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Perguntas que nos deixam pensativos
Por Antônio Porfírio Filho
No que estou pensando agora? Bem, deixe-me ver... Há perguntas por nós ouvidas, as quais parecem ditas de forma despretensiosa, mas que nos chegam com tamanha perspicácia que nos deixam pensativos, levam-nos à reflexão.
Uma reflexão que poderemos inferir de tais frases é se realmente são despretensiosas, se o interlocutor as proferiu sem nenhuma vontade de nos fazer pensar sobre o assunto apontado. A aparência é de que elas foram mencionadas sem intenção alguma de nos atingir à expressão do pensamento. Não são aqueles tipos de frases feitas de autores ou pensadores famosos, aliás, sobre essas, pouquíssimas me remetem algum interesse. Dentre tais, uma que mais tem aspecto de verdadeiro período sempre me fazia utilizá-lo em meus trabalhos acadêmicos. O momento era bom para ler, reler, copiar, e assim utilizá-lo como epígrafe. Senão vejamos:
O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida. (MACHADO DE ASSIS, in Esaú e Jacó).
O velho mestre, com esse ensinamento de como ler um texto, de como ouvir as verdades, lembrava-nos da importância de fazê-lo sob um olhar crítico, fazendo-se análise do discurso e, para tanto, é necessário que se façam leituras, releituras, insistência na análise do que se lê.
Eis que me apresento diante de dois exemplos daqueles tipos de frases que inquietam o espírito, que fazem o leitor trabalhar o cérebro, utilizando-se, quando tem a devida sorte, dos quatro estômagos que o fazem ser um leitor atento.
A primeira. O que você planta? Ora, essa frase guarda em si certo grau de obviedade, pois se dirigida a um agricultor, de certo que esse irá descrever a natureza de seus produtos: “aqui eu planto feijão; milho; abacaxi... planto de tudo”. Por outro lado, a depender das reais intenções do entrevistador, daquele que fez a pergunta, ela perde seu aspecto de mera oração despretensiosa. E eis que se está diante de quatro palavras que se juntam para abalar o ouvinte, para fazê-lo inquietar-se a respeito de sua vida, do que já fez, do que está fazendo, do que está por fazer. Essa é uma frase que, na ânsia de tentar-lhe dar uma resposta, o interlocutor incorre em riscos de promover incompreensões a respeito de si e dos outros.
Veja só. A frase o que você planta? Aqui sendo exposta com uma relevância filosófica, guarda em si um aspecto de complexidade subjetiva que levaria uma vida para tentar-se respondê-la. A armadilha que se poderia cair é a tentação de dar uma resposta que pareça resolutiva, esclarecedora, o ponto final. E qual certeza se poderia ter ao querer que a resposta tenha essa conotação? Onde estaria a verdade em se afirmar ou negar a respeito de si próprio, sem ouvir alguém que te observa, e que, talvez, tenha um olhar mais crítico do que a própria pessoa?
Ora, a frase remete a outra: a pessoa colhe o que planta. Isto é, se as ações da pessoa são boas (atos que a sociedade relaciona como adequados à convivência em grupos), para si coisas boas virão. Se fosse assim, como explicar que alguém dedicado à família; aos amigos; ao trabalho sucumbe precocemente, enquanto uma pessoa tida por alguém mau, perigoso para a sociedade, consegue superar a idade média nacional? Bem, na falta da resposta convincente, costuma-se aguardar fatos marcantes, sejam de aspectos positivos, sejam negativos, para tirarem-se conclusões sobre as pessoas. “Fulano colheu o que plantou”. E isso, se é bom ou ruim a respeito de fulano, no futuro tem-se uma resposta.
Segunda frase. Em que você é bom? Tão inquietante quanto a que acabamos de escrever, essa frase nos põe em conversa íntima conosco. Em que você é bom? Primeiro, o que você faz? O que se espera de você, diante do que você faz? Consegue atingir o ideal, ao fim do dia? Todos esses e outros questionamentos, por certo, advêm da realização dessa frase.
Há um problema na tentativa de respondê-la. O de parecer-se arrogante, ao afirmar-se em que se acha bom. “Esse cara se acha, só quer ser o tal”. Por outro lado, incorre-se no receio de demonstrar-se insegurança, insatisfação, incompletude caso não se tente pelo menos dar uma resposta ao interlocutor: “nossa, não pensei que essa pessoa fosse tão sem sal, não sabe o que quer coitado”.
Mas e então, em que você é bom? Bem, que resposta deve-se dar àquele que nos pergunta? A do tipo óbvio? – Sou bom pai, excelente esposo, ótimo funcionário, cumpridor de minhas obrigações cívicas e tributárias etc. etc. etc. (e tal), mesmo que, no fundo, isso não lhe satisfaça? Ou um “não sei, o que você acha?” resolveria a questão? Essa, talvez, esteja em como realmente a própria pessoa se vê diante da resposta que profere: será que o agrada, o satisfaz?
Há um aspecto que se deve levar em conta nessa frase: vamos encontrar pessoas que têm alguma habilidade e competência (ambas, ou uma ou outra) e se assumirão dotadas da mais perfeita condição humana em talentos. Por outro lado, encontrar-se-ão pessoas que já viveram tantas coisas na vida (interessantes ou não), que já tenham uma escolaridade tão avançada, com graduações, pós lato senso, mestrado, doutorado, ph que não se sentirão confortáveis em dar uma resposta à questão em que você é bom?. 
Do resumo da ópera, uma saída viável e confortável, é utilizar-se da negativa da velha frase dos mestres filósofos, e então alegar que, não obstante a vasta experiência seja profissional seja de vida, a conclusão que este pequeno fragmento inacabado chegou é a de que só sei que nada sei.

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