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Cortando raízes: os ismos importados David Pina Santos, Rayana Carolyne Lisboa Pantoja Universidade Federal do Pará/Campus Bragança davidpina23ds@gmail.com, carolynepantoja.cp@gmail.com Resumo O presente ensaio abordará questões a respeito das reflexões de Sérgio Buarque de Holanda referentes ao Patrimonialismo, Personalismo e outras características que podemos trazer para nossa contemporaneidade juntamente com suas consequências. Introdução A temática de nosso ensaio é retomar alguns temas que foram trabalhados, discutidos com originalidade e sob perspectivas importantíssimas na obra Raízes do Brasil, de S. B de Holanda, com embasamento em dois capítulos, sendo eles: 1. FRONTEIRAS DA EUROPA e 5. O HOMEM CORDIAL. O autor da obra virá propor um total rompimento com as então raízes formadas e esculpidas pela sociedade portuguesa do tempo colonial e tempos posteriores em nosso país, para que seja formado um novo Estado, uma nova sociedade, uma nova cultura, dignos de traços modernos e originais, próprios do Brasil. Sendo assim, o brasileiro com o “corte” das raízes poderá construir sua singular identidade. O patrimonialismo é mal visto por S. B. de Holanda, pois não há fronteiras entre o que é público e o que é privado, ambos se mesclam, se beneficiam um do outro, tiram proveito das condições que os estabelecem, e se colocam como barreira para uma construção com base na ética, mas isto será discutido mais à frente, para então chegarmos a uma conclusão do que seria o Moderno para este autor tão substancial e singular. 1. O Caráter dos Ibéricos S. B. de Holanda no primeiro capítulo (Fronteiras da Europa) de seu livro descreve de forma pontual a personalidade dos ibéricos, visto que para ele, nenhum outro país a não ser Espanha e Portugal, conseguiu desenvolver a tal extremo essa cultura da personalidade, voltada para um individualismo, para uma autonomia, para o valor próprio dado a pessoa humana, enfim, para o mérito pessoal. Estas circunstâncias causaram uma falta de organização, coesão, levando a uma anarquia, a qual seria a própria organização deles final. Por ventura adquirimos estes traços, no caso a falta de coesão e a falta de organização social, nossos sistemas mostram estar impregnado com tal mal que nos parece não conseguir se libertar, e então acompanhamos de perto as consequências que tanto ferem a democracia e a ordem. É claro que, esses povos souberam adaptar-se a outras formas de vida, e fizeram com que se adaptam-se as suas, ou seja, suas personalidades embora contenham à primeira vista caráter negativo, elas não fizeram mal a eles próprios, com este espírito aventureiro. Este espírito aventureiro consiste no “colher sem plantar”, ou seja, analisar o todo e não o processo, típico do ibero português, sem demandar muito esforço, ao contrário do espanhol, que é o trabalhador, onde se tem em mente todo o decorrer do processo, segundo S. B. de Holanda. Nós brasileiros temos qualidades herdadas do Português. Por terem sido nossos colonizadores, estes nos deixaram marcas que são tão vivas quanto podemos perceber, por exemplo, o catolicismo brasileiro contém traços que são bem semelhantes com os de Portugal, e também com outros países da Europa, como na forma de tratar as santidades, até mesmo o próprio Jesus Cristo com muita intimidade; a individualidade de muitos de nós também pode ser um exemplo, assim como também há a mescla dos ideais aventureiro com o trabalhador; há o “homem cordial”, aquela pessoa que não se vê mais no isolamento e que necessita de socialização, pois tem pavor de viver só consigo mesmo, porém, não podemos aqui confundir “cordial” com bondade ou outro bom adjetivo, mas estamos tratando de uma pessoa que passará por cima do que achar necessário à ele e fará suas ações em prol de seu próprio benefício, digamos será amigável quando lhe for conveniente, será manifesto de “cordialismos”. 2. Raízes não cortadas Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, identificava na sociedade brasileira da década de 30 do século XX, resquícios bem vivos de um passado, de uma cultura, de uma mentalidade e práticas que foram trazidos de um outro local, com uma organização social, com formas de convívio e climas totalmente divergentes com o de nosso território brasileiro, nos tornando como ainda pode ser visto hoje, através do ponto de vista de S. B de Holanda, “uns desterrados em nossa terra” (HOLANDA, 1936). Herdamos tantas características de nossos ancestrais que muitas, senão todas, nos impedem de progredir e/ou constituir uma nova identidade, um novo caráter, uma nova personalidade nos moldes do verdadeiro jeito brasileiro, com as características próprias de nossa cultura, algo original, e livre de influências retrógradas e não modernas. Falar a respeito de heranças de nossos antepassados é um assunto extenso e complexo, e aqui não cabe caracterizar todos os aspectos, porém, há um fato, sim, um fato muito evidente que conseguimos presenciar em âmbitos de nossa nação, os quais podemos caracterizar como algo de nossos colonizadores, principalmente do âmbito político e cultural, que se entrelaçam, seria aqui o Patrimonialismo. Segundo S. B. de Holanda, para o funcionário “patrimonial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais, sem muito ou nenhum mérito próprio e digno de usufruir de cargos/funções que lhes são oferecidas em troca de favores, afeições, familiaridade e parentescos. As análises feitas pelo mesmo, são tão consistentes, que mesmo em nossa sociedade do século XXI, suas reflexões ainda são contemporâneas, as práticas observadas por ele sobreviveram ao tempo e ao espaço, se modificando, alterando-se, adaptando-se ao meio mas em essência a mesma, como podemos perceber nas incessantes violações das relações públicas principalmente do Estado, a inserção de pessoas de um determinado círculo particular em vagas e cargos públicos por conta de relações pessoais, onde deveria prevalecer a melhor capacitação para aquela determinada tarefa, como podemos melhor compreender de que forma e porque isto acontece na seguinte passagem: Em uma sociedade patrimonialista, em que o particularismo e o poder pessoal reinam, o favoritismo é o meio por excelência de ascensão social, e o sistema jurídico, lato sensu, englobando o direito expresso e o direito aplicado, costuma exprimir e veicular o poder particular e o privilégio, em detrimento da universalidade e da igualdade formal-legal (CAMPANTE, 2003). “A burocracia estatal não é organizada racionalmente, para se obter maior agilidade e eficiência, mas com uma lógica familiar, para colher e proteger familiares, amigos e clientes” (REIS, 2006), esta forma de romper a barreira entre o público/Estado e privado/família se deu e ainda persiste de forma corriqueira, pois, há manifestações de troca de favores, troca de benefícios, proteção, entre outras coisas que são causadoras de uma desordem, é isso que está sendo discutido por S. B. de Holanda em Raízes do Brasil, nos capítulos aqui usados. 3. O Entrelaçar do Público com o Privado O conceito Weberiano, Patrimonialismo, que no livro “Raízes do Brasil” foi utilizado por S. B de Holanda, carrega consigo o Personalismo, o “Homem Cordial” e também o Clientelismo, de abrangência tão ampla e vigorosa que se dá por meio da política em todo o nosso território nacional e se enraizou por toda a sociedade, que vê tal prática como normal, como sendo natural e quase que inerente ao brasileiro, assolando desta forma toda a sociedade brasileira. O tipo “homem cordial” definido por Buarque, está intrinsecamente ligadoà essa violação dos limites do público com o privado, a cordialidade do brasileiro, o “jeitinho” do brasileiro de resolver as coisas, burlando as regras e as leis, nem sempre é bom, pois o que beneficia alguns, prejudica muitos outros e, isto nós podemos perceber desde o nosso passado, com o chamado voto de “cabresto” anteriormente muito praticado e que ainda persiste, no entanto, algumas alterações aconteceram e ele se adaptou a nossa “nova” realidade e hoje está presente, como nós veremos a seguir de forma mais clara, nos pequenos municípios, mas que figuram em todo o Estado brasileiro e em todos os níveis institucionais e sociais de então. No artigo “Beneficiários ou reféns? o patrimonialismo na perspectiva dos cidadãos de Poço Fundo, Minas Gerais” trata justamente sobre esta problemática tão frequente em pequenos municípios e, que deixam seus cidadãos a mercê dos “serviços” prestados por alguns políticos da posição ou da oposição do governo que os fazem em troca de votos, serviços esses que são direitos de todo e qualquer cidadão. Um dos vereadores do município, que busca uma posição de independência em relação a "jacarés" e "piranhas", foi procurado por uma cidadã após a posse. Ela buscava ajuda para viabilizar, junto à Secretaria Municipal de Saúde, exames laboratoriais. A senhora afirmou que o prazo para realizá-los seria de três meses e que não poderia esperar. O vereador, ao entrar em contato com a secretaria, recebeu a confirmação do fato. A eleitora, então, solicitou que o político pagasse os exames em um laboratório particular, pois recebera seu voto. Se não o fizesse, ela iria recorrer a outro vereador, pertencente à situação, ressaltando que ele havia se comprometido a resolver o caso. O vereador informou à senhora que não poderia pagar os exames como contrapartida ao voto, mas iria exigir providências da prefeitura para agilizar os atendimentos. Sua declaração causou indignação na eleitora, que afirmou que recorreria ao outro político e que ele não deveria mais contar com seus votos (OLIVEIRA; SILVA E OLIVEIRA; SANTOS, 2011). Neste caso ocorrido em Poço Fundo, Minas Gerais, podemos observar o individualismo da eleitora que quer resolver seus problemas recorrendo a situações mais “fáceis”, infringindo leis, ignorando a ética e a moral, para o seu bem próprio em detrimento dos direitos dos demais cidadãos. Já o vereador mencionado, ele se enquadra em uma minoria da população que tenta romper com esta cultura “brasileira” que como já mencionado anteriormente, é uma herança que recebemos dos portugueses durante nossa colonização. Ao mesmo tempo aparece em segundo plano, o vereador pertencente à situação, que se enquadra no conceito do “homem cordial” de S. B de Holanda e da prática do Patrimonialismo, onde ele irá beneficiar a eleitora por ela garantir o voto à ele, consequentemente burlará a ordem e prejudicará outro cidadão em proveito da mesma e de si próprio para a obtenção de voto, fugindo da ideia do Estado burocrático e impessoal do autor. 4. Conclusão Ter as raízes que nos ligam à posições, manifestações e atitudes que nos levam a corromper qualquer forma ética e racional é consequentemente prejudicial e desfavorável à alguma construção de bases sólidas em que a sociedade esteja diretamente e/ou indiretamente ligada. O que queremos dizer é, que por mais que tenhamos características adquiridas de uma outra cultura, ou de um outro povo, não é necessariamente preciso que nós carreguemos isto conosco até nosso fim, ou que apliquemos cotidianamente. Nós na maioria das vezes somos frutos de nosso meio, fatos de qualquer espécie acabam infiltrando-se em nossa personalidade se formos fracos moralmente, intelectualmente, ou que não tenhamos uma base educacional (familiar/escolar) bem estruturada, porém, ao percebermos as falhas cometidas em advento de tais “heranças”, temos a capacidade de cortar as raízes, de nos opor a retrocessos e infrações da lei e da ética. É a favor de um Estado burocrático que S. B. de Holanda se coloca a favor do rompimento dessas raízes ibéricas, que é o que segundo ele, nos atrasa, nos impede de constituir um Estado sem entrelaçamento com a instituição família, que visa racionalizar as ações em prol de um bem comunal. Ao dizer que somos “uns desterrados em nossa terra”, Buarque se refere a diversos elementos que compõe a cultura brasileira sem que haja de fato a mão do brasileiro nessa constituição. É a favor da verdadeira cultura que o autor se coloca, mas para isso temos que ser originais. Sermos originais em qualquer âmbito para o progresso da nação e formação de uma identidade brasileira. 5. Referências CAMPANTE, Rubens Goyatá. O patrimonialismo em Faoro e Weber e a sociologia brasileira. Rio de Janeiro: vol.46 no.1, 2003. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994. OLIVEIRA, Renato Ferreira de; SILVA E OLIVEIRA, Virgílio Cézar da; SANTOS, Antônio Carlos dos. Beneficiários ou reféns? O patrimonialismo na perspectiva dos cidadãos de Poço Fundo, Minas Gerais. Rio de Janeiro: Cad. EBAPE.BR vol.9 no.4, 2011. REIS, José Carlos. Anos de 1850: Varnhagen – o elogio da colonização portuguesa. In.: ______. As identidades do Brasil: de Varnhagen à FHC. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
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