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A inconstitucionalidade do corte de cabelo em prisões

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A inconstitucionalidade do corte de cabelo em prisões
Diante das recentes prisões de figuras públicas, o intitulado “cidadão de bem” que nada tem de bom, comemora com euforia a aparição de indivíduos com traje carcerário, combinado com o típico penteado raspado, prontamente nivelado para o encontro dos seus futuros afins. Com isso, surgem algumas dúvidas.
Cortar o cabelo de alguém sem autorização é crime?
O ato de cortar o cabelo de alguém, sem autorização, desde que a ação provoque uma alteração desfavorável no aspecto exterior da vítima, pode configurar o crime de lesão corporal, capitulado nos crimes contra a pessoa, por tratar-se de um ato atentatório à incoluminade física, cuja a pena varia de 3 meses a 1 ano.
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
Em tratando-se de dolo específico de envergonhar a vítima, o crime em tela seria o de injúria real, capitulado nos crimes contra a honra, por atentar contra a honra subjetiva do indivíduo, arranhando o que a vítima faz de si mesma, conforme ensina o professor NUCCI.
Injúria
Art. 14º - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
Portanto, a titulação do crime dependerá do animus que atua o agente.
Mas e o preso? O corte de cabelo, no momento de ingresso ao sistema prisional, possui embasamento constitucional?
Quando o indivíduo é preso, a submissão ao corte de cabelo raspado, constitui norma regulamentada no artigo 2º, inciso VIII, alínea a, da Portaria do Ministério da Justiça nº 1.191 de 2008, que disciplina os procedimentos administrativos a serem efetivados durante a inclusão de presos nas penitenciárias federais, a qual dispõe:
Art. 2º Compete ao Chefe da Divisão de Segurança e Disciplina, e, na sua ausência e de seu substituto legal, ao Chefe da Equipe de Plantão, coordenar a realização dos seguintes procedimentos, durante a inclusão de presos:
VIII - realizar o processo de higienização pessoal, incluindo:
a) cortar cabelo, utilizando-se como padrão o pente número “2” (dois) da máquina de corte;
b) raspar barba;
c) aparar bigodes.
A discussão acerca da constitucionalidade dessa norma, mostra-se manifesta, pois é evidente que o Estado e seus agentes, utilizam esse instrumento como forma de suprimir a individualidade do sujeito. Tal prática nada mais é do que um ritual de entrada, uma forma de padronizar acobertada pela ilusão da disciplina e ordem. A alegação de que esse protocolo surge da necessidade de higienização não é verdade, pois senão teriam que raspar também o cabelo das mulheres detentas.
Há portanto, notória afronta à Declaração Universal de Direitos Humanos, especificamente em seu artigo 5º que diz: “Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”, em adição ao tema, insurge o crime de abuso de autoridade o qual dispõe:
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
Importante ressaltar que essa mesma portaria, veda o corte de cabelo e barba quando tratar-se de prisão temporária: Art. 2º, § 4º O preso cuja custódia cautelar decorrer de Mandado de Prisão Temporária não está sujeito ao disposto no inciso VIII e suas alíneas, enquanto permanecer nessa condição. Embora seja fruto da mesma norma, esse artigo não é posto em prática, ou seja, ninguém escapa do corte de cabelo, nem mesmo Eike Batista ou o Zé da Esquina.
Pra piorar, o entendimento dos tribunais é que, o descumprimento de ordem legal de cortar o cabelo no curso da execução da pena, constitui falta grave, resultando em novo marco interruptivo para concessão de novos benefícios e justifica o indeferimento da concessão do livramento condicional.
Essa matéria foi tema do projeto de lei 4440 de 2004, de autoria do então Deputado Romeu Queiroz. Em síntese o projeto alterava a Lei nº 7.210 de 1984, Lei de Execução Penal, e estabelecia a proibição da raspagem de cabelo dos presos provisórios, ou que estivessem em situação jurídica passível de ser modificada a qualquer momento, para evitar o constrangimento ou vexame de ter os cabelos da cabeça raspados. O projeto seguiu todos os trâmites legais, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, no entanto, encontra-se “engavetado”.
Por fim, pelos motivos expostos, o ato de cortar o cabelo do preso não encontra amparo constitucional, e mesmo na existência de uma norma vigente que determine a higienização dos presos, essa norma não possui validade jurídica, uma vez que a desmoralização da pessoa perante a sociedade não pode ser o objetivo da prisão.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 12. Ed. Rev. - Editora Revista dos Tribunais 2012.
WOLF, MARIA PALMA. Postulados, Princípios e Diretrizes para a Política de Atendimento às Pessoas Egressas do Sistema Prisional. Brasília, Documento resultado do produto “Proposta conceitual para os serviços de atenção à pessoa egressa” no âmbito de Consultoria Nacional Especializada para produção de subsídios voltados ao fortalecimento da política de atenção à pessoa egressa do sistema prisional, sob supervisão de Marcus Castelo Branco Alves Semeraro Rito, projeto BRA/011/2014 – Fortalecimento da Gestão do Sistema Prisional Brasileiro, parceria entre Departamento Penitenciário Nacional e o P programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2016.
http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf
http://www.câmara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=269378
http://www.justiça.gov.br/seus-direitos/política-penal/arquivos/sistema-penitenciario-federal/anexos-sistema-penitenciario-federal/2008portariamj1191.pdf

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