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O Choque de Civilizações - Samuel P. Huntington

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ochoquedecivilizações?~
SamuelP. Huntington
opróximopadrãodosconDitos
"A políticamundialestáaentrarnumanovafaseeosintelectuaisnãotêmhesitadoem
multiplicarasvisõesdoqueestaseria- o fim dahistória,o regressoàstradicionais
rivalidadesentreEstados-naçõese o declíniodo Estado-naçãoapartirdastendências
emconflitodotribalismoe do globalismo,entreoutras.Cadaumadestasvisõescapta
aspectosdarealidadeemergente.No entanto,todaselasesquecemum aspectocrucial,
mesmocentral,do que,provavelmente,a políticaglobalpodevir a ser nos anos
vindouros.
A minhahipóteseé adequea fontefundamentaldeconflitonestenovo mundonão
seja prevalentementeideológicaou predominantementeeconômica.As grandes
divisõesexistentesnahumanidadeea fontedominantedeconflitoserãoculturais.Os
Estados-naçõescontinuarãoa serosatoresmaispoderososnasquestõesmundiais,mas
osprincipaisconflitosdapolíticaglobalocorrerãoentrenaçõesegruposdediferentes
civilizações.O choquede civilizaçõesdominaráa política global. As guerras
civilizacionaisserãoasbatalhasdofuturo.
O conflito entrecivilizaçõesseráa últimafasena evoluçãodo conflito no mundo
moderno.Durante um século e meio, após a emergênciado modernosistema
internacionalcoma Pazde Westefália,os conflitosdo mundomodernoocorreram
majoritariamenteentrepríncipes- imperadores,monarcasabsolutose monarcas
constitucionais,quetentavamexpandirassuasburocracias,osseusexércitos,o seu
podereconômicomercantilistae,principalmente,o territórioquegovernavam.Neste
processocriaramosEstados-nações,mascomarevoluçãofrancesaasprincipaislinhas
de conflitocomeçarama verificar-semaisentrenaçõesdo queentrepríncipes.Em
1793R. R. Palmerdiziaque «asguerrasentrereisacabaram;começaramasguerras
entrepovos».Estepadrãodo séculoxix durouatéaofim daprimeiraguerramundiaL
Depois,comoresultadodarevoluçãorussae dareaçãocontraela,oconflitodasnações
conduziuaoconflitodasideologias,primeiroentreo comunismo,o nazi-fascismoe a
democracialiberal e depoisentreo comunismoe a democracialiberal. Durantea
guerrafria,esteúltimoconflitofoi corporificadonalutaentreasduassuperpotências,
nenhumadelasumEstado-naçãonosentidoclássicoeuropeudotermo,masTadauma
delascomassuasidentidadesdefinidasemtermosdasrespectivasideologias.
Estes conflitos entre príncipes, Estados-naçõese ideologias ocorreram
predominantementedentroda civilizaçãoocidental,«guerrascivisocidentais»,como
William Lind osclassificou.Tal foi tantoverdadeemrelaçãoàguerrafria comoo foi
em relaçãoàsantecedentesguerrasdosséculosxvii, xviii e xix.Como fim daguerra
fria,apolíticainternacionalsaidafaseocidentale o seucentropassaasera interação
entre o Ocidentee as civilizaçõesnão ocidentaise entre estas.Na política das
civilizações,ospovose osgovernosdascivilizaçõesnãoocidentaisjá nãosãomaisos
objetosdahistóriacomoalvosdo colonialismoocidental,masjuntam-seao Ocidente
comomotoresemodeladoresdahistória.
A naturezadascivilizações
Durantea guerrafria, o mundoestavadividido em primeiro,segundoe terceiro
mundos. Estas divisões já não têm qualquer relevância.É agora muito mais
significativoagruparos países,não em termos dos seus sistemaspolíticos ou
econômicosou dosseusníveisde desenvolvimentoeconômico,massegundoa sua
culturaecivilização.
O que queremosdizer quandofalamosde umacivilização?Uma civilizaçãoé uma
entidadecultural.Aldeias,regiões,gruposétnicos,nacionalidades,gruposreligiosos,
todos têm culturasdistintasem diferentesníveis de heterogeneidadecultural.A
culturade umaaldeiana Itáliameridionalpodeserdiferenteda de umaaldeiano
Norte, masambascompartilhamumaculturaitalianacomumqueasdistinguedas
aldeiasalemãs.As comunidadeseuropéias,por seulado,partilharãotraçosculturais
queasdistinguemdascomunidadesárabesouchinesas.Noentanto,osÁrabes,osChi-
nesese os Ocidentaisnão são parte de qualquerentidadecultural mais ampla.
Constituemcivilizações.Assim,a civilizaçãoé o maiselevadoagrupamentocultural
depessoaseo nívelmaisamplodeidentidadeculturalquepossuemequedistingueos
humanosdasoutrasespécies.Define--sequerporelementosobjetivoscomuns,comoa
língua,a história,a religião,oscostumeseasinstituições,querpelaauto-identificação
subjetivadaspessoas.As pessoastêmníveisdeidentidadediferentes:umresidenteem
Roma pode definir-se,em vários grausde intensidade,como romano,italiano,
católico,cristão,europeu,ocidental.A civilizaçãoaquepertenceé o nívelmaisamplo
de identificaçãoaquesesenteligado.Aspessoaspodemredefinir,eredefinem,assuas
identidadese, consequentemente,mudam a composiçãoe as fronteiras das
civilizações.
As civilizaçõespodemenglobarumagrandequantidadedepessoas,comoa daChina
(<<umacivilizaçãoque pretendeser um Estado»,comodisseLucian Pye), ou um
númeromuitoreduzidodepessoas,comoa dasCaraíbasanglófonas.Umacivilização
podeincluir váriosEstados-nações,comoé o casodascivilizaçõesocidental,latino-
americanaou árabe,ou apenasum, como acontececom a civilizaçãojaponesa.
Obviamente,ascivilizaçõesmisturam-see sobrepõem-see podemcontersubdivisões.
A civilizaçãoocidentaltemduasvariantesprincipais,aeuropéiae anorte-americana,
tal como o islão tem váriassubdivisões:árabe,turca e malaia.No entanto,as
civilizaçõessãoentidadescomsignificadoe, emboraas linhas entreelasnãosejam
nítidas,sãoreais.As civilizaçõessãodinâmicas,progrideme tombam,dividem-see
fundem-se.E, comoqualquerestudantede Históriasabe,há civilizaçõesque
desaparecemeficamenterradasnasareiasdotempo.
OsOcidentaistendemaconsiderarqueosEstados-naçõessãoosprincipaisatoresnos
assuntosglobais.Defato,têm-nosido,masapenasháalgunsséculos.A históriadas
civilizaçõestemsidoa históriahumanacommaioralcance.No livro A Studyof
HistoryArnoldToynbeeidentificou21grandescivilizações;apenasseiscontinuama
existirnomundocontemporâneo.
Por quehaveráchoquesdecivilizações
No futuro,a identidadecivilizacionalserácadavezmaisimportanteeo mundoserá
moldado,emgrandemedida,pelasinteraçõesentreseteouoitograndescivilizações.
Nestasincluem-sea ocidental,a confucionista,a japonesa,a islâmica,a hindu,a
eslavo-ortodoxa,a latino-americanae, possivelmente,a africana.Os conflitosmais
importantesdo futuroocorrerãoaolongodaslinhasqueseparamestascivilizações
umasdasoutras.
Porqueseráassim?
Emprimeirolugar,asdiferençasentreascivilizaçõesnãosãoapenasreais,sãobásicas.
Ascivilizaçõesdistinguem-seurnasdasoutraspelahistória,língua,cultura,tradiçãoe,
especialmente,pelareligião.Pessoasde civilizaçõesdiferentestêmpontosdevista
diferentessobreasrelaçõesentreDeuseo homem,o indivíduoeogrupo,ocidadãoe
o Estado,ospaiseosfilhos,o maridoe amulher,assimcomoperspectivasdiferentes
sobrea importânciarelativadosdireitose dasresponsabilidades,a liberdadee a
autoridade,a igualdadee ahierarquia.Estasdiferençassãoo produtodotrabalhode
séculos.Não desaparecerãobrevemente.Sãobemmaisimportantesdo que as
diferençasentreideologiaspolíticaseregimespolíticos.AB diferençasnãosignificam,
necessariamente,conflitos,talcomoestesnãosignificam,necessariamente,violência.
No entanto,ao longodosséculos,asdiferençasentrecivilizaçõestêmgeradoos
conflitosmaisprolongadosemaisviolentos.
Emsegundolugar,o mundoestáatransformar-senumlugarpequeno.Asinterações
entrepovosdecivilizaçõesdiferentesestãoa aumentar;estasinteraçõescrescentes
intensificama consciênciacivilizacionale a constataçãodasdiferençasentreas
civilizaçõese dassimilitudesexistentesdentrodelas.A imigraçãonorte-africanaem
FrançagerahostilidadeentreosFrancesesenquanto,simultaneamente,aumentaa
receptividadeà imigraçãodos«bons»polacoscatólicoseuropeus.Os Americanos
reagembastantemaisnegativamenteao investimentojaponêsdo queaosmuito
maioresinvestimentosdoCanadáe dospaíseseuropeus.Analogamente,comonotou
DonaldHorowitz,«umibopodeser[...] umiboowerriouumiboollÍtshanaregião
lestedaNigéria.EmLagosé,simplesmente,ibo.EmLondresé nigeriano.EmNova
Iorqueé africano.»As interaçõesentrepovosde civilizaçõesdiferentesfazem
aumentara consciênciacivilizacionaldaspessoase, por outrolado,acentuamas
diferençase asanimosidadesqueestãoradicadas,ou assimsepensa,bemfundona
história.Em terceirolugar,os processosde modernizaçãoeconômicae de mudançasocial
atravésdo mundoestãoaafastaraspessoasdasancestraisidentidadeslocais.Também
enfraquecemo Estado-naçãocomofontedeidentidade.Em muitaspartesdomundoa
religião tem procuradopreencheressevazio, frequentementesob a forma de
movimentosquesãoetiquetadosde«fundamentalistas».Taismovimentosencontram-
seno cristianismoocidental,nojudaísmo,no budismoenohinduísmo,assimcomono
íslamismo.Na maior parte dos paísese das religiõesas pessoasativasnestes
movimentosfundamentalistassão jovens, educadas,técnicos de classemédia,
profissionaise homensdenegócios.A «dessecularizaçãodo mundo»,apontouGeorge
Weigel,«éumdosfatossociaisdominantesdefinaisdoséculoxx».O renascimentoda
religião,«IarevanchedeDieu»,comoGillesKepelo intitulou,forneceumabaseparaa
identidadee parao empenhamentoquetranscendeasfronteirasnacionaise une as
civilizações.
Em quartolugar,o crescimentodaconsciênciacivilizacionaléaumentadopeloduplo
papeldo Ocidente.Por um lado,o Ocidenteestáno augedo poder.No entanto,ao
mesmotempoe talvezcomoresultadodisso,estáa ocorrerum fenômenoderetomo
àsorigensentreascivilizaçõesnãoocidentais.Ouvem-secadavezmaisreferênciasa
tendênciasemdireçãoaumaviradaparadentroeà «asianização»noJapão,aofim do
legadodeNehrue à «hinduização»daÍndia,aofracassodasideiasdosocialismoe do
nacionalismoocidentaise,consequentemente,à «reislamização»doMédio Orientee,
agora,a um debatesobrea ocidentalizaçãoversasrussianizaçãono paísde Boris
Ieltsine.Um Ocidentenoaugedoseupoderconfronta-secomumpodernãoocidental
que,crescentemente,temdesejo,vontadee recursosparamoldaro mundoemmodos
nãoocidentais.
No passado,aselitesdesociedadesnãoocidentaiseram,normalmente,aspessoasque
mais estavamenvolvidascom o Ocidente,tinhamsido educadasem Oxford, na
Sorbonaou emSandhurste tinhamabsorvidoasatitudese osvaloresocidentais.Ao
mesmotempo,a populaçãonos paísesnão ocidentaisfrequentementepermanecia
profundamenteimbuídadaculturaindígena.Todavia,atualmente,estasrelaçõesestão
a serinvertidas.Estáaocorrerumadesocidentalizaçãoe umaindigenizaçãodaselites
emmuitospaísesnãoocidentaisaomesmotempoqueacultura,osestiloseoshábitos
ocidentais,principalmenteamericanos,setomammaispopularesentreasmassas.
Em quinto lugar,ascaracterísticase asdiferençasculturaissãomenosmutáveise,
consequentemente,menosfacilmentecomprometidase transformadasdo que as
políticase econômicas.Na antigaUnião Soviéticaos comunistaspodemtomar-se
democratas,os ricos podemtornar-sepobrese ospobresricos,masos Russosnão
podemtomar-seestonianose os Aze-rÍSnãopodemtornar-searmênios.A questão
principal nosconflitosideológicose declasseconsistiaem«dequeladoestás?»e as
pessoaspodiamescolher,e escolhiam,o lado e mudavamdepoisde campo.Nos
conflitos entrecivilizaçõesa questãoquese colocapretendesaber«o que é és?»
Refere-sea um dadoquenãopodeseralterado.E, comotodossabem,da Bósniaao
Cáucasoe aoSudão,umarespostaerradaaestaperguntapodesignificarumabalana
cabeça.Ainda maisdoqueaetnia,a religiãodiscriminaaspessoas.Um indivíduopode
sermeio-francêse meio-árabee,simultaneamente,atécidadãodosdoispaíses.É mais
difícil sermeio-católicoemeio-muçulmano.
Finalmente,o regionalismoeconômicoestáa aumentar.As percentagensem relação
aototaldo comérciointrar-regionalsubiram,entre1980e 1989,de51%para59%na
Europa,de 33%para37%no ExtremoOrientee de 32%para36%na Américado
Norte. É provávelque a importânciadosblocoseconômicosregionaiscontinuea
aumentarno futuro.Por um lado,o regionalismoeconómicoreforçaráa consciência
civilizacional.Poroutro,o regionalismoeconômicosópodetersucessoquandoestiver
radicadonumacivilizaçãocomum.A ComunidadeEuropéiaassentanumacriação
partilhadada culturaeuropéiae do cristianismoocidental.O sucessoda Área de
ComércioLivre Norte-Americanodependeda convergênciaem cursodasculturas
mexicana,canadensee americana.Em contrapartida,o Japãoenfrentadificuldadesna
criaçãodeumaentidadeeconômicacomparávelno ExtremoOrienteporqueo Japãoé,
em si mesmo,umasociedadee umacivilizaçãoúnicas.Por muito forteque sejao
comércioe o investimentoqueo JapãopossadesenvolvercomoutrospaísesdaÁsia
oriental,asdiferençasculturaiscomessespaísesinibeme talvezexcluamapromoção
daintegraçãoeconômicaregional,comoacontecenaEuropaenaAméricadoNorte.
Pelo contrário,umaculturacomumestáa facilitarclaramentea rápidaexpansãodas
relaçõeseconômicasentre a RepúblicaPopular da China, Hong-Kong,Taiwan,
Singapurae ascomunidadesdechinesesultramarinosemváriosoutrospaísesdaÁsia.
Findaaguerrafria,assimilitudesculturaisultrapassaramcrescentementeasdiferenças
ideológicase a China continentale Taiwan aproximaram-semutuamente.Se a
comunhãoculturalfor um pré-requisitoparaa integraçãoeconômica,o principal
blocoeconômicodo futurono ExtremoOrienteficará,provavelmente,centradona
China.Defato,esteblocojáexiste.ComoobservouMurrayWeidenbaum:
Apesardo atualdomíniojaponêsnaregião,aeconomiadebasechinesanaÁsiaestáa
emergirrapidamentecomoum novoepicentroparaa indústria,o comércioe a área
financeira.Estaáreaestratégicacontémumaquantidadesubstancialdetecnologiaede
capacidademanufatureira(Taiwan),excelenteespíritoempresariale o expoente
máximono que toca a marketinge serviços(Hong-Kong),uma rede ótima de
comunicações,umatremendapooldecapitalfinanceiro(ostrês)eumenormedotede
terra,derecursose detrabalho(Chinacontinental)[...] DeGuangzouaSingapura,de
KualaLumpura Manila,estainfluenterede- frequentementebaseadaemextensões
dosclãstradicionais- temsidodescritacomoa espinhadorsaldaeconomiadaÁsia
orientall.
A cultura e a religião formamtambéma base da Organizaçãode Cooperação
Econômica,quereúnedezpaísesmuçulmanosnãoárabes:Irão, Paquistão,Turquia,
Azerbaijão, Cazaquistão,Quirguistão,Turcomenistão,Tajiquistão,Usbequistãoe
Afeganistão.O ímpetoparao renascimentoe expansãodestaorganização,fundada
inicialmentepelaTurquia,Paquistãoe Irão nos anos60, derivada percepçãodos
dirigentespolíticosde váriosdestespaísesde que não têm grandeshipótesesde
penetraçãona ComunidadeEuropéia.Analogamente,o Caricom,o mercadocomum
da AméricaCentral,e o Mercosulassentamembasesculturaiscomuns.No entanto,
atéà dataos esforçosfeitosparaconstruirumaentidadeeconômicamaisamplaque
abranjaas Caraíbase a AméricaCentral,ultrapassandoa divisãoanglo-Iatina,têm
falhado.
Comoaspessoasdefinema suaidentidadeemtermosétnicose religiosos,éprovável
que vejamque existeum «nós»versus«eles»em relaçãoa povosde umaetniaou
religiãodiferentes.O fim de Estadosideologicamentedefinidosna EuropadeLestee
naantigaUniãoSoviéticapermitequeidentidadese animosidadesétnicastradicionais
venhamao de cima.Diferençasna cultura e na religiãocriam diferençassobre
questõesde política,que vão dosdireitoshumanosà imigraçãoe do comércioao
ambiente.A proximidadegeográficaoriginareivindicaçõese conflitosde território
desdea Bósniaaté Mindanau.Mas, acimade tudo, os esforçosdo Ocidentepara
promovercomovaloresuniversaisosseusvaloresdedemocraciae deliberalismo,para
mantera sua predominânciamilitar e para colocar à frente os seusinteresses
econômicosoriginamcontra-respostasdas outrascivilizações.Os governose os
grupos,cadavez menoscapazesde mobilizaremapoioe de formaremcoligaçõesna
baseda ideologia,tentammobilizarprogressivamenteo apoioapelandoà religião
comumeà identidadecivilizacional.
O choquedascivilizaçõesocorrerá,assim,em dois níveis:ao nível micro,grupos
adjacentesque vivemao longodaslinhas divisóriasdascivilizaçõeslutamentresi,
frequentementecomviolência,pelocontroledoterritório;aonívelmacro,osEstados
de civilizaçõesdiferentesentramem competiçãopelo podermilitar e econômico,
lutam pelo controle de instituiçõesinternacionaise de terceiraspartese, em
concorrência,promovemosseusvalorespolíticosereligiososespecíficos.
As linhasdivisóriasentrecivilizações
As linhas divisóriasentre civilizaçõesestãoa substituiras fronteiraspolíticase
ideológicasdaguerrafria comopontosquentesparacrisese parao derramamentode
sangue.A guerra fria começouquando a cortina de ferro dividiu política eideologicamentea Europa.A guerrafria terminoucom o fim da cortinade ferro.
Quandodesapareceua divisãoideológicadaEuropa,reapareceua divisãoculturalda
Europaentre o cristianismoocidental,por um lado,e o cristianismoortodoxoe o
islamismo,por outro.A linha divisóriamaissignificativana Europa,comosugeriu
William Wallace,podebemserafronteiraorientaldocristianismoocidentalde1500.
Estalinha segueaolongodasatuaisfronteirasentrea Finlândiae a Rússiae entreos
EstadosbálticoseaRússia,passapelaBielorúsiaepelaUcrânia,separandooscatólicos
da Ucrânia Ocidentaldos ortodoxosda Ucrânia Oriental, curva para ocidente,
separandoaTransilvâniadorestodaRomênia,econtinuaatravésdaIugoslávia,quase
exatamenteao longodalinha quesepara,actualmente,a Croáciae a Eslovêniado
restodaIugoslávia.NosBalcãs,claroestá,estalinhacoincidecomafronteirahistórica
entreo impérioHabsburgoeo otomano.A norteeaocidentedestalinha,ospovossão
protestantesou católicos,partilhamexperiênciascomunsda história européia-
feudalismo,Renascimento,Reforma,as luzes, a revoluçãofrancesa,a revolução
industrial;emgeral,estãoeconomicamentemelhordoqueospovosaleste,parecendo
agoraesperaransiosamentepor um maiorenvolvimentonumaeconomiaeuropéia
comumepelaconsolidaçãodossistemaspolíticosdemocráticos.A orienteeasuldesta
linha, ospovossãoortodoxosou muçulmanos;historicamente,pertenciamaoimpério
otomanoou ao czaristae apenaslevementeeramtocadospelosacontecimentos
modeladoresdo restodaEuropa;são,regrageral,economicamentemenosavançados;
parecemuitomenosprovávelquedesenvolvamsistemaspolíticosdemocraticamente
estáveis.A cortinadeveludodaculturasubstituiuacortinadeferrodaideologiacomo
a maissignificativalinhadivisórianaEuropa.Comomostramosacontecimentosna
Iugoslávia,não é apenasumalinha de diferença,é tambémumalinha de conflito
sangrento.
O conflito aolongodaslinhasdeseparaçãoentreascivilizaçõesocidentale islâmica
temprosseguidodesdehá1300anos.Depoisdacriaçãodo islãoasvagasárabeemoura
paraocidentee paranortesóterminaramem732emTOUIS. Entreosséculosxi exiii
os cruzadostentaram,comum sucessotemporário,trazerdevoltao cristianismoe a
lei cristãà TerraSanta.Entreosséculosxiv e xvii,osTurcosOtomanosinverterama
relaçãode forças,estenderamo seudomínio sobreo Médio Oriente e os Balcãs,
conquistaramConstantinoplae, por duasvezes,cercaramViena.No séculoxix e em
princípios do séculoxx, enquantoo poderotomanodeclinava,a Grã-Bretanha,a
Françae a Itáliaestabeleceramo controleocidentalsobrea maiorpartedo Nortede
África eo MédioOriente.
Depoisda segundaguerramundial,o Ocidente,por suavez,começoua recuar;os
impérioscoloniaisdesapareceram;irrompeu,primeiro,o nacionalismoárabee,depois,
o fundamentalismoislâmico;o Ocidentetornou-sefortementedependentedospaíses
do golfo Pérsicopor causada suaenergia;os paísesmuçulmanosricos empetróleo
tornaram-sericos emdinheiroe, posteriormente,ricosem armamento.Ocorreram
váriasguerrasentreÁrabese Israel(criaçãodoOcidente).A Françatravouumaguerra
sangrentae cruel na Argéliadurantegrandepartedosanos50; forçasbritânicase
francesasinvadiramo Egitoem1956;forçasamericanasentraramno Líbanoem1958;
posteriormente,forças americanasvoltaram ao Líbano, atacarama LI'bia e
empenharam-seem váriosconfrontosmilitarescom o Irão; terroristasárabese
islâmicos,apoiados,pelomenos,portrêsgovernosdo Médio Oriente,empregarama
arma dos fracose fizeramexplodiraviõese instalaçõesocidentaise seqüestraram
refénsocidentais.EstaguerraentreÁrabese o Ocidenteculminouquando,em1990,
os EstadosUnidosenviaramum poderosoexércitoao golfo Pérsicoparadefender
algunspaísesárabesda agressãode um outro.Como resultado,o planejamentoda
NATO estácadavezmaisdirigidoparapotenciaisameaçase instabilidadeaolongodo
seu«flancosul».
É poucoprovávelque estainteraçãomilitarde séculosentreo Ocidentee o islão
diminua. Pode tornar-semaisvirulenta.A guerrado Golfo deixoualgunsárabes
orgulhosospor SaddamHusseinter atacadoIsraele afrontadoo Ocidente.Também
deixoumuitoshumilhadose ressentidosdevidoà presençamilitar do Ocidenteno
golfo Pérsico, ao esmagadordomínio militar do Ocidente e à sua aparente
incapacidadeparamodelaremo seuprópriodestino.Muitospaísesárabes,juntamente
comosexportadoresdepetróleo,estãoaatingirníveisdedesenvolvimentoeconômico
e socialemqueasformasautocráticasdegovernosetomaminadequadaseosesforços
para introduzir a democraciasãocadavez mais fortes.Já se verificaramalgumas
aberturasem certossistemaspolíticos árabes.Os principaisbeneficiáriosdestas
aberturastêm sido os movimentosislâmicos.Em resumo,no mundo árabe a
democraciaocidentalfortaleceasforçaspolíticasanti-ocidentais.Estefenômenopode
serpassageiro,mas,seguramente,complicaasrelaçõesentreos paísesislâmicose o
Ocidente.
Estasrelaçõessãotambémcomplicadaspelademografia.O espetacularcrescimento
populacionalnospaísesárabes,principalmenteno Nortede África, conduziua uma
crescentemigraçãoparaa Europaocidental.As alteraçõesdentrodaEuropacentral
em direçãoao esbatimentodas fronteirasinternastêm aguçadoas sensibilidades
políticasno querespeitaaestedesenvolvimento.Na Itália,naFrançaenaAlemanhao
racismoestáa crescerabertamentee as reaçõespolíticase a violênciacontra os
imigrantesárabeseturcostêm-setomadomaisintensasedisseminadasdesde1990.
A interaçãoentreo islãoe o Ocidentetemsidovistaporambasaspartescomoum
choquede civilizações.A «próximaconfrontação»do Ocidente,observaM. J. Akbar,
escritormuçulmanoindiano,«estáa caminharclaramenteparaquetenhaorigemno
mundomuçulmano.É noespaçodasnaçõesislâmicas,doMagrebaoPaquistão,quea
lutapor umanovaordemmundialcomeçará.»BernardLewischegaaumaconclusão
semelhante:
Estamosperanteum estadodeespíritoe um movimentoquetranscendeemmuitoo
nível dequestõese depolíticase osgovernosqueasprosseguem.Nadamenosdo que
umchoquedecivilizações- areaçãotalvezirracional,masseguramentehistórica,de
umaantigarivalidadecontraa herançajudaico--cristã,a nossapresençaseculare a
expansãomundialdeambas2.
Historicamente,a outragrandeinteraçãoantagônicadacivilizaçãoislâmicaárabetem
sidocomospovosnegrosdoSul,pagãos,animistase agora,crescentemente,cristãos.
No passado,esteantagonismoestavabemespelhadonaimagemdoárabemercadorde
escravose dosescravosnegros.Temestadorefletidonaguerracivil emcursono Sudão
entreárabese negros,nalutano Chadeentreos insurrectosapoiadospelaLlbia e o
governo,nastensõesentreos cristãosortodoxose os muçulmanosna África e nos
conflitospolíticos,nosfreqüentestumultosenaviolênciacomunalentremuçulmanos
e cristãosna Nigéria.É provávelque a modernizaçãoda África e a expansãodo
cristianismoaumentema probabilidadede violênciaao longodestalinha divisória
civilizacional.O discursoqueo PapaJoãoPauloII proferiuemCartumemFevereiro
de 1993é sintomáticoda intensificaçãodesteconflito por ter atacadoa açãodo
governoislamitadoSudãocontraasuaminoriacristã.
Na fronteirasetentrionaldo islão,o conflito tem irrompido,cadavez mais,entre
povosortodoxose muçulmanos,incluindoa carnificinada Bósniae de Sarajevo,a
ebuliçãodaviolênciaentreSérviose Albaneses,asfrágeisrelaçõesentreBúlgarose a
sua minoria turca,a violênciaentreOssetase Inguches,o interminávelmassacre
mútuodeArmêniosedeAzeris,asrelaçõestensasentreRussosemuçulmanosnaÁsia
centraleo posicionamentodetropasrussasparaprotegerinteressesrussosno Cáucaso
e naÁsiacentral.A religiãoreforçao renascimentodasidentidadesétnicase estimula
osreceiosrussosacercadasegurançadassuasfronteirasmeridionais.Estapreocupação
foi bemcaptadaporArchieRoosevelt:
Grandepartedahistóriarussaocupa-sedalutaentreospovoseslavoseturcosnassuas
fronteiras,quedatadotempodafundaçãodoEstadorusso,queocorreuhámaisdeum
milênio.No confrontomilenardoseslavoscomosseusvizinhosdo Lestejaza chave
paraa compreensãonãosó dahistóriada Rússia,comotambémdo carácterdo seu
povo.Para compreenderas realidadesrussasde hoje há queter conhecimentodo
conceitodograndegrupoétnicoturcoquepreocupouosRussosaolongodosséculos3.
O conflitodascivilizaçõesestáprofundamenteenraizadoemqual-querpartedaÁsia.
O confronto histórico entremuçulmanose hindus no subcontinenteindiano
manifesta-senão só na rivalidadeentre o Paquistãoe a Índia, mastambémna
intensificaçãoda lutareligiosano interiordesteúltimo paísentreos cadavez mais
numerososgruposmilitanteshinduse a considerávelminoriamuçulmanadaÍndia.A
destruiçãoda mesquitade Ayodhyaem Dezembrode 1992levantoua questãode
sabersea Índia permaneceráum Estadodemocráticosecularou se setransformará
numEstadohindu.No ExtremoOrientea Chinatemimportantesdisputasterritoriais
coma maiorpartedosseusvizinhos.Temprosseguidoumapolíticaimpiedosacontra
o povobudistadoTibete estáa intensificarumapolíticasemelhanteemrelaçãoà sua
minoriaturco-muçulmana.Findaa guerrafria, assubjacentesdivergênciasentre a
China e os EstadosUnidos reapareceramem áreascomoos direitoshumanos,o
comércio externo e a proliferaçãode armamentos.É improvávelque estas
divergênciasseatenuem.ConstaqueDengXiaopingafirmouem 1991queestavaem
cursouma«novaguerrafria»entreaChinaeaAmérica.
O mesmotermotemsidoaplicadoàscadavezmaisdifíceisrelaçõesentreo Japãoeos
EstadosUnidos.Aqui as diferençasculturaisexacerbamo conflito econômico.As
pessoasdecadaumdosladosacusam-semutuamentederacismo,mas,pelomenosda
parteamericana,asantipatiasnãosãoraciais,masculturais.Dificilmentepodiamser
maisdiferentesosvaloresbásicos,asatitudeseospadrõesdecomportamentodasduas
sociedades. .As questõeseconômicasentreosEstadosUnidose aEuropanãosãomenos
sériasdo queentreosEstadosUnidose o Japão,masnãotêma mesmaimportância
políticae intensidadeemocional,porqueasdiferençasentrea culturaamericanae a
européiasãomuito menoresdo queasexistentesentrea civilizaçãoamericanae a
Japonesa.
.As interaçõesentrecivilizaçõesvariamgrandementena medidadaprobabilidadede
seremcaracterizadaspelaviolência.A competiçãoeconômicapredominaclaramente
entreassubcivilizaçôesamericanaeeuropéiadoOcidentee aexistenteentreestase o
Japão.No entanto,a proliferaçãodo conflito étnico no continenteeuro-asiático,
retratadoemextremona«limpezaétnica»,nãotemacontecidototalmenteaoacaso.
Tem sido maisfreqüentee maisviolentoentregrupospertencentesa civilizações
diferentes.Na Eurásiaasgrandesfronteirashistóricasentrecivilizaçõesestãoumavez
maisemchamas.Tal é particularmenteverdadeaolongodasfronteirasemformade
crescentedo bloco denaçõesislâmicasquevai desdea protuberânciaafricanaatéà
Ásia central.A violênciatambémocorreentre,por um lado,osmuçulmanose, por
outro, os Sérviosortodoxosnos Balcãs,os judeusem Israel,os hindusna Índia,os
budistasemBurmaeoscatólicosnasFilipinas.O islãotemfronteirassangrentas.
oagrupamentocivilizacíona1:asíndrome
dospaíses-irmãos
Gruposde Estadospertencentesa umamesmacivilizaçãoqueseenvolveramnuma
guerracompovosde outracivilizaçãotentam,naturalmente,conseguiro apoiodos
outrosmembrosda própriacivilização.Enquantoevoluio mundopós-guerrafria, a
comunidadecivilizacional,queH. D. S. Greenwayintitulou de «síndromedo país-
irmão»,estáa substituirasconsideraçõesrelacionadascom a ideologiapolíticae o
tradicionalequilibriodepoderescomoaprincipalbaseparaacooperaçãoecoligações.
Pôde assistir-se,gradualmente,aoseuaparecimentonosconflitospós-guerrafria no
Golfo Pérsico,no Cáucasoe na Bósnia.Nenhumdelesfoi umagrandeguerraentre
civilizações, mas cada um deles continha alguns elementosdo agrupamento
civilizacionalque pareceramtomar-semais importantesà medidaque o conflito
continuavaequepodeforneceraamostradofuturo.
Em primeiro lugar,na guerrado Golfo, um Estadoárabeinvadiuoutro, tendo-se
formadodepoisumacoligaçãode Estadosárabes,ocidentaise outros.Enquantoum
pequenonúmerode governosmuçulmanosapoiavaabertamenteSaddamHussein,
muitaselitesárabeselogiavam-noemprivado,sendoaltamentepopularentrevastos
sectoresdaspopulaçõesárabes.Os movimentosfundamentalistasislâmicosapoiaram
mais o Iraquedo que os governosdo Kuwait e da Arábia Saudita,apoiadospelo
Ocidente. Saddam Hussein, pondo de lado o nacionalismo árabe, lançou
explicitamenteum apeloislâmico.Ele e os seuspartidáriostentaramcaracterizara
guerracomoumaguerraentrecivilizações.«Nãoé o mundocontrao Iraque»,como
declarouSafarAl-Hawali, deãodosEstudosIslâmicosnaUniversidadeUmmAl-Qura,
emMeca,numagravaçãoquecirculouamplamentepelomundo,«é o Ocidentecontra
o islão.»O principallíder religiosoiraniano,ignorandoa rivalidadeentreo Irão e o
Iraque,convocouumaguerrasantacontrao Ocidente:«A luta contraa agressão,a
avidez,osplanose apolíticaamericanosseráconsideradaumaJihadequemfor morto
nessecaminhoseráum mártir.»«Estaé uma guerra»,declarouo rei Husseinda
Jordânia, «contratodosos árabese todosos muçulmanose não apenascontrao
Iraque».
O agrupamentodeconsideráveisfraçõesdeelitese depopulaçõesárabesemvoltade
SaddamHusseinobrigouos governosárabesenvolvidosna coligaçãoanti-Iraquea
moderaremassuasatividadeseaatenuaremassuasdeclaraçõespúblicas.Osgovernos
árabesopuseram-seou distanciaram-sedos esforçosocidentaissubseqüentespara
exercerempressãosobreo Iraque,incluindoa imposiçãodeumazonade interdição
aéreano Verão de 1992e o bombardeamentodo Iraqueem Janeirode 1993.A
coligaçãoocidental-soviética-turca-árabeanti-Iraquede 1990tomou-se,em 1993,
praticamenteumacoligaçãodoOcidenteedoKuwaitcontrao Iraque.
Os muçulmanoscomparavamasaçõesocidentaiscontrao Iraquecoma incapacidade
de protegeros BósniosdosSérviosou com a imposiçãode sançõesa Israel pelas
violaçõesdasresoluçõesdasNaçõesUnidas.Alegavamqueo Ocidenteestavaa usar
duasmedidas.No entanto,ummundodecivilizaçõesemchoqueé, inevitavelmente,
um mundodeduasmedidas:aspessoasaplicamumamedidaaospaíses-irmãose uma
medidadiferenteaosoutros.
Em segundolugar,asíndromedopaís-irmãotambémapareceunosconflitosdaantiga
União Soviética.Os sucessosmilitaresarmêniosem 1992e 1993estimularama
Turquiaatomar-secadavezmaisdefensoradosseusirmãosdereligião,etniae língua
do Azerbaijão.«Temosumanaçãoturcaque tem os mesmossentimentosque os
azeris»,disseum funcionárioturcoem1992.«Estamossobpressão.Osnossosjornais
estãocheiosdefotografiasdeatrocidadeseperguntam-nosseaindaestamosatomara
sérioa continuaçãoda nossapolíticadeneutralidade.Talvezpudéssemosmostrarà
Arménia que existeuma grandeTurquiana região.»O presidenteTurgut Õzal
concordou,observandoque a Turquia devia,pelo menos,«assustarum pouco os
Arménios».A Turquia,ameaçouÕzal de novo em 1993,deveria«mostraros seus
dentes».Jactosda ForçaAéreaturca fizeramvôos de reconhecimentoao longo da
fronteiraarménia;aTurquiainterrompeuoscarregamentosdecomidaeosvôosparaa
Arménia;a Turquiae o Irãoanunciaramquenãoaceitariamo desmembramentodo
Azerbaijão. Nos últimos anos da sua existência,o governo soviéticoapoiou o
Azerbaijãoporqueo governoeradominadopor antigoscomunistas.No entanto,com
o fim daUniãoSoviética,asconsideraçõespolíticasderamlugaràsreligiosas.As tropas
russaslutaramaoladodosArmênioseoAzerbaijãoacusou«ogovernorussoderodar
180graus»emrelaçãoaoapoiodadoàArmêniacristã.
Em terceirolugar,no quediz respeitoàslutasna ex-Iugoslávia,a opiniãopública
ocidentalmostrousimpatiae apoioaosmuçulmanosBósniospeloshorroresque
sofreramàsmãosdosSérvios.Noentanto,foimanifestadapoucapreocupaçãopelos
ataquesdesencadeadospelosCroatascontraos muçulmanose peloseupapelno
desmembramentoda Bósnia--Herzegovina.A Alemanha,nasprimeirasfasesda
fragmentaçãoiugoslava,numapoucohabitualexibiçãode iniciativae músculo
diplomáticos,convenceuos outrosonze membrosda ComunidadeEuropéiaa
seguiremo seuexemplo,reconhecendoa Eslovêniae aCroácia.Comoconseqüência
dadeterminaçãodoPapaemproporcionarumaforteajudaaosdoispaísescatólicos,o
VaticanoprocedeuaoseureconhecimentoaindaantesdeaComunidadeo terfeito.
OsEstadosUnidosseguiramo exemploeuropeu.Destemodo,osprincipaisatoresda
civilizaçãoocidentalcongregaram--sepor detrásdos seuscorreligionários.Foi
noticiado,posteriormente,queaCroáciaestavaa receberconsideráveisquantidades
de armamentodaEuropacentrale de outrospaísesocidentais.Por outrolado,o
governodeBorisIeltsintentouseguirumaviaintermédiaemque,sendosimpático
comosSérviosortodoxos,nãoalienassea RússiadoOcidente.No entanto,osrussos
conservadoreseosgruposnacionalistas,incluindomuitoslegisladores,atacaramo
governopor nãosermaisrápidoa apoiarosSérvios.Emprincípiosde1993havia
váriascentenasderussos,aparentemente,a servirnasforçassérviase circulavam
notíciasdequeestavamaserfornecidasarmasrussasàSérvia.
Por outrolado,governose gruposislâmicoscriticavamo Ocidentepornãoir em
socorrodosBósnios.Osdirigentespolíticosiranianosapelavamaosmuçulmanosde
todosospaísesparaqueoferecessemajudaà Bósnia;o Irãoforneceuarmasehomens
aosBósnios,violandoo embargode armasdasNaçõesUnidas;gruposlibaneses,
apoiadospeloIrão,enviaramguerrilhasparatreinare organizarasforçasbósnias.
Circularamnotíciasdequeem1993havia4000muçulmanos,decercadeduasdúzias
depaísesislâmicos,alutarnaBósnia.OsgovernosdaArábiaSauditaedeoutrospaíses
foramsujeitosaumacrescentepressãodegruposfundamentalistasnassuaspróprias
sociedadesparaquefornecessemumapoiomaisvigorosoaosBósnios.Emfinaisde
1992foi noticiadoquea ArábiaSauditatinhafornecidoimportantesfundosparaa
aquisiçãodearmaseabastecimentosaosBósnios,o quelhespermitiuaumentarasua
capacidademilitarperanteosSérvios.
Nos anos30 a guerracivil espanholaprovocoua intervençãode paísesque,
politicamente,eramfascistas,comunistase democráticos.Nosanos90o conflito
iugoslavoestáa provocara intervençãodepaísesquesãomuçulmanos,ortodoxose
cristãosocidentais.O paralelismonãopassoudespercebido.«A guerranaBósnia-
Herzegovinatomou-seo equivalenteemocionaldalutacontrao fascismonaguerra
civil espanhola»,observouumeditorsaudita.«Aquelesquemorreramsãoolhados
comomártiresquetentaramsalvarosseusirmãosmuçulmanos.»
TambémocorremconflitoseviolênciaentreEstadose grupospertencentesàmesma
civilização.No entanto,é provávelquetaisconflitossejammenosintensose com
menorprobabilidadedeexpansãodoqueosconflitosentrecivilizações.O fatode
pertenceremaumamesmacivilizaçãoreduzaprobabilidadedeviolênciaquenoutras
condiçõesocorreria.Em1991e 1992muitagenteestavaalarmadapelapossibilidade
de um conflitoviolentoentrea Rússiae a Ucrâniapor causado território,
principalmenteo da Criméia,da frotado marNegro,dasarmasnuclearese das
questõeseconômicas.No entanto,seo quecontaé a civilização,a probabilidadede
violênciaentreUcranianose Russosdeveserbaixa.Ambosospovossãoeslavos,
predominantementeortodoxos,etêmmantidoumrelacionamentoestreitohámuitos
séculos.Defato,logoemprincípiosde1993,apesardetodasasrazõesparaoconflito,
osdirigentespolíticosdosdoispaísesestavamefetivamenteprontosparanegociaras
questõesexistentesentreos doispaíses.Enquantohouvecombatespesadosentre
muçulmanose cristãosemmuitaspartesdaantigaUniãoSoviéticae muitatensãoe
algumaslutasentrecristãosocidentaise ortodoxosnos Estadosbálticos,nãose
verificoupraticamentequalquerviolênciaentreRussoseUcranianos.
O agrupamentocivilizacional,atéà data,temsidolimitado,mastem estadoa
progredire contém,nitidamente,potencialparaseexpandirmuitomais.À medida
queosconflitosnogolfoPérsico,noCáucasoenaBósniacontinuavam,asposiçõesdas
naçõeseasclivagensentreelasforamaumentandoaolongodoslimitescivilizacionais.
Políticos populistas,dirigentesreligiosose os meios de comunicaçãosocial
encontraramum potentemeio paraarregimentaremo apoio das massase
pressionaremosgovernoshesitantes.Nospróximosanososconflitoslocaiscommaior
possibilidadede degenerarememguerrasmaioresserãoaquelesquesetravamao
longodasfronteirascivilizacionais,comoo daBósniae o doCáucaso.A próxima
guerramundial,seocorrer,seráumaguerraentrecivilizações.
oOcidentecontraoresto
O Ocidenteestáatualmentenumpicodepoderemrelaçãoàsoutrascivilizações.A
outrasuperpotênciasuaopositoradesapareceudomapa.Osconflitosmilitaresentre
Estadosocidentaissãoimpensáveise o podermilitarocidentalnãotemrival.O
Ocidentenãoencontradesafioeconômicoà altura,excetoo do Japão.Dominaas
instituiçõespolíticase desegurançainternacionaise, como Japão,as instituições
econômicasinternacionais.As questõesglobaisde políticae de segurançasão,
efetivamente,resolvidasporumdiretórioconstituídopelosEstadosUnidos,pelaGrã-
BretanhaepelaFrança,easquestõeseconômicasmundiaisporumdiretórioformado
pelosEstadosUnidos,pelaAlemanhae pelo Japão,os quaismantêmrelações
extraordinariamenteestreitasentresi,dasquaissãoexcluídososEstadospequenose
majoritariamentenãoocidentais.AsdecisõestomadasnoConselhodeSegurançadas
NaçõesUnidasou no FundoMonetárioInternacionalrefletemos interessesdo
Ocidente,apresentadosao mundocomorefletindoos interessesda comunidade
internacional.A própriafrase«comunidadeinternacional»tornou-seo eufemístico
nomecoletivo(substituindo«mundolivre»)paradarlegitimidadeglobalàsacçõesque
refletemos interessesdos EstadosUnidose de outraspotênciasocidentais4.O
Ocidentepromoveosseusinteresseseconômicoseimpõeàsoutrasnaçõesaspolíticas
econômicasquejulgaapropriadasatravésdoFMI edeoutrasinstituiçõeseconômicas
internacionais.Emqualquersondagemfeitaempovosnãoocidentaiso FMI ganharia,
indubitavelmente,oapoiodosministrosdasfinançasedepoucosmais,masalcançaria
umavotaçãoesmagadoramentedesfavoráveldequasetodososoutros,queconcordam
coma caracterizaçãofeitaporGeorgyArbatovde osfuncionáriosdo FMI serem
«neobolcheviquesqueadoramficarcomo dinheirodosoutros,impondoregrasde
condutaeconômicaepolítica,nãodemocráticaseestranhas,quesufocamaliberdade
econômica».
O domínioocidentaldo Conselhode Segurançada ONU e dassuasdecisões,
moderadosomentepelaabstençãoocasionaldaChina,provocoua legitimaçãodas
NaçõesUnidasparao usodaforçapeloOcidenteparaexpulsaro IraquedoKoweite
paraa eliminaçãodasarmassofisticadasdoIraquee dasuacapacidadeparaproduzir
taltipodearmas.Tambémproduziua açãosemprecedentesdosEstadosUnidos,da
Grã-Bretanhae daFrançadelevaremo ConselhodeSegurançaa exigirquea Líbia
entregasseossuspeitosdoatentadoaoaviãodovôodaPanAm 103e deimporem
sançõesquandoaLíbiarecusou.Depoisdederrotaro maiorexércitoárabeoOcidente
nãohesitouemlançaroseupodersobreomundoárabe.Comefeito,oOcidenteestáa
usarasinstituiçõesinternacionais,opodermilitareosrecursoseconômicosparagerir
o mundode modoa mantero predomínioocidental,a protegeros interesses
ocidentaiseapromoverosvalorespolíticoseeconômicosocidentais.
Pelomenos,édestaformaqueosnãoocidentaisvêemo novomundoehámuitode
verdadenasuavisão.Destemodo,asdiferençasdepodereaslutaspelopodermilitar,
econômicoe institucionalsãoumafontedeconflitosentreo Ocidentee asoutras
civilizações.As diferençasdecultura,istoé, crençase valoresbásicos,sãouma
segundafontedeconflito.V.S.Naipaultemargumentadoqueacivilizaçãoocidentalé
uma«civilizaçãouniversal»«ajustadaa todosos homens».De fato,a um nível
superficial,grandeparteda culturatem-seespalhadopelo restodo mundo.No
entanto,aumnívelmaisbásico,osconceitosocidentaisdiferemprofundamentedos
prevalecentesnas outrascivilizações.As idéiasocidentaisde individualismo,
liberalismo,constitucionalismo,direitoshumanos,igualdade,liberdade,primadoda
lei,democracia,mercadolivre,separaçãodaIgrejadoEstado,têm,frequentemente,
poucaressonâncianasculturasislâmica,confucionista,japonesa,hindu,budistaou
ortodoxa.Osesforçosocidentaisparapropagaremtaisidéias.produzemantesuma
reaçãocontrao «imperialismodosdireitoshumanos»e a reafirmaçãodosdireitos
indígenas,comopodeservistono apoioaos fundamentalismosreligiosospelas
geraçõesmaisjovensdasculturasnãoocidentais.A próprianoçãodepoderhaveruma
«civilizaçãouniversal»é umaidéiaocidental,imediatamenteem choquecomo
particularismode grandepartedassociedadesasiáticase da ênfasequecolocam
naquiloquedistingueumpovodeoutro.Comefeito,o autordeumaanálisede100
estudoscomparadosdevaloresemdiferentessociedadesconcluiuque«osvaloresmais
importantesnoOcidentesãoosdemenorimportâncianorestodomundo»5.Claro
estáquena esferapolíticaestasdiferençassãomaismanifestasnosesforçosqueos
EstadosUnidoseoutraspotênciasocidentaisdesenvolvemparainduziremosoutros
poYOSaadotaremasidéiasocidentaisquedizemrespeitoà democraciaeaosdireitos
humanos.O governodemocráticomodernoteveorigemno Ocidente.Quando
desenyolvidoemsociedadesnãoocidentais,temnormalmentesidoo produtodo
colonialismooudeimposiçãoocidental.
É provávelque,nofuturo,oeixocentraldapolíticamundialseja,naexpressãode
KishoreMahbubani,o conflitoentre«o Ocidentee o resto»e as respostasdas
civilizaçõesnãoocidentaisao podere aosvaloresocidentais6.Geralmente,estas
respostasutilizamumadetrêsformasou umacombinaçãodelas.Numextremo,os
Estadosnãoocidentaispodem,comoéo casodeBurmaoudaCoréiadoNorte,tentar
seguirumpercursosolitário,isolandoassuassociedadesdequalquerpenetraçãoou
«corrupção»pelo Ocidente,e excluir-sede participaremna comunidadeglobal
dominadapeloOcidente.No entanto,os custosdestaopçãosãoelevadose poucos
Estadosa têmseguidoem.exclusivo.Umasegundaalternativaconsisteemtentar
seguiro Ocidenteeaceitarosseusvalorese instituições.A terceiraalternativatenta
equilibraro poderioocidental,desenvolvendoo podereconômicoe militare
cooperandocom outrassociedadesnão ocidentaiscontrao Ocidente,enquanto
preservaos valorese instituiçõesindígenas;em resumo,modernizar,masnão
ocidentalizar.
Países dilacerados**
No futuro,enquantoaspessoasse diferenciarãopelascivilizações,ospaísescom
grandenúmerodepovosdecivilizaçõesdiferentes,comoa UniãoSoviéticae a
Iugoslávia,serãocandidatosaodesmembramento.Algunsoutrospaísestêmumclaro
graude homogeneidadecultural,masestãodivididossobrea questãode a sua
sociedadepertenceraumacivilizaçãoouaoutra.Estessãopaísesdilacerados.Osseus
dirigentespolíticosdesejam,tipicamente,seguirumaestratégia"seguidista"etornam
osseuspaísesmembrosdoOcidente,masa história,a culturae astradiçõesdesses
paísessãonãoocidentais.A Turquiaéo protótipomaisóbviodeumpaísdilacerado.
OsdirigentespolíticosturcosdefinaisdoséculoxxtêmseguidoatradiçãodeAtaturk
e definidoo paíscomoumEstado-naçãomoderno,seculare ocidental.Aliarama
Turquiaao Ocidentena NATO e naguerrado Golfo;requereramo estatutode
membrodaComunidadeEuropéia.Noentanto,aomesmotempo,outroselementosda
sociedadeturcatêmapoiadoumressurgimentoislâmicoeargumentamqueaTurquia
.é, basicamente,umasociedademuçulmanadoMédioOriente.Alémdisso,emboraa
elitedaTurquiatenhadefinidoo paíscomoumasociedadeocidental,a elitedo
Ocidenterecusaaceitá-Iacomotal.A TurquianãosetornarámembrodaComunidade
Europeiae a verdadeirarazão,comodisseo presidenteÕzal,«équenóssomos
muçulmanose elessãocristãos,masissonãodizem».Tendo rejeitadoMecae tendo
sidorejeitadapor Bruxelas,paraondeolhaaTurquia?Tashkentpodesera resposta.O
fim da União Soviéticadá à Turquia a oportunidadede se tomar líder de uma
civilizaçãoturcarenascidaqueenglobesetepaísesdesdea fronteirada Gréciaà da
China. A Turquia,encorajadapelo Ocidente,estáa desenvolveresforçosenérgicos
paracriarestanovaidentidadeparasiprópria.
Duranteapassadadécadao Méxicoassumiuumaposiçãodecertomodosemelhanteà
daTurquia.Tal comoestepaísabandonoua suaoposiçãohistóricaà Europae tentou
juntar-sea ela,o MéxicoparoudesedefinirpelasuaoposiçãoaosEstadosUnidose,
em vez disso,tentouimitar estepaíse aderir à NAFfA*. Os dirigentespolíticos
mexicanosestãoempenhadosnaimensatarefaderedefiniremaidentidademexicanae
têm introduzidoreformaseconômicasfundamentaisque,eventualmente,conduzirão
a uma mudançapolítica fundamentaLEm 1991um dos principaisconselheiros
políticosdopresidenteCarlosSalinasdeGortaridescreveu--meextensamentetodasas
mudançasqueo governodeSalinasestavaa fazer.Quandoacabou,comentei:«Issoé
extremamenteimpressionante.Basicamente,parece-mequepretendemtransformaro
Méxicodeumpaíslatino-americanonumpaísnorte-americano.»Ele olhouparamim
surpreendidoe exclamou:«ExatamentelÉ precisamenteo queestamosa tentarfazer,
mas,claro está,nuncapoderemosdizê-Iopublicamente.»Comoo seu comentário
indicou,querno México,quernaTurquia,um significativonúmerodeelementosda
sociedaderesisteà redefiniçãoda identidadedo seupaís.Na Turquiaos líderesde
orientaçãopró-européiatêmfeitocertosgestosnadireçãodo islão(aperegrinaçãode
Õzal a Meca);domesmomodooslíderesdeorientaçãonorte-americanatêmdefazer
certosgestosna direçãodos que pretendemmantero México como país latino--
americano(acimeiraibero-americanadeSalinasemGuadalajara).
A Turquia temsido,historicamente,o paísmaisprofundamentedilacerado.Paraos
EstadosUnidos,o Méxicoé o paísdilaceradomaisimediato.A Rússiaé,globalmente,
o paísdilaceradomaisimportante.A questãodesabersea RússiaépartedoOcidente
ou líder da civilizaçãoeslavo-ortodoxatem sidoum debaterecorrentena história
russa.Estaquestãofoi ocultadapelavitóriacomunistana Rússia,queimportouuma
ideologiaocidental,adaptadaàscondiçõesrussas,tendo,posteriormente,desafiadoo
Ocidenteem nomedessaideologia.A dominaçãodo comunismocortouo debate
históricosobreocidentalizaçãoversusrussificação.Como comunismodesacreditado,
osRussosenfrentamdenovoestaquestão.
O presidenteIeltsin estáa adotarprincípiose objetivosocidentaise a procurar
transformara Rússianumpaís«normal»e partedo Ocidente.Contudo,a elitee a
opiniãopúblicarussasestãodivididasacercadestaquestão.SergeiStankevich,entreos
maismoderadosdiscordantes,argumentaquea Rússiadeviarejeitara via «atlantista»,
quea encaminharia«atomar-seeuropéia,a tomar-separtedaeconomiamundialde
umaformarápidaeorganizada,atomar-seo oitavomembrodossetee a colocaruma
ênfase particular na Alemanha e nos EstadosUnidos como os dois membros
dominantesdaAliançaAtlântica».Todavia,emboratambémrejeitandoumapolítica
exclusivamenteeuroasiática,Stankevichdefendequea Rússiadeviadarprioridadeà
proteçãodosrussosnoutrospaíses,enfatizandoassuasligaçõesturcasemuçulmanase
promovendo«umaconsiderávelredistribuiçãodosnossosrecursos,dasnossasopções,
dos nossoslaçose dos nossosinteressesemfavorda Ásia,na direçãooriental».As
pessoasdestaopiniãocriticamIeltsin por subordinaros interessesrussosaos do
Ocidente,por reduzir a capacidademilitar russa,por falhar no apoioaosamigos
tradicionais,comoa Sérvia,eporempurrarareformapolíticae econômicaemtermos
injuriososparao povorusso.Um indicativodestatendênciaé a novapopularidadedas
idéiasde Petr Savitsky,que,nos anos20, argumentavaque a Rússiaera a única
civilizaçãoeuro-asiática7.Existemvozesdiscordantesmuito maisextremistasque
advogampontosde vistaabertamentenacionalistas,anti-ocidentaise anti-semitase
pedeminsistentementequeaRússiadesenvolvao seupodermilitareestabeleçalaços
maisestr~itoscoma Chinae comospaísesmuçulmanos.A populaçãodaRússiaestá
tão divididaquantoas suaselites.Uma sondagemrealizadana Rússiaeuropéiana
Primaverade 1992revelouque40%da opiniãopúblicatinha atitudespositivasem
relaçãoao Ocidentee que 36% tinha atitudesnegativas.A Rússia,como tem
acontecidodurantelargosperíodosda suahistória,em princípiosdos anos 90, é
verdadeiramenteumpaísdilacerado.
Pararedefinira suaidentidadecivilizacional,um paísdilaceradodevesatisfazertrês
requisitos.Emprimeirolugar,asuaelitepolíticaeeconômicatemdeser,deummodo
geral,defensorae entusiásticadestemovimento.Em segundo,a suaopiniãopública
temdemostrarvontadeacercadestaredefinição.Em terceiro,osgruposdominantes
na civilizaçãorecipientetêmde mostrarvontadede abraçaro convertido.Os três
requisitosexistem,emgrandeparte,noquediz respeitoaoMéxico.Osdoisprimeiros,
emgrandeparte,existemnorespeitanteàTurquia.Nãoémuitoclaroseexistiráalgum
delesno queconcerneà adesãodaRússiaaoOcidente.O conflitoentrea democracia
liberale o marxismo-leninismofoi um conflitoentreideologiasque,apesardassuas
grandes diferenças,partilhavammetas derradeirasde liberdade, igualdadee
prosperidade.Uma Rússiatradicional,autoritáriae nacionalistapodiater objetivos
bemdiferentes.Um democrataocidentalpodiamanterumdebateintelectualcomum
soviéticomarxista.Seriavirtualmenteimpossívelfazê-Iocomum russotradicionalista.
SeosRussosdeixaremdesecomportarcomomarxistas,masrejeitarema democracia
liberale começarema comportar-secomorussose nãocomoocidentais,asrelações
entreaRússiaeo Ocidentepoderão,denovo,tornar-sedistanteseconflituosas8.
A ligaçãoislâmico-confuciomsta
Os obstáculospara que países não ocidentaisse unam ao Ocidente variam
consideravelmente.São menoresparaos paíseslatino-americanose da Europade
Leste.São maioresparaos paísesortodoxosda antigaUnião Soviética.São ainda
maioresparaassociedadesmuçulmanas,confucionistas,hindusebudistas.O Japão
colocou-senumaposiçãoúnicademembroassociadodoOcidente:estánoOcidente
nalgunsaspectos,masnãoé claramentedo Ocidenteemdimensõesimportantes.
Aquelespaísesqueporrazõesdeculturaedepodernãodesejam,ounãopodem,unir-
se ao Ocidenteentramemcompetiçãocomele,desenvolvendoos seuspróprios
podereseconômico,militarepolítico.Fazem-nopromovendooseudesenvolvimento
internoe cooperandocomoutrospaísesnãoocidentais.A formamaisproeminente
destacooperaçãoé a ligaçãoislâmico-confucionista,quesurgiuparadesafiaros
interesses,valoresepoderesocidentais.
Ospaísesocidentais,quasesemexceção,estãoareduziro seupodermilitar;o mesmo
acontececoma Rússiasoba liderançadeIeltsin.No entanto,a China,a Coréiado
NorteeváriosEstadosdoMédioOrienteestãoaexpandirsignificativamenteassuas
capacidadesmilitares.Estãoa fazê-Ioquer importandoarmamentode fontes
ocidentaise nãoocidentais,querdesenvolvendoindústriasdearmamentonacionais.
Uma consequênciaé a emergênciado queCharlesKrauthammerdenominoude
«Estado-arma»,masosEstados-armasnãosãoEstadosocidentais.Outraconseqüência
éaredefiniçãodocontroledearmamentos,queéumconceitoocidentaleumobjetivo
ocidental.Durantea guerrafria,a principalfinalidadedocontroledearmamentos
consistiaemestabelecerumequilíbriomilitarestávelentreosEstadosUnidose os
seusaliadose a UniãoSoviéticae os seusaliados.No mundopós--guerrafria a
principalfinalidadedo controlede armamentosé impediro desenvolvimentoem
sociedadesnãoocidentaisdecapacidadesmilitaresquepossamameaçarosinteresses
ocidentais.O Ocidenteprocurafazê-Ioatravésde acordosinternacionais,pressão
econômicaecontroledaexportaçãodearmamentosedetransferênciadetecnologia.
O conflitoentreo Ocidentee os Estadosislâmico-confucionistasestáfocado
principalmente,emboranão exclusivamente,nas armasnucleares,químicase
biológicas,nosmísseisbalísticose noutrosmeiossofisticadosde lançamentoe de
direção,nasinformaçõese noutrascapacidadeseletrônicascapazesdeatingiremo
objetivo.O Ocidentepromoveanãoproliferaçãocomonormauniversaleostratados
denãoproliferaçãoeasrespectivasinspeçõescomoformadeconcretizaressanorma.
Tambémameaçacomumapanópliade sançõescontraaquelesquepromovama
disseminaçãodearmassofisticadasepropõealgunsbenefíciosparaaquelesqueo não
façam.Naturalmentequea atençãodo Ocidentefoca-senasnaçõesque,realou
potencialmente,sãohostisaoOcidente.
Por outrolado,asnaçõesnãoocidentaisreivindicamo direitodeadquirireme de
posicionaremqualquertipodearmasquejulguemnecessáriasparaa suasegurança.
TambéminteriorizaramcompletamenteaverdadedarespostadoministrodaDefesa
indianoquandolhefoiperguntadoqueliçãotinharetiradodaguerradoGolfo:«Os
EstadosUnidossópodemsercombatidosporquempossuaarmasnucleares.»Asarmas
nuclearese químicase osmísseissãovistos,talvezerroneamente,comoo potencial
igualitáriodo superiorpoderconvencionaldo Ocidente.A Chinajá possui,com
certeza,armasnucleares;oPaquistãoeaÍndiatêmcapacidadeparaasposicionarem.A
CoréiadoNorte,o Irão,oIraque,auniaeaArgéliaparecemestaratentaradquiri-Ias.
Um funcionáriosuperioriranianodeclarouque todosos Estadosmuçulmanos
deveriamadquirirarmasnucleares,tendo,em1988,sidonoticiadoqueo presidente
do Irãodifundiuumadiretivaapelandoaodesenvolvimentode«armasofensivase
defensivasquímicas,biológicaseradiológicas».
De importânciacrucialparao desenvolvimentode capacidadesmilitaresanti-
ocidentaiséasustentadaexpansãodopodermilitardaChinaedosseusprópriosmeios
paracriarpodermilitar.A China,confianteno seuespetaculardesenvolvimento
econômico,estáa aumentarrapidamenteassuasdespesasmilitarese a seguircom
vigora modernizaçãodassuasforçasarmadas.Estáa adquirirarmasaosantigos
EstadosdaUniãoSoviética;estáa desenvolvermísseisde longoalcance;em1992
testouumengenhonucleardeumamegatonelada.Estáadesenvolverasuacapacidade
de projeçãode poder,a adquirirtecnologiade reabastecimentoaéreoe a tentar
comprarumnavioporta-aviões.O seucrescimentomilitareasuadeterminaçãosobre
a soberaniado mardoSuldaChinaestãoa provocarumamultilaterale regional
corridaaosarmamentosno ExtremoOriente.A China é tambémum grande
exportadordearmamentoedetecnologiamilitar.TemexportadoparaaLíbiaeparao
Iraquemateriaisquepoderiamserusadosparafabricararmasnuclearese gásde
nervos.Temajudadoa Argéliaa construirum reatorajustadoà investigaçãoe à
produçãodearmasnucleares.A ChinatemvendidoaoIrãotecnologianuclearqueos
especialistasamericanosacreditamquesópodiaserusadaparao fabricodearmase,
aparentemente,temexportadocomponentesdemísseiscomumalcancede500km
parao Paquistão.A CoréiadoNortetememcurso,hájáalgumtempo,umprograma
dearmamentonucleare temvendidomísseisavançadose a respectivatecnologiaà
SíriaeaoIrão.O fluxodearmasedetecnologiadearmamentotem-severificado,em
geral,doExtremoOrienteparao MédioOriente.Noentanto,háalgunsmovimentos
emsentidocontrário:aChinatemrecebidomísseisStingerdoPaquistão.
Surgiuuma ligaçãomilitar islâmico-confucionistaconcebidapara promovera
aquisiçãopelosseusmembrosdearmasoutecnologiasdearmamentonecessáriaspara
seoporaopodermilitardo Ocidente.Aquelaligaçãopodeserou nãoduradoura.
Todavia,atualmente,é,comodisseDaveMcCurdy,«umpactodeajudamútuade
'renegados',geridopelosproliferadorese seusdefensores».Está,assim,a verificar-se
umanovaformadecompetiçãonocampodosarmamentosentreosEstadosislâmicos-
-confucionistase o Ocidente.Numacorridaarmamentistaà modaantigacadaparte
desenvolviaassuasprópriasarmasparaequilibraroualcançara superioridadeem
relaçãoà outraparte.Nestanovaediçãodecompetiçãoarmamentista,enquantoum
ladoestáa desenvolverassuasarmas,o outroestáatentar,nãoo equilíbrio,masa
limitaçãoe o impedimentode que o crescimentose verifique,procurando,
simultaneamente,areduçãodassuascapacidadesmilitares.
Implicaçõesparao Ocidente
EsteartigonãodefendequeasidentidadescivilizacionaÍssubstituirãotodasasoutras
identidades,queosEstados-naçõesdesaparecerão,quecadacivilizaçãosetomaráuma
únicaentidadepolíticacoerente,queosgruposdentrodeumacivilizaçãonãoentrarão
emconflitoouvirãomesmoalutarunscomoutros.Esteensaioavançacomhipótese:
as diferençasentrecivilizaçõessão reaise importantes;a consciênciacivilizacional
estáa aumentar;o conflitoentrecivilizaçõessuplantaráo ideológicoeoutrostiposde
conflito e será a sua forma global dominante; as relações internacionais,
historicamenteumjogodocampodacivilizaçãoocidental,desocidentalizar-se-ãocada
vezmaise tomar-se-ãoum jogoem queascivilizaçõesnãoocidentaisserãoatorese
nãosimplesmenteobjetos;serámaisprovávelqueinstituiçõespolíticas,desegurançae
econômicasdesucessosedesenvolvamnointeriordascivilizaçõesenãoentreelas;os
conflitosentregruposdecivilizaçõesdiferentesserãomaisfreqüentes,maisapoiadose
maisviolentosdo que os conflitosentregruposda mesmacivilização;os conflitos
violentosentregruposdecivilizaçõesdiferentesserãoamaisprovávele maisperigosa
origemde escaladaparaguerrasglobais;o maisimportanteeixodapolíticamundial
seráo dasrelaçõesentre«oOcidentee o resto»;em algunspaísesdilaceradosnão
ocidentaisaselitestentarãofazercomqueessespaísesfaçampartedoOcidente,mas
na maioria dos casosenfrentarãograndesobstáculosà sua concretização;o foco
centraldoconflitono futuroimediatoseráentreo OcidenteeváriosEstadosislâmico-
confucionistas.
Tudo isto nãoadvogao desejode conflitosentrecivilizações.Avançacomhipóteses
descritivasdoquepoderávir asero futuro.No entanto,seforemhipótesesplausíveis,
é necessárioconsiderarassuasimplicaçõesparaapolíticaocidental.Estasimplicações
podiame deviamser divididasentrevantagensde curtoprazoe compromissosde
longoprazo.No curtoprazoé claramentedo interessedo Ocidente:promoveruma
maior cooperaçãoe unidadedentro da sua civilização,principalmenteentre as
componenteseuropéiae norte-americana;incorporarno Ocidenteassociedadesda
Europade Lestee da AméricaLatina,cujasculturassãopróximasdasdo Ocidente;
promovere manterrelaçõesdecooperaçãocoma Rússiaeo Japão;impedira escalada
deconflitoslocaisintercivilizacionaisemgrandesguerrasdessemesmotipo;limitaro
aumentodo podermilitardosEstadosislâmicose confucionistas;moderara redução
das capacidadesmilitaresocidentaisemantera superioridademilitar no Sueste
asiáticoe no ExtremoOriente;exploraras diferençase os conflitosentre Estados
confucionistase islâmicos;apoiaros grupossimpatizantesdos valorese interesses
ocidentaisexistentesnasoutrascivilizações;fortalecerasinstituiçõesinternacionais
que reflitam e legitimemos interessese valores ocidentaise promovamo
envolvimentodeEstadosnãoocidentaisnaquelasinstituições.
A longo prazo, outrasmedidasdeveriamser tomadas.A civilizaçãoocidentalé,
simultaneamente,ocidentale moderna.As civilizaçõesnãoocidentaistêm tentado
tornarem-semodernassem se tornaremocidentais.Até à data apenaso Japão
conseguiuterplenosucessonessaprocura.As civilizaçõesnãoocidentaiscontinuarão
a tentaradquirirriqueza,tecnologia,proficiência,maquinariae armamento,que
fazempartedoestatutodesermoderno.Tentarãotambémconciliaressamodemidade
com a suaculturae valorestradicionais.Os seuspodereseconômicoe militar
aumentarãoemrelaçãoaosdoOcidente.Assimo Ocidenteterádeseacomodarcada
vezmaisaestascivilizaçõesmodernasnãoocidentaiscujopoderseaproximadoseu,
masemqueosvalorese interessesdiferemsignificativamentedosdo Ocidente.Isto
tudorequereráqueoOcidentemantenhaospodereseconômicoemilitarnecessários
paraprotegerosseusinteressesemrelaçãoaosdessascivilizações.No entanto,tal
tambémrequereráqueo Ocidentedesenvolvaumacompreensãomaisprofundados
pressupostosreligiosose filosóficosbásicossubjacentesàsoutrascivilizaçõese do
modocomoaspessoasdessascivilizaçõesvêemosseusinteresses.Tal requereráum
esforçoparaidentificaroselementoscomunsexistentesnascivilizaçõesocidentaise
nasoutras.Nofuturoqueimportanãohaveráumacivilizaçãouniversal,masantesum
mundodecivilizaçõesdiferentes,cadaumadasquaisterádeaprenderacoexistircom
asoutras."
** Choque de civilizaçõesé umateoriapropostapelo cientistapolíticonorte-
americanoSamuelP. Huntingtonsegundoaqualasidentidadesculturaise religiosas
dospovosserãoaprincipalfontedeconflitonomundopós-GuerraFria.A teoriafoi
originalmenteformuladaem1993,numartigodaForeignAffaírs denominadoThe
Clashof Civilizations?(doinglêsO ChoquedeCivilizações),comoreaçãoaolivrode
FrancisFukuyama,TheEnd of HistoryandtheLastMan,publicadoem1992.Samuel
Huntingtonexpandiusuatesenumlivrodepublicadoem1996intituladoTheClash
of Civilizations and the Remaldngof World Order (do inglês O Choque de
Civilizaçõese aNovaOrdemMundial).Cabeacrescentarqueaexpressão"choquede
civilizações"nãoé originalemHuntington,masfoi usadapelaprimeiravez por
BernardLewis- académicobritânicode famíliajudaicae professoreméritodo
ClevelandE. DodgedeEstudosdoPróximoOrientenaUniversidadedePrinceton.
Estetextofoitraduzidodoinglês.

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