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Engenharia das Multidões

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Grandes competições esportivas e espetáculos artísticos costumam reunir centenas de milhares de pessoas, seja em ambientes fechados, como estádios e casas de show, seja em espaços abertos, como praias e praças públicas. Para ajudar a prevenir incidentes nessas ocasiões, como o ocorrido recentemente em Santa Maria, o Laboratório de Simulação de Humanos Virtuais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) desenvolveu um software inédito no Brasil, capaz de simular o comportamento de multidões.
Em média 10 vezes mais barato que concorrentes internacionais, o CrowdSim possui ainda o diferencial de poder realizar análises mais complexas, que levam em consideração diferentes situações, inclusive eventos de pânico e emergência. Também é possível analisar os diversos perfis de público e como reagem, por exemplo, idosos, crianças e pessoas com dificuldade de locomoção. “As soluções estrangeiras não são capazes de lidar com essas particularidades”, explica a coordenadora do projeto, Soraia Raupp Musse.
O indivíduo sozinho, em geral, toma decisões mais sóbrias, mas, na multidão, passa a fazer parte de uma massa com vontade própria e às vezes desordenada. Por isso, a solução foi programada para levar em conta o percentual de pessoas que tomam decisões caóticas, como aquelas que não se dirigem para uma saída por um motivo qualquer, por ter desmaiado ou entrado em pânico, por exemplo.
Em 2000, o comportamento de multidões foi alvo da tese de doutorado da professora Soraia, que desde então se debruça sobre o tema. “A ferramenta reúne o resultado de todos esses anos de pesquisa”, revela. O desenvolvimento técnico do software foi realizado em um ano e meio e custou cerca de R$ 200 mil, recursos que foram aportados pela FINEP, empresa pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O produto foi apresentado em novembro do ano passado e, com a proximidade da Copa de 2014 e das Olimpíadas, ganhou destaque na área de tecnologia aplicada à segurança.
O próximo passo é firmar acordos comercias com empresas interessadas em levar a solução para o mercado. Soraia revela que está analisando propostas e espera, já em março, estar com as parcerias consolidadas. “A Copa do Mundo de 2014 é uma grande oportunidade e não queremos deixá-la escapar. Nossa meta é que o CrowdSim seja usado em todos os estádios sede”, diz a professora.
A ferramenta já foi testada no Estádio Olímpico João Havelange, mais conhecido como Engenhão, no Rio de Janeiro. Um especialista em modelagem construiu animações em 3D que reproduziram em detalhes o estádio, o que foi feito a partir de um levantamento prévio de dados que considerou as características da estrutura física, plantas e imagens fotográficas do ambiente, informações sobre a localização de portões, escadas, banheiros, corredores e outras áreas de circulação, além da capacidade de lotação e ocupação durante os jogos.
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A tragédia de Santa Maria lembra os riscos das aglomerações humanas. 
Por que os grandes ajuntamentos podem ser letais?
NO GARGAREJO
Uma multidão assiste a show na última edição do Rock in Rio, em 2011. Espetáculos de grandes proporções estão entre os eventos mais perigosos (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
Num planeta com 7 bilhões de pessoas, cada vez mais urbano, as aglomerações se tornaram parte do cotidiano. Elas se formam na plataforma do metrô nos horários de pico, na saída dos jogos de futebol, no interior dos grandes shows de rock, nas grandes festas religiosas. Eventos que juntam milhões de pessoas no mesmo local tornaram-se banais. As festas de Réveillon na Avenida Paulista, em São Paulo, e na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, chegam a reunir mais de 2 milhões de pessoas. E a cada ano o número de participantes aumenta. Estar no meio da massa humana é uma das grandes experiências da vida moderna. Ali, envoltos pelos gritos da torcida ou pelos acordes de nossa banda favorita, confirmamos nossa própria identidade e nos sentimos parte de um todo maior, uma célula feliz no grande tecido social da modernidade. Essa é a parte boa das aglomerações.
A mensagem negativa embutida nos números cada vez maiores de participantes de eventos urbanos é o risco. Ele cresce na mesma proporção em que a multidão aumenta. A cada ano ouvimos falar de tragédias em diferentes partes do mundo, em eventos com milhares ou milhões de pessoas. A tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde se estima que estariam reunidas entre 800 e 1.200 pessoas, mostra que mesmo as aglomerações menores, em locais fechados e relativamente controlados, são potencialmente arriscadas.
>> O futuro roubado dos jovens de Santa Maria 
Em julho de 2010, 21 jovens morreram num festival de música eletrônica em Duisburg, naAlemanha, um país conhecido pela organização de eventos seguros. A entrada e a saída do local do festival eram feitas por um único túnel ferroviário, que não comportou a multidão. No mesmo ano, no Camboja, 353 pessoas morreram durante o festival das águas de Phnom Penh. Parte da multidão de fiéis, que reunia entre 4 milhões e 5 milhões, ficou aprisionada na passagem de uma ponte estreita. A tendência é que escutemos falar cada vez mais desse tipo de tragédia – a menos que os Poderes Públicos e os organizadores de eventos privados estudem com mais intensidade a nova ciência da gestão de multidões.
As estatísticas sugerem que há urgência nesse aprendizado. O americano Frederick M. Burkle, do Departamento de Iniciativa Humanitária da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, concluiu um dos poucos levantamentos epidemiológicos de que se tem notícia sobre tragédias envolvendo multidões. Burkle e um grupo de pesquisadores procuraram por notícias de eventos em que pessoas haviam sido mortas ou gravemente feridas em razão de tumulto. Perceberam que o número de casos está longe de ser desprezível e concluíram que eles se tornaram mais frequentes. Segundo o levantamento, a ocorrência desse tipo de tragédia aumentou mais de 400% em 30 anos. Cerca de 7 mil pessoas morreram e outras 14 mil ficaram feridas em 215 eventos, realizados entre 1980 e 2007. A tragédia não faz discriminação: os tumultos ocorrem em eventos esportivos, religiosos, musicais, políticos. “Em comum, todos esses casos acontecem em razão de um gargalo de circulação”, diz Burkle. “O pânico resulta dele.” Há casos absurdos, como no metrô de Nyamiha, em Minsk, na Belarus, em 1999. A chuva provocou uma correria para dentro da estação de jovens que participavam de um show ao ar livre nas proximidades. Mais de 50 morreram.
m.
Em circunstâncias como essas, a morte não costuma ser causada por fraturas ou traumas em órgãos internos em razão de pisoteamento – embora isso também possa acontecer. Em muitos casos, as pessoas morrem de pé, comprimidas umas contra as outras. A força da multidão é tamanha que se forma uma onda humana (leia o quadro ao lado). “Essas ondas se propagam pela massa e podem empurrar pessoas a 3 metros de distância ou mais”, afirma Keith Still, professor de ciência das multidões na Nova Universidade
Buckinghamshire, na Grã-Bretanha. Especialista em gestão de multidões, ele ajuda a planejar eventos com alta densidade de pessoas, como o Hajj, a peregrinação anual a Meca, na Arábia Saudita. Em tumulto, a vítima é erguida do chão e pressionada contra quem está à frente. Os braços ficam presos contra o corpo e nenhum movimento voluntário é possível. Morre-se asfixiado, em câmera lenta, pela incapacidade de executar os movimentos respiratórios. Isso ocorre mesmo na ausência de pânico ou correria. As pessoas são empurradas umas sobre as outras pela simples pressão de quem vem caminhando de trás. Às vezes, elas só caem no chão depois que o empurra-empurra termina, e o espaço aumenta – mas então não há mais nada a fazer. Estão mortas. É o que os médicos chamam de asfixia por compressão.
A engenharia das multidões tenta evitar que se chegue a esse ponto. Um dos pioneiros desse tipo de estudo, o engenheiro americano John Fruin calculou,num artigo de 1993, que, numa concentração de cerca de sete pessoas por metro quadrado, a multidão começa a funcionar como se fosse uma massa líquida, se desloca em correntes e sofre o efeito de ondas. As recomendações de segurança, nesse caso, são semelhantes àquelas dadas a quem se sente aprisionado por uma corrente no mar, atrás da arrebentação – em vez de marchar contra a multidão que avança, caminhe na mesma direção que ela, mas movendo-se em diagonal, em direção às bordas da aglomeração. “O essencial é tomar uma decisão e agir antes de o problema tomar proporções maiores”, diz Paul Townsend, chefe da divisão de segurança da consultoria britânica Crowd Dynamics International Limited. “Se você está desconfortável em meio à multidão, saia dali. Para fazer isso, procure espaços e ande em zigue-zague. É mais rápido. E mantenha os braços à frente para proteger o peito e respirar sem pressão.”
>> Quem são e como viviam os proprietários da boate Kiss 
Numa leitura rápida, parece que a culpa por esse tipo de desastre é sempre da multidão, que adota um comportamento agressivo e tem atitudes arriscadas. Desde o século XIX, quando o francês Gustave Le Bon (1841-1931) escreveu os primeiros estudos sobre o comportamento e a psicologia das massas, o senso comum passou a tratar as aglomerações humanas como uma horda capaz de emoções e movimentos explosivos. Por inspiração direta de Le Bon, criou-se a ideia de que, num incêndio, as pessoas morrem por agir de forma irracional e egoísta, em vez de se dirigir organizadamente à saída de emergência. Essa visão sustenta que a massa é burra, impulsiva e perigosa. Mas a moderna ciência das multidões diz outra coisa.
Segundo os pesquisadores, a maioria dos tumultos se origina na falta de informação. Os seres humanos – diferentemente de insetos como formigas ou abelhas – não desenvolveram a capacidade de disseminar informações sobre o espaço ao redor de maneira rápida. As formigas usam substâncias químicas para explicar, instantaneamente, o que está acontecendo vários metros à frente. O sistema humano de comunicação, a linguagem, não é totalmente eficaz para transmitir uma informação que circule rapidamente dentro de uma multidão. Nessa situação, ficamos isolados em nossa individualidade e ignorância. O sujeito que avança em direção ao palco não se dá conta de que, poucos metros a sua frente, há pessoas caindo e sendo esmagadas.
>> Por que nem toda diversão vale a pena 
“Não é a multidão que causa um desastre”, afirma Paul Wertheimer, dono de uma pequena consultoria de gestão de multidões nos Estados Unidos. “Não é o público que trava as portas, bloqueia saídas ou deixa de executar um plano de emergência. As pessoas se tornam vítimas do ambiente em que foram colocadas.” Wertheimer se tornou uma lenda nos Estados Unidos ao depor contra o gigante varejista Walmart no caso de um funcionário da rede, morto durante as famosas liquidações do dia seguinte ao feriado de Ação de Graças de 2008. Jdimytai Damour, de 34 anos – um gigante de 1,98 metro de altura e 180 quilos –, morreu quando a multidão que aguardava a abertura da loja em Long Island derrubou as portas da loja e passou por cima dele. Para Wertheimer e outros consultores de segurança, resta uma certeza: se é impossível conter a multidão depois de iniciado um tumulto, é possível evitá-lo. “Sempre há maneiras de impedir que pessoas morram”, diz ele.
COMPANHEIRISMO
Sobreviventes do 11 de setembro deixam o local da tragédia. Relatos mostram que muitos só se salvaram porque contaram com a solidariedade de outras vítimas para ajudá-los na fuga (Foto: Gulnara Samoilova)
O importante é evitar que o empurra-empurra comece. Em 2006, durante a apresentação do grupo mexicano RBD no estacionamento do shopping Fiesta, na Zonal Sul de São Paulo, reuniram-se cerca de 5 mil jovens num espaço em que não caberiam com segurança 2 mil. As pessoas nas bordas da multidão não conseguiam escutar a música e empurravam quem estava na frente, para conseguir se aproximar. O efeito em cadeia acabou pressionando os jovens que estavam no gargarejo contra as grades de proteção. Três pessoas morreram, entre elas duas adolescentes de 13 e 11 anos. Quarenta ficaram feridas. Uma vez que algo aconteça dentro da multidão, é difícil impedir o pior. As leis da física, mais que as regras do comportamento humano, assumem o controle. O mesmo não ocorre em grupos humanos menores, mesmo em situações de desastre. As pessoas continuam a se comportar civilizadamente e de forma cooperativa – e isso impede a perda de muitas vidas.
>> Depoimentos mostram como produtor e barman reagiram ao fogo 
No livro Impensável, a escritora americana Amanda Ripley descreve o comportamento de pessoas que sobreviveram a incêndios e desastres naturais. Fica claro que a cooperação é no mínimo tão natural ao ser humano quanto o medo. Amanda conta como, no atentado às Torres Gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001, centenas de pessoas sobreviveram porque adotaram um comportamento de grupo. Em vez de correr em pânico, cada um por si, elas se ajudaram a tomar decisões e ampararam fisicamente os mais debilitados. Amanda conta a história do conselheiro vocacional Louis Lesce, que estava sozinho numa sala do 86o andar da Torre Norte, no momento do impacto do primeiro avião. Ele não conhecia ninguém e saiu à procura de informação e ajuda. Encontrou um grupo de quatro pessoas e sentou-se com elas no chão de uma sala para discutir o que fazer, enquanto a fumaça se espalhava. Resolveram descer as escadas. Lá encontraram outras tantas pessoas. O relato de Lesce sugere que todos se apoiavam emocionalmente, trocando frases, estímulo e afagos. Garrafas de água passavam a cada minuto pela fila dos que desciam as escadas. Lasce, que tinha quatro pontes de safena e sentia-se cansado, foi apoiado e incentivado a cada minuto. “Se estivesse sozinho, teria feito xixi nas calças e morrido lá em cima”, diz ele. Conclusão de Amanda: num desastre, as chances de sobrevivência aumentam muito se você tiver companhia.
>> Alberto Carlos Almeida: A tragédia de Santa Maria e a identidade brasileira 
Os psicólogos dizem que, nessas situações, se forma, mesmo entre estranhos, um laço instantâneo de solidariedade. Se o grupo tiver sorte, isso será seguido pelo surgimento espontâneo de um líder, capaz de iniciar o processo de fuga. No relato de um incêndio letal num local de festas na cidade de Cincinnati, nos Estados Unidos, Amanda conta como um auxiliar de garçom de 18 anos assumiu a responsabilidade de interromper a celebração de um casamento e ordenar a evacuação do edifício. Ele salvou centenas de vidas, enquanto seus superiores esperavam uma ordem do patrão para agir. Mesmo assim, 186 pessoas morreram. Numa das salas, os bombeiros encontraram o corpo de seis pessoas sentadas à mesa, carbonizadas. Talvez tenha faltado entre elas alguém capaz de comandar a retirada.
O pesquisador Ed Galea, da Universidade de Greenwich, no Reino Unido, desenvolveu um modelo de computador que tenta prever como as pessoas se comportarão durante um incêndio. Antigamente, os engenheiros civis imaginavam que, durante uma emergência, os ocupantes de um prédio escorreriam para fora como se fossem moléculas de água, ocupando espaços vazios até a saída. O modelo de Galea, chamado Exodus, opera de forma diferente. Ele assume que as pessoas se movem em grupos – e que são capazes de fazer coisas igualmente heroicas e estúpidas. Elas param para procurar uma criança, atrasam a própria saída, mas hesitam em reagir ao alarme de incêndio e perdem tempo voltando para apanhar a bolsa. O programa de Galea é usado em 35 países, mas ainda não conseguiu influenciar o projeto de edifícios. “Esses caras que constroem prédios não querem saber como as pessoas se comportam em desastres”, diz ele. “Dizem que é muito complicado.”

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