa˜o equiva- lentes, ou seja, existem constantes a, b > 0 tais que a‖u‖1 ≤ ‖u‖2 ≤ b‖u‖1 (sugesta˜o: estude Id : V → V ). Conclua pelo corola´rio 1.3.2 que V e´ completo. Mostre que se L ⊂ V e´ limitado numa norma, enta˜o e´ limitado na outra. 9. Estude a norma euclidiana em Rn dada por ‖(x1, . . . , xn)‖2 = x21 + · · ·+ x2n. 1.4 Mais conceitos da topologia Por vezes temos de ver as coisas com pormenor e com tempo; por exemplo para considerar certas propriedades que sa˜o satisfeitas apenas localmente — este adve´rbio sera´ usado para criar muitos substantivos —, ou para encontrar condic¸o˜es que permitam construir func¸o˜es entre espac¸os. Falamos de tempo, ale´m do mais, porque nesta secc¸a˜o opta´mos por suprimir as demonstrac¸o˜es de certos resultados cla´ssicos, que para a geometria nos pareceram de somenos importaˆncia. O leitor sequioso de progredir na geometria podera´ dispensar, por agora, a presente exposic¸a˜o. 1.4.1 Duas questo˜es sobre conexos Comec¸amos com duas noc¸o˜es globais. Um espac¸o topolo´gico X e´ decomposto em partes conexas. Para compreender isso estabelecemos uma relac¸a˜o entre os seus pontos x ∼ y se existe um conexo A ⊂ X, x, y ∈ A, (1.33) que e´ de equivaleˆncia (ver exerc´ıcio 2, secc¸a˜o 1.2 para provar a transitividade). A classe de equivaleˆncia C(x) de cada ponto x ∈ X e´ chamada a componente conexa de x. E´ o´bvio que C(x) coincide com o maior subconjunto conexo de X ao qual x pertence. Como o fecho de um conexo e´ conexo, cada componente conexa e´ um fechado. Um espac¸o topolo´gico diz-se conexo por arcos se quaisquer que sejam x, y ∈ X existe uma aplicac¸a˜o cont´ınua (uma curva) fx,y : [0, 1] → X tal que fx,y(0) = x, fx,y(1) = y. X sera´ em particular conexo porque as imagens fx,y([0, 1]) sa˜o conexas e logo, ∀x, y ∈ X, y ∈ C(x). Donde C(x) = X, ∀x. 1.4.2 Va´rias propriedades definidas localmente Seja de novo X um espac¸o topolo´gico. Dizemos que X e´ localmente conexo (respecti- vamente, localmente conexo por arcos) se cada ponto tem um sistema fundamental de 26 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio vizinhanc¸as conexas (respectivamente, conexas por arcos). Note-se que um espac¸o pode ser conexo por arcos e na˜o ser sequer localmente conexo. Proposic¸a˜o 1.4.1. 1. Um espac¸o topolo´gico e´ localmente conexo se, e so´ se, as componentes conexas de qualquer aberto sa˜o abertas. 2. Um espac¸o topolo´gico conexo e localmente conexo por arcos e´ conexo por arcos. Demonstrac¸a˜o. 1. A condic¸a˜o e´ necessa´ria: seja U um aberto, A uma das suas componentes conexas e x ∈ A. Por hipo´tese, existe uma vizinhanc¸a conexa de x contida em U . Logo contida em A por definic¸a˜o, donde A e´ aberto. A condic¸a˜o e´ suficiente: tomamos para sistema fundamental de vizinhanc¸as de cada ponto x ∈ X as componentes conexas, que conteˆm x, dos abertos que conteˆm x. Por hipo´tese elas sa˜o abertas, logo vizinhanc¸as de cada um dos seus pontos. 2. Fixamos x e consideramos o conjunto X0 = {y ∈ X : existe curva ligando x a y}. X0 e´ na˜o vazio porque x ∈ X0. A sua fronteira e´ vazia: se esta tivesse algum ponto z, enta˜o liga´vamo-lo ao interior de X0 usando uma vizinhanc¸a V de z conexa por arcos e logo, por ‘colagem’ de curvas, qualquer ponto de V seria a fortiori ligado a x. Isto prova que z estaria no interior de X0. Como X e´ conexo e X0 e´ aberto e fechado, X = X0. ¤ Um espac¸o topolo´gico X diz-se localmente compacto se for de Hausdorff e se cada x ∈ X tiver uma vizinhanc¸a compacta. Proposic¸a˜o 1.4.2. Seja X um espac¸o topolo´gico normal. X e´ localmente compacto se, e so´ se, cada ponto tem um sistema fundamental de vizinhanc¸as compactas. Demonstrac¸a˜o. Sendo trivial mostrar que a condic¸a˜o e´ suficiente, verifiquemos que ela e´ necessa´ria. Seja Kx a vizinhanc¸a compacta de x ∈ X. Seja U um aberto qualquer contendo x. Uma vez que X e´ de Hausdorff, {x} e´ fechado. A segunda condic¸a˜o de X ser normal assegura que os fechados X\U e {x} possuem vizinhanc¸as abertas, respectivamente, A e U1 que na˜o se intersectam. Enta˜o V = X\A e´ fechado,e´ vizinhanc¸a de x por conter U1, e V ∩ Kx e´ vizinhanc¸a compacta de x contida em U . Encontra´mos assim o sistema fundamental de vizinhanc¸as compactas. ¤ Dadas duas coberturas {Vβ}, {Uα} de X, dizemos que a primeira e´ um refinamento da segunda se todo o Vβ esta´ contido nalgum Uα. Uma cobertura {Uα} diz-se localmente finita se cada ponto tem uma vizinhanc¸a W que encontra apenas uma quantidade finita de Uα’s, isto e´, W ∩ Uα 6= ∅ apenas para um nu´mero finito de α’s. 1.4 Mais conceitos da topologia 27 1.4.3 Espac¸os paracompactos Eis a propriedade que interessa para o desenvolvimento da teoria das ‘variedades topolo´- gicas’, que afinal a satisfazem de forma muito natural. Esta propriedade previne a ocorreˆncia de espac¸os com uma estrutura muito obstrusa, no sentido em que as func¸o˜es reais e cont´ınuas deixam de ser raras. Da´-se o nome de paracompacto a um espac¸o topolo´gico X que e´ de Hausdorff e tal que, para qualquer cobertura aberta de X, existe uma cobertura que e´ ao mesmo tempo um refinamento daquela e localmente finita. Por exemplo, todos os compactos sa˜o paracompactos. Apresentamos em seguida um conjunto de resultados fundamentais, cuja demonstrac¸a˜o, como dissemos, na˜o nos parece essencial para o que segue. Teorema 1.4.1 (Dieudonne´). Todo o espac¸o paracompacto e´ normal. Teorema 1.4.2 (Dieudonne´). Se X e´ localmente compacto e e´ a unia˜o numera´vel de sub- conjuntos compactos, enta˜o X e´ paracompacto. Em particular, todo o espac¸o localmente compacto e com base numera´vel e´ paracompacto. Teorema 1.4.3 (Urysohn). Seja X um espac¸o topolo´gico com base numera´vel. Tem-se que X e´ normal se, e so´ se, X e´ metrisa´vel. Teorema 1.4.4 (de extensa˜o de Tietze-Urysohn). Seja Z um espac¸o me´trico, A ⊂ Z um fechado e f uma aplicac¸a˜o cont´ınua e limitada de A em R. Enta˜o existe uma aplicac¸a˜o cont´ınua f˜ : Z → R que coincide com f em A (uma extensa˜o) e tal que sup Z f˜ = sup A f, inf Z f˜ = inf A f. (1.34) Corola´rio 1.4.1 (Urysohn). Seja Z um espac¸o me´trico e sejam A,B ⊂ Z dois fechados, na˜o vazios e disjuntos. Enta˜o existe uma func¸a˜o cont´ınua f : Z → [0, 1] tal que f(x) = 1, ∀x ∈ A, f(x) = 0, ∀x ∈ B. (1.35) Demonstrac¸a˜o. Deduz-se este resultado aplicando o teorema anterior a` func¸a˜o definida sobre A ∪B que vale 1 em A e 0 em B, e que e´ por isso cont´ınua. ¤ O lema de Urysohn tambe´m vale num espac¸o normal com base enumera´vel. A im- portaˆncia de tomar a classe, com intersecc¸a˜o mais restrita, dos espac¸os paracompactos mostra-se a seguir. Vejamos mais um teorema devido a Dieudonne´. Teorema 1.4.5 (do encolhimento). Seja X um espac¸o normal. Seja I uma famı´lia de ı´ndices e {Ui}i∈I uma cobertura aberta e localmente finita de X. Enta˜o existe uma cobertura aberta {Vi}i∈I de X tal que V i ⊂ Ui, ∀i ∈ I. 28 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Dada uma func¸a˜o φ : X → R chamamos suporte de φ ao conjunto suppφ = {x ∈ X : φ(x) 6= 0}. (1.36) Este conjunto e´ portanto igual ao mais pequeno fechado fora do qual φ e´ nula. Seja U = {Ui}i∈I uma cobertura aberta de um espac¸o topolo´gico X. Uma famı´lia {φi}i∈I de func¸o˜es reais definidas em X e cont´ınuas φi : X −→ R (1.37) constitui uma partic¸a˜o da unidade subordinada ou associada a U se 1) φi ≥ 0; 2) suppφi ⊂ Ui; 3) cada ponto x ∈ X tem uma vizinhanc¸a aberta que encontra os suppφi apenas numa quantidade finita de i’s; 4) ∑ i∈I φi(x) = 1, ∀x ∈ X. Repare-se que o somato´rio faz sentido por causa de 3). Teorema 1.4.6. E´ condic¸a˜o necessa´ria e suficiente para um espac¸o topolo´gico ser para- compacto, que ele seja de Hausdorff e que toda a cobertura aberta tenha uma partic¸a˜o da unidade associada. Demonstrac¸a˜o. Suponhamos que X e´ paracompacto e seja U = {Ui}i∈I uma cobertura aberta. Enta˜o X e´ normal e existe um refinamento U ′ = {U ′i}i∈I localmente finito. Pelo teorema do encolhimento existem ainda refinamentos V = {Vi}i∈I , tal que V i ⊂ U ′i , e W = {Wi}i∈I , tal que W i ⊂ Vi. Agora, pelo lema de Urysohn existe uma func¸a˜o φ′i cont´ınua, com valores em [0, 1], igual a 1 em W i e igual a 0 fora de Vi. Uma vez que V,W sa˜o coberturas localmente finitas a soma ψ = ∑ i∈I φ ′ i e´ cont´ınua e na˜o nula em nenhum ponto. As func¸o˜es φi = φ′i/ψ satisfazem as propriedades 1), 2), 3), 4). Rec´ıprocamente suponhamos que toda a cobertura aberta U = {Ui}i∈I admite uma partic¸a˜o da unidade associada {φi}i∈I . Sendo Vi o interior de suppφi, enta˜o os Vi cobrem X (por 4) e sa˜o um refinamento de U (por 2) localmente finito (por 3). Logo X e´ paracom- pacto. ¤ A demonstrac¸a˜o do u´ltimo teorema encontra-se em [Hir95]; ver tambe´m [Hir95, Die44] a propo´sito dos teoremas de J. Dieudonne´. Refereˆncias para o teorema de P. S. Urysohn podera˜o ser encontradas em [KF82] e o teorema de Tietze-Urysohn esta´ demonstrado em [Die66]. Exerc´ıcios 1. Verifique as condic¸o˜es de partic¸a˜o da unidade das func¸o˜es φi encontradas na demons- trac¸a˜o do u´ltimo corola´rio. 2. Mostre que propriedades topolo´gicas como compacto, conexo, separa´vel, localmente conexo ou paracompacto sa˜o invariantes por homeomorfismo. Encontre outras. 1.5 Ca´lculo diferencial 29 3. Sabendo que os conexos de R sa˜o os intervalos, mostre que toda a func¸a˜o cont´ınua f : X → R num espac¸o conexo X, que tome os valores c e d, tem de tomar tambe´m todos os valores entre c e d (resultado conhecido como teorema de Bolzano). 4. Mostre que R e´ localmente compacto. Encontre duas coberturas de R, uma localmente finita e a outra na˜o. Mostre que R e´ paracompacto. 5. Encontre um espac¸o me´trico localmente compacto que na˜o seja completo. 6. Mostre que {(x, sen 1x) ∈ R2 : x ∈ R+}∪ {(x, y) : x = 0 ou y = 0} e´ conexo por arcos mas na˜o e´ localmente conexo. 7. Seja X um espac¸o localmente compacto. Mostre que um subespac¸o de X fechado e´ localmente compacto. Mostre que se X e´ normal e U e´ um aberto enta˜o U tambe´m e´ localmente compacto. Prove que todos os abertos ou fechados deR sa˜o paracompactos. 8. Seja X um espac¸o topolo´gico. Um subespac¸o Y diz-se localmente fechado em X se existem um aberto A e um fechado F em X tais que Y = A ∩ F . Mostre que os subconjuntos abertos e os subconjuntos fechados sa˜o localmente fechados. Mostre que se f : X → Y ′ e´ cont´ınua e Y e´ localmente fechado em Y ′, enta˜o f−1(Y ) e´ localmente fechado em X. Sendo Y ⊂ B ⊂ X mostre que Y e´ localmente fechado em X se, e so´ se, Y e´ localmente fechado em B. 9. ([Die66]) Mostre que os subespac¸os localmente compactos de um espac¸o me´trico sa˜o localmente fechados. 10. Mostre que os abertos conexos de Rn sa˜o conexos por arcos. 11. Mostre que o produto cartesiano de espac¸os localmente compactos, com base nu- mera´vel, e´ paracompacto. 1.5 Ca´lculo diferencial Esta secc¸a˜o aborda os principais conceitos e teoremas do ca´lculo diferencial, aqui servindo para fundar a notac¸a˜o e para posterior refereˆncia. O espac¸o vectorial Rn sobre o corpo dos nu´meros reais e´ um espac¸o me´trico separa´vel e completo, com a distaˆncia d entre dois pontos x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn) definida por d(x, y) = ‖x− y‖ = √ (x1 − y1)2 + . . .+ (xn − yn)2. (1.38) Com esta estrutura damos a (Rn, d) o nome de espac¸o euclidiano. O surgimento da notac¸a˜o ‖·‖ deve-se ao facto de aquela distaˆncia provir de uma norma (ver exerc´ıcios 4,6,8,9 30 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio da secc¸a˜o 1.3). E´ importante ter presente que as bolas fechadas e as esferas Sn−1r = {v ∈ Rn : ‖v‖ = r} sa˜o espac¸os compactos, com a topologia induzida de Rn e que, portanto, quaisquer func¸o˜es cont´ınuas a´ı definidas sa˜o limitadas. Uma bola e´ um exemplo de um conjunto convexo. Um subconjunto X do espac¸o euclidiano diz-se convexo se ∀x, y ∈ X, ∀t ∈ [0, 1], ty + (1− t)x ∈ X. (1.39) Rn e´ portanto normal, localmente conexo, localmente compacto eparacompacto. 1.5.1 Propriedades fundamentais das func¸o˜es diferencia´veis Essencialmente, o ca´lculo diferencial consiste na ana´lise da ‘parte linear’ das func¸o˜es de uma certa classe, de modo a obter mais informac¸a˜o e diversa sobre essas func¸o˜es e o seu domı´nio. Consideremos um aberto U de Rn, uma func¸a˜o f : U → Rm e um ponto x ∈ U . Dizemos que f e´ diferencia´vel em x se existe uma aplicac¸a˜o linear ξ : Rn → Rm tal que, escrevendo11 f(x+ v) = f(x) + ξ(v) + o(v), (1.40) resulta12 lim v→0 o(v) ‖v‖ = 0 (1.41) (neste limite e´ claro que se exclui v = 0). Multiplicando (1.41) por ‖v‖, segue de imediato que tambe´m se tem limv→0 o(v) = 0 = o(0). A aplicac¸a˜o linear ξ e´ chamada aplicac¸a˜o linear derivada, ou diferencial, de f em x e denota-se tanto por df(x) como por dfx. A equac¸a˜o (1.40) toma assim o aspecto f(x+ v) = f(x) + dfx(v) + o(v). (1.42) Os valores df(x)(v) sa˜o chamados de derivadas direccionais de f no ponto x segundo a direcc¸a˜o v. Proposic¸a˜o 1.5.1. Se uma func¸a˜o f e´ diferencia´vel em x, enta˜o ela e´ cont´ınua em x. Demonstrac¸a˜o. Verifica-se que lim v→0 f(x+ v) = lim v→0 ( f(x) + df(x)(v) + o(v) ) = f(x), 11Relativamente a (1.40), e´ claro que se considera v suficientemente pequeno de tal modo que x+ v ainda esta´ no domı´nio de f — so´ se pretende caracterizar f numa vizinhanc¸a de x. Note-se tambe´m que a equac¸a˜o serve para definir a func¸a˜o o e que claramente ξ, o podera˜o mudar de ponto para ponto, isto e´, dependem de x. 12Relativamente a (1.41), note-se que, pelos exerc´ıcios sobre normas anteriormente referidos, fica´mos a saber que todas as normas em Rn sa˜o equivalentes, pelo que o limite ser nulo na˜o depende da norma utilisada. Em particular, a noc¸a˜o de diferenciabilidade na˜o depende da me´trica. E´ esta propriedade que faz a “geometria diferencial” ser independente da “geometria riemanniana”, onde a me´trica em geral varia de ponto para ponto. 1.5 Ca´lculo diferencial 31 entre outros, por todas as aplicac¸o˜es lineares entre espac¸os de dimensa˜o finita serem con- t´ınuas. ¤ Seja e1, . . . , en a base cano´nica de Rn, isto e´, para cada i = 1, . . . , n, ei = (0, . . . , 0, 1, 0 . . . , 0) (1.43) com 1 no i-e´simo lugar e o resto tudo zeros. As derivadas parciais de f em x sa˜o (denotadas e) definidas por ∂f ∂xi (x) = df(x)(ei) = lim t→0 f(x+ tei)− f(x) t (1.44) (no caso n = 1, denotamos ∂f∂x (x) = dfx(1) por f ′(x)). Com efeito, fazendo v = tei, t ∈ R+, vem que ‖v‖ = t e pelas definic¸o˜es vem que lim t→0 1 t ( f(x+ tei)− f(x) ) = lim t→0 1 t ( df(x)(tei) + o(tei) ) = lim t→0 df(x)(ei) + o(tei) t = df(x)(ei) (1.45) Em virtude desta igualdade, da unicidade do limite e do facto de uma aplicac¸a˜o linear ficar determinada pelas imagens dos vectores de uma base, podemos concluir que, se f for diferencia´vel, existe somente uma aplicac¸a˜o linear diferencial de f , ou seja, satisfazendo (1.40) e (1.41). Proposic¸a˜o 1.5.2. Sejam f, g : U → Rm duas aplicac¸o˜es diferencia´veis no mesmo ponto x no interior de U . Seja λ ∈ R. Enta˜o: 1. f + g e´ diferencia´vel em x e d(f + g)(x) = df(x) + dg(x); 2. λf e´ diferencia´vel em x e d(λf)(x) = λdf(x); 3. (regra de Leibniz) Se f : U → R, enta˜o fg : U → Rm e´ diferencia´vel em x e d(fg)(x)(v) = ( df(x)(v) ) g(x) + f(x) ( dg(x)(v) ) (1.46) Demonstrac¸a˜o. Sendo triviais 1 e 2 resta-nos demonstrar 3. Ora, invocando serem satisfeitas para f e g as condic¸o˜es (1.40) e (1.41), vem fg(x+ v) = f(x+ v)g(x+ v) = ( f(x) + dfx(v) + o(v) )( g(x) + dgx(v) + o˜(v) ) = f(x)g(x) + dfx(v)g(x) + f(x)dgx(v) + +dfx(v)dgx(v) + o(v)g(x+ v) + f(x+ v)o˜(v) e, tendo em conta que f e g sa˜o cont´ınuas em x, deduz-se a diferenciabilidade de fg por se verificar lim v→0 dfx(v)dgx(v) + o(v)g(x+ v) + f(x+ v)o˜(v) ‖v‖ = lim v→0 dfx ( v ‖v‖ ) dgx(v) + o(v) ‖v‖ g(x+ v) + f(x+ v) o˜(v) ‖v‖ = 0. 32 Cap´ıtulo 1. Material preparato´rio Note-se que os vectores v/‖v‖ esta˜o sobre a esfera Sn−1 de raio 1, sobre a qual df(x) tem imagem limitada, e que usa´mos novamente a continuidade, como aplicac¸o˜es lineares, dos diferenciais de f e g. Cf. com exerc´ıcio 12 da secc¸a˜o 1.2. ¤ Teorema 1.5.1 (derivada da func¸a˜o composta). Sejam U ⊂ Rn, V ⊂ Rm abertos, x ∈ U, f : U → Rm uma func¸a˜o diferencia´vel em x, tal que f(x) ∈ V , e g : V → Rp uma func¸a˜o diferencia´vel em f(x). Tem-se enta˜o que g ◦ f : U → Rp e´ diferencia´vel em x e d(g ◦ f)x = dgf(x) ◦ dfx, (1.47) ou seja, para qualquer vector v tem-se a igualdade d(g ◦ f)x(v) = dgf(x)(dfx(v)). Demonstrac¸a˜o. Da hipo´tese de diferenciabilidade de f e g resulta g ◦ f(x+ v) = g(f(x) + dfx(v) + o(v)) = g(f(x)) + dgf(x)(dfx(v) + o(v)) + o˜(dfx(v) + o(v)) = g ◦ f(x) + dgf(x)(dfx(v)) +O(v), onde o, o˜ sa˜o dados por (1.40), e satisfazem (1.41), e onde O(v) = dgf(x)(o(v))+ o˜(dfx(v)+ o(v)). Falta-nos enta˜o verificar que O(v)/‖v‖ e´ um infinite´simo com v. Ora, tomando o limite em v e considerando desde ja´ que w(v) = dfx(v) + o(v) 6= 0 — o u´nico obsta´culo relevante —, vem que tambe´m w(v)→ 0 e lim v→0 O(v) ‖v‖ = limv→0 1 ‖v‖ ( dgf(x)(o(v)) + o˜(w(v)) ) = lim v→0 dgx(o(v)) ‖v‖ + o˜(w(v)) ‖w(v)‖ ‖w(v)‖ ‖v‖ = lim v→0 dgx (o(v) ‖v‖ ) + o˜(w(v))‖w(v)‖ ∥∥dfx( v‖v‖)+ o(v)‖v‖ ∥∥ = 0, por razo˜es ja´ conhecidas, como quer´ıamos demonstrar. ¤ Em diversas situac¸o˜es convem apresentar o diferencial de uma func¸a˜o de uma forma mais expl´ıcita, em termos de coordenadas. Suponhamos que U e´ um aberto de Rn e f : U → R e´ uma func¸a˜o diferencia´vel em x = (x1, . . . , xn) ∈ U . Visto que se pode escrever qualquer vector v = (v1, . . . , vn) de Rn como v = v1e1 + · · ·+ vnen, vem enta˜o por linearidade que df(x)(v) = df(x)(v1e1 + · · ·+ vnen) = v1df(x)(e1) + · · ·+ vndf(x)(en) = v1 ∂f ∂x1 (x) + · · ·+ vn ∂f ∂xn (x). (1.48) Suponhamos agora que f : U ⊂ Rn → Rm, f(x1, . . . , xn) = (y1, . . . , ym), e´ uma func¸a˜o diferencia´vel em x. Enta˜o f e´ dada por um sistema de m func¸o˜es reais y1 = f1(x1, . . . , xn) ... ym = fm(x1, . . . , xn). (1.49) 1.5 Ca´lculo diferencial 33 Por (1.42), teremos para cada v ∈ Rn df(x)(v) = ( df1(x)(v), . . . , dfm(x)(v) ) = ( n∑ i=1 vi ∂f1 ∂xi (x), . . . , n∑ i=1 vi ∂fm ∂xi (x) ) . (1.50) Assim, a matriz da aplicac¸a˜o linear df(x) : Rn → Rm, nas bases cano´nicas, e´ dada pela matriz das derivadas parciais J(f) = ∂f1 ∂x1 · · · ∂f1∂xn · · · ∂fm ∂x1 · · · ∂fm∂xn (1.51) a chamada matriz jacobiana de f . Mais ainda, depreende-se logo, observando as defini- c¸o˜es, que a diferenciabilidade de f em x e´ equivalente a` condic¸a˜o de serem diferencia´veis em x cada uma das componentes fj , 1 ≤ j ≤ m. Em lugar de um exemplo, recuperando o enunciado do teorema 1.5.1 e fazendo f(x1, . . . , xn) = (y1, . . . , ym), g(y1, . . . , ym) = (z1, . . . , zp) (1.52) temos a sugestiva equac¸a˜o representando a regra da derivac¸a˜o da func¸a˜o composta ∂z1 ∂x1 · · · ∂z1∂xn · · · ∂zp ∂x1 · · · ∂zp∂xn x = ∂z1 ∂y1 · · · ∂z1∂ym · · · ∂zp ∂y1 · · · ∂zp∂ym f(x) ∂y1 ∂x1 · · · ∂y1∂xn · · · ∂ym ∂x1 · · · ∂ym∂xn x (1.53) — um resultado importado de simples a´lgebra linear. Em particular, vem ∂z ∂x = ∂z ∂y1 ∂y1 ∂x + · · ·+ ∂z ∂ym ∂ym ∂x (1.54) se n = p = 1. Repare-se que a aplicac¸a˜o linear df(x) fica de facto determinada pelas derivadas parciais ∂fi ∂xj (x), mas a mera existeˆncia destas na˜o implica que f seja diferencia´vel em x — esta condic¸a˜o e´ mais forte. Veja-se a este propo´sito o exerc´ıcio 1. Temos todavia o resultado seguinte, muito u´til na pra´tica. Teorema 1.5.2. Seja U um aberto de Rn e x ∈ U . Suponhamos que uma
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