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CURSO: DIREITO DISCIPLINA: DIREITO CONSTITUCIONAL II PROFESSOR: ADAILTON FEITOSA FILHO TÓPICO 3 INTERVENÇÃO 1. Intervenção1 é medida extremada e excepcional de supressão temporária da autonomia política de determinado ente federativo (Estado, Distrito Federal ou Município)2, com vistas a restaurar a normalidade constitucional- administrativa3 e assegurar a preservação da estrutura do Estado Federal4. 1 O instituto da intervenção tem origem na Constituição americana (1787) – artigo 1º, seção 8, item 15 e artigo 4º, seção 4 –, sob o título garante clauses (cláusula de garantia). A Constituição argentina de 1853 (reformada em 1860) trata da intervenção, denominando-a garantia federal (art. 6º): “O Governo Federal intervém no território das províncias para garantir a forma republicana de governo ou repelir as invasões estrangeiras e, à requisição das autoridades constituídas, para as manter ou as restabelecer, se elas forem afetadas por insurreição ou por invasão de uma outra província.” A Constituição alemã prevê a execução federal ou coerção federal (art. 37) “quando um estado-membro não cumpre as obrigações que lhe impõe a Lei Fundamental ou outra lei federal, o Governo Federal pode, com o assentimento do Conselho Federal, tomar as providências necessárias para impor ao Estado, por meio de coerção federal, o cumprimento de suas obrigações.” A Constituição mexicana estabelece que “os Poderes da União têm o dever de proteger os Estados contra toda invasão ou violência exterior. Em caso de sublevação ou transtorno interior lhes prestarão igual proteção, sempre que sejam acionados pelo Legislativo do Estado ou por seu Executivo, se aquele não estiver reunido” (art. 122), através da declaração do desaparicíon de poderes (desaparecimento dos poderes), nomeação de governo provisório e convocação de eleições (art. 76, V). 2 Cf. MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 288: “A intervenção consiste em medida excepcional de supressão temporária da autonomia de determinado ente federativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto constitucional, e que visa à unidade e preservação da soberania do Estado Federal e das autonomias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” 3 Cf. RIBEIRO, Fávila. Intervenção federal nos Estados. Fortaleza: Jurídica, 1960, p. 68: “[A intervenção] é medida de proteção da unidade nacional e não de punição imposta aos Estados [incluam-se, aí, os Municípios], com o objetivo de corrigir defeitos na organização e funcionamento dessas unidades.” 4 Segundo o Ministro Celso de Mello: “O mecanismo da intervenção constitui instrumento essencial à viabilização do próprio sistema federativo. E, não obstante o caráter excepcional de sua utilização – necessariamente limitada às hipóteses taxativamente definidas na Carta Política –, mostra-se impregnado de múltiplas funções de ordem político- jurídica, destinadas (a) a tornar efetiva a intangibilidade do vínculo federativo; (b) a fazer respeitar a integridade territorial das unidades federadas; (c) a promover a unidade do 2 Intervenção é a antítese da autonomia.5 2. A intervenção (federal ou estadual) ocorrerá apenas nas hipóteses taxativamente descritas na Constituição Federal (arts. 34 e 35), as quais devem ser interpretadas restritivamente (numerus clausus), pois constitui uma excepcionalidade no Estado Federal6. 3. A intervenção dá-se do ente político mais amplo no menos amplo: • a União nos Estados, no Distrito Federal e, excepcionalmente, nos Municípios de Território Federal (intervenção federal); • os Estados nos Municípios situados no seu território (intervenção estadual). 4. A decretação da intervenção é ato político privativo do Chefe do Poder Executivo (discricionário ou vinculado), a quem cabe também a execução das medidas interventivas. IMPORTANTE: O Chefe do Poder Executivo é o sujeito ativo da intervenção e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os sujeitos passivos. 4.1. O ato administrativo que consubstancia a intervenção é o Decreto do Chefe do Poder Executivo – que possui os atributos da presunção de legalidade e da auto-executoriedade –, operando efeitos desde a sua edição, mesmo antes da apreciação do Legislativo, quando for o caso do controle político (submissão ao Congresso Nacional/Assembléia Legislativa em 24 horas – art. 36, §§ 1º e 3º, CF). 4.2. O Decreto deve motivar7 todos os elementos factuais e legais que exigem a medida interventiva, especificando a amplitude, o prazo8 e as condições de execução, bem como nomeando o interventor, se for o caso. 9 Estado Federal e (d) a preservar a incolumidade dos princípios fundamentais proclamados pela Constituição da República.” (STF, IF: Intervenção Federal nº 591-9/BA, Relator: Ministro Celso de Mello, DJU de 3.9.1998) 5 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 485. 6 Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 313: “Interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição.” 7 Cf. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 227: “A motivação integra a formalização do ato, sendo um requisito formalístico dele. É a exposição de motivos, a fundamentação na qual são enunciados: a) a 3 IMPORTANTE: A intervenção pode atingir os Poderes Executivo10, Legislativo11, Judiciário, como também o Ministério Público e o Tribunal de Contas, normalmente na função administrativa12. 5. A intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal poderá ser decretada de ofício ou por provocação: 5.1. São situações fáticas (pressupostos materiais) que justificam a intervenção de ofício ou direta (espontânea e discricionariamente13), independentemente de qualquer provocação: regra de Direito habilitante, b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado.” 8 O decreto deve prever o prazo razoável para restaurar a ordem legal e administrativa na entidade, que pode ser prorrogado por outro decreto (justificando a necessidade da manutenção da intervenção), bem como encurtado (quando restabelecida a normalidade antes do prazo assinalado). 9 Cf. PASCOAL, Valdecir Fernandes. A intervenção do Estado no Município: o papel do Tribunal de Contas. Recife: Editora Nossa Livraria, 2000, p. 105: “[...] o princípio da proporcionalidade deve condicionar a implementação da medida interventiva. Entendemos estar passível de nulidade, por ferir o princípio da proporcionalidade, por exemplo, (a) a intervenção que seja estendida a toda a administração do Município, inclusive na função administrativa na Câmara, quando, pelas circunstâncias fáticas, bastaria que a intervenção atingisse apenas o Poder Executivo; (b) a intervenção que é concretizada com a nomeação de interventor quando a situação indicava que bastaria a suspensão dos efeitos de ato editado pelo Prefeito; (c) a intervenção decretada por prazo indeterminado ou prazo muito longo sem a devida motivação; (d) a continuidade da intervenção mesmo depois de cessados os motivos que a ensejaram.” 10 Quando a intervenção for no Poder Executivo, a nomeação do interventor será necessária para exercer a função precípua do Executivo (administrativa), quando não bastara suspensão do ato editado. 11 Se a intervenção for na função administrativa do Poder Legislativo, estará preservado o exercício da função legislativa pelos Vereadores (o interventor limitar-se-á a administrar os negócios do Legislativo). 12 Se a intervenção for na função própria do Legislativo, poderá ser dispensada a nomeação do interventor (atribuindo-se a função legislativa ao Chefe do Executivo). 13 Neste sentido: “A tese hoje preponderante é a de que o Presidente pode ou não decretar a intervenção diante do caso concreto. O pedido não o vinculará, cabendo a ele, pelas circunstâncias específicas do caso, analisar a conveniência ou não da decretação. Todavia, quando o objetivo da intervenção for o de prover à execução de lei federal, ordem ou decisão judicial e de assegurar a observância dos princípios sensíveis, a doutrina predominante [Enrique Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes] se posiciona no sentido de que o pedido se torna vinculante, obrigatório, porque os motivos são eminentemente de cunho jurídico. Os mesmos parâmetros valem para a intervenção nos Municípios, nos mesmos casos pertinentes aos Estados-membros. [...] Afora os casos do art. 34, incisos VI e VII, da CF, a intervenção é uma prerrogativa discricionária do Executivo, e não poderia 4 • manter a integridade nacional (art. 34, I, CF); • repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra (art. 34, II, CF); • pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (art. 34, III, CF); • reorganizar as finanças da unidade da Federação que: o suspender o pagamento da dívida fundada14 por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior15 (art. 34, V, a, CF); o deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas na Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei (art. 34, V, b, CF). ser diferente, sob pena de ser afetado o equilíbrio existente entre os três poderes.” (AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 272). Em sentido contrário: “A decretação da intervenção é ato vinculado, pois deverá ocorrer sempre que se verificar as hipóteses consignadas na Constituição Federal. Vislumbram-se aspectos de discricionariedade nas questões atinentes à nomeação do interventor, à amplitude, ao prazo e às condições em que se concretizará a intervenção. Logo, podemos dizer que a decretação, nos termos consignados na Lei Maior, é ato vinculado; enquanto que a operacionalização da intervenção estaria mais afeita ao campo da discricionariedade, pois caberá ao Governador examinar a oportunidade e a conveniência de algumas medidas.” (PASCOAL, Valdecir Fernandes. A intervenção do Estado no Município: o papel do Tribunal de Contas. Recife: Editora Nossa Livraria, 2000, p. 49) 14 A dívida fundada compreende os compromissos de exigibilidade superior a doze meses, contraídos para atender a desequilíbrio orçamentário ou a financiamento de obras e serviços públicos (art. 98, caput, da Lei nº 4.320/64). Dívida Pública Consolidada ou Fundada: montante total, apurado sem duplicidade, das obrigações financeiras do ente da Federação, assumidas em virtude de leis, contratos, convênios ou tratados e da realização de operações de crédito, para amortização em prazo superior a doze meses (art. 29, I, da LC nº 101/2000). Em outras palavras: “Dívida fundada é aquela contraída mediante lançamentos de título da dívida pública dentro do território nacional ou fora dele, para resgate a longo prazo, ou através de contratação de empréstimos feitos junto a instituições bancárias. Assim, verificado no mercado interno do País ou fora dele. A Dívida Fundada necessita de autorização legislativa para sua constituição, e o pagamento de sua amortização e dos juros respectivos far-se-á nas épocas determinadas na lei que autorizou a emissão dos respectivos títulos da dívida, ou no instrumento que tenha autorizado a contratação do empréstimo.” (AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro: a Lei nº 4.320 – comentada ao alcance de todos. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 423-424) 15 O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (art. 393, parágrafo único, do Código Civil). Sendo assim, “a força maior, que impossibilita a solução da dívida fundada, é assim, dirimente, exoneratória, excludente, que permite a suspensão do serviço da dívida fundada estadual, sem o perigo intervencionista federal, como, por exemplo, a guerra civil, evento muitas vezes imprevisível, irresistível e inevitável.” (CRETELLA JÚNIOR, José Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 4, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 2.076) 5 5.2. Nas demais hipóteses autorizativas, a intervenção será provocada: • garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação (art. 34, IV, CF); • prover a execução de lei federal, ordem16 ou decisão17 judicial18 (art. 34, VI, CF); Atenção! A hipótese interventiva se configura tanto quando do descumprimento de ordem ou decisão judicial dirigida diretamente ao Poder Público, como quando da negativa de apoio à execução da ordem ou decisão pela autoridade competente.19 • assegurar a observância dos “princípios constitucionais sensíveis” (art. 34, VII, CF): o forma republicana, sistema representativo e regime democrático; o direitos da pessoa humana; o autonomia municipal; o prestação de contas da administração pública, direta e indireta; o aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (EC nº 29/2000). 6. A provocação ao Chefe do Poder Executivo acontece de duas maneiras: • solicitação do Poder Executivo ou do Poder Legislativo local: quando estiver sendo exercida coação sobre o Poder Legislativo ou Executivo (inciso IV); 16 A determinação dada pelo magistrado, nos autos, no decorrer da demanda. (CRETELLA JÚNIOR, José Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 4, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 2.079) 17 O derradeiro ato do Juiz, no processo, outorgando a prestação jurisdicional, dando razão a quem a tem. (CRETELLA JÚNIOR, José Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 4, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 2.079) 18 As decisões emanadas de órgãos do Poder Judiciário (Juízes e Tribunais) no exercício da função jurisdicional, excluindo-se as determinações de serventuários de justiça e decisões de natureza administrativa. 19 Cf. LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 104: “[...] as autoridades competentes das unidades federadas estão obrigadas não só a obedecer estritamente às ordens e decisões judiciais de que sejam destinatárias, como também a dar-lhes sustentação, quando dirigidas a terceiros, com o auxílio da força policial, se necessário. O seu descumprimento ou a falta de apoio à execução das mesmas enseja a intervenção.” 6 • requisição do Poder Judiciário: nas hipóteses do inciso VI e VII, e quando a coação for exercida sobre o Poder Judiciário local (inciso IV). o no caso do inciso IV, a requisição tem origem no Tribunal de Justiça local, que se dirige ao STF, solicitando que este requisite ao Presidente da República a intervenção federal; o quando for o caso de prover a execução de lei federal, haverá a necessidade do Procurador Geral da República representar perante o STF (proposição de ação de executoriedade da lei),que julgando-a procedente, requisitará ao Presidente da República a intervenção federal (EC nº 45/2004); o quando se trata de prover a execução de ordem ou decisão judicial, o STF, o STJ e o TSE são competentes para requisitar a intervenção federal, após solicitação de outros tribunais superiores ou de tribunais locais20 – no caso do decisum advir de tribunais inferiores ou juízes singulares –, a depender da origem da ordem/decisão descumprida: � STF: quando a ordem/decisão judicial descumprida for do próprio STF, da Justiça Federal ou da Justiça Estadual; � STJ: quando a ordem/decisão judicial descumprida for do próprio STJ; � TSE: quando a ordem/decisão judicial descumprida for do próprio TSE ou dos TREs. Atenção! Em se tratando de matéria trabalhista ou penal- militar a iniciativa cabe ao STF, porque os Tribunais Superiores (TST e STM) dessas justiças especializadas não têm competência para a requisição da intervenção federal. o no caso de inobservância aos “princípios constitucionais sensíveis”, o Procurador Geral da República está legitimado a ajuizar ação direta de inconstitucionalidade interventiva perante o STF, que dando provimento à representação, requisitará ao Presidente da República o decreto de intervenção federal. 20 No caso de ser descumprida uma ordem da Justiça Estadual, o interessado deverá acionar o TJ, que decidirá pelo pedido ao tribunal competente (STF). A manifestação do TJ tem natureza político-administrativa (não enseja recurso extraordinário ou especial). 7 IMPORTANTE: O Chefe do Poder Executivo, quando provocado pelo Poder Judiciário, está adstrito à decretação da medida interventiva (com exceção da requisição para garantir o livre exercício do Judiciário), enquanto que nas hipóteses de intervenção por solicitação não está vinculado ao pedido. 7. Nos casos de intervenção decretada de ofício ou por solicitação dos Poderes Executivo e Legislativo locais, haverá o controle político pelo Congresso Nacional. O Chefe do Poder Executivo decreta a intervenção, mas submete seu ato à apreciação do Poder Legislativo – que não poderá emendar o Decreto, devendo cingir-se a aprová-lo ou desaprová-lo21. Não esquecer! Em relação à intervenção decretada, mediante requisição do Poder Judiciário, tem predominado o entendimento de que não cabe o controle congressual22 (salvo na hipótese do art. 34, IV, CF), pois a medida interventiva decorre de determinação do Poder Judiciário (controle jurídico do processo interventivo). Atenção! O Presidente da República deve ouvir o Conselho da República (art. 90, I, CF) e o Conselho de Defesa Nacional (art. 91, § 1º, II, CF), nas hipóteses de intervenção espontânea. 8. A intervenção estadual nos Municípios situados em seu território poderá ser decretada de ofício ou mediante requisição. IMPORTANTE: Não está prevista na Constituição a intervenção estadual por solicitação do poder legislativo ou executivo local. 8.1. Os casos de intervenção decretada de ofício (independentemente de provoção de outros órgãos), nos Municípios, são: 21 Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 426: “É despiciendo dizer quer o Congresso Nacional não se limitará a tomar ciência do ato de intervenção, pois o decreto interventivo lhe será submetido para apreciação, o que envolve julgamento de aprovação e de rejeição, como aliás está expressamente estabelecido no art. 49, IV, que lhe dá competência exclusiva para aprovar ou suspender a intervenção.” 22 Ver posicionamento de LEWANDOWSKI: “[...] tratando-se de requisição judicial, não poderia o legislativo obstá-la, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes. Entretanto, existindo qualquer vício de forma ou eventual desvio de finalidade na decretação da intervenção, o Congresso Nacional poderá suspendê-la, a qualquer tempo, com fundamento no artigo 49, IV, da Constituição Federal.” (LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 162) 8 • deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada (art. 35, I, CF); • não forem prestadas contas devidas, na forma da lei (art. 35, II, CF); IMPORTANTE: O conceito de “contas devidas” não equivale a “contas corretas”, sob pena de transformar a intervenção em regra e não em medida excepcional, esvaziando as demais hipóteses interventivas (art. 35, I, III e IV, CF). 23 A omissão do dever de prestar contas se dá: (a) quando do não envio de documentos ao Tribunal de Contas, nos termos de lei regulamentadora (inclusive a protocolização de documentos genéricos, incompletos, superficiais); (b) quando da não disponibilização de documentos necessários aos trabalhos da auditoria in loco; (c) quando da inexistência de documentos comprobatórios da despesa pública. • não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino24 e nas ações e serviços públicos de saúde (art. 35, III, CF). Não esquecer! Os casos de omissão do dever de prestar contas e da não aplicação do mínimo exigido com ensino e saúde justificam a intervenção 23 Neste sentido: “[...] a dar um sentido mais amplo ao dispositivo constitucional, iríamos propiciar a intervenção do Estado no Município toda vez que o Prefeito errasse na prestação de contas ou apresentasse qualquer irregularidade na efetivação da despesa.” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 106) Em sentido contrário: “Estabelecida a Constituição de 1967, vigente à época do ato impugnado, em seu art. 15, parágrafo 3º, letra 'c', que o Estado não intervirá em seus Municípios, salvo quando não fossem prestadas contas devidas, na forma da lei. Afirma o impetrante, ora recorrente, que tal norma somente se aplica à hipótese do prefeito deixar de prestar contas, quando, na realidade, há de se entender como contas devidas, contas corretas, não bastando para afastar a possibilidade de intervenção a simples apresentação das mesmas. Assim, tendo o Tribunal de Contas concluído não serem corretas as contas apresentadas, caracterizou-se hipótese de intervenção.” (STJ, ROMS 119/PB-1990, DJU de 22.10.1990, p. 11.650) e “[...] para elidir a intervenção, não basta o protocolo do que seriam as contas do mandatário afastado, se não apresentadas a destempo. O que autoriza a intervenção é que não sejam prestadas as contas devidas, na forma da lei. Certo de regra, se apresentadas tempestivamente, só a rejeição afasta a presunção de sua regularidade. Exausto in albis o prazo de oferecimento das contas, porém, e descartada a intervenção, com base na omissão, não cabe supor que a apresentação extemporânea delas, só por si a pudesse suprir, de modo a desconstituir a medida interventiva.” (STF, AgRSS nº 840-5, DJU de 22.3.1996) 24 Esse pressuposto material, dada a interpretação restritiva e o princípio da proporcionalidade, não se estende às hipóteses de: (a) não aplicação do mínimo constitucional no ensino fundamental (art. 60, ADCT); e (b) não observância às regras do FUNDEB. 9 direta nos Municípios pelo Chefe do Poder Executivo Estadual, mas no plano federal são hipóteses de intervenção provocada (por requisição do STF ao Presidente da República). 8.2. A intervenção nos Municípios será decretada por requisição do Poder Judiciário quando o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios25 indicados na Constituição Estadual26, ou para prover a execução de lei (federal, estadual oumunicipal), de ordem ou de decisão judicial (art. 35, IV, CF). IMPORTANTE: A Constituição Federal não prevê quem é legitimado para propor a representação; entende-se que é o Procurador Geral de Justiça, por simetria com o plano federal e em decorrência da previsão da competência do Ministério Público para “promover a representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição” (art. 129, IV, CF). Não esquecer! Nas hipóteses de intervenção espontânea, há a necessidade de exame do decreto interventivo pela Assembléia Legislativa; sendo dispensado o controle político no caso da intervenção ter sido requisitada.27 25 Cf. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 629-630: “[Princípio é] o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” 26 As Constituições dos Estados podem estabelecer princípios próprios e específicos às peculiaridades regionais, observando os princípios assinalados na Constituição Federal e a autonomia municipal. No entanto, o legislador constituinte estadual comumente limita-se a transcrever os princípios, explícitos e implícitos, da Constituição Federal; contrariando esta tendência, a Constituição do Estado de Pernambuco prevê meras regras administrativas como princípios constitucionais (art. 91, IV, i, j, l): (a) proibição do subvencionamento de viagens de Vereadores, exceto no desempenho de missão autorizada, representando a Câmara Municipal; (b) proibição de realização de mais de uma reunião remunerada da Câmara Municipal, por dia; (c) mandato de dois anos dos membros da Mesa da Câmara Municipal, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. 27 Em sentido contrário: “[...] ocorrentes os motivos dos incisos I, II, III do art. 35, o Governador decretará a intervenção. Observando-se o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 36. 10 9. As hipóteses de intervenção dos Estados nos respectivos Municípios são as mesmas hipóteses que permitem a intervenção da União nos Municípios situados em Território Federal. O elenco de situações está previsto exaustiva e taxativamente na Constituição Federal, não se admitindo a ampliação dos casos de intervenção estadual pelas Constituições dos Estados28 (ex: solicitação direta do Tribunal de Contas). 10. Na intervenção federal ou estadual, pode ou não haver a nomeação de interventor, pois a intervenção pode ser em apenas um determinado Poder e a circunstância fática não a exigir. IMPORTANTE: A renúncia ao mandato eletivo, antes ou depois da decretação da intervenção, não legitima o substituto legal a assumir o cargo, pois a Constituição Federal (e a Estadual) afastou a ordem de sucessão normal.29 No caso do inciso IV do art. 35, o decreto limitar-se-á a suspender o ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade. Neste caso, dispensa-se a apreciação da Assembléia (art. 36, § 3º). Todavia, se isto não ocorrer, haverá o decreto de intervenção, que será submetido à apreciação da Assembléia Legislativa.” (VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de Direito Público. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 393) 28 Ver a manifestação do STF, que acolheu a tese do Ministro-Relator Célio Borja, suspendendo em caráter liminar os incisos V (atos de corrupção da administração municipal) e VI (não recolhimento por seis meses consecutivos ou alternados aos órgãos oficiais de previdência social, os valores descontados em folhas de pagamento de seus servidores, bem como as parcelas devidas pela Prefeitura, conforme estabelecido em convênios e na legislação específica) do art. 23 da Constituição do Estado de Sergipe: “No regime federativo a intervenção da União nos Estados e, destes, nos respectivos Municípios, é providência excepcional que deve ser considerada restritivamente. Sobre o ponto suscitado, afirma José Afonso da Silva: 'Não resta mais nada às Constituições Estaduais nessa matéria, ao contrário do que acontecia sob a égide da Constituição precedente' (Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª edição, 1989, Editora RT, pág. 422). Demonstra-se, pois, plausível a tese sustentada.” (STF, ADIMC 336-4, Relator: Ministro Célio Borja, DJU de 1.11.1991) 29 Neste sentido: “Argumenta-se que a intervenção se estribou em atos de corrupção atribuídos ao Prefeito titular, de sorte que, afastado este, em virtude de renúncia verificada na véspera do ato de intervenção, ilegítima foi esta, porque perdera o objeto. Cumpre se tenha em conta, no entanto, que a intervenção, no caso de irregularidade na administração municipal, se opera no Município, objetivando restaurar aí a regularidade que se quebrou. Conquanto, na espécie, tais atos hajam sido imputados ao Prefeito, isto não significa que seja ele o único responsável pelas anormalidades apuradas. O normal é, pelo contrário, que, se irregularidade houve, nessas se encontrarão comprometidos, além do Chefe do Poder Executivo, outros integrantes da administração, visto como, sem o seu concurso, dificilmente se poderiam corporificar os atos de gestão que se inquinam de ilegítimos. Requisito, no caso vertente, para a intervenção era a prática de atos de corrupção na administração municipal. Verificado esse requisito, estava intitulado o 11 10.1. Quando há nomeação de interventor, a intervenção não significa a extinção dos mandatos dos titulares dos Poderes, que apenas ficam afastados temporariamente de suas funções durante o período da intervenção – sua presença no exercício da função, por algum motivo, comprometeria o restabelecimento da normalidade –, assegurados os direitos não conflitantes com os termos da intervenção (inclusive a percepção de seu subsídio) 30 e mantidos os impedimentos constitucionais. Não esquecer! Cessados os motivos da intervenção, os titulares retornam ao exercício do cargo, salvo impedimento legal (ex: cassação do mandato pelo Poder Legislativo; perda do mandato em razão de decisão judicial, no caso de prática de ilícitos penais ou civis; afastamento provisório do cargo em virtude de medida cautelar determinada pelo Poder Judiciário). 10.2. O interventor é figura constitucional e autoridade federal (na intervenção federal) ou estadual (na intervenção estadual), com atribuições definidas no ato interventivo, proferindo decisões afetas à intervenção, cuja responsabilidade civil pelos danos será da entidade interventora (se prejudicar a terceiros), e praticando atos necessários à continuidade do governo que sofre a intervenção, ao qual será imputado responsabilidade. 31 Governador do Estado a praticar o ato interventivo e a nomear, para, como seu delegado, restabelecer a ordem na administração municipal, o interventor. Pouco importa que ante a iminência da intervenção,o Prefeito haja renunciado, pois com isso não se apagavam os atos de corrupção praticados na administração municipal, nem, por conseqüência, as irregularidades a que se reportava o Governador, nem desapareceria, necessariamente, a necessidade de providenciar-se, mediante, a intervenção, a restauração da normalidade nos quadros administrativos do Município. Não havendo, diante disso, obstáculo jurídico à intervenção, não assistia direito ao recorrente, Vice-Prefeito que assumiu o cargo ante a renúncia do Prefeito, a ser mantido nesse cargo. (STF, RE nº 94.252/PB, Relator: Ministro Leitão de Abreu, DJU de 7.8.1981) 30 A intervenção não possui caráter punitivo; não é contra o titular do Poder ou qualquer outro agente público. 31 Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 105: “Como agente público que é, sujeita-se às mesmas normas de responsabilidade civil e penal dos demais agentes públicos, mas não é passível de responsabilização político- administrativa pela Câmara de Vereadores (perda do mandato), porque não é agente político-administrativo do Município (como o Prefeito eleito), mas simplesmente agente executivo do Estado, estranho ao estatuto político-administrativo dos Prefeitos e ao estatuto dos servidores do Estado ou do Município. Sua posição na administração é especial e sui generis: como administrador do Município, subordina-se às normas administrativas locais; como delegado do Estado, atua segundo as determinações do delegante e age em seu nome, nos expressos limites do decreto interventivo. Daí porque nos atos e contratos administrativos o interventor vincula o Município e nos seus atos ilícitos vincula o Estado, 12 Atenção! Se for suficiente a mera suspensão da execução do ato impugnado para restabelecer a situação de normalidade, mesmo que caracterizada a hipótese de intervenção federal ou estadual (art. 34, VI e VII, e art. 35, IV, CF) e que ocorra a requisição judicial, o Chefe do Poder Executivo limitar-se-á a decretar a suspensão do ato.32 11. O controle jurisdicional do ato interventivo pode abranger não só questões atinentes à competência, à forma e aos procedimentos, mas também à própria valoração das circunstâncias fáticas que ensejaram a intervenção, inclusive examinando a proporcionalidade da medida. na qualidade de seu preposto e perante o qual responderá civilmente em ação regressiva, nos termos do artigo 37, § 6º da CF.” 32 A intervenção se concretiza tanto com a simples suspensão de um ato administrativo, por exemplo, como com a nomeação de interventor nas funções administrativa e legislativa da entidade federativa.
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