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Escolas Hermenêuticas no Direito

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Escolas Hermenêuticas
Os diversos métodos, técnicas ou elementos de interpretação do Direito deram origem às Escolas, que propuseram um sistema de interpretação, o qual constitui uma organização dos procedimentos do intérprete ligados à interpretação, de acordo com uma ideologia político-jurídica que o orienta.
Observe-se que o Direito, em razão de seu natural caráter autoritário, constitui-se no meio mais eficiente para a justificação de uma ideologia ou interesse. Logo, partindo-se do pressuposto de que a norma jurídica nada diz, pois que seu significado é construído e reconstruído pelo hermeneuta, se este dispõe de uma sistematização de métodos que direciona a aplicação do Direito às suas conveniências, verá seus interesses satisfeitos. Eis aqui a lógica da sistematização dos procedimentos, que caracterizam as Escolas Hermenêuticas.
Os sistemas ou Escolas Hermenêuticas podem ser classificados em quatro grupos, a saber:
a)Escola Dogmática ou Exegética;
b)Escola Histórica;
c)Escola da Livre Pesquisa ou Livre Criação do Direito;
d)Escola do Jusnaturalismo.
 
- Escola Exegética (França, séc. XIX):
Parte do pressuposto de que o intérprete é escravo da lei. Prega o culto desmedido aos códigos, inadmitindo qualquer lacuna. O símbolo maior dessa Escola foi o Código Civil Francês de 1804 (Código de Napoleão).
Este Código era considerado obra completa e acabada, expressão da filosofia liberal e individualista que triunfou com a Revolução Francesa. De acordo com essa Escola, os códigos não deixam nada ao arbítrio do juiz, competindo-lhe, por meio da interpretação gramatical (literal), extrair o sentido do texto legal.
Observa-se aqui um positivismo exacerbado, sob o influxo da separação das funções estatais, pugnando pela não-interferência do Judiciário no campo do Legislativo, por meio de outro método interpretativo que não o literal.
Outra manifestação do positivismo encontra-se na Escola dos pandectistas alemães, que elaboraram um sistema de normas, baseado no Direito Romano, por meio de um estudo do Corpus Iuris Civilis.
Estes interpretavam o texto legal considerando a intenção do legislador à época da feitura do texto (influxo da corrente subjetivista do referencial adotado). Dentre as manifestações positivas há ainda a Escola Analítica de Jurisprudência, segundo a qual o Direito tem por objeto as leis positivas, sendo irrelevantes os valores ou o conteúdo ético que as inspiram.
Dentro da Escola Exegética podemos proceder à distinção de duas orientações:
a)Escola Exegética Extremada: aqui o pressuposto geral é sempre de que a lei é clara e que, portanto, seus termos correspondem ao pensamento do legislador. b)Escola Exegética Moderada: aqui há a recomendação da consulta às fontes que propiciaram o texto ao legislador, o exame dos trabalhos preparatórios, a ponderação das consequências das interpretações possíveis e, finalmente, a indagação do espírito da lei.
 
- Escola Histórica (Alemanha, séc. XIX):
Aqui há uma insurgência contra o positivismo exacerbado. Esta Escola entende que o Direito é um produto histórico, que surge espontaneamente das convicções do povo. Assim, cada Estado tem seu próprio Direito, proveniente do “espírito do povo” (volksgeist), e afirma que qualquer legislação deveria ser interpretada em consonância com os costumes vigentes.
Savigny admitia as interpretações gramatical, lógica, sistemática, histórica, sociológica e teleológica. Sua maior pretensão seria introduzir o método hermenêutico na dogmática jurídica, elevando o Direito ao patamar de ciência. A dogmática hermenêutica é a Ciência do Direito encarada na perspectiva da teoria da interpretação.
 
A Escola subdivide-se em:
a)Escola histórico-dogmática: teve como representante maior Savigny, e preconizava que o intérprete não deveria se limitar ao texto legal para solucionar os conflitos, mas utilizar-se também do elemento sistemático. Logo, caso a intenção do legislador conflitasse com a manifestação da consciência coletiva, o intérprete deveria optar por esta última;
b)Escola histórico-evolutiva: teve como representante maior Saleilles, que entendia que o intérprete deveria não só considerar o que o legislador quis, mas o que quereria se vivesse à época da aplicação da lei. Saleilles sustentava que as normas jurídicas sujeitavam-se à lei geral da evolução;
c)Escola Teleológica: teve como fundador Rudolf von Ihering. Essa verente vê o Direito como um organismo vivo, produto da luta dos povos, das classes sociais, dos governos e dos indivíduos. Sua finalidade é a proteção de interesses, que, se opostos, devem ser conciliados, com a predominância dos interesses sociais. –
 
Escola da Livre Criação do Direito
Prega uma maior liberdade de interpretação. Subdivide-se em:
a)Escola Científica Francesa: prega que o Direito não está todo contido na norma legal, embora a considere como a mais importante das fontes. Logo, o intérprete deverá preencher essas lacunas com as demais fontes do direito. Ex.: LINDB, art. 4º, CLT, art. 8º;
b)Escola do Direito Livre: proposto pela Escola Alemã (1906), apresenta uma reação contra o princípio da plenitude do direito positivo. Entende que o Direito não emana sempre da vontade do Estado, devendo o intérprete submeter-se à lei e também aos estudos sociológicos, quando os textos não oferecerem uma solução adequada e justa.
Aqui vislumbram-se duas tendências:
b1) extremada: também conhecida como Escola do Direito Justo, recomenda ao juiz aplicar a lei só quando ela fosse justa, e, caso fosse injusta, decidiria de acordo com os critérios da consciência. Essa Escola é criticada pela ameaça que representa à segurança jurídica, pois as decisões dependeriam unicamente da subjetividade do juiz;
b2) moderada: autoriza a criação de norma jurídica pelo intérprete apenas quando se deparasse com uma lacuna, após esgotadas todas as fontes do Direito; só após esse esgotamento o juiz estaria “legitimado” a criar uma norma mais justa.
 
Escola do direito natural ou do jusnaturalismo (XVII e XVIII).
Nos séculos XVII e XVIII teve início a Escola do Direito Natural, a qual teve sua grande inspiração no holandês Huig Van Der Groot, cujo nome foi alatinado para Hugo Grotius.
Opondo-se às doutrina teleológicas do feudalismo, Grotius afirmava que o fundamento do Direito reside na própria natureza humana.
A ideia era a de que para além da legislação positiva havia um Direito ideal, formado por princípios imutáveis e verdadeiros em qualquer lugar, e que o homem o descobre graças a sua razão.
O objetivo do legislador, então, era adaptar sua lei (princípios secundários) à lei eterna (princípios primários), como faz o operário que reproduz no mármore o original do artista.
Referida Escola exerceu notável influência nas grandes codificações do início do século XIX, bastando lembrar que o código civil francês de 1804 (Código de Napoleão), por ter sido encomendado pelo próprio Napoleão, afirma em sua introdução:
“Existe um direito universal, imutável, fonte de todas as leis positivas e que não é mais do que a razão natural enquanto diretora de todos os povos da terra.”
Segundo essa escola, a norma de direito deve ser interpretada de acordo com os seguintes princípios:
1) Princípio do direito à vida;
2) Princípio do direito à liberdade;
3) Princípio do direito à participação na vida social;
4) Princípio do direito à união entre os seres (para a criação da prole);
5) Princípio do direito à igualdade;
6) Princípio do direito à oportunidade;
 
Para os seguidores da Escola do Jusnaturalismo, a interpretação do direito leva em consideração as características do direito natural: eternidade, imutabilidade e universalidade.
Seu declínio se deu a partir da ascensão da Escola Histórica do Direito, para a qual este não é um produto da razão pura, nem uma criação arbitrária do legislador. Na medida em que as condições da vida social vão se alterando, o direito deve se adaptar às novas situações.
Observa-se que a ideia do direito natural diverge dentro do pensamento jurídico de acordocom os estudos sobre a sua origem e fundamentação. Por essa razão, existem duas correntes:
1) Corrente do estoicismo helênico, que foi uma escola fisiológica fundamentada por Zenon de Cítio, que defende a tese da origem e fundamentação do direito natural a partir de uma natureza cósmica.
2) Corrente do pensamento teológico medieval: defende a ideia da origem e fundamentos do direito natural a partir da vontade divina.
 
Outras escolas
Escola Sociológica Americana
Nas primeira décadas do século XX organizou-se um movimento norte-americano liderado por Roscoe Ponnd, auxiliado pela teoria da lógica experimental de John Dewey e baseada ante os princípios do bem-estar social.
As condições do “Welfare State”(estado do bem-estar), que são reações às frustrações liberais da época, são adaptadas ao intuito jurídico por Benjamim Cardozo, que também introduz os processos subconscientes na atividade decisória do juiz.
O direito serve ao processo de construção da realidade social e não deve submeter-se aos princípios lógicos, aos silogismos e às construções técnico-teóricas tradicionais. Ou seja, propugnava pela insuficiência do princípio da subsunção.
O juiz deve construir o direito com base na análise científica desenvolvida para o estudo da realidade contemporânea. Deve acompanhar as tendências de sua época, ao promover as investigações necessárias para a sistematização dos dados essenciais à proposição de projetos e leis.
O objetivo é tornar a produção de normas tendentes à sobrevida para a realização dos fins sociais, aos quais o direito deve obediência. Forma-se uma produção legislativo-jurídica para compreender os fatores intra e intersubjetivos. Para isto, são considerados os elementos conscientes e inconscientes e absorvidas todas as atribuições valorativas e preconceitos, para a efetivação da atividade decisória.
O direito é nutrido pela força da experiência e reflete a realidade mutável. Neste sentido, Dewey infere a contraposição dos princípios pelos efeitos que produzem. É a análise focada nas consequências. Há uma prioridade de situações concretas.
Todavia, o objetivo da escola não é dar azo à desobediência civil, quando as normas não refletissem o social: as normas devem ser respeitadas; entretanto, a atividade do intérprete deve ser no sentido de assegurar os limites da atividade normativa, se extensiva, se restritiva, assegurada a praticidade social dos fatos.
 
Escola de jurisprudência do direito
Escola alemã liderada por Philipp Heck, nos anos de 1930, preconiza a compreensão atuante dos conflitos de interesses e suas consequências no âmbito social.
Infere que o juiz não deve fugir da análise da lei, pois cabe a ele valorar os interesses abordados pelo legislador no texto legal e sopesar suas estimativas: qual interesse realiza a lei e qual é socialmente adequado. Os interesses estão sempre em contradição e os juízes precisam classifica-los em conceitos mais gerais.
O juiz não pode criar a ordem legal e jurídica, mas constrói normas mediante o emprego de analogia para os casos da ausência da lei ou de suas incongruências e deficiências.
Compete a ele estimar e sopesar os valores relevantes para os interesses vigentes, segundo as considerações legais do legislador e mediante a hierarquização por ele admitida, ajustando-as quando houver necessidade social maior. Assim, pode atuar como se legislador fosse para o caso específico a ser solucionado.
 
Escola realista americana
Referida escola constituiu-se em uma vertente da Escola Sociológica, defende que o direito deve ser construído por meio de processos psicológicos e de amplitude emocional. Desmistifica o direito visto como instituto geral, igual, puro, uniforme e linear para todos da comunidade jurisdicionada.
Profere que, no âmbito da aplicação, além da dinâmica social relevante, a personalidade do juiz é incisiva, na decibilidade dos conflitos (atividade discricionária): inexistem juízes iguais e, portanto impensável é uma comunidade de valores fixos e inalteráveis.
A complexidade e a diversidade levam à incerteza do mercado jurídico, daí o progresso do direito. Diante, então, de suas próprias experiências, o juiz cria o direito, sem construir ou mesmo obedecer a qualquer ordem.
Liewellin, um dos defensores da escola, distingue as normas entre efetivas e escritas. Estas últimas, são desconsideradas pelo juiz, e as primeiras, se observadas, apenas o são parcialmente. A ideia é pronunciar a decisão e depois adequá-la, se possível, a algum fundamento previsto.
Isto indica que nem mesmo a sentença proferida constitui direito, haja visto que cada caso particular terá uma visão diferenciada. A justiça, em si mesma, está atribuída aos fatores pertinentes à vivência do juiz e à personalidade do mesmo. Contribui, não obstante as discordâncias generalizadas a respeito, para derrubar o mito da impessoalidade e imparcialidade do juiz.

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