Buscar

Resenha Filme Getúlio - História do Direito Brasileiro

Prévia do material em texto

Universidade Estácio de Sá
HISTÓRIA DO DIREITO BRASILEIRO – Campus: Duque de Caxias – 3048
NOME ALUNO – MATRÍCULA
RESENHA FILME GETÚLIO 2014
 “O PAI DOS POBRES”
O dia do trabalhador, 1º de Maio, é uma data muito bem escolhida para a estreia do filme Getúlio, sobre o chamado “pai dos pobres” e responsável por diversas das mais importantes leis trabalhistas. O filme trás os últimos dias do ex-presidente antes do seu suicídio, em 1954. Com uma pesquisa extensa, várias citações, decorações e artefatos reais, o diretor João Jardim (do ótimo Janela da Alma, 2001, e do não tão bom assim Lixo Extraordinário, 2010) constrói bem o universo que cercava Getúlio Vargas nos anos 50. Parte do filme foi gravado no Palácio do Catete e muitas mobílias são as mesmas utilizadas pelo presidente. Mas o mais chocante talvez seja o fato de que a arma real do suicídio também foi utilizada. Em seu primeiro filme ficcional, João Jardim mostra suas necessidades documentaristas, por vezes se apegando muito ao que é “real” e estendendo-se em explicações, cenas que imitam descrições dos diários de Getúlio e referências a personagens reais, com suas devidas descrições. Por vezes, inclui nomes e personagens demais, perdendo a linha central do filme.
Getúlio assume um ar de suspense, juntamente com boas doses de drama, e acaba sendo também uma reflexão sobre o sistema político brasileiro, seja de 60 anos atrás ou de hoje. Na sua construção dramática e de suspense, o filme se compõe bem, apesar de se estender em algumas cenas desnecessariamente. O ritmo tem o mesmo problema, mas, na maior parte do tempo, se constrói de forma interessante.
Tony Ramos, envelhecido e em trajes que o conferem uma barriga enorme, está ótimo no papel de um Getúlio cansado dos jogos políticos e que deseja se distanciar do ditador que foi um dia, apesar de nunca se arrepender de nenhuma morte ou tortura causada por seus anos de ditadura. Os fatores que o levam a escrever sua carta de suicídio (e pedir ao jornalista Maciel Filho, redator de seus discursos, que a editasse e datilografasse) são bem desenvolvidos no filme e o cansaço do presidente muito bem explorado. Além disso, o filme mostra como o suicídio não foi um ato de desespero impulsivo, mas uma saída muito bem pensada, de um homem que não queria sair de cabeça baixa e nem dar a vitória aos seus inimigos. Mas, mais do que isso, seu suicídio foi um ato político que arruinou os planos de seus opositores e criou uma comoção nacional (que, segundo alguns, inclusive Tancredo Neves – personagem constante do filme – evitou a ditadura militar que se instauraria 10 anos depois).
Apesar da declaração de João Jardim de que o filme se esforça, em todos os fatores de sua composição, para não fazer de Getúlio um personagem que atraia muita simpatia ou pena, é difícil não se identificar com um Tony Ramos tristonho e cansado e um Getúlio Vargas que vê seu governo ser destruído por acusações de corrupção (das quais ele, no filme, não sabia) e por um ataque realizado por sua guarda pessoal ao seu inimigo número 1, o jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges). Como não há verdade absoluta na história, o que vemos são possíveis interpretações, nas quais Getúlio passa sim por uma vítima e provavelmente atrairá a identificação dos espectadores. O filme não deixa de lembrar os anos ditatoriais do presidente, mas como esses são trazidos uma e outra vez, apenas em palavras, o que se impõe de verdade na tela são as relações de Getúlio com sua filha Alzira (Drica Morais – ótima no papel), cheias de carinho; as declarações do presidente de que não vai combater seus opositores com violência, nem desrespeitar a Constituição mais uma vez, e o discurso final de sua impactante carta de suicídio, em voz-off sobre as imagens documentais de uma população extremamente comovida pela sua morte.
Com estas palavras e as imagens de mulheres chorando e milhares de pessoas caminhando pelas ruas para acompanhar o funeral de Getúlio, fica difícil não ficar ao lado de Tony Ramos:
“Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”
Nota: 7
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxX
Por fim, as falas do filme parecem muito se amparar nos diários de Getúlio, que podem num primeiro momento ser uma ótima fonte para conhecer seu âmago, mas devem ser lidos também no contra-pelo, pois afinal, perpassam pela auto-censura e construção dos fatos pelo autor e não simplesmente, uma representação exata da História.
xxxxxxxxxxxxxx
Getúlio Vargas foi um personagem no mínimo singular. Isto para não dizer controverso. Ditador por 15 anos, ele mandou prender, torturou, consolidou as Leis Trabalhistas, fechou o congresso, rasgou duas constituições e, deposto, voltou para São Borja, no interior do Rio Grande do Sul. Estava quieto, até que recebeu a visita de um repórter. Este escreveu uma matéria e nela o velho caudilho anunciou sua volta. Voltou e foi carregado nos braços do povo. Um facínora, aos olhos dos inimigos, ele foi eleito presidente pela população que, apesar dos pesares, tanto o amava. Mais uma vez no poder, governou, criou a Petrobrás, colecionou mais inimigos, fez alguns amigos e quando a pressão se tornou insuportável preferiu o suicídio à renúncia.
Em breves linhas, fiz um resumo da passagem de Vargas pelo poder. Em forma de filme, sua história, contada nos mínimos detalhes, certamente, daria um gigantesco thriller político. Contudo, a opção por este tipo de longa-metragem seria muito cara e pouco atrativa para o grande público. Logo, para levá-la aos cinemas, a solução seria fazer um recorte temporal que não comprometesse o entendimento deste personagem fascinante. Foi isto que fez o diretor João Jardim, em Getúlio, que chega aos cinemas de todo o Brasil, no próximo 1º de maio, Dia Mundial do Trabalho.
Estrelado por Tony Ramos, perfeito e brilhante na pele do protagonista, a história começa no dia 5 de agosto de 1954, data do atentado sofrido pelo jornalista Carlos Lacerda (Alexandre Borges), e vai até 24 do mesmo mês, quando acontece o suicídio. Neste intervalo, o filme esquadrinha, aos poucos, os principais personagens que integravam o círculo presidencial e mostra o aumento da tensão, à medida que os políticos e a imprensa oposicionista intensificavam os ataques responsabilizando o Governo Vargas pelo crime.
Os cenários são os corredores do Palácio do Catete. Há pouquíssimas tomadas fora deste perímetro. Para uma cena ao ar livre, que exigiria um número elevado de figurantes, foi usado um recurso interessante: fotos que mostram o ocorrido. Além de baratear os custos do filme, a escolha destas locações ajudou o diretor a alcançar seus objetivos. Em sua maior parte, as cenas são escuras. Quase não existem janelas e cortinas abertas. A ideia era mostrar o clima opressivo que tomou conta da sede do governo e o enclausuramento em que Vargas se enfiou, voluntariamente, até o fatídico desfecho.
A maneira como os personagens foram filmados também ajudou. Quase sempre, a câmera os mostra bem de perto. Dá para ver com nitidez a expressão contrita e preocupada de todos eles. A excelente caracterização da maioria é outra coisa que fica bem clara com este estilo de filmagem. Não são apenas Ramos e Borges que estão iguais a Vargas e Lacerda. Drica Moraes, Clarisse Abujamra, Michel Bercovitche Jackson Antunes estão perfeitos como a filha Alzira, a primeira-dama Darcy, Tancredo Neves e o vice-presidente Café Filho.
O grande pecado de Getúlio não é cinematográfico, mas histórico. O repórter citado lá no parágrafo inicial, aquele que entrevistou o velho caudilho, no Carnaval de 1949, era Samuel Wainer. A partir daquela reportagem, ele se tornou íntimo do poder. Com dinheiro emprestado pelo Banco do Brasil, entre outras empresas, criou o único periódico a apoiar Vargas ate o fim, o “Última Hora”. Infelizmente, para minha surpresa, o jornalista não foi mencionado no longa-metragem. Uma falha grave, já que Wainer fazia parte do círculo presidencial.
Apesar de não ser um documentário, o thriller de João Jardim pode, e deve, ser inserido em uma linhagem de obras que descortinam o passado recente do nosso país. Herdeiro dos excelentes Os Anos JK (1980) e Jango (1984), do documentarista Silvio Tendler, é um filme obrigatório para todos aqueles que desejam conhecer um pouco mais da história brasileira.
Desliguem os celulares e boa diversão.
Muitos acalentam a teoria conspiratória de que ele não se matou, mas sim teria sido "assassinado", porém, mera especulação em brumas que não levam a lugar nenhum fato concreto.
Segue abaixo, a carta-testamento deixada por Getúlio e datilografada por Maciel Filho (Fernando Eiras), seu ghost writer (escritor que trabalha nos bastidores na produção dos discursos) e que teve um papel importante na carreira política de Getúlio, sendo de grande confiança, ao ponto de receber o texto que demonstrava nas entrelinhas, o desejo de Vargas se matar, mas que ficara, encoberto ou pelo menos, não diretamente assumido, na forma de uma citação de "cansaço" ou "vontade de largar tudo" para voltar a sua querida São Borja. O texto de Maciel é diferente do manuscrito, mas preserva a posição de vítima de uma cruel conspiração e foi este o que fora divulgado na imprensa, conferindo-lhe aí, um gesto de heroicidade, tal qual nos antigos códigos de honra, quando esta última era manchada, só havia uma condição: lavá-la com sangue do inimigo ou de si próprio.
Getúlio, imbuindo-se de heroísmo, optou pela segunda.
O texto datilografado: 
“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.
Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo.
A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.
Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação.
Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.”
O texto manuscrito: 
“Deixo à sanha dos meus inimigos, o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se a fraqueza de amigos que não defenderam nas posições que ocupavam à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranqüilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria.
Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me.
Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.
Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes.
Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos.
Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade.
A resposta do povo virá mais tarde...”

Continue navegando