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Democracia deliberativa e Justiça

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1-      Introdução
 
A Teoria Deliberativa é uma das várias correntes dentro da Teoria Democrática que surge para preencher espaços nebulosos e incompletos deixados pelas demais – Teoria Liberal Pluralista, Republicanismo Cívico, Democracia Participativa e Multiculturalismo – para citar as principais.
Em A Inclusão do Outro, Jürgen Habermas (2004), o principal expoente dessa corrente de pensamento, apresenta o modelo de “política deliberativa”, procedimentalista, como ele mesmo afirma, e que se baseia nas condições de comunicação sob as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar resultados racionais, justamente por cumprir-se, em todo o seu alcance, de modo deliberativo.
Habermas compara este modelo a outros dois – o liberal e o republicano – segundo alguns aspectos, entre os quais, o da formação democrática da opinião e da vontade que resulta em eleições gerais e decisões parlamentares.
Segundo o modelo liberal, explica ele, esse processo apenas tem resultados sob a forma de arranjos de interesse, cujas regras para assegurar a justiça e a honestidade dos resultados através de direitos iguais e universais ao voto e da composição representativa das corporações parlamentares são fundamentadas em princípios constitucionais liberais.
De acordo com a concepção republicana apresentada pelo autor, a formação democrática da vontade cumpre-se sob a forma de um auto-entendimento ético; apoiando-se a deliberação quanto ao conteúdo em um consenso a que os cidadãos chegam por via cultural e que se renova na rememoração de um ato republicano de fundação.
A teoria do discurso (Habermas utiliza também essa expressão para denominar democracia deliberativa ou política deliberativa) abarca elementos das duas teorias precedentes, integrando-os em um procedimento ideal para o aconselhamento e tomada de decisões.
 
Esse procedimento democrático cria uma coesão interna entre negociações, discursos de auto-entendimento e discurso sobre a justiça, além de fundamentar a suposição de que sob tais condições se almejam resultados ora racionais, ora justos e honestos (Habermas, 2004 p.286).
 
Segundo Habermas, a Teoria do Discurso, em consonância com o republicanismo, reserva uma posição central para o processo político de formação da opinião e da vontade, sem, no entanto, entender a constituição jurídico-estatal como algo secundário. Ela conta com processos de entendimento mútuo que se realizam, por um lado, na forma institucionalizada de aconselhamentos em corporações parlamentares e, por outro, na rede de comunicação formada pela opinião pública de cunho político. A teoria do discurso, como no modelo liberal, respeita o limite entre Estado e sociedade; mas nesse modelo, a sociedade civil, como fundamento das opiniões públicas autônomas, distingue-se tanto dos sistemas econômicos de ação quanto da administração pública.
 
Essas comunicações sem sujeito, internas e externas às corporações políticas e programadas para tomar decisões, formam arenas nas quais pode ocorrer a formação mais ou menos racional da opinião e da vontade acerca de temas relevantes para o todo social e sobre matérias carentes de regulamentação. A formação de opinião que se dá de maneira informal desemboca em decisões eletivas institucionalizadas e em resoluções legislativas pelas quais o poder criado por via comunicativa é transformado em poder administrativamente aplicável (Habermas, 2004 p. 289).
 
Segundo Habermas, o procedimento deliberativo tem a função de contribuir para que o poder político modifique seu estado de mero agregado ao ser retroalimentado pela opinião e vontade democráticas, que, assim, não exercerão apenas posteriormente o controle do exercício do poder, mas também participarão de sua programação, sem, no entanto, ter “a palavra final” no jogo decisório.
 
 A opinião pública transformada em poder comunicativo segundo procedimentos democráticos não pode dominar, mas apenas direcionar o uso do poder administrativo para determinados canais (Habermas, 2004 p. 290).
 
 Assim, a política deliberativa, na concepção de um de seus principais formuladores, Jürgen Habermas, se daria por meio de duas vias: a formação da vontade democraticamente constituída em espaços institucionais e a construção da opinião informal em espaços extra-institucionais. A interrelação entre esses dois espaços asseguraria um governo legítimo.
A Democracia Deliberativa contrapõe-se à teoria democrática hegemônica, que considera que a legitimidade do poder e, por extensão, a eficiência do processo de tomada de decisão, residiria na vontade dos indivíduos organizada pelo princípio da maioria, dada a impossibilidade da unanimidade nas sociedades modernas. Mantendo os procedimentos próprios da teoria hegemônica – regra da maioria, eleições periódicas, divisão de poderes – a democracia deliberativa acredita que a legitimidade das decisões governamentais tem que estar sustentada pelo exercício da deliberação dos indivíduos racionais em fóruns amplos de debate e negociação (Faria, 2000).
Manin (2007) aponta a necessidade de criticar concepções (de John Rawls e de Jean Jacques Rousseau) segundo as quais os indivíduos na sociedade, em particular os que precisam tomar decisões políticas, possuem uma vontade já formada e já sabem exatamente o que querem. Em favor da “deliberação de todos” como forma de legitimidade das decisões, ele argumenta que o processo de deliberação e a confrontação de vários pontos de vista ajudam a esclarecer a informação e a refinar preferências, e podem levar inclusive à revisão de objetivos iniciais. É Manin também que esclarece a peculiaridade do termo “deliberação”, que pode ser compreendido tanto como o processo que precede a escolha como a decisão em si.
 
...Uma decisão legítima não representa a vontade de todos, mas resulta da deliberação de todos (Manin, 2007 p.31).
 
Como bem coloca Avritzer (2000), desde os anos 70, tem surgido no interior da teoria democrática contemporânea uma tendência a reavaliar o peso da “argumentação” no processo deliberativo. Isso significa o questionamento da centralidade do momento decisório no processo de deliberação e a atenção ao momento argumentativo, entendido como o intercâmbio de razões em público.
A primeira posição, centrada no momento da decisão, foi, desde Rousseau, hegemônica por 200 anos no interior da teoria democrática, como assinala Avritzer. A partir de teorias de movimentos sociais ou da esfera pública, um segundo significado etimológico de deliberação começa a ganhar força, qual seja, a de um processo de discussão e avaliação no qual os diferentes aspectos de uma determinada proposta são pesados.
Representantes do chamado “elitismo democrático”, segundo Avritzer, defendem o conceito de deliberação como “decisão”. Max Weber, diz ele, mostrou o ceticismo em relação aos debates democráticos por considerar em conflito irreconciliável questões de valores culturais e pela percepção de que a complexidade administrativa do Estado seria incompatível com a participação e a argumentação. No mesmo sentido, Joseph Schumpeter, ao considerar impossível determinar o que seria o bem comum, que pode significar coisas diferentes para diferentes grupos, apresenta a solução de deixar as questões culturais e as concepções de boa vida fora da política, reduzindo a deliberação à escolha de representantes através do voto. Por fim, Anthony Downs substitui o elemento argumentativo do processo deliberativo por um elemento decisionístico: o voto de acordo com uma preferência individual pré-formada.
 Dois autores rompem, contudo, com essa tradição. Avritzer cita John Rawls como um autor de transição entre essas duas concepções, pela sua proposta de “consenso sobreposto”, isto é, a de uma situação na qual a concepção política de justiça que regula as instituições básicas da sociedade é endossada por cada uma das principais doutrinas religiosas, filosóficas e morais que devem perdurar em uma sociedade de uma geração a outra.
 Habermas é, para Avritzer, o autor cuja obra sempre esteve vinculadaà tentativa de reintroduzir o debate argumentativo na análise da política. Esse percurso começa com a “Transformação Estrutural da Esfera Pública”, obra na qual Habermas já demonstra preocupação com a formação de uma esfera para a argumentação, ou seja, de um espaço de interação social diferenciado do Estado, mas para que os cidadãos possam pressionar e controlar as ações do Estado. Num segundo momento, em “Teoria da Ação Comunicativa”, ele tenta inserir a ideia de um consenso discursivo em uma teoria da reflexividade da ação social e, a partir daí, começa um processo de aplicação da sua teoria de discurso à política contemporânea.
 Habermas elabora, então, o chamado “princípio D”, segundo o qual somente são válidas as normas-ações com as quais todas as pessoas possivelmente afetadas possam concordar como participantes de um discurso racional. Percepção de legitimidade na política ligada a um processo de deliberação coletiva em uma esfera pública, diversa, pois, da de Rousseau, centrada na expressão da vontade da maioria no processo de formação da vontade geral.
 Segundo Miguel (2005), a corrente proposta por Habermas rompe com a percepção da democracia como simples método para a agregação de preferências individuais já dadas (modelo Schumpeteriano de concepção liberal da democracia) e pressupõe que as preferências são construídas e reconstruídas por meio das interações na esfera pública; enfatiza a igualdade de participação, aspecto relegado a segundo plano pelas vertentes hegemônicas da democracia e resgata o valor fundamental da autonomia dos integrantes da sociedade na produção das normas sociais.
 
 2 – Características dos procedimentos da Democracia Deliberativa
 
 Segundo Avritzer (2000), Cohen define os procedimentos da democracia deliberativa da seguinte forma: os participantes tratam uns aos outros como iguais; eles têm a intenção de defender e criticar instituições e programas em termos que os outros teriam razão para aceitar, uma vez que o pluralismo social supõe que o outro é razoável; os indivíduos estão preparados para cooperar de acordo com os resultados da discussão tratando tais resultados como dotados de autoridade. Diferentemente de Habermas, Cohen admite haver decisões que não ocorram por consenso, mas que são legítimas mesmo assim, sob o argumento de que se o processo de decisão, ainda que por maioria, for inclusivo e baseado na troca de razões, será aceito pela minoria.
 Faria acrescenta outras características: os processos de deliberação realizam-se de forma argumentativa, ou seja, pelo intercâmbio regulado de informações e de razões entre partes que introduzem e, criticamente, examinam propostas; são inclusivas e públicas; estão livres de qualquer coerção externa e interna; objetivam um acordo racionalmente motivado e podem, em princípio, ser desenvolvidas sem restrições ou retomadas a qualquer momento; a regra da maioria poderá ser utilizada uma vez que as decisões poderão ser revistas por pressão das minorias.
3 - Limitações
     
 Mas há uma contradição nesta recuperação por Habermas do conceito de deliberação argumentativa, na avaliação de Avritzer. Por um lado, esse conceito funda todo o processo de legitimação dos sistemas políticos contemporâneos; por outro, não é capaz de produzir arranjos institucionais, porque a sua forma não supõe mais que influência em relação ao sistema político. Para Habermas, lembra ele, a opinião pública é informal e deve manter-se assim.
 
Habermas comete equívoco oposto ao de Rousseau e ao da teoria da escolha racional: ele se desobriga de pensar os elementos institucionais e/ou decisórios do conceito de deliberação argumentativa e, com isso, deixa de dar formato institucional ao que podemos denominar democracia deliberativa (Avritzer, 2000 p. 41).
 
O tipo de formato dos arranjos institucionais e a localização deles para operacionalizar a ideia de democracia deliberativa é, desse modo, uma das principais limitações dessa teoria.
 Outra limitação refere-se à concepção do modelo deliberativo baseado na busca do consenso. Neves (2001) argumenta ser inegável que a hipercomplexidade da sociedade moderna, com uma diversidade incontrolável e contraditória de valores e interesses, torna praticamente impossível uma reconstrução racional do mundo da vida (conceito habermasiano) a partir da ação comunicativa no sentido estrito de uma ação orientada para o entendimento intersubjetivo.
 
 A ocorrência do consenso na interação é eventual. A multiculturalidade, por um lado, e a pluralidade de esferas autônomas de comunicação, por outro, implicam uma fragmentação do mundo da vida no que diz respeito às convicções e certezas partilhadas no cotidiano (Neves, in Souza, p.128).
 
 A restrição do conceito de discussão democrática estritamente à argumentação também merece reparos das feministas. Ela supõe, segundo Young (2001), uma concepção de discussão carregada de viés cultural, o que tende a silenciar ou desvalorizar determinadas pessoas ou grupos, como as mulheres. Além disso, diz Young, os teóricos deliberativos tendem a supor incorretamente que os processos de discussão que visam ao entendimento entre as partes têm necessariamente de partir de um elemento comum de entendimento ou de ter como objetivo um bem comum. Em razão das limitações da democracia deliberativa, ela propõe, assim, uma “democracia comunicativa” na qual as diferenças de cultura, perspectiva social ou comprometimento sejam compreendidas como recursos a serem utilizados na compreensão da discussão democrática, não como divisões a serem superadas. Propõe também que a saudação, a retórica e a narração sejam consideradas como formas de comunicação que se somam à argumentação na contribuição à discussão política.
 
Concluo, a partir dessas considerações, que a teoria da democracia baseada na discussão deve adotar um conceito mais amplo das formas de estilos de discurso que envolve a discussão política do que o que é adotado habitualmente pelos teóricos deliberativos. Prefiro chamar tal teoria ampliada de democracia comunicativa, no lugar de deliberativa, para indicar a atribuição igual de privilégios a qualquer forma de interação comunicativa em que os indivíduos objetivam chegar a um entendimento. Enquanto a argumentação é elemento necessário num esforço para discutir e convencer outros sobre questões políticas, pode ser expressa de diversas maneiras, entremeada de ou, paralela, a outras formas de comunicação (Young, 2001, p.374).
 
 Em defesa da linguagem “imparcial”, Benhabib (2007) afirma que essa tentativa de Young de querer transformar modos de comunicação próprios da vida cotidiana e informal em linguagem pública nos processos deliberativos da democracia acabaria por induzir à arbitrariedade e criaria um caráter caprichoso, acabando ainda por limitar em vez de expandir a justiça social.
A construção da teoria sobre o modelo utópico de “fala ideal” é criticada por Miguel (2005). É necessário, como observa ele, levar em conta que a “neutralização” das diferenças entre os participantes nunca ocorre no mundo real, e que diferenças de poder, de autoridade, de acesso à fala ou de domínio do padrão culto sempre desvirtuam os debates, marcando as situações de fala sempre como assimétricas e não caracterizadas pela igualdade de participação de todos. Do mesmo modo, ele observa que as condições de acesso à esfera pública não são tematizadas, o que permite tratar como secundária a questão da exclusão de trabalhadores e mulheres.
Miguel questiona ainda outros pontos da teoria, como o controle desigual dos meios de comunicação de massa, canais essenciais do processo comunicativo nas sociedades contemporâneas; e a exigência do consenso, o que, além de difícil consecução, pela dificuldade do desapego aos interesses próprios, representaria, em seu entendimento, a paralisação da ação política e a preservação do status quo. Ele argumenta ainda que a própria deliberação pode ser paralisante e protelatória, resultando na legitimação de instituições injustas, na desmobilizaçãode movimentos sociais e no abandono de formas de intervenção mais eficazes, além de ser uma forma de cooptação em muitos casos.
Com preocupação semelhante a de Miguel e alertando para o risco de que a idéia de democracia deliberativa torne-se um “lugar-comum estéril”, Walzer apresenta uma lista de atividades não-deliberativas que a política democrática “legitimamente e até necessariamente”, segundo ele, já envolve. São exemplos a mobilização, a barganha, o lobby, a campanha e a eleição. Seu propósito principal é imaginar como a deliberação se encaixaria em um processo político democrático que é amplamente não-deliberativo e que tem outros valores além da razão e, frequentemente, em tensão com ela, como a paixão, o compromisso, a solidariedade, a coragem e a competitividade.
 Eu não acho que os homens e mulheres comuns não tenham a capacidade de argumentar; apenas que 100 milhões deles, ou mesmo 1 milhão ou 100.000, provavelmente não consigam argumentar em conjunto. E seria um grande engano desviá-los das coisas que sabem fazer em conjunto. Pois então não seria uma oposição efetiva, organizada ao poder estabelecido. O resultado político de tal movimento é facilmente previsível: os cidadãos excluídos perderiam a batalha que provavelmente queriam e talvez necessitavam vencer (Walzer, 2007 p.312).
 
4 – Potencialidades
 
A concepção dialógica da deliberação proposta por Bohman (1996 apud Faria, 2000), pode ser uma resposta para as críticas apresentadas à concepção de teoria deliberativa centrada no discurso e no argumento. Segundo informa Faria (2000), esse autor acredita que o diálogo público, isto é, o ato de oferecer e receber razões, é possível mesmo quando não existe acordo entre os partícipes ou quando os interlocutores não estão um diante do outro. Na visão dele, a deliberação é muito menos uma forma de discurso ou argumentação e mais uma atividade cooperativa e pública.  Pelo diálogo, estariam suspensos os constrangimentos epistêmicos próprios da argumentação.
Para superar a ausência, na teoria de Habermas, de exemplos de espaços deliberativos, Avritzer propõe como locais da democracia deliberativa os fóruns entre o Estado e a sociedade que tem surgido em países como o Brasil (conselhos e orçamento participativo), Índia (os Panchaiats) e Estados Unidos (arranjos relacionados às políticas ambientais).
Esses locais partilham as seguintes características, segundo Avritzer: espaço decisório cedido pelo Estado em favor de uma forma ampliada e pública de participação; informação relevante para uma deliberação de governo é tornada pública ou é socializada; diversidade dos arranjos institucionais.
Bohman propõe, além desses, a criação de esferas públicas políticas em torno de cada uma das instituições burocráticas, inclusive as legislativas, que seriam formadas por atores afetados pelas estratégias que visam solucionar os problemas. Segundo esse autor, essas instituições quase não apresentam controle público e são estruturadas de forma hierarquizadas, lidando com os cidadãos de forma autoritária, como se fossem clientes passivos e não fonte primeira de informação e julgamento.
Benhabib (2007) defende o procedimentalismo deliberativo como resposta racional ao conflito de valores persistente nas sociedades plurais da atualidade. Ao descartar a “ficção” de uma assembleia de massas realizando suas deliberações nas sociedades modernas, ela também afirma que o modelo deliberativo privilegia uma pluralidade de modos de associação na qual todos os atingidos podem ter o direito de articular seus pontos de vista, seja na forma de partidos políticos, movimentos sociais, associações voluntárias etc. Além disso, ela afirma que uma série de teóricos políticos e sociais estão imaginando novos desenhos institucionais no interior do contexto das sociedades complexas para operacionalizar o modelo de democracia deliberativa e cita como exemplo real bem sucedido os grupos de cidadãos ambientalistas.
Por fim Christiano (2007) aponta três tipos de resultados valorosos da deliberação: 1) a deliberação publica geralmente melhora a qualidade das decisões ao aperfeiçoar a compreensão dos cidadãos sobre sua sociedade e sobre os princípios morais que devem regular. Assim, a justiça das leis e instituições sociais pode ser ampliada pelo processo de discussão; 2) as leis podem tender a ser mais bem justificadas, do ponto de vista racional, aos olhos dos cidadãos do que nas sociedades onde não passaram por um processo intensivo de deliberação; 3) certas qualidades desejáveis dos cidadãos são aperfeiçoadas quando eles têm que participar do processo de deliberação como pessoas livres e iguais.
 
5 – Considerações finais
 
Esse percurso pela Teoria Deliberativa permite compreender a preocupação que acalenta os seus teóricos em relação ao sistema democrático contemporâneo, qual seja, a de ampliar a participação dos cidadãos individualmente ou agrupados segundo interesses específicos, no processo de deliberação, entendido em seus dois momentos: o debate e a decisão em si mesma. Essa seria a forma de assegurar maior legitimidade às decisões no modelo de democracia representativa em sociedades complexas e plurais como as contemporâneas.
Enquanto requisito para a legitimidade, o processo deliberativo enfrenta, contudo, dificuldades de operacionalização, relacionadas aos arranjos institucionais e às condições de inclusão e de condução do processo, ou incertezas quanto aos resultados possíveis.
Quanto aos arranjos institucionais, os exemplos encontrados na literatura ainda são escassos e a maioria deles é restrita à determinada situação ou país. É uma área, pois, em que as pesquisas podem avançar, abarcando experiências externas ao Estado ou internas às instituições da administração pública.
As exigentes condições de operacionalização desse modelo também precisam ser revistas com mais cuidado para que a sua concretização não se inviabilize no emaranhado de regras procedimentais para regular o acesso à fala e à inclusão dos cidadãos no debate. Regras de comportamento ético de boa conduta podem ser um bom ponto de partida.
Por fim, é preciso alertar sempre para o fato de que o resultado a ser alcançado em qualquer processo de deliberação não significará a “resposta certa” para as diferentes questões a serem decididas. Será simplesmente a resposta possível em um dado momento e em condições específicas, que estará passível de revisão se houver demanda e pressão nessa direção.
A grande contribuição desse modelo para o processo democrático contemporâneo é trazer à luz um fenômeno em curso há tempos e que interfere de modo peculiar na atuação e nas decisões governamentais nas diversas instâncias e poderes, não podendo, pois, ser negligenciado pelos estudiosos da política - a participação dos cidadãos por meio do debate, da opinião, da expressão de idéias, seja em seus microcosmos sociais ou em arenas mais amplas como os meios de comunicação de massa.  E, por fim, a necessidade de tornar esse processo de contribuição argumentativa mais regular e efetivo por meio de arranjos institucionais dentro e fora das instituições do Estado.

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