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Filosofia da Educação II – Educação e Realidade Sumário Introdução Parte I – A FILOSOFIA E A FORMAÇÃO DO EDUCADOR 1. Filosofia, educação e filosofia da educação. ▪ Educação: um trabalho e um saber filosófico. 1. Linguagem, comunicação e pensamento. ▪ Traduzir-se para o aluno, uma arte. Texto complementar: 1. Antônio Joaquim Severino: A filosofia da educação. Parte II – REFLEXÃO FILOSÓFICA E PRÁTICA EDUCATIVA 1. Importância do Educador no processo de percepção da realidade pelo aluno. ▪ O saber humano: idéias, comportamento e mecanismo de controle social. 1. Formação técnico-científica e humanística do educador. Textos complementares: 1. Bogdan Suchodolski: Educação voltada para o futuro. 2. Bernard Charlot: O conceito de desabrochar. Parte III – CULTURA E HUMANIZAÇÃO 1. Cultura ▪ Conceitos de cultura (diversidade cultural) ▪ A Sociedade e o Indivíduo ▪ Cultura e Educação – Educar para qual cultura? 1. Trabalho e Alienação 3. Professor: mão de obra alienada? Texto complementar: 1. Henry Giroux: Rumo a proletarização do magistério. Parte IV – EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL 1. Educação formal e a instituição escolar 2. Meios de Comunicação de massa Textos complementares: 1. Jair Ferreira dos Santos: A massa não é mais aquela. 2. Paulo Freire: Professora sim, tia não. Parte V – IDEOLOGIA 1. Os sentidos de ideologia ▪ Ideologia na educação ▪ Contra-ideologia Textos complementares: 1. Darcy Ribeiro: Classe e Raça. 2. Maria Rita Kehl: Solidão em cadeia. Parte VI – IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO 1. Caráter ideológico das Teorias Pedagógicas 2. Ideologia, Comunicação de Massa e a Realidade Brasileira Textos complementares: 1. Pedro Demo: Educação Básica. Pobreza Política. Parte VII – EDUCAÇÃO E PODER 1. A questão do poder no mundo contemporâneo. 2. Bourdieu e Passeron: exclusão na escola. 3. Dualismo: Baudelot e Establet. 4. Teorias progressistas. ▪ Politicismo pedagógico ▪ Falsa democracia em sala de aula ▪ O preconceito na prática educativa (Herança histórica) Textos complementares: 1. Georges Snyders: Não se educa inocentemente. 2. Michel Foucault: Vigiar e punir. Parte VIII – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA 1. A educação no Brasil de hoje. ▪ A valorização do aluno ▪ A valorização do professor 2. A filosofia e os novos paradigmas da educação no Brasil. Textos complementares: 1. Bárbara Freitag: A importância do professor 2. Afrânio Peixoto: Ensinar a ensinar. Bibliografia Introdução Participar da construção coletiva da cidadania é fazer da escola uma das principais agências do modelo democrático e da participação social. Assim, o processo educativo torna-se fundamental neste caso. A filosofia, fundamentada em uma análise sobre a liberdade, a criatividade, a solidariedade e, principalmente, integrada a uma realidade de desigualdade social, mas que pode ser vencida, só vem a contribuir para a qualidade da educação brasileira. Neste módulo, será analisada a atuação do professor na escola, como ele trabalha seu conhecimento, como se aceita professor. De importância é examinar o que é filosofia da educação e os pressupostos filosóficos colocados subjetivamente às práticas educativas, ou seja, quais os fundamentos culturais, ideológicos, epistemológicos (do conhecimento) e políticos (poder) envolvidos na educação. Todas as teorizações que formam a prática pedagógica tornam o processo de aplicação da filosofia na educação o “solo da realidade”; o aluno poderá ter uma formação humanística e adquirir uma autonomia crítica, este seria o papel fundamental da educação no processo de socialização e humanização do ser. A atuação do homem em sociedade compreende as relações que os mesmos estabelecem entre si desde os primeiros momentos de sua formação escolar, é quando ele parte para construir sua existência (relações de trabalho, política e simbologia), determinando seu modo de pensar e agir frente ao meio social. Diante dos questionamentos acerca do futuro da educação brasileira, persiste uma certa perplexidade diante das rápidas mudanças ocorridas no final e início deste novo século, o que leva a crer que todas as formações teóricas a respeito do que pode ser ou não viabilizadas para a educação podem ampliar as áreas de estudos pedagógicos, trazendo novos formatos para auxiliar o trabalho do professor em sala de aula. Sendo a educação um tema genérico, mais amplo, que ajuda no desenvolvimento do homem intelectual e moralmente, além de formar habilidades e torná-lo capaz para o viver em sociedade, seria incorreto afirmar que a educação pode ser compreendida fora de um contexto histórico-social, exatamente porque a prática social iniciada na escola está relacionada na forma de adaptação desta ao novo e rompe com as velhas tradições. A educação não pode ser compreendida à margem da história e também fora das relações de poder: infelizmente ela não é um processo neutro, mas se acha comprometida com a economia e a política do seu tempo. Está aí a importância do educador, superando as contradições políticas para conseguir realizar seu trabalho de maneira justa e menos seletiva, lembrando que a escola não é transmissora de um saber pronto e acabado, mas sim transmissora de valores humanos, culturais e políticos. Este é o modelo de ensino para qual nós estamos voltados, contribuindo para o exercício das reflexões acerca dos problemas em que está o processo pedagógico que a realidade nas escolas nos apresenta. Parte I A filosofia e a formação do educador 1. Filosofia, educação e filosofia da educação. “(…) Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.” (Marilena Chauí, 2001) Permitir a passagem do senso comum para o senso crítico, da ação assistemática para a ação sistematizada, da experiência vivida para a experiência refletida é a proposta da filosofia. No esforço milenar do pensamento racional, que tem que se expandido no campo do ser, do conhecer e do dever, perceber-se o caráter nitidamente antropológico da filosofia. Nada mais natural que o homem se preocupar consigo mesmo, como os outros seres humanos e o mundo circundante. Dentre as atividades intelectuais, a mais estimulante para o homem é saber quem ele é e o que são as demais coisas para ele. Seguindo esta linha de raciocínio, de forma alguma poderia ocorrer à construção de uma cidadania plena sem a interação entre a reflexão filosófica e a educação. A filosofia, ao romper com o senso comum e o dogmatismo, propicia a abertura para o debate, a crítica e a manifestação da contradição. E esta deve estar integrada a transmissão do saber propondo não somente uma visão da realidade atual, mas resgatar as contribuições de pensadores e pedagogos envolvidos no processo do conhecimento. Debater com os filósofos a cerca de suas teorias, sobretudo no que diz respeito à prática educativa, acompanha o “repensar do mundo”, das dificuldades estabelecidas de ordem racional, como no caso das contradições da ciência, das dificuldades pelas quais passam o processo civilizatório, interrogando e pensando acerca das manifestações e das diversidades do ser no mundo. É através do discurso manifestado pela linguagem na educação que uma sabedoria é capaz de se impor como verdadeira, de fazer julgamentos, de persuadir. Esta linguagem podeser aplicada de diversas formas e em diferentes lugares. A filosofia implica em querer saber a causa, a razão de ser, a essência e os por quês, aspirando um caminho pela qual o homem deve seguir. Estabelecida como um certo jeito de interrogar, de pensar, de submeter tudo à dúvida, à crítica, e não a um conjunto de resposta e verdades, a filosofia da educação procura, não apenas ser educativa em virtude de sua própria natureza, mas refletir de forma rigorosa e até radical o caminho das teorias e das práticas pedagógicas: “Além de criarem a razão, a política e a democracia, os gregos souberam, talvez como nenhum outro povo, valorizar a educação, entendida não como escola, instrumentalização de crianças e jovens para o exercício de funções e práticas específicas, mas como paidéia(educação do indivíduo, da alma), cultura, ideal de excelência, trabalho de purificação e elevação da alma à mais alta perfeição (Peixoto, 2001)”. ▪ Educação: um trabalho e um saber filosófico No desempenho da profissão de professor, o ato de pensar puro e simples não garante uma prática pedagógica eficaz. É preciso criar o hábito do pensar reflexivo e, ao mesmo tempo, construir um percurso com o objetivo de chegar ao progresso teórico, mantendo-se sempre como observador da sua ação pedagógica, cultivador da investigação reflexiva e experimentadora das alterações necessárias às práticas educativas. Para realizar o pensamento reflexivo na educação, é importante partir de determinada situação (problema ou não), estar interessado em criar atitudes que desenvolvam os pensamentos efetivos, mantendo uma postura de questionar, problematizar, sugerir, elaborar e, conseqüentemente, construir o conhecimento. O pensar reflexivo pode transformar idéias em atitudes, as quais são indispensáveis à ação docente, além de constituir a capacidade de provocar mudanças de metodologia e estratégias que favoreçam um ensino de qualidade. Ao pesquisar novas formas de aplicar seus saberes, o professor trabalha sua intuição, emoção e paixão, elementos que o fazem reagir diante das dificuldades sem causar-lhe “cegueira”, oferecendo condições de visualizar os diversos aspectos do contexto analisado. Acrescentamos ainda que a prática faz com que o ato do pensar reflexivo tenha seu real valor e seja distinto daquela idéia simplista do “pensar por pensar”. 2. Linguagem, comunicação e pensamento. A linguagem – a fala – é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. Através dela o homem modela seu pensamento, sentimentos, emoções, esforços e vontades, influencia e é influenciado, é a marca da personalidade, da terra natal e da nação, é a própria fonte do desenvolvimento da humanidade. Sendo considerada um objeto da ciência, torna-se um meio de expressá-la, e assim como existem diversos tipos de linguagem, existem várias formas de comunicação e tipos de pensamento. Em primeiro lugar, como um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural, a linguagem e o comunicar fazem com que o ser humano deixe de reagir somente ao presente, ao imediato; e passa a poder pensar o passado e o futuro e, com isso, a construir o seu projeto de vida. Assim acontece com o professor, assim acontece com o aluno em sala de aula, onde o passado pode ser transportado ou mesmo “transformado” em realizações que ocorrem no presente. Em segundo lugar, a aquisição do domínio da fala e das técnicas de leitura e da escrita se constitui num pré-requisito para uma completa participação dentro de nossa sociedade. Traduzir-se para o aluno: uma arte. A linguagem e os processos de comunicação podem ser simbólicos, estruturados, adequados à cultura dentro da qual se desenvolvem, adequados aos tipos de pensamento que irão captá-los. Conforme o meio de expressão utilizado pelo professor, o aluno poderá ir além do mundo vivido, do presente, para o mundo das idéias, da reflexão, permite que ele ultrapasse a sua realidade de vida e entre no mundo das possibilidades; que exerça, enfim, a atividade produtiva de criar sentidos para o mundo e para sua própria vida. A linguagem do professor em sala de aula se traduz nos papéis que a criança será solicitada a se identificar e a representar no meio social. É através desta linguagem que a criança poderá se sentir ou não aceita em sua primeira experiência em uma comunidade. Por isso a fala do professor e os meios de comunicação que ele utiliza, o pensamento que ele coloca a seus alunos são de importância fundamental no ensino. Sem dúvida alguma, tanto a comunicação professor-aluno como aluno-aluno que valoriza as trocas, discussões e os saberes desperta no coletivo uma maior dinâmica na relação ensino x aprendizagem, isto porque os alunos entre si experimentam relações próximas da emoção, sentimentos de alegria ou tristeza, ou seja, entre eles há uma troca maior de informações e quando ajudados pelo professor o processo ocorre com maior facilidade: “O aluno constrói seu conhecimento em interação com o seu meio social e o professor nesta relação deve atuar como mediador entre os alunos e o objeto de conhecimento (Vygotsky, 1998)”. Texto Complementar A filosofia da educação …Além da qualificação técnico-científica e da nova consciência social, é ainda exigência da preparação dos professores uma profunda formação filosófica. E esta formação é a tarefa que cabe à filosofia da educação. A existência de disciplina deste teor no currículo dos cursos de preparação de professores justifica-se não por alguma sofisticada erudição ou academicismo: é uma exigência do próprio amadurecimento humano do educador. Coloca-se, com efeito, uma questão antropológica: trata-se de explicitar qual o sentido possível da existência do homem brasileiro como pessoa situada na sua comunidade, de tais contornos sociais e em tal momento histórico. Esta reflexão filosófica, desenvolvida no âmbito teórico da filosofia da educação, deverá dar ao futuro educador a oportunidade da tentativa de explicitação do projeto existencial a ser buscar para a comunidade brasileira, na busca de seu destino e sua civilização. Ou seja, não é possível compreender um projeto educacional fora de um projeto político, nem este fora de um projeto antropológico, isto é, de uma visão de totalidade que articula o destino das pessoas como o destino da comunidade humana. Assim, cabe à reflexão filosófica explorar o significado da condição humana no mundo. E à filosofia da educação explicitar esse significado para o educador. Vale dizer, pois, que a filosofia da educação deve colocar para o educador a questão antropológica, questão que deve equacionar adequadamente, recorrendo à filosofia social e à filosofia da história, e fundamentando-se numa antropologia, alicerce último de toda reflexão sobre o realizar-se do homem. Obviamente, a explicitação do significado da própria atividade filosófica é tarefa preliminar: o alcance do pensamento humano, o seu equacionamento epistemológico é questão permanente para a filosofia. O educador não pode realizar sua tarefa e dar a sua contribuição histórica se o seu projeto de trabalho não estiver lastreado nesta visão da totalidade humana. À filosofia da educação cabe então colaborar para que esta visão seja construída durante o processo de sua formação. O desafio radical que se impõe aos educadores é de um ingente esforço para a articulação de um projeto histórico-civilizatório para a sociedade brasileira como um todo, mas isto pressupõe que se discutam, com rigor e profundidade, questões fundamentais concernentes à condição humana. (Antonio Joaquim Severino, Educação, ideologia e contra-ideologia, p. XIV e XV.) Parte II Reflexão filosófica e prática educativa 1. Importância do educador no processo de percepção da realidade pelo aluno. Somos todos de certa forma filósofos, na medida em que estamos sempre dando sentido às coisas, e tendemospara a reflexão, a não ser quando submetidos a uma formação autoritária e dominadora. A importância do educador nesse sentido se faz presente no ato de refletir, despertando na criança ou no jovem o interesse para exercitar esse outro olhar sobre o mundo e sobre si mesmo. A filosofia torna-se presente no momento em que há indagação sobre todas as coisas, inicia seu trabalho a partir das tradições existentes em cada cultura em particular. A atitude do professor não é neutra, pois faz com que o indivíduo à sua frente se situe em seu tempo e busque valores éticos, políticos e estéticos. Por isso se faz necessário a imparcialidade no ato de transmitir os conteúdos, desenvolvendo no aluno a capacidade de percepção da realidade à sua volta, “o mundo como é” e não “como deveria ser”, sendo este capaz de filosofar por si mesmo: “(…) porque a sala de aula deve ser o espaço por excelência do pluralismo e da diversidade. Donde decorre a necessária imparcialidade do professor, diante da exigência de colocar os estudantes em contato com diferentes concepções filosóficas e não só com aquelas de sua preferência”. (Aranha, 2003). De qualquer forma, colocar a realidade como um objeto de estudo filosófico torna-se um desafio nas sociedades atuais. “Perceber” a segregação racial, o preconceito, a exclusão social e a pobreza seria talvez preparar “um cidadão” consciente de suas responsabilidades, apto para a vida pública. ▪ O saber humano: idéias, comportamento e mecanismo de controle social. O professor é um transmissor do conhecimento. Sua cultura, identificando-se com o padrão dominante da sociedade em que vive, é imposta a todos os alunos, mas isto deve ser feito sem esquecer de uma questão importante: não desconsiderar as particularidades culturais. Um professor assim concebido pode trabalhar eficientemente conteúdos que visem à formação de um espírito patriota ou até de um conjunto de princípios que poderíamos vagamente identificar como sendo “valores humanos”. Está certo que o professor em sala de aula possui uma identidade autônoma, ou seja, possui seus próprios valores, porém, reconhece (ou deveria reconhecer) o outro em sua identidade própria. Partindo dessa premissa, a tolerância e o reconhecimento dos valores humanos desponta para a participação democrática em sala de aula. A cidadania se exercita com a oportunidade de desenvolvimento das competências necessárias para um pensar autônomo. Um professor-facilitador estaria atento às particularidades de cada aluno, se comportando de forma a estimular o aluno a desenvolver sua capacidade de argumentação sem, contudo, interferir em suas opiniões pessoais. O aluno é visto como agente no processo de construção de seu próprio conhecimento. Tal é, em síntese, o modelo pedagógico da Escola Nova. Porém, essa concepção possui duas grandes falhas. Em primeiro lugar o educador não pode simplesmente estimular quaisquer opiniões pessoais dos educandos. Se um dos alunos defender abertamente o genocídio, por exemplo, é inadmissível não se tome partido contra tal posicionamento. Assim, seria ingenuidade crer que o docente possa manter-se inteiramente “neutro” frente a um debate em sala de aula. Daí concepções éticas poderão entrar em ação, o que seria bom ou ruim para a sociedade como um todo e o que seria bom para a convivência humana, para a organização de movimentos sociais e para as organizações da sociedade civil, sobretudo nas manifestações culturais. 2. Formação técnico-científica e humanística do educador. A formação do professor sugere em muito o vetor da promoção social. Sobretudo nas novas gerações, a mídia, a informática e a Internet possuem um poder (“de promoção social”) que leva os alunos a se sentirem “inclusos ou exclusos” da sociedade. Há uma transformação ultra-rápida do ambiente social e cultural na escola, que põe obrigatoriamente a escola em movimento e que, praticamente, obriga as crianças a desenvolverem suas potencialidades de acordo com as competências[1], e a maioria dos atores educativos e dos usuários do sistema escolar e de formação concorda em dizer que é preciso se adaptar aos “novos tempos”, numa curva espiral de urgência, pois que as novas tecnologias caminham de forma muito rápida. A sociedade global exige uma revolução dos sistemas de educação e de formação do professor. Sendo necessário conceber sistemas para toda a vida ativa do indivíduo, durante a qual deverá reformular seu pensamento várias vezes para trilhar sempre novos caminhos. Filósofo e educador, Jean Biarnès[2] coloca que a educação fundamental e a formação permanente não podem ser mais vistas separadamente. Assim o professor possui um universo finito, enquanto o formador pensa na continuidade, acrescentando algo mais na formação inicial e desenvolvendo potencialidades sugeridas pela Nova Ordem Mundial. Para o professor isso exige pensar, levando em conta a diversidade dos percursos intelectuais (base) e profissionais (adaptação ao meio econômico-social), transmitindo para o aluno sua formação humanística ao mesmo tempo em que transmite para o aluno um quadro das exigências da sociedade global, apontando os possíveis caminhos para que o aluno tenha condições de mais tarde se incluir no mercado. Cabe ao educador interagir, tornar sua disciplina um ponto de encontro do saber intelectual e da formação técnico-científica, através de leituras, de filmes, de palestras ou cursos, se mantendo atualizado e desenvolvendo seu campo pedagógico, reduzindo o fracasso das aprendizagens na busca por novas potencialidades. Texto Complementar Educação voltada para o futuro Diz-se que o curso da existência do homem, neste período crítico da nossa história, deve ser modelado consoante as tarefas históricas, de modo que a nova realidade edificada pelos homens possa ser melhor e, por conseqüência, tornar os homens mais livres e melhores; se assim é, este programa educativo torna-se indispensável, especialmente em face da juventude. Compete à pedagogia contemporânea assegurar a realização deste programa. Para tal impõe-se à resolução de dois problemas fundamentais, o da instrução e o da educação. No que respeita à instrução, devemos abandonar numerosos princípios tradicionais que estão totalmente desadaptados às novas condições da vida social e econômica, assim como a evolução que prevemos. Temos de introduzir muitas inovações. Todos nós nos apercebemos da necessidade da instrução politécnica, mas ainda não descobrimos que a formação social é pelo menos de importância igual, muito embora seja completamente negligenciada. Esta formação social é fundamental, não só porque um número crescentemente vasto de trabalhadores será utilizado no setor dos serviços em detrimento do setor da produção, mas, sobretudo porque na sociedade do futuro cada profissão será revestida de caráter social e cada cidadão tornar-se-á membro responsável da democracia. O problema da formação social deve ser posto no primeiro plano das nossas preocupações referentes aos programas de ensino, deve ser considerado em toda a sua vastidão e ir do conhecimento dos grandes processos sociais do mundo moderno à capacidade de compreender o meio concreto em que se age e se vive. O ensino politécnico não pode dar plenos resultados se não for associado à formação social assim concebida; apenas esta cooperação pode formar o pensamento aliado à prática, produtiva e social, quer dizer, à realidade plenamente humana. Enfim, no âmbito da formação do pensamento resta resolver outro problema: a formação dos outros tipos de pensamento, alheios ao pensamento técnico e social; a formação destes outros tipos de pensamento devia ser sistematicamente fomentada nas escolas. Referimo-nos a certas concepções modernas da filosofia e da lógica, em especial as noções de valor. No domínio da educação, a tarefa mais importante consiste em transpor os grandes ideais universais e sociais para a vida quotidiana e concreta do homem.No período que acaba de findar cometemos o grande erro de atribuir muito pouca importância à vida quotidiana do homem, para realçar a sua participação espetacular nos grandes momentos nacionais; cometemos o erro de menosprezar a vida interior do homem, para insistir na efetivação de determinadas funções sociais. A educação moral, justamente, diz respeito à nossa vida quotidiana em situações sociais concretas. A educação moral é o problema do homem no pleno sentido da palavra, do homem que vive e que sente. (…) Uma juventude educada desta maneira fornecerá cidadãos a um mundo que, embora criado há vários séculos pelos homens, não foi até ao presente um mundo de todos os homens. É somente através da participação na luta para criar um mundo humano que possa dar a cada homem condições de vida e desenvolvimento humanos que a jovem geração se pode verdadeiramente formar. (Bogdan Suchodolski, A pedagogia e as grandes correntes filosóficas, p. 121-123) O conceito de desabrochar O pensamento pedagógico comum considera, mais ou menos implicitamente, que a educação deve permitir à criança realizar-se, desabrochar, tornar-se plenamente ela mesma. Desabrochar! Pensamos ter dito tudo, ser modernos e liberais, quando proferimos essa grande palavra. Mas o que é que isso quer dizer, desabrochar? É nos sentirmos bem em nossa pele, no trabalho, nas relações com os outros? Mas não podemos, então, falar de desabrochamento sem levar em consideração a realidade econômica, social e política. Não desabrochamos no abstrato. Sentimo- nos bem ou mal neste ou naquele tipo de situação e de relação, e o desabrochamento pressupõe condições concretas e sociais de realização. Não desabrocho quando trabalho na linha de montagem, num compasso infernal, numa fábrica barulhenta, desumanizada, fria e fétida. Não desabrocho quando devo suportar todo o dia os humores de um chefe de escritório arbitrário. Não desabrocho quando estou fechado numa escola-caserna sem interesse. Não desabrocho quando devo suportar cotidianamente as gritarias de meus quatro filhos num apartamento de sala e quarto. Mas desabrocho quando faço um trabalho que me interessa, quando encontro pessoas que me agradam, quando tenho tempo para me dedicar a meus filhos num ambiente agradável. Quando apenas nos contentamos em falar de desabrochamento, somos vítimas de um dos conceitos mais ideológicos que a pedagogia jamais produziu. (Bernard Charlot, A mistificação pedagógica, p. 58) Parte III Cultura e humanização 1. Cultura A cultura – palavra e conceito – é de origem romana. Origina-se de colere – cultivar, habitar, tomar conta, criar e preservar – e relaciona-se com o trato do homem com a natureza, ou seja, na sujeição da última aos seus modos de vida. Mas o que queremos dizer exatamente quando utilizamos a palavra cultura? Na linguagem cotidiana dizemos que uma pessoa tem cultura quando freqüentou boas escolas, leu bons livros, adquiriu conhecimentos científicos etc. Mas na Grécia antiga o termo cultura estava ligado à formação individual do homem dentro de sua comunidade. Para designar com maior clareza o conteúdo daquilo que chamamos por cultura, é importante dizer que ela é uma realidade humana e, mais do que isso, o humano se dá na cultura. Este homem realiza ações, consideradas conscientes, dirigidas para uma finalidade, a sobrevivência. Aprofundando sua consciência no trabalho, percebe-se capaz de transformar a natureza e a si mesmo, evoluindo no tempo e no espaço. A primeira concepção de cultura, portanto, se remete a todos os aspectos da realidade social; a segunda refere-se mais especificamente ao conhecimento, às idéias e as crenças de um povo. ▪ Conceitos de cultura – diversidade cultural Usada por antropólogos, historiadores e sociólogos, a palavra cultura designa os modos de vida criados e transmitidos de uma geração para outra, entre os membros de uma determinada sociedade. Nesse sentido, há uma diversidade cultural, pois as culturas existentes abrangem conhecimentos, crenças, artes, normas, costumes e muitos outros elementos adquiridos socialmente pelos homens. Cada cultura pertencente a um grupo social vive de acordo com um amplo conjunto de conceitos, símbolos, valores e atitudes que modelam os modos de vida, fazendo com que os indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade pensem e exerçam suas atividades de acordo com os valores já pré-estabelecidos com suas próprias verdades. Dada a infinita possibilidade humana de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas: são inúmeras na maneira de pensar, de agir, de expressar anseios, temores e sentimentos em geral. Não se pode dizer que uma cultura seja necessariamente boa ou justa, porém, ela também pode ser dominação, de acordo com a realização de determinados trabalhos dentro dela. Dessa forma, existindo várias culturas, estas não podem ser consideradas superiores ou inferiores umas às outras, elas são apenas diferentes entre si. A partir do início do século XX, alguns autores elaboraram diversos conceitos de cultura, segue alguns deles abaixo: – Franz Boas (1938) rejeita toda a forma de comparação de culturas em termos de superioridade ou inferioridade entre elas, e rejeita um esquema único de “padronização” das culturas; – Bronislaw Malinowski (1944) emprega a teoria funcionalista de que a cultura valoriza afunção , ou seja, cada parte, realizando uma função que possui um valor específico, colabora para o bom andamento de todo o sistema; – Clifford Geertz (1973): “a cultura deve ser vista como um conjunto de mecanismos de controle –planos, receitas, regras, instituições – para governar o comportamento”; – Claude Lévi-Strauss (1945) defende uma cisão entre natureza e cultura, os homens constroem e operam instrumentos e instituições que formam uma estrutura social. Esta estrutura social é um modelo de análise construído a partir da observação da realidade social. Dessa forma, a inteligência humana se depara com novos conceitos desafiantes dos quais passam a refletir. Velhas questões acerca do termo cultura são revigoradas, discutidas e sistematizadas em novos tons e registros. ▪ Sociedade e o indivíduo A cultura é uma criação do homem, resultante das transformações de seu próprio organismo que sugere o desenvolvimento de práticas que vão se acumulando na consciência comunitária, através da criação de símbolos, valores, idéias, linguagem, fantasias e sonhos. Relaciona-se, dessa forma, ao processo de hominização, não tem data de nascimento definida nem forma distintiva inicial. Tanto a criação da cultura como a criação do homem é na verdade duas faces de um só e mesmo processo, que passa do orgânico para o social, em que estes dois (orgânico e social) se condicionam reciprocamente. Pode-se dizer que em uma sociedade, a cultura vive nas mentes das pessoas que a possuem. Mas as pessoas não nascem com ela, adquirem-na à medida que crescem. Conforme dito por um arqueólogo norte-americano, Braidwood[3], a formação do indivíduo na sociedade (formação de sua cultura) pode ser caracterizada da seguinte forma: – adquirida pela aprendizagem, e não herdada pelos instintos; – transmitida de geração em geração, atreves da linguagem; – criação exclusiva dos seres humanos, incluindo produção material e não-material; – múltipla e variável, no tempo e no espaço, de sociedade para sociedade. Nesse processo de transformação, vale lembrar que a ação humana é coletiva, ninguém pode ser considerado verdadeiramente solitário, pois sendo a cultura regida por códigos coletivos de convivência, o homem não poderia fugir de sua condição orgânica, dependendo de outro homem para sobreviver. ▪ Cultura e educação – Educar para qual cultura? O mundo humanizado pela cultura é um mundo onde os homens se encontram, produzem, circulam os bens produzidos, consomem-nos e dão significados a essas ações, hierarquizando- as, ordenando-as. Todasas diferenças existentes no comportamento modelo em sociedade resultam da maneira pela qual são organizadas as relações entre os indivíduos. É por meio delas que se estabelecem os valores e as regras de conduta que nortearão a construção da vida social, econômica e política. Sem desvalorizar determinadas manifestações culturais, a prática da educação não se dá apenas como um produto, mas também como um processo. Ou seja, reconhece-se que o aluno já traz consigo uma experiência – ainda que fragmentária e difusa como acontece no senso comum – mas a partir da qual se inicia o trabalho de crítica desse conhecimento. A aplicação da filosofia na educação traz para o educador um grande desafio, que reside na tentativa de conciliar diferentes tipos de culturas sem desprezar os valores de cada ser. A educação formal traz para o indivíduo a superação do saber ingênuo e não-crítico do que já é feito e sabido, ampliando os horizontes a fim de recuperar a dimensão humana, quando alienada. Além disso, a abordagem totalizante do professor supera o saber fragmentado e estabelece uma interdisciplinaridade. Não que este processo seja contra as culturas existentes, trata-se, isso sim, de buscar os fundamentos e a gênese das experiências realizadas para que se possam entender tais manifestações culturais de indivíduo ou grupo presente na escola. Ao colocarmos a questão “Educar para qual cultura?”, é preciso elucidar os pressupostos antropológicos – “para quem ensinar? ou “que tipo de humano formar?” – e os pressupostos epistemológicos – “o que conhecer?” ou “que tipos de conteúdos ensinar?” -, a partir daí, considerando-se as diferenças culturais, a escola nova[4] trabalharia centrada no aluno. Seriam valorizados o objeto, o mundo, o professor e, o conhecimento como produto acumulado pelas experiências e saberes de todos os envolvidos, valorizando também o sujeito, o aluno com sua experiência de vida e sua capacidade de construção do conhecimento. Ao lado do trabalho teórico de qualquer aprendizagem, a vinculação do saber novo ao vivido pelo aluno possibilitaria uma atuação mais segura e precisa na prática social global. O educador seria aquele que estabelece uma ponte entre a cultura particular do aluno e os valores culturais da sociedade, em sentido mais amplo. Mediação entre o local e o nacional, entre o particular e o universal, seria, em resumo, a tarefa da educação numa perspectiva histórico-crítica. 2. Trabalho e Alienação No decorrer da história das diferentes sociedades, foram muitas as concepções sobre trabalho. Durante a Antiguidade e após este período, na Idade Média, em muitas sociedades da Europa ocidental, o trabalho manual era considerado uma atividade menor, pouco digna, valorizando- se o trabalho intelectual, próprio dos homens que podiam se dedicar ao ócio, à contemplação e à teoria. Santo Tomás de Aquino, teólogo e filósofo italiano (1221-1274) se referia ao trabalho como um “bem árduo”, por meio do qual cada indivíduo se tornaria um homem melhor; porém o trabalho mais valorizado ainda seria o intelectual. De acordo com o cristianismo medieval, o trabalho passou a ser visto como uma forma de sofrimento que serviria para a provação e fortalecimento do espírito para se alcançar o reino celestial. O trabalho conseguiu ser revalorizado com o advento do protestantismo, em que o trabalho e o lucro passam a ser vistos como uma benção de Deus. De qualquer forma, em sua análise, o filósofo alemão Karl Marx passa a questionar a suposta liberdade do trabalhador assalariado, uma vez que, sem outra opção, este é obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver. Nessa análise, desvendou oprocesso de alienação que se desenvolve a partir do trabalho assalariado. A palavra alienação vem do latim alienare, “tornar algo alheio a alguém”, isto é, “tornar algo pertencente a outro”. Segundo Marx, a alienação é um processo pelo qual os atos de uma pessoa são governados por outros e se transformam em uma força estranha colocada em posição superior e contrária a quem a produziu: “O trabalho alienado se apresenta como algo externo ao trabalhador, algo que não faz parte de sua personalidade. Assim, o trabalhador não se realiza em seu trabalho, mas nega-se a si mesmo. Permanece no local de trabalho com uma sensação de sofrimento em vez de bem-estar, com um sentimento de bloqueio de suas energias físicas e mentais que provocam cansaço físico e depressão. Seu trabalho, portanto, não é voluntário, mas imposto e forçado. O trabalho alienado torna-se um trabalho de sacrifício, pois não pertence ao trabalhador, mas sim à outra pessoa que dirige a produção (Marx)”. Perdendo o contato com seu eu legítimo, sua individualidade, o ser humano é atingido pelo processo de alienação: ele é transformado em simples mercadoria, sente-se uma “coisa” que precisa alcançar sucesso no “mercado das personalidades”, os valores de mercado se sobrepõem aos valores da pessoa: o que importa é o sucesso profissional, financeiro, intelectual, social, político, esportivo etc. A fuga de si mesmo sugere a venda de suas qualidades no mercado e não sua satisfação íntima e pessoal, sua auto-estima depende agora de condições que escapam a seu controle. Se ele tiver sucesso, será “valioso”; se não, imprestável. 3. Professor: mão-de-obra alienada? Poderia existir um professor alienado em suas funções? Para responder a esta questão, é de importância explicitar que o fazer educacional, em nome do desenvolvimento e do progresso, foi reduzido aos níveis técnico e científico, tendo a formação filosófica perdido seu papel na formação do aluno. A imagem do professor, que assim era portador de uma imagem de alguém de quem se poderia esperar conselhos e critérios morais, discernimento político e religioso, além da formação técnico-científica, foi transformada em peça das políticas econômicas dos governos. Dessa forma, o sistema educacional acabou por moldar um professor alienado de suas altíssimas funções sociais. Pergunta-se hoje: É possível reverter este quadro? Como? A referência que não se pode perder é a de que o educador é um ser humano dono de uma visão e um espírito mais expandido. O verdadeiro professor gosta muito daquilo que pratica, é um otimista apaixonado por ensinar, principalmente a si mesmo; além de otimista é também um trabalhador sindicalizado, engajado nas lutas do magistério. Esse professor nunca será alienado e muito menos “massa de manobra”, ele é um formador de opinião sério. O “ser professor”, nestes tempos de profundas mudanças e crises em todos os campos do saber, é manter a consciência de sua própria identidade, porém, ajudando no processo de construção da identidade do outro. Algumas perguntas acerca do processo de alienação do professor podem ser feitas por ele mesmo, uma reflexão crítica a respeito de suas verdades quanto ao ensinar poderão conscientizá-lo diante da realidade à sua volta: – quem sou eu, um profissional do ensino ou um educador? – tenho consciência de que meus padrões conceituais mudam na mesma proporção em que a ciência põe por terra muitas de suas antigas verdades? – como está minha auto-estima? – será que saí da escola e caí apenas no mercado de trabalho? Tornando-se crítico, o professor doa-se na prática no ensino e faz nascer no próximo o respeito próprio e alheio. Quem se faz esta pergunta: “hoje a minha aula não produtiva, sei que meu aluno não aprendeu, mas e eu?”, reflete suas próprias ações que o fazem entender melhor o que está acontecendo. Texto Complementar Rumo a proletarização do magistério O treinamento de futuros professores é um campo no qual o domínio da racionalidade técnica tem se manifestado. Como Kleibard, Zeichner, Giroux e outros salientaram, os programas de educação de professores, nos Estados Unidos, têm sido, há muito tempo, dominados por uma orientação behaviorista, em que se persegue a especialização e o refinamento metodológicos comobases para o desenvolvimento da competência do professor. (…). Dentro desse modelo behaviorista de educação, os professores são considerados mais como obedientes servidores civis, desempenhando ordens ditadas por outros, e menos como pessoas criativas e dotadas de imaginação que podem transcender a ideologia dos métodos e meios a fim de avaliar criticamente o propósito do discurso e da prática em educação. Muito freqüentemente, os programas de formação de professores perdem a visão da necessidade de educar os estudantes para se tornarem profissionais críticos, mas desenvolvem cursos que focalizam os problemas imediatos da escola e que substituem pelo discurso do gerenciamento e da eficiência, a análise crítica, das condições subjacentes à estrutura da vida escolar. Ao invés de ajudar o estudante a pensar sobre quem é, sobre o que deve fazer na sala de aula, sobre suas responsabilidades no questionamento dos meios e fins de uma política escolar específica, os alunos são freqüentemente treinados para compartilhar técnicas e para dominar a disciplina da sala de aula, para ensinar um assunto eficientemente e organizar o melhor possível as atividades diárias. A ênfase do currículo de formação do professor está em descobrir o que funciona. (…). Se os futuros professores são freqüentemente treinados para se tornarem técnicos especializados, os futuros administradores escolares são formados segundo a imagem do especialista em ciências econômicas. Richard Bates e William Foster salientaram que muito do treinamento de administradores escolares, diretores e superintendentes é estritamente técnico, voltado principalmente pra produzir uma função entre a teoria organizacional e os princípios de um “saudável” gerenciamento de negócios. Inerente a tal treinamento está a noção de que os sistemas complexos de linguagem, os controles de gerenciamento e os sistemas de quantificação colocam-se além da capacidade de entendimento de professores e de pessoas leigas, comuns. A consciência tecnocrática, incorporada nessa abordagem, não está somente em desacordo com o conceito de controle descentralizado e com os princípios da democracia participativa, mas apresenta também uma visão a-histórica e despolitizada da administração escolar. A escola não é considerada como espaço de luta quanto a diferentes ordens de representação, ou como espaço que incorpora configurações particulares de poder, que formam e estruturam as atividades da sala de aula. Ao contrário, a mesma fica reduzida à lógica estéril de gráficos de fluxos, à crescente separação entre professores e administradores e a uma tendência cada vez maior à burocratização. A mensagem aqui oculta diz respeito à utilidade da lógica da racionalidade tecnocrática para evitar que os docentes participem de uma maneira crítica da produção e da avaliação dos currículos escolares. Por exemplo, a forma tomada pelo conhecimento escolar e a pedagogia usada para legitimá-lo tornam-se subordinadas aos princípios da eficiência, da hierarquia e do controle. Uma conseqüência disso está no fato de que são subtraídas, da influência coletiva dos professores, as decisões e as questões sobre os seguintes temas: o que vale como conhecimento, o que é importante ensinar, a forma como se julga o objetivo e a natureza do ensino, a forma como se vê o papel da escola na sociedade e a conseqüente compreensão dos interesses sociais e culturais que modelam todos os níveis da vida escolar. (Henry Giroux, Escola crítica e política cultural, p. 13-16). Parte IV Educação formal e informal 1. Educação formal e a educação informal A educação não é simplesmente um veículo transmissor de conhecimentos, ela trabalha a formação crítica dos valores herdados e dos novos valores que estão sendo propostos. A educação formal é aquela chamada como organizada e tem o intuito de ‘padronizar’ os conhecimentos sobre os indivíduos. A escola seria um dos meios de educação formal mais forte existentes, embora as forças armadas também trabalhem nesse sentido. Portanto, instituições organizadas, formais são instituições capazes de transmitir uma educação. A escola deve assegurar uma mediação entre os indivíduos e os modelos sociais. Ela não poderia ser vista fora do contexto sócio-econômico em que está inserida. Já a educação informal aquela em que a criança recebe uma aprendizagem em seu meio (família, grupos de amigos etc) através da casualidade, empirismo, com base no bom senso. Este tipo de educação é, de certa forma, exercido através da pressão psicológica, como a religião, a moral e a moda, e as mensagens transmitidas podem claras ou implícitas. A família seria a principal porta de entrada para a educação informal, pois através da passagem dos valores dos pais, na prática do dia-a-dia, a criança poderá obter valores positivos ou negativos (através do exemplo dos pais a criança poderá formar seus valores). Atualmente, um novo conceito sobre a educação formal e informal dá ênfase a um trabalho em conjunto formando a comunidade educativa, em que a comunidade escolar propriamente dita (organização formal) composta de professores e especialistas se envolvem à comunidade externa (pais, Secretarias de Estado, comunidade de bairro, associações religiosas, ONGs etc) no sentido de ampliar o conceito de educação, que não se restringe apenas aos processos de ensino- aprendizagem no interior de unidades escolares formais. A conseqüência para esta união pode estar voltada para a transmissão de valores universais mais com consciência, noção da realidade exterior (trabalhos, renda, paz) e uma cultura política (formação dos valores dos indivíduos voltados para a cidadania). Muitos desses novos modelos já foram criados e estruturados, uma união que resulta ao conhecimento e participação nos serviços públicos (saúde, educação e cultura), aos interesses gerais da comunidade (meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio sócio-cultural) e aos interesses de categorias específicas (jovens, idosos, crianças, mulheres etc). 2. Meios de comunicação de massa Sendo uma coleção de comportamentos compreendidos, cultura poderia ser considerada como um conjunto de condutas consagradas, recriadas e transmitidas de gerações em gerações. Na formação de indivíduos e grupos surgem as diferenças entre as culturas, não podendo ser consideradas maiores ou melhores umas às outras, apenas diferentes, porém, dentro de uma sociedade composta por diversas delas, se faz necessário criar uma cultura universal, uma cultura de massa, comum a todos. Nos anos 60, a mídia televisiva foi local e assunto de um forte combate entre o professor e a própria televisão. Esse combate parte da análise da criação de duas visões de mundo, que partem da escola e da mídia e que envolvem ambos processos educativos. Trazer para a sala de aula o jornal ou mesmo fazer um comentário sobre o que se passou na tv no dia anterior era como uma ofensa ao ensino padrão. Atualmente, relacionar o trabalho do professor ao que se passa na imprensa torna-se aconselhável, como parte da formação do educando. De acordo com as rápidas transformações que ocorrem no mundo, a escola e sua relação com os meios de comunicação de massa torna a educação uma fonte de riqueza de muitos saberes: “Portanto, a introdução da televisão na vida cotidiana abriu o acesso à informação de todos sobre tudo em tempo real (Tardy, 1973)”. A televisão, ainda mais forte em sua propagação do que os meios impressos, ainda tem o poder de causar impactos e agregar valores no ser humano, e os professores, ao desafiarem o impacto simbólico que ela produz sobre as relações inter-humanas, condenam toda a novidade deste poder de informação. O educador que possui esta visão leva em consideração a diversidade de referências, de informações, de verdades que podem ser construídas pelo indivíduo. É certo que não podemos descartar o lado negativo da aplicação da televisão no ensino,como a quantidade de ‘lixo televisivo’ veiculado diariamente sem qualquer controle, mas cada ao educador saber separar o que é bom ou ruim de acordo com os padrões éticos universais que uma educação de princípios exige. Até a pouco a massa moderna era industrial, proletária, com idéias e padrões rígidos. Procurava dar um sentido à História e lutava em bloco por melhores condições de vida e pelo poder político. Crente no futuro mobilizava-se para grandes metas através de sindicatos e partidos ou apelos nacionais. Sua participação era profunda (basta lembrar as duas guerras mundiais). A massa pós-moderna, no entanto, é consumista, classe média, flexível nas idéias e nos costumes. Vive no conformismo em nações sem ideais e acha-se seduzida e atomizada (fragmentada) pelo mass media , querendo o espetáculo com bens e serviços no lugar do poder. Participa, sem envolvimento profundo, de pequenas causas inseridas no cotidiano – associações de bairro, defesa do consumidor, minorias raciais e sexuais, ecologia. A esta mudança os sociólogos estão chamando do deserção do social. É como tomar deserta uma região. Pela desmobilização e a despolitização, o neo-individualismo pós-moderno, que tende ao descompromisso, ao não tenho nada com isso, vem esvaziando as instituições sociais. História, política, ideologia, trabalho – instituições antes postas em xeque apenas pela vanguarda artística – já não orientam o comportamento individual, e seu enfraquecimento é contínuo nos países avançados. A deserção é uma sacação nova da massa. Ela não é orientada nem surge conscientemente, como também não visa à tomada do poder, mas pode abalar uma sociedade, ao afrouxar os laços sociais. Há dados para se avaliar esse esvaziamento, como igualmente há novas atitudes substituindo as tradicionais. (…). (Jair Ferreira dos Santos, O que é pós-moderno, São Paulo, Brasiliense, 1986, p. 89-90 e 95-97) Professora sim, tia não (…) Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. (…) Recusar a identificação da figura da professora com a da tia não significa, de modo algum, diminuir ou menosprezar a figura da tia, da mesma forma como aceitar a identificação não traduz nenhuma valoração à tia. Significa, pelo contrário, retirar algo fundamental à professora: sua responsabilidade profissional de que faz parte a exigência política por sua formação permanente. A recusa, a meu ver, se deve, sobretudo, a duas razões principais. De um lado, evitar uma compreensão distorcida da tarefa profissional da professora, de outro, desocultar asombra ideológica repousando manhosamente na intimidade da falsa identificação. Identificar professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, sobretudo, na rede privada em todo o país, é quase como proclamar que professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se não devem fazer greve. Quem já viu dez mil “tias”fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado? E essa ideologia que toma o protesto necessário da professora como manifestação de seu desamor aos alunos, de sua irresponsabilidade de tias, se constitui como ponto central em que se apóia grande parte das famílias com filhos em escolas privadas. Mas também ocorre com famílias de crianças de escolas públicas. (Paulo Freire, Professora sim, tia não, São Paulo, Olho D´Água, 1994, p. 10-12.) Parte V Ideologia 1. Os sentidos da ideologia Em sentido amplo, ideologia é um conjunto de idéias, concepções ou opiniões sobre algum assunto que está sujeito a discussão, embora orientada para efetivar uma ação por parte daqueles que acreditam em determinado ideal. A ideologia pode unir as pessoas nos grupos sociais, fazendo-as defender interesses comuns e elaborar projetos de ação. Karl Marx utilizou o conceito ideologia para designar que os homens se direcionam por ideologias que são implantadas pela classe dominante, manipulando a massa trabalhadora. Para ele, a sociedade estava dividida em dois grandes grupos: os dominados pelo processo ideológico e por aqueles que criam tais processos. Em sua função, a ideologia faz com que o dominado não perceba que está sendo manipulado e age de acordo a uma determinada maneira, considerada por ele como correta e natural. Dessa forma, a ideologia oculta as diferenças de classe, facilitando a continuidade da dominação de uma classe sobre outra. Ela assegura a coesão entre os homens e aceitação sem crítica das tarefas que foram impostas. ▪ Ideologia na educação É comum pensar na educação como apolítica, um espaço neutro. Isto é ilusório, pois ela reflete as forças contrárias existentes na sociedade. Baste rever a história da educação para observar que ela sempre serviu ao poder de alguma forma, como por exemplo, nossa educação brasileira na época da ditadura militar. Transmitindo padrões de comportamento, idéias e valores, a escola não se torna um lugar de “ensino universal”, pois pertence a um determinado segmento social. Qualquer teoria ligada à educação deveria partir do exame rigoroso dos problemas da realidade social e quais meios deveriam servir para orientar a atividade do cidadão. Mas quando uma determinada teoria pedagógica se desenvolve à margem dos acontecimentos econômicos e políticos se percebe uma prática ideológica em que os valores das classes dominantes são impostos. É certo que a educação promove a construção da personalidade social, mas esta construção depende diretamente da realidade social em que o indivíduo está inserido, portanto, este indivíduo já vem inserido em um determinado tipo de ideologia. Estudos realizados sobre livros didáticos constam diversos tipos de correntes ideológicas e mostra a criança uma realidade idealizada e deformadora. A sociedade nestes casos é una e harmônica, acreditando a criança que encontrará um mundo em que todas as portas estarão abertas e a riqueza e a pobreza é colocada de forma natural, como se já fizessem parte das coisas, não sendo resultado da ação dos homens. Aos pobres devemos ter paciência e os ricos devem ser generosos. A família aparece com seus papéis bem definidos, o pai é o trabalhador, a mãe a rainha do lar e a empregada que geralmente é negra, é feliz por ‘quase’ pertencer à família. Este é um mundo sem preconceitos. A pátria, o índio e o negro recebem ingênua exaltação, e o aluno que descubra por conta própria o verdadeiro sentido destas três realidades. Até as disciplinas recebem caráter ideológico: neutralidade, ausência de interpretação, sendo a história realizada por ‘grandes homens': a abolição da escravatura é vista sob a ótica dos brancos e os bandeirantes são ‘heróis’ que desbravaram as fronteiras brasileiras (a custa de muito sangue indígena na verdade). O positivismo na educação brasileira despreza o homem como construtor de seu habitat e se oculta a ação sobre a natureza dos homens que fizeram a pátria. Não se pode esquecer também da burocracia, que acaba mais por ‘domesticar’ o aluno, gerando um autoritarismo e um formalismo próprios do processo ideológico. ▪ Contra-ideologia Sendo o discurso ideológico abstrato e vago, separando o pensar o agir, a contra-ideologia aparece como um discurso não ideológico, denunciando uma prática manipulatória que se acha oculta. Ela não pode ser confundida com uma ideologia, pois sua função é desmascarar a dominação, estabelecendo sempre um diálogo entre teoria e prática. Voltando este processo para a educação, a contra-ideologia deve trabalhar os fatos impostos partindo da análise a fim de refletir e criticar as teorias anteriormente impostas em sentido ideológico, avaliando o verdadeiro significado de tais teorias. O papel da filosofia é importante ao criticar as ideologias, rompendo com as estruturas que identificam formas de dominação. Porisso, a escola não pode ser considerada como ‘fora’ do contexto social, isolada da realidade, deve sim, desenvolver um discurso contra-ideológico. Textos Complementares Classe e Raça A classe dominante (brasileira) bifurcou sua conduta em dois estilos contrapostos. Um, presidido pela mais viva cordialidade nas relações com seus pares; outro, remarcado pelo descaso no trato com os que lhe são socialmente inferiores. Assim é que na mesma pessoa se pode observar a representação de dois papéis, conforme encarne a etiqueta prescrita do anfitrião hospitaleiro, gentil e generoso diante de um visitante, ou o papel senhorial, em face de um subordinado. Ambos vividos com uma espontaneidade que só se explica pela conformação bipartida da personalidade. A essa corrupção senhorial corresponde uma deterioração da dignidade pessoal das camadas mais humildes, condicionadas a um tratamento gritantemente assimétrico, predispostas a assumir atitudes de subserviência, compelidas a se deixarem explorar até a exaustão. São mais castas que classes, pela imutabilidade de sua condição social. (…) Dentro desse contexto social jamais se puderam desenvolver instituições democráticas com base em formas locais de autogoverno. As instituições republicanas, adotadas formalmente no Brasil para justificar novas formas de exercício do poder pela classe dominante, tiveram sempre como seus agentes junto ao povo a própria camada proprietária. No mundo rural, a mudança de regime jamais afetou o senhorio fazendeiro que, dirigindo a seu talante as funções de repressão policial, as instituições de propriedade na Colônia, no Império e na República, exerceu desde sempre um poderio hegemônico. A sociedade resultante tem incompatibilidades insanáveis. Dentre elas, a incapacidade de assegurar um padrão de vida, mesmo modestamente satisfatório, para a maioria da população nacional; a inaptidão para criar uma cidadania livre e, em conseqüência, a inviabilidade de instituir-se uma vida democrática. Nessas condições, a eleição é uma grande farsa em que massas de eleitores vendem seus votos àqueles que seriam seus adversários naturais. Por tudo isso é que ela se caracteriza como uma ordenação oligárquica que só se pode manter artificiosa ou repressivamente pela compressão das forças majoritárias às quais condena ao atraso e à pobreza. Não é por acaso, pois, que o Brasil passa de colônia à nação independente e de Monarquia à República, sem que a ordem fazendeira seja afetada e sem que o povo perceba. Todas as nossas instituições políticas constituem superfetações de um poder efetivo que se mantém intocado: o poderio do patronato fazendeiro. (…) A distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros. Entretanto, a rebeldia negra é muito menor e menos agressiva do que deveria ser. Não foi assim no passado. As lutas mais longas e mais cruentas que se travaram no Brasil foram à resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição. Sua forma era principalmente a de fuga, para a resistência e para a reconstituição de sua vida em liberdade nas comunidades solidárias dos quilombos, que se multiplicaram aos milhares. (…) As atuais classes dominantes brasileiras, feitas de filhos e netos dos antigos senhores de escravos, guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil. Para seus pais, o negro escravo, o forro, bem como o mulato, eram mera força energética, como um saco de carvão, que desgastado era substituído facilmente por outro que se comprava. Para seus descendentes, o negro livre, o mulato e o branco pobre são também o que há de mais reles, pela preguiça, pela ignorância, pela criminalidade inatas e inelutáveis. Todos eles são tidos consensualmente como culpados de suas próprias desgraças, explicadas como características da raça e não como resultado da escravidão e da opressão. Essa visão deformada é assimilada também pelos mulatos e até pelos negros que conseguem ascender socialmente, os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa. (…) Nos últimos anos, por efeito do sucesso do negro americano, que foi tido pelos brasileiros como uma vitória da raça, mas principalmente pela ascensão de uma parcela da população de cor, através da educação e da ampliação das oportunidades de emprego, o negro brasileiro vem tomando coragem de assumir orgulhosamente sua condição de negro. O mesmo ocorreu a muitos mulatos que saltaram para o lado negro de sua dupla natureza. Essa passagem, de fato, era muito difícil, em razão da imensa massa negra, afundada na miséria mais atroz, com que não podia se confundir. Massa que compõe a imagem popular do negro, cuja condição é absolutamente indesejável, porque sobre ela recai, com toda dureza, o pauperismo, as enfermidades, a criminalidade e a violência. Isso ocorre numa sociedade doentia, de consciência deformada, em que o negro é considerado culpado de sua penúria. (Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro, a formação e o sentido do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995 p. 217-224) Solidão em cadeia Um dia qualquer, uma hora qualquer desses últimos dez anos. Um ponto qualquer do país (o que em termos de televisão significa qualquer município com mais de 50 mil habitantes; o resto não conta, porque o mercado consumidor potencial é muito pequeno para justificar qualquer investimento). Um brasileiro qualquer no isolamento de seu lar liga o aparelho de televisão e entra em cadeia com todos que supõe seus iguais, pelo território nacional. Um brasileiro qualquer: o homem isolado, desinformado, conformado. O homem urbano ou subitamente urbanizado por força de um processo de industrialização violento (se em 1950 o Brasil tinha 40% de sua população nas cidades e 60% no campo, em 77 a população urbana representava 65% do total contra 35% de população rural). O homem moderno e desenraizado cujas tradições, quaisquer que tenham sido, foram aceleradamente sendo substituídas por crenças mais seculares e mais coerentes com o ritmo do país: a fé na felicidade via consumo, no poder das cadernetas de poupança, na viabilidade da casa própria e carro do ano comprado com crédito facilitado; ufanista do seu terno novo e da bela fachada da agência bancária próxima à sua residência – assim como do supermercado inaugurado há pouco – para sua maior comodidade. Este homem convicto do progresso de seu país, que faz dele o cidadão participante de um novo sonho, endividado e angustiado, assoberbado de trabalho e desejos de ascensão. O filho calouro na faculdade de fim de semana, a mulher pedindo um segundo carro, a filha de cabelos cortados à “Pigmaleão 70”, a sogra orgulhosa da nova tevê em cores, a geladeira cheia de embalagens coloridas – margarina da moda em vez de manteiga, iogurte com frutas, pudim de pacote, tudo mais sedutor e quem sabe um pouco mais barato? O homem permanentemente insatisfeito cuja participação no processo político do país ficou limitada a concordar ou não com os apelos da AERP ou com as mensagens editoriais do Jornal Nacional. O homem desentendido que perdeu em um curto período de tempo a imagem de seus país tal como o concebia há dez ou quinze anos atrás (uma imagem carregada de valores rurais, ainda que defasados em relação à época) e perdeu ao mesmo tempo seus canais habituais de articulação com a comunidade – “canais” que vão do campinho de futebol de várzea à participação sindical, da festa de rua às eleições diretas. A este brasileiro resta o consolo da festa global, resta entrar em cadeia às oito da noite pelo Jornal Nacional, pela novela do momento (e sendo mulher, mais despudorada desse tipo de envolvimento, quem sabe até enviar uma carta à Janete Clair pedindo um final reconfortante?). A estehomem expropriado de sua condição de ser político, resta a televisão como encarregada de reintegrá-lo sem dor e sem riscos à vida da sociedade, al Lugar Onde as Coisas Acontecem. Pois este lugar é o próprio espaço da imagem televisiva, e este é o principal papel que a rede líder em audiência representou na década. Ela é O Veículo. Ela fala para estes brasileiros, como se falasse deles – sem deixar de considerar os mais marginalizados economicamente, para quem acena a possibilidade de ser como eles. Ela absorve e canaliza suas aspirações emergentes e, cúmplice, coloca no vídeo sua imagem e dessemelhança, capitalizando seus desejos para o terreno do possível. Sendo que os limites do possível também é ela quem condiciona sutilmente impondo, com a força da imagem, padrões de comportamento, de identificação, de juízo a até mesmo um novo padrão estético compatível com a nova fachada do país “em vias de desenvolvimento”. (KEHL, Maria Rita. Um só povo, uma só cabeça, uma só nação. In Anos 70. Televisão. Rio de Janeiro, Europa, 1980. p. 5-29) Parte VI Ideologia e educação 1. Caráter ideológico das Teorias Pedagógicas A filosofia é muito importante para a pedagogia, pois acompanha de forma reflexiva os problemas educacionais, a contribuição das ciências nesse campo. As diversas contribuições teóricas que enriqueceram o sentido da educação e que ainda hoje se destacam procuram demonstrara a realidade educacional e, a partir da consciência dos problemas educacionais de seu tempo, o pedagogo estabelece objetivos realizáveis e eficazes. Através das diversas correntes teóricas existentes no campo da educação, os valores da sociedade são trabalhados. A seguir algumas correntes pedagógicas: PENSAMENTO PEDAGÓGICO GREGO – A educação grega, o ensino era estimulado através das competições, as virtudes guerreiras serviam para estimular a superioridade frente os povos conquistados. Os gregos deram enorme valor à arte, à literatura, às ciências e à filosofia. A educação do homem consistia na formação do corpo pela ginástica e na da mente pela filosofia e as ciências, e na moral pela música e pelas artes. Poucos aprendiam a governar, pois apenas os livres, os que tinham propriedade, pois os bem educados tinham de saber mandar e obedecer. Apenas os gregos livres tinham acesso a educação e ao diálogo, já que a educação naquela época, se dava através do diálogo. Os espartanos davam mais valor a ginástica e a educação moral, voltada aos interesses do Estado. Enquanto nos atenienses existia um interesse maior pela retórica e para o exercício da política. O estudo era dividido em escolas que ensinavam desde a leitura do alfabeto até a retórica e a filosofia, passando pela filosofia e a educação física. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO ROMANO – Roma e na Grécia, são sociedades escravistas, onde o trabalho manual não é valorizado, e o trabalho intelectual é considerado trabalho da aristocracia, que consiste numa pequena parcela da sociedade, os cidadãos livres. Seus estudos eram na maioria das vezes humanistas, o que caracteriza o homem em todos os tempos e lugares. Este estudo era dado na escola do “gramático”, que seguia algumas fases; ditado de fragmento do texto, memorização deste, tradução da prosa em verso, expressão da mesma idéia em diversas construções, análise das palavras e frases e composição literária. Assim se instruía a elite romana. Para os escravos não era permitido o direito de estudar, eram tratados como objetos, aprendiam a fazer arte nas casas onde serviam. Os romanos impuseram o latim a numerosas províncias, conquistaram a Grécia, que transmitiu a filosofia da educação aos romanos. Um nobre romano deveria aprender coisas sobre a agricultura, a guerra e a política. Aos poucos a classe aristocrática cede lugar a pequenos comerciantes, artesãos e para uma pequena classe de burocratas. O Império sentiu a necessidade de escolas que preparassem administradores, já que para a guerra não havia necessidade de escola, os quartéis ou a própria guerra resolviam o problema. O Estado se ocupa diretamente da educação, treinando supervisores-professor cujo regimento se parecia com os militares. A educação romana era utilitária e moralista, organizada pela disciplina e justiça. Dessa forma os romanos conquistaram um grande Império, fazendo escravos os povos por eles vencidos. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO MEDIEVAL – A igreja cristã dá o ponto de partida para esse pensamento pedagógico. Cristo foi um grande educador, popular e bem sucedido. A partir de Constantino, o império adotou o cristianismo como religião oficial, e fez pela primeira vez a escola tornar-se o aparelho ideológico do estado. Surge um novo tipo histórico de educação, uma nova visão do mundo e da vida, as culturas precedentes foram substituídas pelo poder de Cristo. Foi criada uma educação par ao povo que consistia numa educação catequética e dogmática e outra educação para o clérigo humanista e filosófica teológica. Os estudos medievais compreendiam, o Trivium (Gramática, dialética e teórica) e o Quadrivium (Aritmética, geometria, astronomia e música). Da briga entre cristãos e árabes inicia um novo tipo de vida intelectual chamada escolástica, que procura conciliar a razão histórica com a fé cristã. O maior idealizador desta escola foi São Tomás de Aquino, que afirmava que a educação habita o educando a desabrochar todas as suas potencialidades, operando assim a síntese entre a educação cristã e a educação greco-romana. As classes trabalhadoras tinham as educações orais, transmitidas de pai para filho. A igreja não se preocupava com a educação física, considerava o corpo pecaminoso. Os jogos ficavam por conta da educação do cavaleiro. Na Idade Média foram criadas as universidades de Paris, Bolonha, Saleno, Oxford, Hedelberg e Viena. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO ORIENTAL – Os valores da tradição, da não violência e da meditação ligados à religião, foi onde firmou-se a transmissão de conhecimento segundo o Oriente. A doutrina pedagógica mais antiga é o Taoísmo, uma espécie de panteísmo no qual os princípios recomendam uma vida pacata e tranqüila. Confúcio criou um sistema moral que cultuava os mortos e que mais tarde tornou-se religião. Ele idealizava famílias patriarcas onde o pai comparado a um governante centralizava todo o conhecimento desconsiderando todo o saber e inteligência dos filhos. A educação Hinduísta tendia para a reprodução e contemplação da casta, dividem a mesma profissão bem como a mesma religião, os casamentos são realizados entre si. Exaltavam o espírito repudiando o corpo. Aqueles que eram excluídos da sociedade, bem como as mulheres, não tinham acesso a educação. Os egípcios foram os primeiros a tomar consciência da importância da arte de ensinar. Criaram casas de instrução onde ensinavam a leitura, a história dos cultos, a astronomia, a música e a medicina. Poucas informações deste período foram preservadas. O povo que mais conservou informações sobre sua história, foram os hebreus, deixando como herança para o mundo um conjunto de doutrinas, tradições, cerimônias religiosas e preceitos que ainda hoje são seguidos. De maneira geral os ensinamentos primitivos ocorreram de maneira semelhante entre muitos povos, marcados pela tradição e pelo culto aos velhos. O tradicionalismo pedagógico é determinado por tendências religiosas diferentes. Na comunidade primitiva a educação provinha da própria comunidade, essa se dava através da vida e para a vida. A criança aprendia no seu próprio dia a dia. Em fim a escola era a própria aldeia. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO CRÍTICO – Depois de duas guerras mundiais, os existencialistas e fenomenologistas se perguntavam o que estava acontecendo de errado com a educação. Entre os maiores críticos, está o filósofo Louis Althusser e os sociólogos, Pierre Bordieu e Jean Claude Passeron, cujas obras tiveram grande influência no pensamento pedagógico brasileiro na década de 70. Elas demonstraram o quantoa educação reproduz a sociedade. Pensamentos dos principais idealizadores do Pensamento Pedagógico Crítico: · Louis Althusser: A escola-família substitui o binômio igreja-família como aparelho ideológico dominante. É a escola obrigatória durante muitos anos, na vida do ser humano. · Bordieu e Passeron: Para eles, toda ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário. A ação pedagógica tende à reprodução cultural e social simultaneamente. · Baudelot e Establet: Empreenderam um estudo profundo do sistema escolar, destruindo a representação ideológica da escola única. Dizem que existe na verdade, duas redes escolares, a secundária-superior, reservada para a classe dominante, e a primária-profissional reservada para as classes dominadas. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO ANTIAUTORITÁRIO – Dentre os autores que seguem esta linha de pensamento pedagógico, foram destacados: Francisco Ferrer Guardiã (1859 – 1909) que tinha como objetivo abolir da escola todo o instrumento de repreensão e violência, sua tarefa seria preparar os futuros revolucionários, a ação pedagógica que ele teoriza a existência da disciplina artificial que é regada pelo autoritarismo cego, e uma disciplina natural que propõe encontrar um consenso. Alexander S. Neill (1883 – 1973) que se tornou conhecido no Brasil, através de seus livros “Liberdade sem medo”, “Liberdade sem excesso”, “Liberdade no lar”, Liberdade na escola” e “Amor e juventude”. Ele acreditava que a missão do professor era a de estimular o pensamento da criança, que a dinâmica interna da liberdade se encarregaria de proporcionar as mais ricas e variadas formas de vivência. Celestin Freinet (1896 – 1966) afirmava que na medida em que organizamos o trabalho, teremos resolvido os principais problemas de ordem e disciplina: não de uma ordem e uma disciplina formal e superficial, que não se mantém senão por um sistema der sanções, previsto como uma camisa-de-força que pesa tanto a quem recebe como ao mestre que a impõe. E finaliza com Henry Wallon (1879 – 1962) que enfatizava que o desenvolvimento da criança decorre em etapas, sendo cada etapa caracterizada por uma atividade preponderante, ou conflito que a criança deve resolver. O desenvolvimento acontece de modo descontínuo, uma vez que as crises evolutivas que resultam na reestruturação da conduta infantil não são lineares nem uniformes. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO RENASCENTISTA – O pensamento pedagógico Renascentista influenciou diretamente a educação através da teoria heliocêntrica, defendida por Copérnico (1473 – 1543). A educação Renascentista visava a formação do homem burguês. Como principais educadores Renascentistas, foram citados: Vittorino da Feltre – que defendia uma educação individualizada, o auto governo do aluno e a competição; Erasmo Desídoro – para ele, o verdadeiro caminho deveria ser criado pelo homem, enquanto ser inteligente e livre; Juan Luis Vives – foi um dos primeiros a solicitar uma remuneração para os professores; Michel de Motaigne – ele acreditava que as crianças devem aprender o que farão quando adultos; Martinho Lutero – para ele a exaltação Renascentista do indivíduo de seu livre arbítrio, tornara inevitável a ruptura no seio da igreja. Iniciou a Reforma Protestante, que foi considerada como a primeira grande revolução burguesa. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO POSITIVISTA (Escola Tradicional) – O pensamento pedagógico positivista consolidou a concepção burguesa da educação. Seu maior expoente foi Augusto Comte (1798 – 1857), que tem como principal obra o “Curso de filosofia positiva”, publicado em 1830 e 1842. Comte combateu o espírito religioso, mas acabou propondo a instituição do que chamou “religião da humanidade” para substituir a Igreja. Segundo ele, a humanidade passou por três etapas sucessivas: o estado teológico, durante o qual o homem explicava a natureza por agentes sobrenaturais; o estado metafísico, no qual tudo se justificava através de noções abstratas como essência, substância, causalidade, etc; e o estado positivo, o atual, onde se buscam as leis científicas. Herbert Spencer (1820 – 1903) discípulo de Comte, deixou de lado a concepção religiosa do mestre e valorizou o princípio da formação científica na educação. Um dos principais expoentes na sociologia da educação positivista foi Émile Durkhein (1858 – 1917), que considerava a educação como imagem e reflexo da sociedade. A pedagogia seria uma teoria da prática social. Para os pensadores positivistas, a libertação social e política passava pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, sob o controle das elites. O positivismo nasceu como filosofia, portanto interrogando-se sobre o real e a ordem existente, mas, ao dar uma resposta ao social, afirmou-se como ideologia. A expressão do positivismo no Brasil inspirou a Velha República e o golpe militar de 1964. Segundo essa ideologia da ordem, o país não seria mais governado pelas “paixões políticas”, mas pela racionalidade dos cientistas desinteressados e eficientes: os tecnocratas. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO DO TERCEIRO MUNDO – O pensamento pedagógico do Terceiro Mundo é originário de experiências educacionais dos países colonizados, como os da América Latina e os da África. Na luta pela sua emancipação, estes países constituíram uma teoria original. A Europa colonizou os dois continentes, dividindo territórios e tornando estes países cada vez mais dependentes e subdesenvolvidos. Os colonizadores combateram a educação e a cultura nativa impondo seus hábitos e costumes e escravizando os nativos de cada região. Na África, os colonizadores impuseram uma única língua estrangeira a fim de catequizá-los e uni-las numa religião universal, sendo que este programa não deu certo porque a tradição européia era calcada no valor da palavra escrita, ao passo que a tradição africana é dominada pela oralidade. Nos anos 70, com a libertação dos países africanos, foram feitas enormes campanhas de alfabetização, consideradas um fracasso pelos europeus. Mesmo desacreditados, os africanos obtiveram grandes resultados. Estas campanhas visavam a incorporação dessas massas num projeto nacional e o fortalecimento do povo como animador coletivo da educação. PENSAMENTO PEDAGÓGICO MODERNO - Nos séculos XVI e XVII, a sociedade passou por mudanças significativas, houve a queda do modo de produção feudal. Na educação houve muitas mudanças, pois o que era ensinado foi considerado obsoleto, alguns filósofos fizeram grandes descobertas na área da educação, deram um novo ordenamento às ciências. Os principais filósofos que tiveram maior ascensão nesta época foram: – René Descartes, que escreveu o “Discurso do Método”, que consistia em quatro grandes princípios, tais como: jamais tomar alguma decisão sem conhecê-la evidentemente como tal; dividir todas as dificuldades quantas vezes forem necessários antes de resolvê-las; organizar os pensamentos começando pelas mais simples até as mais difíceis; e fazer uma revisão geral para não omitir nada. – João Amos Comênio, escreveu a “Didática Magna”, considerada como método pedagógico para ensinar com rapidez. Dizia que a escola ao invés de ensinar palavras, deveria ensinar o conhecimento das coisas. – John Locke, combateu o inatismo, dizendo que nada existe em nossa mente que não tenha origem em nossa mente. – Francis Bacon, divide as ciências e ainda diz que saber é poder sobre tudo. O PENSAMENTO PEDAGÓGICO BRASILEIRO – O pensamento pedagógico teve grande ajuda dos jesuítas, que difundiram nas classes populares a religião subserviência, da dependência ao paternalismo, características marcantes da cultura brasileira até os dias de hoje. O primórdio da educação brasileira foi Rui Barbosa, que pregava a liberdade de ensino, a instrução obrigatória, este se inspirou no sistema educacional da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Paulo Freire, foi o maior contribuinte da alfabetização de jovens
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