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ochoquedecivilizações?~ SamuelP. Huntington opróximopadrãodosconDitos "A políticamundialestáaentrarnumanovafaseeosintelectuaisnãotêmhesitadoem multiplicarasvisõesdoqueestaseria- o fim dahistória,o regressoàstradicionais rivalidadesentreEstados-naçõese o declíniodo Estado-naçãoapartirdastendências emconflitodotribalismoe do globalismo,entreoutras.Cadaumadestasvisõescapta aspectosdarealidadeemergente.No entanto,todaselasesquecemum aspectocrucial, mesmocentral,do que,provavelmente,a políticaglobalpodevir a ser nos anos vindouros. A minhahipóteseé adequea fontefundamentaldeconflitonestenovo mundonão seja prevalentementeideológicaou predominantementeeconômica.As grandes divisõesexistentesnahumanidadeea fontedominantedeconflitoserãoculturais.Os Estados-naçõescontinuarãoa serosatoresmaispoderososnasquestõesmundiais,mas osprincipaisconflitosdapolíticaglobalocorrerãoentrenaçõesegruposdediferentes civilizações.O choquede civilizaçõesdominaráa política global. As guerras civilizacionaisserãoasbatalhasdofuturo. O conflito entrecivilizaçõesseráa últimafasena evoluçãodo conflito no mundo moderno.Durante um século e meio, após a emergênciado modernosistema internacionalcoma Pazde Westefália,os conflitosdo mundomodernoocorreram majoritariamenteentrepríncipes- imperadores,monarcasabsolutose monarcas constitucionais,quetentavamexpandirassuasburocracias,osseusexércitos,o seu podereconômicomercantilistae,principalmente,o territórioquegovernavam.Neste processocriaramosEstados-nações,mascomarevoluçãofrancesaasprincipaislinhas de conflitocomeçarama verificar-semaisentrenaçõesdo queentrepríncipes.Em 1793R. R. Palmerdiziaque «asguerrasentrereisacabaram;começaramasguerras entrepovos».Estepadrãodo séculoxix durouatéaofim daprimeiraguerramundiaL Depois,comoresultadodarevoluçãorussae dareaçãocontraela,oconflitodasnações conduziuaoconflitodasideologias,primeiroentreo comunismo,o nazi-fascismoe a democracialiberal e depoisentreo comunismoe a democracialiberal. Durantea guerrafria,esteúltimoconflitofoi corporificadonalutaentreasduassuperpotências, nenhumadelasumEstado-naçãonosentidoclássicoeuropeudotermo,masTadauma delascomassuasidentidadesdefinidasemtermosdasrespectivasideologias. Estes conflitos entre príncipes, Estados-naçõese ideologias ocorreram predominantementedentroda civilizaçãoocidental,«guerrascivisocidentais»,como William Lind osclassificou.Tal foi tantoverdadeemrelaçãoàguerrafria comoo foi em relaçãoàsantecedentesguerrasdosséculosxvii, xviii e xix.Como fim daguerra fria,apolíticainternacionalsaidafaseocidentale o seucentropassaasera interação entre o Ocidentee as civilizaçõesnão ocidentaise entre estas.Na política das civilizações,ospovose osgovernosdascivilizaçõesnãoocidentaisjá nãosãomaisos objetosdahistóriacomoalvosdo colonialismoocidental,masjuntam-seao Ocidente comomotoresemodeladoresdahistória. A naturezadascivilizações Durantea guerrafria, o mundoestavadividido em primeiro,segundoe terceiro mundos. Estas divisões já não têm qualquer relevância.É agora muito mais significativoagruparos países,não em termos dos seus sistemaspolíticos ou econômicosou dosseusníveisde desenvolvimentoeconômico,massegundoa sua culturaecivilização. O que queremosdizer quandofalamosde umacivilização?Uma civilizaçãoé uma entidadecultural.Aldeias,regiões,gruposétnicos,nacionalidades,gruposreligiosos, todos têm culturasdistintasem diferentesníveis de heterogeneidadecultural.A culturade umaaldeiana Itáliameridionalpodeserdiferenteda de umaaldeiano Norte, masambascompartilhamumaculturaitalianacomumqueasdistinguedas aldeiasalemãs.As comunidadeseuropéias,por seulado,partilharãotraçosculturais queasdistinguemdascomunidadesárabesouchinesas.Noentanto,osÁrabes,osChi- nesese os Ocidentaisnão são parte de qualquerentidadecultural mais ampla. Constituemcivilizações.Assim,a civilizaçãoé o maiselevadoagrupamentocultural depessoaseo nívelmaisamplodeidentidadeculturalquepossuemequedistingueos humanosdasoutrasespécies.Define--sequerporelementosobjetivoscomuns,comoa língua,a história,a religião,oscostumeseasinstituições,querpelaauto-identificação subjetivadaspessoas.As pessoastêmníveisdeidentidadediferentes:umresidenteem Roma pode definir-se,em vários grausde intensidade,como romano,italiano, católico,cristão,europeu,ocidental.A civilizaçãoaquepertenceé o nívelmaisamplo de identificaçãoaquesesenteligado.Aspessoaspodemredefinir,eredefinem,assuas identidadese, consequentemente,mudam a composiçãoe as fronteiras das civilizações. As civilizaçõespodemenglobarumagrandequantidadedepessoas,comoa daChina (<<umacivilizaçãoque pretendeser um Estado»,comodisseLucian Pye), ou um númeromuitoreduzidodepessoas,comoa dasCaraíbasanglófonas.Umacivilização podeincluir váriosEstados-nações,comoé o casodascivilizaçõesocidental,latino- americanaou árabe,ou apenasum, como acontececom a civilizaçãojaponesa. Obviamente,ascivilizaçõesmisturam-see sobrepõem-see podemcontersubdivisões. A civilizaçãoocidentaltemduasvariantesprincipais,aeuropéiae anorte-americana, tal como o islão tem váriassubdivisões:árabe,turca e malaia.No entanto,as civilizaçõessãoentidadescomsignificadoe, emboraas linhas entreelasnãosejam nítidas,sãoreais.As civilizaçõessãodinâmicas,progrideme tombam,dividem-see fundem-se.E, comoqualquerestudantede Históriasabe,há civilizaçõesque desaparecemeficamenterradasnasareiasdotempo. OsOcidentaistendemaconsiderarqueosEstados-naçõessãoosprincipaisatoresnos assuntosglobais.Defato,têm-nosido,masapenasháalgunsséculos.A históriadas civilizaçõestemsidoa históriahumanacommaioralcance.No livro A Studyof HistoryArnoldToynbeeidentificou21grandescivilizações;apenasseiscontinuama existirnomundocontemporâneo. Por quehaveráchoquesdecivilizações No futuro,a identidadecivilizacionalserácadavezmaisimportanteeo mundoserá moldado,emgrandemedida,pelasinteraçõesentreseteouoitograndescivilizações. Nestasincluem-sea ocidental,a confucionista,a japonesa,a islâmica,a hindu,a eslavo-ortodoxa,a latino-americanae, possivelmente,a africana.Os conflitosmais importantesdo futuroocorrerãoaolongodaslinhasqueseparamestascivilizações umasdasoutras. Porqueseráassim? Emprimeirolugar,asdiferençasentreascivilizaçõesnãosãoapenasreais,sãobásicas. Ascivilizaçõesdistinguem-seurnasdasoutraspelahistória,língua,cultura,tradiçãoe, especialmente,pelareligião.Pessoasde civilizaçõesdiferentestêmpontosdevista diferentessobreasrelaçõesentreDeuseo homem,o indivíduoeogrupo,ocidadãoe o Estado,ospaiseosfilhos,o maridoe amulher,assimcomoperspectivasdiferentes sobrea importânciarelativadosdireitose dasresponsabilidades,a liberdadee a autoridade,a igualdadee ahierarquia.Estasdiferençassãoo produtodotrabalhode séculos.Não desaparecerãobrevemente.Sãobemmaisimportantesdo que as diferençasentreideologiaspolíticaseregimespolíticos.AB diferençasnãosignificam, necessariamente,conflitos,talcomoestesnãosignificam,necessariamente,violência. No entanto,ao longodosséculos,asdiferençasentrecivilizaçõestêmgeradoos conflitosmaisprolongadosemaisviolentos. Emsegundolugar,o mundoestáatransformar-senumlugarpequeno.Asinterações entrepovosdecivilizaçõesdiferentesestãoa aumentar;estasinteraçõescrescentes intensificama consciênciacivilizacionale a constataçãodasdiferençasentreas civilizaçõese dassimilitudesexistentesdentrodelas.A imigraçãonorte-africanaem FrançagerahostilidadeentreosFrancesesenquanto,simultaneamente,aumentaa receptividadeà imigraçãodos«bons»polacoscatólicoseuropeus.Os Americanos reagembastantemaisnegativamenteao investimentojaponêsdo queaosmuito maioresinvestimentosdoCanadáe dospaíseseuropeus.Analogamente,comonotou DonaldHorowitz,«umibopodeser[...] umiboowerriouumiboollÍtshanaregião lestedaNigéria.EmLagosé,simplesmente,ibo.EmLondresé nigeriano.EmNova Iorqueé africano.»As interaçõesentrepovosde civilizaçõesdiferentesfazem aumentara consciênciacivilizacionaldaspessoase, por outrolado,acentuamas diferençase asanimosidadesqueestãoradicadas,ou assimsepensa,bemfundona história.Em terceirolugar,os processosde modernizaçãoeconômicae de mudançasocial atravésdo mundoestãoaafastaraspessoasdasancestraisidentidadeslocais.Também enfraquecemo Estado-naçãocomofontedeidentidade.Em muitaspartesdomundoa religião tem procuradopreencheressevazio, frequentementesob a forma de movimentosquesãoetiquetadosde«fundamentalistas».Taismovimentosencontram- seno cristianismoocidental,nojudaísmo,no budismoenohinduísmo,assimcomono íslamismo.Na maior parte dos paísese das religiõesas pessoasativasnestes movimentosfundamentalistassão jovens, educadas,técnicos de classemédia, profissionaise homensdenegócios.A «dessecularizaçãodo mundo»,apontouGeorge Weigel,«éumdosfatossociaisdominantesdefinaisdoséculoxx».O renascimentoda religião,«IarevanchedeDieu»,comoGillesKepelo intitulou,forneceumabaseparaa identidadee parao empenhamentoquetranscendeasfronteirasnacionaise une as civilizações. Em quartolugar,o crescimentodaconsciênciacivilizacionaléaumentadopeloduplo papeldo Ocidente.Por um lado,o Ocidenteestáno augedo poder.No entanto,ao mesmotempoe talvezcomoresultadodisso,estáa ocorrerum fenômenoderetomo àsorigensentreascivilizaçõesnãoocidentais.Ouvem-secadavezmaisreferênciasa tendênciasemdireçãoaumaviradaparadentroeà «asianização»noJapão,aofim do legadodeNehrue à «hinduização»daÍndia,aofracassodasideiasdosocialismoe do nacionalismoocidentaise,consequentemente,à «reislamização»doMédio Orientee, agora,a um debatesobrea ocidentalizaçãoversasrussianizaçãono paísde Boris Ieltsine.Um Ocidentenoaugedoseupoderconfronta-secomumpodernãoocidental que,crescentemente,temdesejo,vontadee recursosparamoldaro mundoemmodos nãoocidentais. No passado,aselitesdesociedadesnãoocidentaiseram,normalmente,aspessoasque mais estavamenvolvidascom o Ocidente,tinhamsido educadasem Oxford, na Sorbonaou emSandhurste tinhamabsorvidoasatitudese osvaloresocidentais.Ao mesmotempo,a populaçãonos paísesnão ocidentaisfrequentementepermanecia profundamenteimbuídadaculturaindígena.Todavia,atualmente,estasrelaçõesestão a serinvertidas.Estáaocorrerumadesocidentalizaçãoe umaindigenizaçãodaselites emmuitospaísesnãoocidentaisaomesmotempoqueacultura,osestiloseoshábitos ocidentais,principalmenteamericanos,setomammaispopularesentreasmassas. Em quinto lugar,ascaracterísticase asdiferençasculturaissãomenosmutáveise, consequentemente,menosfacilmentecomprometidase transformadasdo que as políticase econômicas.Na antigaUnião Soviéticaos comunistaspodemtomar-se democratas,os ricos podemtornar-sepobrese ospobresricos,masos Russosnão podemtomar-seestonianose os Aze-rÍSnãopodemtornar-searmênios.A questão principal nosconflitosideológicose declasseconsistiaem«dequeladoestás?»e as pessoaspodiamescolher,e escolhiam,o lado e mudavamdepoisde campo.Nos conflitos entrecivilizaçõesa questãoquese colocapretendesaber«o que é és?» Refere-sea um dadoquenãopodeseralterado.E, comotodossabem,da Bósniaao Cáucasoe aoSudão,umarespostaerradaaestaperguntapodesignificarumabalana cabeça.Ainda maisdoqueaetnia,a religiãodiscriminaaspessoas.Um indivíduopode sermeio-francêse meio-árabee,simultaneamente,atécidadãodosdoispaíses.É mais difícil sermeio-católicoemeio-muçulmano. Finalmente,o regionalismoeconômicoestáa aumentar.As percentagensem relação aototaldo comérciointrar-regionalsubiram,entre1980e 1989,de51%para59%na Europa,de 33%para37%no ExtremoOrientee de 32%para36%na Américado Norte. É provávelque a importânciadosblocoseconômicosregionaiscontinuea aumentarno futuro.Por um lado,o regionalismoeconómicoreforçaráa consciência civilizacional.Poroutro,o regionalismoeconômicosópodetersucessoquandoestiver radicadonumacivilizaçãocomum.A ComunidadeEuropéiaassentanumacriação partilhadada culturaeuropéiae do cristianismoocidental.O sucessoda Área de ComércioLivre Norte-Americanodependeda convergênciaem cursodasculturas mexicana,canadensee americana.Em contrapartida,o Japãoenfrentadificuldadesna criaçãodeumaentidadeeconômicacomparávelno ExtremoOrienteporqueo Japãoé, em si mesmo,umasociedadee umacivilizaçãoúnicas.Por muito forteque sejao comércioe o investimentoqueo JapãopossadesenvolvercomoutrospaísesdaÁsia oriental,asdiferençasculturaiscomessespaísesinibeme talvezexcluamapromoção daintegraçãoeconômicaregional,comoacontecenaEuropaenaAméricadoNorte. Pelo contrário,umaculturacomumestáa facilitarclaramentea rápidaexpansãodas relaçõeseconômicasentre a RepúblicaPopular da China, Hong-Kong,Taiwan, Singapurae ascomunidadesdechinesesultramarinosemváriosoutrospaísesdaÁsia. Findaaguerrafria,assimilitudesculturaisultrapassaramcrescentementeasdiferenças ideológicase a China continentale Taiwan aproximaram-semutuamente.Se a comunhãoculturalfor um pré-requisitoparaa integraçãoeconômica,o principal blocoeconômicodo futurono ExtremoOrienteficará,provavelmente,centradona China.Defato,esteblocojáexiste.ComoobservouMurrayWeidenbaum: Apesardo atualdomíniojaponêsnaregião,aeconomiadebasechinesanaÁsiaestáa emergirrapidamentecomoum novoepicentroparaa indústria,o comércioe a área financeira.Estaáreaestratégicacontémumaquantidadesubstancialdetecnologiaede capacidademanufatureira(Taiwan),excelenteespíritoempresariale o expoente máximono que toca a marketinge serviços(Hong-Kong),uma rede ótima de comunicações,umatremendapooldecapitalfinanceiro(ostrês)eumenormedotede terra,derecursose detrabalho(Chinacontinental)[...] DeGuangzouaSingapura,de KualaLumpura Manila,estainfluenterede- frequentementebaseadaemextensões dosclãstradicionais- temsidodescritacomoa espinhadorsaldaeconomiadaÁsia orientall. A cultura e a religião formamtambéma base da Organizaçãode Cooperação Econômica,quereúnedezpaísesmuçulmanosnãoárabes:Irão, Paquistão,Turquia, Azerbaijão, Cazaquistão,Quirguistão,Turcomenistão,Tajiquistão,Usbequistãoe Afeganistão.O ímpetoparao renascimentoe expansãodestaorganização,fundada inicialmentepelaTurquia,Paquistãoe Irão nos anos60, derivada percepçãodos dirigentespolíticosde váriosdestespaísesde que não têm grandeshipótesesde penetraçãona ComunidadeEuropéia.Analogamente,o Caricom,o mercadocomum da AméricaCentral,e o Mercosulassentamembasesculturaiscomuns.No entanto, atéà dataos esforçosfeitosparaconstruirumaentidadeeconômicamaisamplaque abranjaas Caraíbase a AméricaCentral,ultrapassandoa divisãoanglo-Iatina,têm falhado. Comoaspessoasdefinema suaidentidadeemtermosétnicose religiosos,éprovável que vejamque existeum «nós»versus«eles»em relaçãoa povosde umaetniaou religiãodiferentes.O fim de Estadosideologicamentedefinidosna EuropadeLestee naantigaUniãoSoviéticapermitequeidentidadese animosidadesétnicastradicionais venhamao de cima.Diferençasna cultura e na religiãocriam diferençassobre questõesde política,que vão dosdireitoshumanosà imigraçãoe do comércioao ambiente.A proximidadegeográficaoriginareivindicaçõese conflitosde território desdea Bósniaaté Mindanau.Mas, acimade tudo, os esforçosdo Ocidentepara promovercomovaloresuniversaisosseusvaloresdedemocraciae deliberalismo,para mantera sua predominânciamilitar e para colocar à frente os seusinteresses econômicosoriginamcontra-respostasdas outrascivilizações.Os governose os grupos,cadavez menoscapazesde mobilizaremapoioe de formaremcoligaçõesna baseda ideologia,tentammobilizarprogressivamenteo apoioapelandoà religião comumeà identidadecivilizacional. O choquedascivilizaçõesocorrerá,assim,em dois níveis:ao nível micro,grupos adjacentesque vivemao longodaslinhas divisóriasdascivilizaçõeslutamentresi, frequentementecomviolência,pelocontroledoterritório;aonívelmacro,osEstados de civilizaçõesdiferentesentramem competiçãopelo podermilitar e econômico, lutam pelo controle de instituiçõesinternacionaise de terceiraspartese, em concorrência,promovemosseusvalorespolíticosereligiososespecíficos. As linhasdivisóriasentrecivilizações As linhas divisóriasentre civilizaçõesestãoa substituiras fronteiraspolíticase ideológicasdaguerrafria comopontosquentesparacrisese parao derramamentode sangue.A guerra fria começouquando a cortina de ferro dividiu política eideologicamentea Europa.A guerrafria terminoucom o fim da cortinade ferro. Quandodesapareceua divisãoideológicadaEuropa,reapareceua divisãoculturalda Europaentre o cristianismoocidental,por um lado,e o cristianismoortodoxoe o islamismo,por outro.A linha divisóriamaissignificativana Europa,comosugeriu William Wallace,podebemserafronteiraorientaldocristianismoocidentalde1500. Estalinha segueaolongodasatuaisfronteirasentrea Finlândiae a Rússiae entreos EstadosbálticoseaRússia,passapelaBielorúsiaepelaUcrânia,separandooscatólicos da Ucrânia Ocidentaldos ortodoxosda Ucrânia Oriental, curva para ocidente, separandoaTransilvâniadorestodaRomênia,econtinuaatravésdaIugoslávia,quase exatamenteao longodalinha quesepara,actualmente,a Croáciae a Eslovêniado restodaIugoslávia.NosBalcãs,claroestá,estalinhacoincidecomafronteirahistórica entreo impérioHabsburgoeo otomano.A norteeaocidentedestalinha,ospovossão protestantesou católicos,partilhamexperiênciascomunsda história européia- feudalismo,Renascimento,Reforma,as luzes, a revoluçãofrancesa,a revolução industrial;emgeral,estãoeconomicamentemelhordoqueospovosaleste,parecendo agoraesperaransiosamentepor um maiorenvolvimentonumaeconomiaeuropéia comumepelaconsolidaçãodossistemaspolíticosdemocráticos.A orienteeasuldesta linha, ospovossãoortodoxosou muçulmanos;historicamente,pertenciamaoimpério otomanoou ao czaristae apenaslevementeeramtocadospelosacontecimentos modeladoresdo restodaEuropa;são,regrageral,economicamentemenosavançados; parecemuitomenosprovávelquedesenvolvamsistemaspolíticosdemocraticamente estáveis.A cortinadeveludodaculturasubstituiuacortinadeferrodaideologiacomo a maissignificativalinhadivisórianaEuropa.Comomostramosacontecimentosna Iugoslávia,não é apenasumalinha de diferença,é tambémumalinha de conflito sangrento. O conflito aolongodaslinhasdeseparaçãoentreascivilizaçõesocidentale islâmica temprosseguidodesdehá1300anos.Depoisdacriaçãodo islãoasvagasárabeemoura paraocidentee paranortesóterminaramem732emTOUIS. Entreosséculosxi exiii os cruzadostentaram,comum sucessotemporário,trazerdevoltao cristianismoe a lei cristãà TerraSanta.Entreosséculosxiv e xvii,osTurcosOtomanosinverterama relaçãode forças,estenderamo seudomínio sobreo Médio Oriente e os Balcãs, conquistaramConstantinoplae, por duasvezes,cercaramViena.No séculoxix e em princípios do séculoxx, enquantoo poderotomanodeclinava,a Grã-Bretanha,a Françae a Itáliaestabeleceramo controleocidentalsobrea maiorpartedo Nortede África eo MédioOriente. Depoisda segundaguerramundial,o Ocidente,por suavez,começoua recuar;os impérioscoloniaisdesapareceram;irrompeu,primeiro,o nacionalismoárabee,depois, o fundamentalismoislâmico;o Ocidentetornou-sefortementedependentedospaíses do golfo Pérsicopor causada suaenergia;os paísesmuçulmanosricos empetróleo tornaram-sericos emdinheiroe, posteriormente,ricosem armamento.Ocorreram váriasguerrasentreÁrabese Israel(criaçãodoOcidente).A Françatravouumaguerra sangrentae cruel na Argéliadurantegrandepartedosanos50; forçasbritânicase francesasinvadiramo Egitoem1956;forçasamericanasentraramno Líbanoem1958; posteriormente,forças americanasvoltaram ao Líbano, atacarama LI'bia e empenharam-seem váriosconfrontosmilitarescom o Irão; terroristasárabese islâmicos,apoiados,pelomenos,portrêsgovernosdo Médio Oriente,empregarama arma dos fracose fizeramexplodiraviõese instalaçõesocidentaise seqüestraram refénsocidentais.EstaguerraentreÁrabese o Ocidenteculminouquando,em1990, os EstadosUnidosenviaramum poderosoexércitoao golfo Pérsicoparadefender algunspaísesárabesda agressãode um outro.Como resultado,o planejamentoda NATO estácadavezmaisdirigidoparapotenciaisameaçase instabilidadeaolongodo seu«flancosul». É poucoprovávelque estainteraçãomilitarde séculosentreo Ocidentee o islão diminua. Pode tornar-semaisvirulenta.A guerrado Golfo deixoualgunsárabes orgulhosospor SaddamHusseinter atacadoIsraele afrontadoo Ocidente.Também deixoumuitoshumilhadose ressentidosdevidoà presençamilitar do Ocidenteno golfo Pérsico, ao esmagadordomínio militar do Ocidente e à sua aparente incapacidadeparamodelaremo seuprópriodestino.Muitospaísesárabes,juntamente comosexportadoresdepetróleo,estãoaatingirníveisdedesenvolvimentoeconômico e socialemqueasformasautocráticasdegovernosetomaminadequadaseosesforços para introduzir a democraciasãocadavez mais fortes.Já se verificaramalgumas aberturasem certossistemaspolíticos árabes.Os principaisbeneficiáriosdestas aberturastêm sido os movimentosislâmicos.Em resumo,no mundo árabe a democraciaocidentalfortaleceasforçaspolíticasanti-ocidentais.Estefenômenopode serpassageiro,mas,seguramente,complicaasrelaçõesentreos paísesislâmicose o Ocidente. Estasrelaçõessãotambémcomplicadaspelademografia.O espetacularcrescimento populacionalnospaísesárabes,principalmenteno Nortede África, conduziua uma crescentemigraçãoparaa Europaocidental.As alteraçõesdentrodaEuropacentral em direçãoao esbatimentodas fronteirasinternastêm aguçadoas sensibilidades políticasno querespeitaaestedesenvolvimento.Na Itália,naFrançaenaAlemanhao racismoestáa crescerabertamentee as reaçõespolíticase a violênciacontra os imigrantesárabeseturcostêm-setomadomaisintensasedisseminadasdesde1990. A interaçãoentreo islãoe o Ocidentetemsidovistaporambasaspartescomoum choquede civilizações.A «próximaconfrontação»do Ocidente,observaM. J. Akbar, escritormuçulmanoindiano,«estáa caminharclaramenteparaquetenhaorigemno mundomuçulmano.É noespaçodasnaçõesislâmicas,doMagrebaoPaquistão,quea lutapor umanovaordemmundialcomeçará.»BernardLewischegaaumaconclusão semelhante: Estamosperanteum estadodeespíritoe um movimentoquetranscendeemmuitoo nível dequestõese depolíticase osgovernosqueasprosseguem.Nadamenosdo que umchoquedecivilizações- areaçãotalvezirracional,masseguramentehistórica,de umaantigarivalidadecontraa herançajudaico--cristã,a nossapresençaseculare a expansãomundialdeambas2. Historicamente,a outragrandeinteraçãoantagônicadacivilizaçãoislâmicaárabetem sidocomospovosnegrosdoSul,pagãos,animistase agora,crescentemente,cristãos. No passado,esteantagonismoestavabemespelhadonaimagemdoárabemercadorde escravose dosescravosnegros.Temestadorefletidonaguerracivil emcursono Sudão entreárabese negros,nalutano Chadeentreos insurrectosapoiadospelaLlbia e o governo,nastensõesentreos cristãosortodoxose os muçulmanosna África e nos conflitospolíticos,nosfreqüentestumultosenaviolênciacomunalentremuçulmanos e cristãosna Nigéria.É provávelque a modernizaçãoda África e a expansãodo cristianismoaumentema probabilidadede violênciaao longodestalinha divisória civilizacional.O discursoqueo PapaJoãoPauloII proferiuemCartumemFevereiro de 1993é sintomáticoda intensificaçãodesteconflito por ter atacadoa açãodo governoislamitadoSudãocontraasuaminoriacristã. Na fronteirasetentrionaldo islão,o conflito tem irrompido,cadavez mais,entre povosortodoxose muçulmanos,incluindoa carnificinada Bósniae de Sarajevo,a ebuliçãodaviolênciaentreSérviose Albaneses,asfrágeisrelaçõesentreBúlgarose a sua minoria turca,a violênciaentreOssetase Inguches,o interminávelmassacre mútuodeArmêniosedeAzeris,asrelaçõestensasentreRussosemuçulmanosnaÁsia centraleo posicionamentodetropasrussasparaprotegerinteressesrussosno Cáucaso e naÁsiacentral.A religiãoreforçao renascimentodasidentidadesétnicase estimula osreceiosrussosacercadasegurançadassuasfronteirasmeridionais.Estapreocupação foi bemcaptadaporArchieRoosevelt: Grandepartedahistóriarussaocupa-sedalutaentreospovoseslavoseturcosnassuas fronteiras,quedatadotempodafundaçãodoEstadorusso,queocorreuhámaisdeum milênio.No confrontomilenardoseslavoscomosseusvizinhosdo Lestejaza chave paraa compreensãonãosó dahistóriada Rússia,comotambémdo carácterdo seu povo.Para compreenderas realidadesrussasde hoje há queter conhecimentodo conceitodograndegrupoétnicoturcoquepreocupouosRussosaolongodosséculos3. O conflitodascivilizaçõesestáprofundamenteenraizadoemqual-querpartedaÁsia. O confronto histórico entremuçulmanose hindus no subcontinenteindiano manifesta-senão só na rivalidadeentre o Paquistãoe a Índia, mastambémna intensificaçãoda lutareligiosano interiordesteúltimo paísentreos cadavez mais numerososgruposmilitanteshinduse a considerávelminoriamuçulmanadaÍndia.A destruiçãoda mesquitade Ayodhyaem Dezembrode 1992levantoua questãode sabersea Índia permaneceráum Estadodemocráticosecularou se setransformará numEstadohindu.No ExtremoOrientea Chinatemimportantesdisputasterritoriais coma maiorpartedosseusvizinhos.Temprosseguidoumapolíticaimpiedosacontra o povobudistadoTibete estáa intensificarumapolíticasemelhanteemrelaçãoà sua minoriaturco-muçulmana.Findaa guerrafria, assubjacentesdivergênciasentre a China e os EstadosUnidos reapareceramem áreascomoos direitoshumanos,o comércio externo e a proliferaçãode armamentos.É improvávelque estas divergênciasseatenuem.ConstaqueDengXiaopingafirmouem 1991queestavaem cursouma«novaguerrafria»entreaChinaeaAmérica. O mesmotermotemsidoaplicadoàscadavezmaisdifíceisrelaçõesentreo Japãoeos EstadosUnidos.Aqui as diferençasculturaisexacerbamo conflito econômico.As pessoasdecadaumdosladosacusam-semutuamentederacismo,mas,pelomenosda parteamericana,asantipatiasnãosãoraciais,masculturais.Dificilmentepodiamser maisdiferentesosvaloresbásicos,asatitudeseospadrõesdecomportamentodasduas sociedades. .As questõeseconômicasentreosEstadosUnidose aEuropanãosãomenos sériasdo queentreosEstadosUnidose o Japão,masnãotêma mesmaimportância políticae intensidadeemocional,porqueasdiferençasentrea culturaamericanae a européiasãomuito menoresdo queasexistentesentrea civilizaçãoamericanae a Japonesa. .As interaçõesentrecivilizaçõesvariamgrandementena medidadaprobabilidadede seremcaracterizadaspelaviolência.A competiçãoeconômicapredominaclaramente entreassubcivilizaçôesamericanaeeuropéiadoOcidentee aexistenteentreestase o Japão.No entanto,a proliferaçãodo conflito étnico no continenteeuro-asiático, retratadoemextremona«limpezaétnica»,nãotemacontecidototalmenteaoacaso. Tem sido maisfreqüentee maisviolentoentregrupospertencentesa civilizações diferentes.Na Eurásiaasgrandesfronteirashistóricasentrecivilizaçõesestãoumavez maisemchamas.Tal é particularmenteverdadeaolongodasfronteirasemformade crescentedo bloco denaçõesislâmicasquevai desdea protuberânciaafricanaatéà Ásia central.A violênciatambémocorreentre,por um lado,osmuçulmanose, por outro, os Sérviosortodoxosnos Balcãs,os judeusem Israel,os hindusna Índia,os budistasemBurmaeoscatólicosnasFilipinas.O islãotemfronteirassangrentas. oagrupamentocivilizacíona1:asíndrome dospaíses-irmãos Gruposde Estadospertencentesa umamesmacivilizaçãoqueseenvolveramnuma guerracompovosde outracivilizaçãotentam,naturalmente,conseguiro apoiodos outrosmembrosda própriacivilização.Enquantoevoluio mundopós-guerrafria, a comunidadecivilizacional,queH. D. S. Greenwayintitulou de «síndromedo país- irmão»,estáa substituirasconsideraçõesrelacionadascom a ideologiapolíticae o tradicionalequilibriodepoderescomoaprincipalbaseparaacooperaçãoecoligações. Pôde assistir-se,gradualmente,aoseuaparecimentonosconflitospós-guerrafria no Golfo Pérsico,no Cáucasoe na Bósnia.Nenhumdelesfoi umagrandeguerraentre civilizações, mas cada um deles continha alguns elementosdo agrupamento civilizacionalque pareceramtomar-semais importantesà medidaque o conflito continuavaequepodeforneceraamostradofuturo. Em primeiro lugar,na guerrado Golfo, um Estadoárabeinvadiuoutro, tendo-se formadodepoisumacoligaçãode Estadosárabes,ocidentaise outros.Enquantoum pequenonúmerode governosmuçulmanosapoiavaabertamenteSaddamHussein, muitaselitesárabeselogiavam-noemprivado,sendoaltamentepopularentrevastos sectoresdaspopulaçõesárabes.Os movimentosfundamentalistasislâmicosapoiaram mais o Iraquedo que os governosdo Kuwait e da Arábia Saudita,apoiadospelo Ocidente. Saddam Hussein, pondo de lado o nacionalismo árabe, lançou explicitamenteum apeloislâmico.Ele e os seuspartidáriostentaramcaracterizara guerracomoumaguerraentrecivilizações.«Nãoé o mundocontrao Iraque»,como declarouSafarAl-Hawali, deãodosEstudosIslâmicosnaUniversidadeUmmAl-Qura, emMeca,numagravaçãoquecirculouamplamentepelomundo,«é o Ocidentecontra o islão.»O principallíder religiosoiraniano,ignorandoa rivalidadeentreo Irão e o Iraque,convocouumaguerrasantacontrao Ocidente:«A luta contraa agressão,a avidez,osplanose apolíticaamericanosseráconsideradaumaJihadequemfor morto nessecaminhoseráum mártir.»«Estaé uma guerra»,declarouo rei Husseinda Jordânia, «contratodosos árabese todosos muçulmanose não apenascontrao Iraque». O agrupamentodeconsideráveisfraçõesdeelitese depopulaçõesárabesemvoltade SaddamHusseinobrigouos governosárabesenvolvidosna coligaçãoanti-Iraquea moderaremassuasatividadeseaatenuaremassuasdeclaraçõespúblicas.Osgovernos árabesopuseram-seou distanciaram-sedos esforçosocidentaissubseqüentespara exercerempressãosobreo Iraque,incluindoa imposiçãodeumazonade interdição aéreano Verão de 1992e o bombardeamentodo Iraqueem Janeirode 1993.A coligaçãoocidental-soviética-turca-árabeanti-Iraquede 1990tomou-se,em 1993, praticamenteumacoligaçãodoOcidenteedoKuwaitcontrao Iraque. Os muçulmanoscomparavamasaçõesocidentaiscontrao Iraquecoma incapacidade de protegeros BósniosdosSérviosou com a imposiçãode sançõesa Israel pelas violaçõesdasresoluçõesdasNaçõesUnidas.Alegavamqueo Ocidenteestavaa usar duasmedidas.No entanto,ummundodecivilizaçõesemchoqueé, inevitavelmente, um mundodeduasmedidas:aspessoasaplicamumamedidaaospaíses-irmãose uma medidadiferenteaosoutros. Em segundolugar,asíndromedopaís-irmãotambémapareceunosconflitosdaantiga União Soviética.Os sucessosmilitaresarmêniosem 1992e 1993estimularama Turquiaatomar-secadavezmaisdefensoradosseusirmãosdereligião,etniae língua do Azerbaijão.«Temosumanaçãoturcaque tem os mesmossentimentosque os azeris»,disseum funcionárioturcoem1992.«Estamossobpressão.Osnossosjornais estãocheiosdefotografiasdeatrocidadeseperguntam-nosseaindaestamosatomara sérioa continuaçãoda nossapolíticadeneutralidade.Talvezpudéssemosmostrarà Arménia que existeuma grandeTurquiana região.»O presidenteTurgut Õzal concordou,observandoque a Turquia devia,pelo menos,«assustarum pouco os Arménios».A Turquia,ameaçouÕzal de novo em 1993,deveria«mostraros seus dentes».Jactosda ForçaAéreaturca fizeramvôos de reconhecimentoao longo da fronteiraarménia;aTurquiainterrompeuoscarregamentosdecomidaeosvôosparaa Arménia;a Turquiae o Irãoanunciaramquenãoaceitariamo desmembramentodo Azerbaijão. Nos últimos anos da sua existência,o governo soviéticoapoiou o Azerbaijãoporqueo governoeradominadopor antigoscomunistas.No entanto,com o fim daUniãoSoviética,asconsideraçõespolíticasderamlugaràsreligiosas.As tropas russaslutaramaoladodosArmênioseoAzerbaijãoacusou«ogovernorussoderodar 180graus»emrelaçãoaoapoiodadoàArmêniacristã. Em terceirolugar,no quediz respeitoàslutasna ex-Iugoslávia,a opiniãopública ocidentalmostrousimpatiae apoioaosmuçulmanosBósniospeloshorroresque sofreramàsmãosdosSérvios.Noentanto,foimanifestadapoucapreocupaçãopelos ataquesdesencadeadospelosCroatascontraos muçulmanose peloseupapelno desmembramentoda Bósnia--Herzegovina.A Alemanha,nasprimeirasfasesda fragmentaçãoiugoslava,numapoucohabitualexibiçãode iniciativae músculo diplomáticos,convenceuos outrosonze membrosda ComunidadeEuropéiaa seguiremo seuexemplo,reconhecendoa Eslovêniae aCroácia.Comoconseqüência dadeterminaçãodoPapaemproporcionarumaforteajudaaosdoispaísescatólicos,o VaticanoprocedeuaoseureconhecimentoaindaantesdeaComunidadeo terfeito. OsEstadosUnidosseguiramo exemploeuropeu.Destemodo,osprincipaisatoresda civilizaçãoocidentalcongregaram--sepor detrásdos seuscorreligionários.Foi noticiado,posteriormente,queaCroáciaestavaa receberconsideráveisquantidades de armamentodaEuropacentrale de outrospaísesocidentais.Por outrolado,o governodeBorisIeltsintentouseguirumaviaintermédiaemque,sendosimpático comosSérviosortodoxos,nãoalienassea RússiadoOcidente.No entanto,osrussos conservadoreseosgruposnacionalistas,incluindomuitoslegisladores,atacaramo governopor nãosermaisrápidoa apoiarosSérvios.Emprincípiosde1993havia váriascentenasderussos,aparentemente,a servirnasforçassérviase circulavam notíciasdequeestavamaserfornecidasarmasrussasàSérvia. Por outrolado,governose gruposislâmicoscriticavamo Ocidentepornãoir em socorrodosBósnios.Osdirigentespolíticosiranianosapelavamaosmuçulmanosde todosospaísesparaqueoferecessemajudaà Bósnia;o Irãoforneceuarmasehomens aosBósnios,violandoo embargode armasdasNaçõesUnidas;gruposlibaneses, apoiadospeloIrão,enviaramguerrilhasparatreinare organizarasforçasbósnias. Circularamnotíciasdequeem1993havia4000muçulmanos,decercadeduasdúzias depaísesislâmicos,alutarnaBósnia.OsgovernosdaArábiaSauditaedeoutrospaíses foramsujeitosaumacrescentepressãodegruposfundamentalistasnassuaspróprias sociedadesparaquefornecessemumapoiomaisvigorosoaosBósnios.Emfinaisde 1992foi noticiadoquea ArábiaSauditatinhafornecidoimportantesfundosparaa aquisiçãodearmaseabastecimentosaosBósnios,o quelhespermitiuaumentarasua capacidademilitarperanteosSérvios. Nos anos30 a guerracivil espanholaprovocoua intervençãode paísesque, politicamente,eramfascistas,comunistase democráticos.Nosanos90o conflito iugoslavoestáa provocara intervençãodepaísesquesãomuçulmanos,ortodoxose cristãosocidentais.O paralelismonãopassoudespercebido.«A guerranaBósnia- Herzegovinatomou-seo equivalenteemocionaldalutacontrao fascismonaguerra civil espanhola»,observouumeditorsaudita.«Aquelesquemorreramsãoolhados comomártiresquetentaramsalvarosseusirmãosmuçulmanos.» TambémocorremconflitoseviolênciaentreEstadose grupospertencentesàmesma civilização.No entanto,é provávelquetaisconflitossejammenosintensose com menorprobabilidadedeexpansãodoqueosconflitosentrecivilizações.O fatode pertenceremaumamesmacivilizaçãoreduzaprobabilidadedeviolênciaquenoutras condiçõesocorreria.Em1991e 1992muitagenteestavaalarmadapelapossibilidade de um conflitoviolentoentrea Rússiae a Ucrâniapor causado território, principalmenteo da Criméia,da frotado marNegro,dasarmasnuclearese das questõeseconômicas.No entanto,seo quecontaé a civilização,a probabilidadede violênciaentreUcranianose Russosdeveserbaixa.Ambosospovossãoeslavos, predominantementeortodoxos,etêmmantidoumrelacionamentoestreitohámuitos séculos.Defato,logoemprincípiosde1993,apesardetodasasrazõesparaoconflito, osdirigentespolíticosdosdoispaísesestavamefetivamenteprontosparanegociaras questõesexistentesentreos doispaíses.Enquantohouvecombatespesadosentre muçulmanose cristãosemmuitaspartesdaantigaUniãoSoviéticae muitatensãoe algumaslutasentrecristãosocidentaise ortodoxosnos Estadosbálticos,nãose verificoupraticamentequalquerviolênciaentreRussoseUcranianos. O agrupamentocivilizacional,atéà data,temsidolimitado,mastem estadoa progredire contém,nitidamente,potencialparaseexpandirmuitomais.À medida queosconflitosnogolfoPérsico,noCáucasoenaBósniacontinuavam,asposiçõesdas naçõeseasclivagensentreelasforamaumentandoaolongodoslimitescivilizacionais. Políticos populistas,dirigentesreligiosose os meios de comunicaçãosocial encontraramum potentemeio paraarregimentaremo apoio das massase pressionaremosgovernoshesitantes.Nospróximosanososconflitoslocaiscommaior possibilidadede degenerarememguerrasmaioresserãoaquelesquesetravamao longodasfronteirascivilizacionais,comoo daBósniae o doCáucaso.A próxima guerramundial,seocorrer,seráumaguerraentrecivilizações. oOcidentecontraoresto O Ocidenteestáatualmentenumpicodepoderemrelaçãoàsoutrascivilizações.A outrasuperpotênciasuaopositoradesapareceudomapa.Osconflitosmilitaresentre Estadosocidentaissãoimpensáveise o podermilitarocidentalnãotemrival.O Ocidentenãoencontradesafioeconômicoà altura,excetoo do Japão.Dominaas instituiçõespolíticase desegurançainternacionaise, como Japão,as instituições econômicasinternacionais.As questõesglobaisde políticae de segurançasão, efetivamente,resolvidasporumdiretórioconstituídopelosEstadosUnidos,pelaGrã- BretanhaepelaFrança,easquestõeseconômicasmundiaisporumdiretórioformado pelosEstadosUnidos,pelaAlemanhae pelo Japão,os quaismantêmrelações extraordinariamenteestreitasentresi,dasquaissãoexcluídososEstadospequenose majoritariamentenãoocidentais.AsdecisõestomadasnoConselhodeSegurançadas NaçõesUnidasou no FundoMonetárioInternacionalrefletemos interessesdo Ocidente,apresentadosao mundocomorefletindoos interessesda comunidade internacional.A própriafrase«comunidadeinternacional»tornou-seo eufemístico nomecoletivo(substituindo«mundolivre»)paradarlegitimidadeglobalàsacçõesque refletemos interessesdos EstadosUnidose de outraspotênciasocidentais4.O Ocidentepromoveosseusinteresseseconômicoseimpõeàsoutrasnaçõesaspolíticas econômicasquejulgaapropriadasatravésdoFMI edeoutrasinstituiçõeseconômicas internacionais.Emqualquersondagemfeitaempovosnãoocidentaiso FMI ganharia, indubitavelmente,oapoiodosministrosdasfinançasedepoucosmais,masalcançaria umavotaçãoesmagadoramentedesfavoráveldequasetodososoutros,queconcordam coma caracterizaçãofeitaporGeorgyArbatovde osfuncionáriosdo FMI serem «neobolcheviquesqueadoramficarcomo dinheirodosoutros,impondoregrasde condutaeconômicaepolítica,nãodemocráticaseestranhas,quesufocamaliberdade econômica». O domínioocidentaldo Conselhode Segurançada ONU e dassuasdecisões, moderadosomentepelaabstençãoocasionaldaChina,provocoua legitimaçãodas NaçõesUnidasparao usodaforçapeloOcidenteparaexpulsaro IraquedoKoweite paraa eliminaçãodasarmassofisticadasdoIraquee dasuacapacidadeparaproduzir taltipodearmas.Tambémproduziua açãosemprecedentesdosEstadosUnidos,da Grã-Bretanhae daFrançadelevaremo ConselhodeSegurançaa exigirquea Líbia entregasseossuspeitosdoatentadoaoaviãodovôodaPanAm 103e deimporem sançõesquandoaLíbiarecusou.Depoisdederrotaro maiorexércitoárabeoOcidente nãohesitouemlançaroseupodersobreomundoárabe.Comefeito,oOcidenteestáa usarasinstituiçõesinternacionais,opodermilitareosrecursoseconômicosparagerir o mundode modoa mantero predomínioocidental,a protegeros interesses ocidentaiseapromoverosvalorespolíticoseeconômicosocidentais. Pelomenos,édestaformaqueosnãoocidentaisvêemo novomundoehámuitode verdadenasuavisão.Destemodo,asdiferençasdepodereaslutaspelopodermilitar, econômicoe institucionalsãoumafontedeconflitosentreo Ocidentee asoutras civilizações.As diferençasdecultura,istoé, crençase valoresbásicos,sãouma segundafontedeconflito.V.S.Naipaultemargumentadoqueacivilizaçãoocidentalé uma«civilizaçãouniversal»«ajustadaa todosos homens».De fato,a um nível superficial,grandeparteda culturatem-seespalhadopelo restodo mundo.No entanto,aumnívelmaisbásico,osconceitosocidentaisdiferemprofundamentedos prevalecentesnas outrascivilizações.As idéiasocidentaisde individualismo, liberalismo,constitucionalismo,direitoshumanos,igualdade,liberdade,primadoda lei,democracia,mercadolivre,separaçãodaIgrejadoEstado,têm,frequentemente, poucaressonâncianasculturasislâmica,confucionista,japonesa,hindu,budistaou ortodoxa.Osesforçosocidentaisparapropagaremtaisidéias.produzemantesuma reaçãocontrao «imperialismodosdireitoshumanos»e a reafirmaçãodosdireitos indígenas,comopodeservistono apoioaos fundamentalismosreligiosospelas geraçõesmaisjovensdasculturasnãoocidentais.A próprianoçãodepoderhaveruma «civilizaçãouniversal»é umaidéiaocidental,imediatamenteem choquecomo particularismode grandepartedassociedadesasiáticase da ênfasequecolocam naquiloquedistingueumpovodeoutro.Comefeito,o autordeumaanálisede100 estudoscomparadosdevaloresemdiferentessociedadesconcluiuque«osvaloresmais importantesnoOcidentesãoosdemenorimportâncianorestodomundo»5.Claro estáquena esferapolíticaestasdiferençassãomaismanifestasnosesforçosqueos EstadosUnidoseoutraspotênciasocidentaisdesenvolvemparainduziremosoutros poYOSaadotaremasidéiasocidentaisquedizemrespeitoà democraciaeaosdireitos humanos.O governodemocráticomodernoteveorigemno Ocidente.Quando desenyolvidoemsociedadesnãoocidentais,temnormalmentesidoo produtodo colonialismooudeimposiçãoocidental. É provávelque,nofuturo,oeixocentraldapolíticamundialseja,naexpressãode KishoreMahbubani,o conflitoentre«o Ocidentee o resto»e as respostasdas civilizaçõesnãoocidentaisao podere aosvaloresocidentais6.Geralmente,estas respostasutilizamumadetrêsformasou umacombinaçãodelas.Numextremo,os Estadosnãoocidentaispodem,comoéo casodeBurmaoudaCoréiadoNorte,tentar seguirumpercursosolitário,isolandoassuassociedadesdequalquerpenetraçãoou «corrupção»pelo Ocidente,e excluir-sede participaremna comunidadeglobal dominadapeloOcidente.No entanto,os custosdestaopçãosãoelevadose poucos Estadosa têmseguidoem.exclusivo.Umasegundaalternativaconsisteemtentar seguiro Ocidenteeaceitarosseusvalorese instituições.A terceiraalternativatenta equilibraro poderioocidental,desenvolvendoo podereconômicoe militare cooperandocom outrassociedadesnão ocidentaiscontrao Ocidente,enquanto preservaos valorese instituiçõesindígenas;em resumo,modernizar,masnão ocidentalizar. Países dilacerados** No futuro,enquantoaspessoasse diferenciarãopelascivilizações,ospaísescom grandenúmerodepovosdecivilizaçõesdiferentes,comoa UniãoSoviéticae a Iugoslávia,serãocandidatosaodesmembramento.Algunsoutrospaísestêmumclaro graude homogeneidadecultural,masestãodivididossobrea questãode a sua sociedadepertenceraumacivilizaçãoouaoutra.Estessãopaísesdilacerados.Osseus dirigentespolíticosdesejam,tipicamente,seguirumaestratégia"seguidista"etornam osseuspaísesmembrosdoOcidente,masa história,a culturae astradiçõesdesses paísessãonãoocidentais.A Turquiaéo protótipomaisóbviodeumpaísdilacerado. OsdirigentespolíticosturcosdefinaisdoséculoxxtêmseguidoatradiçãodeAtaturk e definidoo paíscomoumEstado-naçãomoderno,seculare ocidental.Aliarama Turquiaao Ocidentena NATO e naguerrado Golfo;requereramo estatutode membrodaComunidadeEuropéia.Noentanto,aomesmotempo,outroselementosda sociedadeturcatêmapoiadoumressurgimentoislâmicoeargumentamqueaTurquia .é, basicamente,umasociedademuçulmanadoMédioOriente.Alémdisso,emboraa elitedaTurquiatenhadefinidoo paíscomoumasociedadeocidental,a elitedo Ocidenterecusaaceitá-Iacomotal.A TurquianãosetornarámembrodaComunidade Europeiae a verdadeirarazão,comodisseo presidenteÕzal,«équenóssomos muçulmanose elessãocristãos,masissonãodizem».Tendo rejeitadoMecae tendo sidorejeitadapor Bruxelas,paraondeolhaaTurquia?Tashkentpodesera resposta.O fim da União Soviéticadá à Turquia a oportunidadede se tomar líder de uma civilizaçãoturcarenascidaqueenglobesetepaísesdesdea fronteirada Gréciaà da China. A Turquia,encorajadapelo Ocidente,estáa desenvolveresforçosenérgicos paracriarestanovaidentidadeparasiprópria. Duranteapassadadécadao Méxicoassumiuumaposiçãodecertomodosemelhanteà daTurquia.Tal comoestepaísabandonoua suaoposiçãohistóricaà Europae tentou juntar-sea ela,o MéxicoparoudesedefinirpelasuaoposiçãoaosEstadosUnidose, em vez disso,tentouimitar estepaíse aderir à NAFfA*. Os dirigentespolíticos mexicanosestãoempenhadosnaimensatarefaderedefiniremaidentidademexicanae têm introduzidoreformaseconômicasfundamentaisque,eventualmente,conduzirão a uma mudançapolítica fundamentaLEm 1991um dos principaisconselheiros políticosdopresidenteCarlosSalinasdeGortaridescreveu--meextensamentetodasas mudançasqueo governodeSalinasestavaa fazer.Quandoacabou,comentei:«Issoé extremamenteimpressionante.Basicamente,parece-mequepretendemtransformaro Méxicodeumpaíslatino-americanonumpaísnorte-americano.»Ele olhouparamim surpreendidoe exclamou:«ExatamentelÉ precisamenteo queestamosa tentarfazer, mas,claro está,nuncapoderemosdizê-Iopublicamente.»Comoo seu comentário indicou,querno México,quernaTurquia,um significativonúmerodeelementosda sociedaderesisteà redefiniçãoda identidadedo seupaís.Na Turquiaos líderesde orientaçãopró-européiatêmfeitocertosgestosnadireçãodo islão(aperegrinaçãode Õzal a Meca);domesmomodooslíderesdeorientaçãonorte-americanatêmdefazer certosgestosna direçãodos que pretendemmantero México como país latino-- americano(acimeiraibero-americanadeSalinasemGuadalajara). A Turquia temsido,historicamente,o paísmaisprofundamentedilacerado.Paraos EstadosUnidos,o Méxicoé o paísdilaceradomaisimediato.A Rússiaé,globalmente, o paísdilaceradomaisimportante.A questãodesabersea RússiaépartedoOcidente ou líder da civilizaçãoeslavo-ortodoxatem sidoum debaterecorrentena história russa.Estaquestãofoi ocultadapelavitóriacomunistana Rússia,queimportouuma ideologiaocidental,adaptadaàscondiçõesrussas,tendo,posteriormente,desafiadoo Ocidenteem nomedessaideologia.A dominaçãodo comunismocortouo debate históricosobreocidentalizaçãoversusrussificação.Como comunismodesacreditado, osRussosenfrentamdenovoestaquestão. O presidenteIeltsin estáa adotarprincípiose objetivosocidentaise a procurar transformara Rússianumpaís«normal»e partedo Ocidente.Contudo,a elitee a opiniãopúblicarussasestãodivididasacercadestaquestão.SergeiStankevich,entreos maismoderadosdiscordantes,argumentaquea Rússiadeviarejeitara via «atlantista», quea encaminharia«atomar-seeuropéia,a tomar-separtedaeconomiamundialde umaformarápidaeorganizada,atomar-seo oitavomembrodossetee a colocaruma ênfase particular na Alemanha e nos EstadosUnidos como os dois membros dominantesdaAliançaAtlântica».Todavia,emboratambémrejeitandoumapolítica exclusivamenteeuroasiática,Stankevichdefendequea Rússiadeviadarprioridadeà proteçãodosrussosnoutrospaíses,enfatizandoassuasligaçõesturcasemuçulmanase promovendo«umaconsiderávelredistribuiçãodosnossosrecursos,dasnossasopções, dos nossoslaçose dos nossosinteressesemfavorda Ásia,na direçãooriental».As pessoasdestaopiniãocriticamIeltsin por subordinaros interessesrussosaos do Ocidente,por reduzir a capacidademilitar russa,por falhar no apoioaosamigos tradicionais,comoa Sérvia,eporempurrarareformapolíticae econômicaemtermos injuriososparao povorusso.Um indicativodestatendênciaé a novapopularidadedas idéiasde Petr Savitsky,que,nos anos20, argumentavaque a Rússiaera a única civilizaçãoeuro-asiática7.Existemvozesdiscordantesmuito maisextremistasque advogampontosde vistaabertamentenacionalistas,anti-ocidentaise anti-semitase pedeminsistentementequeaRússiadesenvolvao seupodermilitareestabeleçalaços maisestr~itoscoma Chinae comospaísesmuçulmanos.A populaçãodaRússiaestá tão divididaquantoas suaselites.Uma sondagemrealizadana Rússiaeuropéiana Primaverade 1992revelouque40%da opiniãopúblicatinha atitudespositivasem relaçãoao Ocidentee que 36% tinha atitudesnegativas.A Rússia,como tem acontecidodurantelargosperíodosda suahistória,em princípiosdos anos 90, é verdadeiramenteumpaísdilacerado. Pararedefinira suaidentidadecivilizacional,um paísdilaceradodevesatisfazertrês requisitos.Emprimeirolugar,asuaelitepolíticaeeconômicatemdeser,deummodo geral,defensorae entusiásticadestemovimento.Em segundo,a suaopiniãopública temdemostrarvontadeacercadestaredefinição.Em terceiro,osgruposdominantes na civilizaçãorecipientetêmde mostrarvontadede abraçaro convertido.Os três requisitosexistem,emgrandeparte,noquediz respeitoaoMéxico.Osdoisprimeiros, emgrandeparte,existemnorespeitanteàTurquia.Nãoémuitoclaroseexistiráalgum delesno queconcerneà adesãodaRússiaaoOcidente.O conflitoentrea democracia liberale o marxismo-leninismofoi um conflitoentreideologiasque,apesardassuas grandes diferenças,partilhavammetas derradeirasde liberdade, igualdadee prosperidade.Uma Rússiatradicional,autoritáriae nacionalistapodiater objetivos bemdiferentes.Um democrataocidentalpodiamanterumdebateintelectualcomum soviéticomarxista.Seriavirtualmenteimpossívelfazê-Iocomum russotradicionalista. SeosRussosdeixaremdesecomportarcomomarxistas,masrejeitarema democracia liberale começarema comportar-secomorussose nãocomoocidentais,asrelações entreaRússiaeo Ocidentepoderão,denovo,tornar-sedistanteseconflituosas8. A ligaçãoislâmico-confuciomsta Os obstáculospara que países não ocidentaisse unam ao Ocidente variam consideravelmente.São menoresparaos paíseslatino-americanose da Europade Leste.São maioresparaos paísesortodoxosda antigaUnião Soviética.São ainda maioresparaassociedadesmuçulmanas,confucionistas,hindusebudistas.O Japão colocou-senumaposiçãoúnicademembroassociadodoOcidente:estánoOcidente nalgunsaspectos,masnãoé claramentedo Ocidenteemdimensõesimportantes. Aquelespaísesqueporrazõesdeculturaedepodernãodesejam,ounãopodem,unir- se ao Ocidenteentramemcompetiçãocomele,desenvolvendoos seuspróprios podereseconômico,militarepolítico.Fazem-nopromovendooseudesenvolvimento internoe cooperandocomoutrospaísesnãoocidentais.A formamaisproeminente destacooperaçãoé a ligaçãoislâmico-confucionista,quesurgiuparadesafiaros interesses,valoresepoderesocidentais. Ospaísesocidentais,quasesemexceção,estãoareduziro seupodermilitar;o mesmo acontececoma Rússiasoba liderançadeIeltsin.No entanto,a China,a Coréiado NorteeváriosEstadosdoMédioOrienteestãoaexpandirsignificativamenteassuas capacidadesmilitares.Estãoa fazê-Ioquer importandoarmamentode fontes ocidentaise nãoocidentais,querdesenvolvendoindústriasdearmamentonacionais. Uma consequênciaé a emergênciado queCharlesKrauthammerdenominoude «Estado-arma»,masosEstados-armasnãosãoEstadosocidentais.Outraconseqüência éaredefiniçãodocontroledearmamentos,queéumconceitoocidentaleumobjetivo ocidental.Durantea guerrafria,a principalfinalidadedocontroledearmamentos consistiaemestabelecerumequilíbriomilitarestávelentreosEstadosUnidose os seusaliadose a UniãoSoviéticae os seusaliados.No mundopós--guerrafria a principalfinalidadedo controlede armamentosé impediro desenvolvimentoem sociedadesnãoocidentaisdecapacidadesmilitaresquepossamameaçarosinteresses ocidentais.O Ocidenteprocurafazê-Ioatravésde acordosinternacionais,pressão econômicaecontroledaexportaçãodearmamentosedetransferênciadetecnologia. O conflitoentreo Ocidentee os Estadosislâmico-confucionistasestáfocado principalmente,emboranão exclusivamente,nas armasnucleares,químicase biológicas,nosmísseisbalísticose noutrosmeiossofisticadosde lançamentoe de direção,nasinformaçõese noutrascapacidadeseletrônicascapazesdeatingiremo objetivo.O Ocidentepromoveanãoproliferaçãocomonormauniversaleostratados denãoproliferaçãoeasrespectivasinspeçõescomoformadeconcretizaressanorma. Tambémameaçacomumapanópliade sançõescontraaquelesquepromovama disseminaçãodearmassofisticadasepropõealgunsbenefíciosparaaquelesqueo não façam.Naturalmentequea atençãodo Ocidentefoca-senasnaçõesque,realou potencialmente,sãohostisaoOcidente. Por outrolado,asnaçõesnãoocidentaisreivindicamo direitodeadquirireme de posicionaremqualquertipodearmasquejulguemnecessáriasparaa suasegurança. TambéminteriorizaramcompletamenteaverdadedarespostadoministrodaDefesa indianoquandolhefoiperguntadoqueliçãotinharetiradodaguerradoGolfo:«Os EstadosUnidossópodemsercombatidosporquempossuaarmasnucleares.»Asarmas nuclearese químicase osmísseissãovistos,talvezerroneamente,comoo potencial igualitáriodo superiorpoderconvencionaldo Ocidente.A Chinajá possui,com certeza,armasnucleares;oPaquistãoeaÍndiatêmcapacidadeparaasposicionarem.A CoréiadoNorte,o Irão,oIraque,auniaeaArgéliaparecemestaratentaradquiri-Ias. Um funcionáriosuperioriranianodeclarouque todosos Estadosmuçulmanos deveriamadquirirarmasnucleares,tendo,em1988,sidonoticiadoqueo presidente do Irãodifundiuumadiretivaapelandoaodesenvolvimentode«armasofensivase defensivasquímicas,biológicaseradiológicas». De importânciacrucialparao desenvolvimentode capacidadesmilitaresanti- ocidentaiséasustentadaexpansãodopodermilitardaChinaedosseusprópriosmeios paracriarpodermilitar.A China,confianteno seuespetaculardesenvolvimento econômico,estáa aumentarrapidamenteassuasdespesasmilitarese a seguircom vigora modernizaçãodassuasforçasarmadas.Estáa adquirirarmasaosantigos EstadosdaUniãoSoviética;estáa desenvolvermísseisde longoalcance;em1992 testouumengenhonucleardeumamegatonelada.Estáadesenvolverasuacapacidade de projeçãode poder,a adquirirtecnologiade reabastecimentoaéreoe a tentar comprarumnavioporta-aviões.O seucrescimentomilitareasuadeterminaçãosobre a soberaniado mardoSuldaChinaestãoa provocarumamultilaterale regional corridaaosarmamentosno ExtremoOriente.A China é tambémum grande exportadordearmamentoedetecnologiamilitar.TemexportadoparaaLíbiaeparao Iraquemateriaisquepoderiamserusadosparafabricararmasnuclearese gásde nervos.Temajudadoa Argéliaa construirum reatorajustadoà investigaçãoe à produçãodearmasnucleares.A ChinatemvendidoaoIrãotecnologianuclearqueos especialistasamericanosacreditamquesópodiaserusadaparao fabricodearmase, aparentemente,temexportadocomponentesdemísseiscomumalcancede500km parao Paquistão.A CoréiadoNortetememcurso,hájáalgumtempo,umprograma dearmamentonucleare temvendidomísseisavançadose a respectivatecnologiaà SíriaeaoIrão.O fluxodearmasedetecnologiadearmamentotem-severificado,em geral,doExtremoOrienteparao MédioOriente.Noentanto,háalgunsmovimentos emsentidocontrário:aChinatemrecebidomísseisStingerdoPaquistão. Surgiuuma ligaçãomilitar islâmico-confucionistaconcebidapara promovera aquisiçãopelosseusmembrosdearmasoutecnologiasdearmamentonecessáriaspara seoporaopodermilitardo Ocidente.Aquelaligaçãopodeserou nãoduradoura. Todavia,atualmente,é,comodisseDaveMcCurdy,«umpactodeajudamútuade 'renegados',geridopelosproliferadorese seusdefensores».Está,assim,a verificar-se umanovaformadecompetiçãonocampodosarmamentosentreosEstadosislâmicos- -confucionistase o Ocidente.Numacorridaarmamentistaà modaantigacadaparte desenvolviaassuasprópriasarmasparaequilibraroualcançara superioridadeem relaçãoà outraparte.Nestanovaediçãodecompetiçãoarmamentista,enquantoum ladoestáa desenvolverassuasarmas,o outroestáatentar,nãoo equilíbrio,masa limitaçãoe o impedimentode que o crescimentose verifique,procurando, simultaneamente,areduçãodassuascapacidadesmilitares. Implicaçõesparao Ocidente EsteartigonãodefendequeasidentidadescivilizacionaÍssubstituirãotodasasoutras identidades,queosEstados-naçõesdesaparecerão,quecadacivilizaçãosetomaráuma únicaentidadepolíticacoerente,queosgruposdentrodeumacivilizaçãonãoentrarão emconflitoouvirãomesmoalutarunscomoutros.Esteensaioavançacomhipótese: as diferençasentrecivilizaçõessão reaise importantes;a consciênciacivilizacional estáa aumentar;o conflitoentrecivilizaçõessuplantaráo ideológicoeoutrostiposde conflito e será a sua forma global dominante; as relações internacionais, historicamenteumjogodocampodacivilizaçãoocidental,desocidentalizar-se-ãocada vezmaise tomar-se-ãoum jogoem queascivilizaçõesnãoocidentaisserãoatorese nãosimplesmenteobjetos;serámaisprovávelqueinstituiçõespolíticas,desegurançae econômicasdesucessosedesenvolvamnointeriordascivilizaçõesenãoentreelas;os conflitosentregruposdecivilizaçõesdiferentesserãomaisfreqüentes,maisapoiadose maisviolentosdo que os conflitosentregruposda mesmacivilização;os conflitos violentosentregruposdecivilizaçõesdiferentesserãoamaisprovávele maisperigosa origemde escaladaparaguerrasglobais;o maisimportanteeixodapolíticamundial seráo dasrelaçõesentre«oOcidentee o resto»;em algunspaísesdilaceradosnão ocidentaisaselitestentarãofazercomqueessespaísesfaçampartedoOcidente,mas na maioria dos casosenfrentarãograndesobstáculosà sua concretização;o foco centraldoconflitono futuroimediatoseráentreo OcidenteeváriosEstadosislâmico- confucionistas. Tudo isto nãoadvogao desejode conflitosentrecivilizações.Avançacomhipóteses descritivasdoquepoderávir asero futuro.No entanto,seforemhipótesesplausíveis, é necessárioconsiderarassuasimplicaçõesparaapolíticaocidental.Estasimplicações podiame deviamser divididasentrevantagensde curtoprazoe compromissosde longoprazo.No curtoprazoé claramentedo interessedo Ocidente:promoveruma maior cooperaçãoe unidadedentro da sua civilização,principalmenteentre as componenteseuropéiae norte-americana;incorporarno Ocidenteassociedadesda Europade Lestee da AméricaLatina,cujasculturassãopróximasdasdo Ocidente; promovere manterrelaçõesdecooperaçãocoma Rússiaeo Japão;impedira escalada deconflitoslocaisintercivilizacionaisemgrandesguerrasdessemesmotipo;limitaro aumentodo podermilitardosEstadosislâmicose confucionistas;moderara redução das capacidadesmilitaresocidentaisemantera superioridademilitar no Sueste asiáticoe no ExtremoOriente;exploraras diferençase os conflitosentre Estados confucionistase islâmicos;apoiaros grupossimpatizantesdos valorese interesses ocidentaisexistentesnasoutrascivilizações;fortalecerasinstituiçõesinternacionais que reflitam e legitimemos interessese valores ocidentaise promovamo envolvimentodeEstadosnãoocidentaisnaquelasinstituições. A longo prazo, outrasmedidasdeveriamser tomadas.A civilizaçãoocidentalé, simultaneamente,ocidentale moderna.As civilizaçõesnãoocidentaistêm tentado tornarem-semodernassem se tornaremocidentais.Até à data apenaso Japão conseguiuterplenosucessonessaprocura.As civilizaçõesnãoocidentaiscontinuarão a tentaradquirirriqueza,tecnologia,proficiência,maquinariae armamento,que fazempartedoestatutodesermoderno.Tentarãotambémconciliaressamodemidade com a suaculturae valorestradicionais.Os seuspodereseconômicoe militar aumentarãoemrelaçãoaosdoOcidente.Assimo Ocidenteterádeseacomodarcada vezmaisaestascivilizaçõesmodernasnãoocidentaiscujopoderseaproximadoseu, masemqueosvalorese interessesdiferemsignificativamentedosdo Ocidente.Isto tudorequereráqueoOcidentemantenhaospodereseconômicoemilitarnecessários paraprotegerosseusinteressesemrelaçãoaosdessascivilizações.No entanto,tal tambémrequereráqueo Ocidentedesenvolvaumacompreensãomaisprofundados pressupostosreligiosose filosóficosbásicossubjacentesàsoutrascivilizaçõese do modocomoaspessoasdessascivilizaçõesvêemosseusinteresses.Tal requereráum esforçoparaidentificaroselementoscomunsexistentesnascivilizaçõesocidentaise nasoutras.Nofuturoqueimportanãohaveráumacivilizaçãouniversal,masantesum mundodecivilizaçõesdiferentes,cadaumadasquaisterádeaprenderacoexistircom asoutras." ** Choque de civilizaçõesé umateoriapropostapelo cientistapolíticonorte- americanoSamuelP. Huntingtonsegundoaqualasidentidadesculturaise religiosas dospovosserãoaprincipalfontedeconflitonomundopós-GuerraFria.A teoriafoi originalmenteformuladaem1993,numartigodaForeignAffaírs denominadoThe Clashof Civilizations?(doinglêsO ChoquedeCivilizações),comoreaçãoaolivrode FrancisFukuyama,TheEnd of HistoryandtheLastMan,publicadoem1992.Samuel Huntingtonexpandiusuatesenumlivrodepublicadoem1996intituladoTheClash of Civilizations and the Remaldngof World Order (do inglês O Choque de Civilizaçõese aNovaOrdemMundial).Cabeacrescentarqueaexpressão"choquede civilizações"nãoé originalemHuntington,masfoi usadapelaprimeiravez por BernardLewis- académicobritânicode famíliajudaicae professoreméritodo ClevelandE. DodgedeEstudosdoPróximoOrientenaUniversidadedePrinceton. Estetextofoitraduzidodoinglês.
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