Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Material de apoio extraído do livro “Curso de Direito Constitucional”, de Celso Ribeiro Bastos, 22ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 103/156. TÍTULO III HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS CAPÍTULO 1 CONSTITUIÇÃO DE 1824 SUMÁRIO: 1. Antecedentes históricos. 2. Ideologia da Constituição Imperial. 3. Aspectos principais da Constituição de 1824. 3.1. Divisão dos poderes políticos. 3.2. Semi-rigidez da Constituição Imperial. 1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS As ideias liberais que dominaram no fim do século XVIII e início do século XIX produziram efeitos no nosso país ainda ao tempo da regência de D. João. Inicialmente há que se fazer referência aos movimentos de sublevação armada que, embora não tivessem prosperado, traziam consigo nítidas ideias liberais. Com a volta da família real e a regência de D. Pedro I, precipita-se movimento no sentido de dotar o Brasil de uma Constituição. A convocação da Assembleia para tanto dá-se mesmo antes da Proclamação da Independência. O fato é que em maio de 1823 ela já está funcionando. Não consegue, contudo, levar a bom termo seus trabalhos em função de desavenças com o Imperador, que acabou por dissolvê-la. Criou-se então um Conselho de Estado, a quem se conferiu a incumbência de elaborar um novo projeto que seria submetido à opinião das Câmaras, na época o órgão mais representativo da vontade popular. Por solicitação destas, D. Pedro I veio a outorgar o Texto antes mesmo que ele estivesse referendado por aqueles órgãos. 2. IDEOLOGIA DA CONSTITUIÇÃO IMPERIAL Não se pode compreender a Constituição Imperial de 1824 senão à luz das ideias liberais tão em voga à época. O liberalismo é uma corrente de pensamento que marcou profundamente alguns momentos da história, permanecendo até hoje, ainda que adaptado a uma nova problemática que não existia no momento em que seus grandes mentores o formularam. O liberalismo tem por ponto central colocar o homem, individualmente considerado, como alicerce de todo o sistema social. Os homens inicialmente vivem em estado de natureza no qual são livres (Rousseau). Para maior conveniência sua, pactuam um contrato social que traslada algumas das suas faculdades para tomar possível a formação do poder. Daí dois corolários fundamentais: em primeiro lugar, todo o poder emana do povo. E, em segundo lugar, o Estado 2 só deve exercer aquelas funções que os órgãos, individual ou coletivamente, não conseguem desenvolver. A ação do Estado é, portanto, excepcional e restrita, enquanto a da sociedade é ampla e ilimitada. O liberalismo, com tais premissas, não podia deixar de significar uma revolução em face da ordem social político-jurídica preexistente. Nele se inspiraram as duas grandes Revoluções do século XVIII: a francesa e a americana. Suas ideias se opunham frontalmente à monarquia absoluta, que extraía a sua fonte de legitimidade do poder divino dos reis. A trasladação do poder pelo povo significava pôr em xeque, de maneira frontal, as monarquias existentes. Umas foram derrubadas por não terem tido condições para se adaptarem à nova ordem ideológica. Outras, contudo, continuaram de pé mediante concessões ao princípio da soberania popular. O Brasil se insere neste último caso. A Constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo características que hoje não seriam aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação de poderes que, além dos três clássicos, acrescentava um quarto: o Poder Moderador. É preciso, contudo, reconhecer que, se este constitucionalismo liberal encontrava plena consonância com as ideias dominantes à época e mesmo com as de uma elite do País, não deixava, contudo, de encontrar toda a sorte de dificuldades para se tomar eficaz: o pequeno desenvolvimento econômico do País; a falta de participação política; as grandes distâncias e a precariedade dos transportes e das comunicações. 3. ASPECTOS PRINCIPAIS DA CONSTITUIÇÃO DE 1824 3.1. Divisão dos Poderes Políticos A Carta de 1824, além dos três Poderes enunciados na teoria e na prática dos Estados constitucionais de então, acresce um quarto denominado Moderador. Era criação jurídica de Benjamin Constant, cuja influência sobre as elites jurídico- políticas do Continente não podia ser subestimada. Afonso Arinos revela que nenhum assunto foi mais bem estudado no Império do que o Poder Moderador. Diz ele: "Em torno da interpretação a ser dada aos artigos que o estabeleceram dividiam- se os melhores juristas imperiais, representantes das tendências liberal e conservadora. Visconde do Uruguai e o Marquês de S. Vicente, conservadores, sustentaram naturalmente a tese da concentração dos poderes arbitrais nas mãos do Imperador, negando a responsabilidade dos Ministros (portanto negando controle político do legislativo) sobre tais atos. Contrariamente, os escritores liberais, como Zacarias de Gois, defendiam a co- responsabilidade dos Ministros nos atos do poder moderador, como única forma de se evitar o poder pessoal do Imperador. Pedro II, pessoalmente, era de opinião que os Ministros não eram co-responsáveis, e que a ele cabia, na totalidade, a arbitragem entre os poderes" (Direito constitucional, 2. ed.. Forense, p. 120). Ao que parece, ao tentarmos extrair uma conclusão das longas discussões havidas em torno do Poder Moderador e da responsabilidade ou não dos atos praticados pelos 3 ministros perante o Legislativo, a conclusão a que se chega é que, se utilizado por um monarca com inclinações autoritárias, levaria a um poder quase absoluto1. 1. Benjamin Constant, apud Marcelo Caetano, Direito constitucional, v. l, p. 503: "Para Benja-inin Constant, a 'monarquia constitucional tem a vantagem de criar esse poder neutro na pessoa de um Rei já cercado de tradições e de recordações e revestido pela opinião de uma autoridade que serve de base à sua autoridade política. O interesse verdadeiro dos Reis não é de modo nenhum que um dos poderes domine o outro, mas que todos se apoiem, se entendam e atuem de acordo'. Por isso, se a 'ação do poder executivo, isto é, dos Ministros, é irregular, o Rei destitui o poder executivo. Se a ação do poder representativo se toma funesta, o Rei dissolve o corpo representativo. Enfim, se a própria ação do poder judiciário é prejudicial ao aplicar penas demasiado severas às ações individuais, o Rei tempera essa ação com o seu direito de comutação e de indulto'. Acima dos poderes ativos colocava-se, pois, um poder independente e neutro, que era o fiel do equilíbrio dos restantes". Marcelo Caetano, Direito constitucional, cit., v. l, p. 504: "Assim o Imperador, que não estava sujeito a responsabilidade alguma (art. 99), intervinha nos outros Poderes para assegurar o seu regular funcionamento: — relativamente ao Poder Legislativo, competia-lhe nomear os Senadores, convocar extraor- dinariamente, prorrogar ou adiar a sessão da Assembleia Geral, sancionar as leis, dissolver a Câmara dos Deputados (art. 101, l a 5); — quanto ao Poder Executivo, nomeava e demitia livremente os Ministros de Estado (art. 101, n. 6); — quanto ao Poder Judicial, podia suspender os magistrados precedendo processo e audiência do Conselho de Estado, perdoar ou moderar as penas e conceder anistias em caso de urgência (art. 101, 7, 8 e 9). O Poder Executivo era chefiado pelo Imperador que o exercitava pelos seus Ministros de Estado (art. 102), os quais tinham de referendar ou assinar todos os atos dele para que pudessem ter execução (art. 132). Previa-se a existência de um Conselho de Estado, composto de até 10 membros vitalícios nomeados pelo Imperador (arts.137 e 138). para ser ouvido 'em todos os negócios graves e medidas gerais de pública Administração ... assim como em todas as ocasiões em que o Imperador se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador', salvo para a nomeação e demissão de Ministros (art. 142)". Pimenta Bueno, Direito público brasileiro e analise da Constituição do Império, 2. ed.. Brasília, Senado Federal, p. 203: "O Poder Moderador (...) é a suprema inspeção da Nação, e o alto direito que ela tem, e que não pode exercer por si mesma, de examinar como os diversos poderes políticos, que ela criou e confiou a seus mandatários, são exercidos. É a faculdade que ela possui de fazer com que cada um deles se conserve em sua órbita, e concorra harmoniosamente como outros, para o fim social, o bem-estar nacional; é quem mantém seu equilíbrio, impede seus abusos, conserva-os na direção de sua alta missão; é enfim, a mais elevada força social, o órgão político mais ativo, o mais influente, de todas as instituições fundamentais da Nação". Octaciano Nogueira, A Constituição de 1824. p. 24: "Efetivamcnte está aí. claramente descrito, o seu pape) dominante. Pode-se mesmo dizer que o poder moderador moldou o regime político que tivemos nos 65 anos de duração da Carta de 24. E a sua concepção, em última análise, que impulsiona a monarquia constitucional no caminho de seu papel ativo. em contraste com o papel passivo das monarquias parlamentares. Chamado com muita propriedade de poder real, poder imperial, poder neutro ou poder conservador, a sua concepção é atribuída, por Jellinek (L'Etat moderne et son droit), a Clermont-Tonnerre e a Benjamin Constant. Na prática, porém, foi aplicado apenas no Brasil e esta é uma das singularidades da Constituição Política do Império. E, com tal amplitude, que se exercia quer em relação ao Legislativo (nomeando os senadores, convocando, prorrogando e adiando a Assembleia Geral; dissolvendo a Câmara, sancionando as proposições do Legislativo e aprovando e suspendendo interinamente as resoluções das Assembleias provinciais); quer em relação ao Executivo (nomeando e demitindo livremente os ministros de Estado): quer, finalmente, em relação ao Judiciário (suspendendo os Magistrados, perdoando e moderando as penas impostas aos réus por sentença, e concedendo anistia). O que devemos ter em conta em relação à prática constitucional, no entanto, não é propriamente nem a amplitude de tais poderes, nem a circunstância de residirem numa só autoridade, proeminente por sua própria posição política, os dois poderes: o moderador e o executivo. Ao contrário, o que marcou a ação desse poder foi, exatamente. a sua faculdade de descaracterizar o sistema parlamentar que poderia ter sido implantado desde o início da monarquia constitucional, mas que efetivamente, em 1868, como vimos no episódio do Gabinete Zacarias, ainda se revelava impraticável no país. 4 Esse poder, exercido autoritariamente por D. Pedro I, e que terminou levando-o à renúncia em 1831, e zelosamente por seu filho, a quem se atribuía a aplicação implacável do 'lápis fatídico', se exorbitou os poderes do Monarca, de um lado. não impediu, por outro, que a praxe do sistema parlamentar viesse, ainda que tardiamente, a ser a rotina do fim do Império. Foi graças a essa onipotência quase divina do Monarca, que a própria Constituição declarava 'inviolável e sagrada', que D. Pedro II exerceu o seu magistério sobre o sistema político, fazendo-o pendular entre os conservadores e liberais que, entre 1837 e 1868. dominaram o bipartidarismo brasileiro da época". Wilson Accioli, Instituições de direito constitucional. Forense, p. 76: "Por influência de Clermont- Tonnerre — deputado aos Estados Gerais da França — Benjamin Constant desenvolveu, em seus famosos Príncipes de Politique Constitutionnelle, publicados em 1815, a teoria do Poder Moderador, que ele designava neutro ou real. Duas correntes, desde logo, se formaram em tomo dessa novidade: a corrente conservadora e a corrente liberal. Os juristas conservadores, e, entre eles, assinalamos Pimenta Bueno, autor, como vimos, de obra clássica sobre a Constituição, e Paulino de Sousa apoiavam a criação do Poder Moderador. Enquanto isso, os liberais se cindiam em dois grupos, no tocante à compreensão da matéria: um deles defendia a criação do Poder Moderador, julgando, apenas, que o mesmo não devia ser pessoa], mas operar de acordo com o Conselho de Ministros; em contraposição, o outro grupo — que se erigia na facção radical do liberalismo — pugnava pela erradicação do Poder Moderador, por considerarem-no prejudicial à democracia". No entanto, o seu exercício por longo tempo por um monarca culto, moderado, cônscio do seu poder e também das suas responsabilidades fez com que nosso sistema político ascendesse a um alto nível de organização constitucional. Contudo, não se deve esquecer que, dadas as imperfeições do regime representativo então vigente, não se pode falar que tenha ele retratado fielmente a vontade popular. Seria mais certo afirmar que o regime imperial assistiu a uma permanente falsificação da vontade do eleitorado através de uma maciça e constante intervenção do Poder Executivo. 3.2. Semi-rigidez da Constituição Imperial É regra praticamente geral das Constituições o querer serem duradouras. Assim, embora não excluam a possibilidade de alteração Constitucional, fazem com que esta dependa de um processo de alteração muito mais dificultoso, muito mais cheio de obstáculos, que o previsto para a elaboração de uma lei comum. Segundo a sua rigidez, as Constituições são, pois, rígidas ou flexíveis. A Constituição Imperial de 1824 é bastante original na matéria, criando uma terceira categoria de Constituições, aquela marcada pela existência de dispositivos rígidos e dispositivos flexíveis. Em outras palavras, a Constituição encampa a distinção entre Constituição material e Constituição formal. Todos os dispositivos que integrassem a primeira, isto é, que entendessem com a própria substância ou o cerne do Estado, seriam apenas modificáveis por maioria, extremamente exigente em três legislaturas consecutivas. Para as que fossem apenas formalmente constitucionais, isto é: detinham tal qualificação não em razão do assunto que tratavam, mas do mero fato de estarem presentes na Constituição, para elas, dispensava-se qualquer exigência específica, contentando-se com os requisitos necessários à elaboração da lei comum. Há que se ressaltar, portanto, a grande plasticidade e adaptabilidade do Texto Constitucional de 1824. Afonso Celso, em seu livro Oito anos de Parlamento, chamou a atenção para o 5 fato de que até mesmo a República poderia ter sido implantada no País sem que houvesse necessidade de derrubar a Constituição, bastando para tanto uma Emenda2. 2. Francisco de Assis Alves, "As Constituições do Brasil", obra integrante do número especial da Revista de Direito Constitucional e Ciência Política, p. 14: "Estavam no Título oitavo da Constituição de 1824 junto com os enunciados dos direitos individuais, as disposições sobre o processo de emenda à constituição. Essas regras hauridas do Direito Constitucional francês eram, contudo, bem mais abrandecidas que as adotadas pela Constituição Francesa de 1791. No entanto, tratava-se de processo bastante dificultoso e solene, o previsto pela Carta Brasileira de 1824, para as alterações de seu texto. Ela própria, pela verba de seu artigo 178, estabelecia critérios diferentes de emendas. Para as matérias constitucionais, aquelas afetas aos limites e atribuições respectivas dos poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos, havia um processo de reforma, que deveria assujeitar-se aos requisitos dos artigos 174 a 177. Por isso, a proposta de reforma constitucional, objetivando atingir matéria dessa índole,só se tomou possível depois de passados quatro anos do juramento da Constituição Brasileira. A partir daí, se reconhecido que algum de seus artigos merecesse reforma, o respectivo processo seria deflagrado mediante proposição escrita, originária da Câmara dos Deputados, com apoio da terça parte de seus membros. Vencida essa etapa, a seguinte seria a leitura da proposta, por três vezes, com intervalos de seis dias de uma para outra. Se admitida a discussão, pela Câmara dos Deputados, depois da terceira leitura, seguia- se na tramitação prevista para a elaboração de uma lei. Expedida a lei. que era promulgada e sancionada pelo Imperador, em forma ordinária, nela já estaria contida a ordem dirigida aos eleitores dos deputados para a legislatura seguinte, no sentido de que, nas procurações, lhes fosse conferida especial faculdade para a reforma visada. Depois de instalada a próxima legislatura, na sua primeira sessão, seria discutida a matéria sobre a reforma postulada. Se aprovada, seria introduzida na Lei Fundamental que, por sua vez, juntava-se à Constituição, para ser solenemente promulgada. Quanto às matérias de essência não constitucional que, segundo visto, para a Constituição do Império eram aquelas sem referência aos limites e atribuições dos poderes políticos, e aos direitos políticos, e individuais dos cidadãos, o seu processo de emenda era bem mais simples. Tudo o que não fosse constitucional, disse o artigo 178, iiifine, da Carta de 1824, poderia ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinárias". De outra parte é sabido que em determinado momento da monarquia floresceu uma prática parlamentarista que acabou por implantar no País um regime que o texto frio da Constituição não autorizava, mas ao contrário vedava. A monarquia esteve, portanto, muito ligada ao sistema parlamentar. Inspirou-se muito no regime inglês e no século XIX, sem falar na própria Inglaterra, que foi alma mater do regime representativo, na precisa observação de Oliveira Lima, em seu livro O Império brasileiro. Nessa obra ainda observa ele que: "O nosso parlamentarismo foi entretanto mais uma lenta conquista do espírito público do que um resultado do direito escrito"3. 3. Marcelo Caetano. Direito constitucional, cit., v. l, p. 519: "A Constituição de 1824 organizara um sistema de governo representativo pessoal: o Imperador, representante da Nação, exercia os Poderes Moderador e Executivo, este através de Ministros da sua escolha, sob a fiscalização mas não na dependência da Assembleia Geral (Senado e Câmara dos Deputados). Mas as circunstâncias vão conduzindo a prática constitucional no sentido de um sistema em que o governo representativo, sem deixar de ser pessoal do Chefe de Estado, adota certos ritos do governo parlamentar. Resulta daí uma fórmula mista, que só pode considerar-se parlamentarista quando se ressalve a sua não correspondência exata como tipo britânico, do qual aceitou algumas aparências, mas não o espírito. Os caracteres do parlamentarismo do segundo reinado, caso curioso, coincide quase ponto por ponto com o que foi praticado em Portugal, na mesma época, para executar à luz das ideias do tempo uma Constituição praticamente igual à Brasileira". 6 Octaciano Nogueira. A Constituição de 1824, cit.. p. 23: "Foi exatamente na existência desse poder que se fundaram, de um lado, tanto o voluntarismo exclusivista de Pedro l, na escolha dos ministérios de sua livre conveniência, em aberta dissenção com a maioria parlamentar, quanto os ultraconservadores que sempre invocaram sua existência para mostrar que a Constituição não quis, não previu e, portanto, não concebeu a prática do sistema parlamentar entre nós. Se este se estabeleceu, paulatina e progressivamente, pela prática, independentemente das leis, isto se deveu, como vimos, única e exclusivamente ao arbítrio de D. Pedro II que, voluntariamente, por deliberados atos de tolerância para com o sistema político, delegou os poderes que tinha aos sucessivos Ministérios com os quais governou e que nem sempre escolheu". Octaciano Nogueira considera uma das maiores virtudes do Texto de 1824 a de permitir que um sistema político nele não previsto, o parlamentarista, fosse sendo paulatina e progressivamente adotado, à medida que se cristalizavam os costumes parlamentares e na proporção em que os costumes políticos se aprimoravam enquanto o País se civilizava. Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, a Carta de 1824 estabeleceu uma vigorosa centralização político-administrativa, pela qual se acabou por evitar o que ocorreu na América espanhola, fracionada em razão dos particularismos locais criados a partir da administração colonial. Paulo Bonavides chama a atenção para um aspecto pouco estudado na Carta de 1824, qual seja: a sua sensibilidade precursora para o social. Depois de justificar a sua posição, termina por uma feliz síntese da significação profunda da Constituição de 1824. Diz ele, em sua obra A Constituição de 1824: "A Constituição do Império foi, em suma, uma Constituição de três dimensões: a primeira, voltada para o passado, trazendo as graves sequelas do absolutismo. A segunda, dirigida para o presente, efetivando em parte, e com bom êxito no decurso de sua aplicação, o programa do Estado liberal, e uma terceira, à primeira vista desconhecida e encoberta, pressentindo já o futuro". Se cotejarmos o Texto de 1824 com as efetivas práticas constitucionais, vamos notar um acentuado divórcio. Com efeito, não era possível ao Brasil da época praticar na sua pureza todos os institutos previstos na Lei Maior. Nada obstante isto, é preciso reconhecerem-se-lhe inegáveis méritos: Foi sob ela que o País manteve a integridade nacional. Dela, ainda, decorreram os primeiros passos, no sentido da democracia. E, finalmente, talvez o que seja o seu maior mérito, foi o Texto de maior longevidade em todo o nosso direito constitucional, sob o qual vigorou um regime que praticamente governou o País durante o século XIX. No mesmo sentido encontramos as palavras de Octaciano Nogueira (A Constituição de 1824, p. 2): "É a partir deste dado que se deve examinar a importância de nossa primeira Carta na história constitucional do país. Afinal, a Constituição de 24 não serviu apenas para os momentos de estabilidade política, conseguida, no Império, a partir da Praieira (1848-1849), que foi a última rebelião de caráter político no período monárquico. Serviu, também, com a mesma eficiência, para as fases de crise que se multiplicaram numa sucessão interminável de revoltas, rebeliões e insurreições, entre 1824 e 1848. Mais do que isso: foi sob esse mesmo texto, emendado apenas uma vez, que se processou, sem riscos de graves ruturas, a evolução histórica de toda a Monarquia. Essa evolução inclui fatos de enorme relevância e significação tanto política como econômica e social. As intervenções no Prata e a Guerra do Paraguai; o fim 7 da tarifa Alves Branco, de 1844; a supressão do tráfico de escravos; o início da industrialização e a própria abolição, em 1888, são alguns desses exemplos". CAPÍTULO 2 CONSTITUIÇÃO DE 1891 SUMÁRIO: 1. Fatores determinantes. 2. O Decreto n. 1 e suas principais mudanças. 1. FATORES DETERMINANTES A 15 de novembro de 1889, dá-se no Brasil um golpe de Estado, pelo qual se põe fim à monarquia, destituindo-se por conseguinte o Imperador, proclamando-se uma República Federativa. É de notar-se que este movimento não veio calcado em grandes movimentações populares ou em uma parte da opinião pública. Na verdade tudo se cifrou a um movimento de tropas situadas no Rio de Janeiro, a que a nação limitou-se a assistir. Isto não quer dizer, contudo, que os ideais da República e da Federação, mais este último até do que o primeiro, não tivessem encontrado econo País'. 1. Cláudio Pacheco. As Constituições do Brasil, Instituto Tancredo Neves, 1987, p. 27: "O tema que me foi prescrito para explanar neste momento, o da Constituição de 1891, em verdade não é de maior relevância, porque esta Constituição carece de um fundamento de legitimidade popular e, além disso, não alcançou uma satisfatória realização na sua rota de vivências políticas. Faltou-lhe essa legitimidade porque o seu fato gerador — a proclamação da república, resultou de um seco golpe militar, que não veio pela onda de um movimento coletivo. O povo foi literalmente surpreendido por um ataque de comando e tropa do Exército isolado do Rio de Janeiro. Não se objetará que naquele tempo o nosso povo ainda não estava dotado de sensibilidade e agilidade políticas. Ora não estaria assim incapacitado um povo mas saído da empolgação nacional e torrencialidade do movimento abolicionista. E faltou-lhe realização política porque o aparato democrático da Constituição de 1891 ficou inerte, em sua maior parte, durante o longo período da sua vigência, em que somente vigorou e predominou o poder presidencial do regime executivo que ela introduziu por sua preceituação constitucional". Foram diversos os movimentos que proclamaram a sua inspiração em uma dessas ideias, embora seja forçoso reconhecer que o ideário republicano federalista estivesse muito incipiente, sem contornos claramente definidos, pois o ideal predominante era o de emancipação política. Francisco de Assis Alves, muito categoricamente, afirma que o primeiro evento realmente informado pelo ideal republicano federativo foi a Revolução Pernambucana de 1824. De outra parte, nota-se que a dissolução, por D. Pedro I, da Assembleia Constituinte, provoca um grande desalento em Pernambuco. O repúdio pelo gesto foi tão grave que deu lugar ao movimento revolucionário, com a colaboração de várias Províncias do Norte do País, culminando com a Proclamação de uma Confederação do Equador levada a efeito a 2 de julho de 1824. No Rio Grande do Sul, proclamou-se em 1835 a República de Piratinim, logo sufocada. A partir daí, os ideais republicano e federativo como que hibernam em longo sono do qual só acordarão em 1870, com a fundação no Rio de Janeiro do clube 8 republicano patrocinado pelo jornal A Republica. Logo em seguida, em abril de 1873, ocorre a Convenção de Itu em São Paulo, da qual surge o Congresso Republicano Provincial, integrado, conforme Afonso Arinos, pelos representantes individuais de vinte e nove municípios. Destes, catorze eram advogados e nove fazendeiros. Eleita a primeira comissão executiva, verificou-se que ela era composta de três advogados: Américo Brasiliense, Américo de Campos e Campos Sales. E, por quatro fazendeiros: João Tibiriçá, Tobias de Aguiar, Martinho Prado e Augusto da Fonseca. Podemos ainda passar em revista os demais fatores que determinaram a queda do império, aproveitando a precisa e lúcida colocação do mestre Afonso Arinos: "1º A transformação da economia agrária determinando ou concorrendo para acontecimentos importantes; 2º O aparecimento do exército com força política influente, em substituição aos partidos em declínio, passando, aos poucos, a ser força decisiva e quase dominadora; 3º A aspiração federalista, que, perceptível desde a constituinte de 1823, foi se desenvolvendo gradativamente durante o Império; 4º Certas influências culturais, principalmente o positivismo; 5º O isolamento em que se achava o Brasil como única Monarquia continental e, graças ao mais estreito intercâmbio internacional, uma natural tendência ao enquadramento no sistema americano predominante, que era o da República presidencialista; 6º O envelhecimento do imperador e seu relativo afastamento de um cenário político novo, cujos líderes ele não conhecia bem; a ausência de herdeiro masculino da Coroa e a falta de popularidade do príncipe-consorte estrangeiro" (Direito constitucional, cit., p. 115-7). 2. O DECRETO n. 1 E SUAS PRINCIPAIS MUDANÇAS O primeiro ato jurídico do movimento armado de 15 de novembro de 1889 consistiu na edição do Decreto n. 1, redigido por Rui Barbosa. Por este diploma ficava provisoriamente decretada a forma de governo da nação brasileira: a República Federativa. As províncias eram alçadas a Estados para poderem fluir daquela autonomia própria dos Estados-Membros de uma Federação. Ficavam também autorizadas a editarem oportunamente suas Constituições. De outra parte houve a criação, pelo governo provisório, de uma comissão especial para elaborar o Anteprojeto de Constituição, composto de cinco membros, passando a ser conhecida como "Comissão dos Cinco"2. 2. Octaciano Nogueira, A Constituição de 1891, Fundação Projeto Rondon, p. 2: "Ponderados e discutidos todos esses alvitres, a 'comissão dos cinco', como ficou designada em nossa história constitucional, elaborou o projeto definitivo e entregou-o ao Governo Provisório, em 30 de maio de 1890. Nesse trabalho coletivo as antigas províncias passaram a ser consideradas estados; não se falava em territórios, porque o Dr. Magalhães Castro cedeu a empenhes do Governo Provisório e abandonou sua primitiva opinião. Na distribuição das rendas prevaleceu o projeto Werneck-Pestana; mas entendeu-se dever suprimir os impostos de exportação, a datar de 1897. A Câmara dos Deputados teve a legislatura fixada em três anos; o Senado, eleito pelo sufrágio direto dos eleitores, prolongando-se o período por nove anos, como sugeriram Werneck e Pestana. O mandato do Presidente da República reduziu-se a cinco anos, de conformidade com a lembrança de Magalhães Castro; mas preferiu-se a eleição por eleitorado especial, a exemplo dos Estados Unidos e da Argentina. Os secretários de Estado não podiam comparecer às sessões do Congresso; só iriam às comissões prestar esclarecimentos. Enfim, no Judiciário, determinava-se que o Supremo Tribunal de Justiça se compusesse de quinze Juízes, nomeados pelo Senado, sem interferência do Poder Executivo: é o judicioso processo da Constituição suíça". 9 Nesta ocasião, inclusive quando do debate do Projeto na Asseirbléia Constituinte, exerceu grande influência a personalidade marcante de Rui Barbosa. Não é de se estranhar, pois, que a Constituição tenha encampado muitas de suas ideias, sobretudo a do Federalismo Americano, do qual era grande conhecedor3. 3. Rui Barbosa, apud Anníbal Freire da Fonseca, A Constituição de 1891, Fundação Projeto Rondon, p. 7: "Foi, como se sabe, enorme a influência dos Estados Unidos na elaboração do nosso estatuto fundamental. Ela vinha endossada pelo governo provisório, no decreto de organização da justiça federal. Discutindo uma questão constitucional. Rui Barbosa ratificou essa consagração: 'nossa lâmpada de segurança será o direito americano, suas antecedências, suas decisões, seus mestres. A Constituição Brasileira é filha dele e a própria lei nos pôs nas mãos esse foco luminoso' ". Do papel do grande Rui, nos dá conta, com muita felicidade, Wilson Accioli, em sua obra Instituições, cit., p. 78: "A despeito de alguns publicistas discordarem, o fato é que há fundamento justificado na assertiva de que teria Rui Barbosa redigido, quase por inteiro, a Constituição de 1891. Em verdade, ingente foi o esforço do grande brasileiro, não só na elaboração do Estatuto Básico como também na defesa e interpretação do seu texto. Procurou ele, por todos os modos — conforme patenteamos — preservar o espírito republicano de que era reflexo a nova Constituição, explicando ao povo, através da tribuna e dos jornais, sua essência e escopo". Com a Constituição Federal de 1891, o Brasil implanta, de forma definitiva, tanto a Federação quanto a República. Por esta última, obviam-se as desigualdades oriundas da hereditariedade, as distinções jurídicas quanto ao status das pessoas, as autoridadestornam- se representativas do povo e investidas de mandato por prazo certo. A Federação implicou a outorga de Poderes Políticos às antigas Províncias, que assim passaram a governar os seus assuntos com autonomia e finanças próprias4. 4. Cláudio Pacheco, Aí Constituições do Brasil, cit.. p. 32: "Confirmando o que já decretara o Governo Provisório, a Constituição de 1891 implantou na estrutura constitucional brasileira aquilo que nela própria se denominava de 'República federativa', constituída pela união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias, pomposamente erigidas em Estados autônomos. A Federação vinha assim tomar o lugar da desmoronada envergadura da centralização monárquica. A estes Estados, assim erigidos por via de legislação, por meio de outorgas dadivosas de autonomia, foi deixada uma larga margem de competência que se expandia não só pela cláusula que facultava aos Estados regerem-se pela Constituição e pelas leis que adotassem, como pela outra que lhes facultava 'em geral todo e qualquer poder, ou direito que lhes não for negado por cláusula expressa ou implícita contida nas cláusulas expressas da Constituição". Assim, toda a massa invisível e enorme de poderes que escapasse da enumeração, sempre lacunosa, de atribuições conferidas ao poder federal pela Constituição, explicitamente, refluía para a competência dos novos Estados. Mas, emitindo em sentido oposto, a Constituição conteria ao Governo Federal, por uma cláusula que a prática constitucional revelou incompleta e elástica, o poder de intervir em negócios particulares dos Estados, cindindo c suplantando então toda a sua autonomia, sempre que se tornasse necessário repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro, manter a forma republicana federativa, restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados à requisição dos respectivos governos e assegurar a execução das leis e sentenças federais". Para excluir o perigo de qualquer movimento de secessão ficou claro que a União era perpétua e indissolúvel. De outra parte, procurou-se conferir a estes dois princípios uma estabilidade mais acentuada que às demais regras da Constituição, uma vez que eram insuscetíveis de modificação, ainda que por Emenda Constitucional. 10 Quanto aos poderes, volta-se à teoria clássica de Montesquieu, com um Executivo presidencialista, um Legislativo dividido em duas casas: o Senado e a Câmara dos Deputados, sendo o primeiro composto por representantes dos Estados, em número de três, com mandato de nove anos, e a segunda, recrutados em cada uma das unidades da Federação, procurando manter uma proporcionalidade, ainda que não absoluta com a população desta. O Judiciário sai fortalecido, não só com funções que antes não exercia como as do controle dos atos legislativos e administrativos, mas também com as seguintes prerrogativas: vitaliciedade (art. 57) e irredutibilidade de vencimentos (art. 57, § 1º). Fica assim claro que na nova estrutura não havia guarida para o Poder Moderador. Quando da primeira eleição, o Presidente da República e o Vice eram eleitos por sufrágio direto da Nação e maioria absoluta de votos. A apuração ocorria na Capital Federal e nas Capitais dos Estados, para onde eram enviados os votos das respectivas circunscrições. Nota-se, pois, o nítido avanço democrático, abandonando-se o voto censitário. No entanto, pelo crime de responsabilidade, o Presidente passa a ser submetido a processo de julgamento junto à Câmara, que preliminarmente tinha de manifestar-se por dois terços dos seus votos. Se a favor da denúncia, procedia-se à segunda fase consistente no julgamento propriamente dito, que era feito pelo Senado, nos crimes de responsabilidade, e pelo Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns5. 5. Rui Barbosa. A imprensa. Ministério da Educação e Saúde, 1947: "Na forma política onde se moldou a Constituição brasileira, todos os grandes pensadores, todos os observadores de valor são unânimes em reconhecer e temer o poderio dos Presidentes. Dos freios e contrapesos, a que o regímen parlamentar submete a coroa dos monarcas, a república presidencial exonerou a autoridade do Chefe do Poder Executivo. Todo este ramo da energia constitucional absorve-se numa só individualidade, sobre a qual nenhuma ação têm os Ministros e o Congresso. Em vez de ser governado por uma comissão do parlamento, o país é regido pela discrição de um homem, cuja força igualaria à do Tzar, ou à do Sultão, se o curto período do seu ascendente o não desarmasse, a descentralização federativa o não circunscrevesse, e o papel extraordinário da Justiça Federal lhe não criasse obstáculos à ditadura". A Declaração de Direitos mereceu grande destaque na Lei Maior de 1891. Abrandam-se as penas criminais, suprimindo-se as penas de galés, de banimento judicial e de morte. Conquista importante foi feita no terreno das garantias constitucionais que não constavam do Texto anterior. A Constituição Federal de 1891 se vê aclamada pelo utilíssimo Habeas Corpus, instrumento jurídico de grande valia na repressão às prisões indevidas e aos atentados ao direito de locomoção em geral. Ele não era desconhecido em nosso direito. Na verdade fora introduzido pelo Código Criminal de 1830, traduzindo- se em ato de grande importância, sendo agora guindado ao Texto Maior. A propósito, o Habeas Corpus vai representar um papel em nosso direito, de certa forma mais importante do que o cumprido em muitos países. É que no início do século XX ele vai sofrer uma interpretação muito extensiva, a ponto de se tornar um instrumento utilizável até mesmo em hipóteses que não seriam propriamente de preservação da liberdade física6. 6. Marcelo Caetano, Direito constitucional, cit.. v. l, p. 542: "A Constituição, no § 22 do art. 72 e no seguimento da tradição vinda desde o primeiro Código do Processo Criminal do Império, permitia o habeas corpiis sempre que o indivíduo sofresse ou se achasse em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso do poder. 11 Na concepção britânica o habeas corpus era o writ que mandava soltar o indivíduo ilegalmente detido ou preso, assegurando a sua liberdade de locomoção ou deslocação. No Brasil, ele foi largamente usado nessa função. Mas Rui Barbosa lançou mão desse remédio, à falta de outro, para fazer face a outras ofensas ou ameaças a direitos individuais resultantes de ilegalidade ou abuso de poder, visto a Constituição não restringir o âmbito dele. Assim nasceu, com a consagração pelo Supremo Tribunal Federal, a doutrina brasileira do habeas corpus graças à qual foram defendidas a inviolabilidade do domicílio, a situação e direitos dos funcionários, a liberdade do exercício da profissão etc. Mas por outro lado, essa extensão do instituto também veio a servir de instrumento das lutas entre facções políticas: quando, como frequentemente sucedeu, as eleições eram contestadas e dois governadores, duas assembleias estaduais ou dois conselhos municipais pretendiam estar regularmente eleitos a exercer as funções, os preteridos recorriam muitas vezes aos Juízes a impetrar habeas corpus levando os tribunais, por esse meio, a decidir quem legitimamente deveria ser investido". Quanto à reforma da Constituição, todas as normas que a compunham passaram a ser consideradas constitucionais. Destarte, qualquer de seus preceitos só poderia ser alterado mediante um processo árduo, descrito no seu art. 90 e §§ 1º a 4º. Descaracteriza-se assim a antiga distinção que se fazia entre norma material e formalmente constitucional, que prevaleceu na Constituição Federal do Império7. 7. Carlos Maximiliano, Comentários à Constituirão brasileira, 4. ed., 1948, v. l, p. 67: "Pretendiam alguns apenas retocá-la; almejavam outros reforma radical, restringindo a autonomia dos Estados e restaurando o regime parlamentar. Alistou-se entreos primeiros o próprio Rui Barbosa, um dos autores do projeto de que resultou a Constituição; avantajara-se entre os últimos um dos maiores oradores parlamentares que brilharam sob o Império, Silveira Martins". Finalmente é preciso que se diga o seguinte: a Constituição de 1891 recebeu um duro golpe provindo da própria realidade que ela pretendia regulamentar. Com efeito, desde a sua entrada em vigor, foram frequentes as crises, tomando-se necessária a decretação do estado de sítio. De outra parte, os próprios teóricos não acreditavam nas suas virtudes, pretendendo, alguns, suprimi-la pura e simplesmente, e outros, modificá-la. Foram estes últimos que prevaleceram, levando a cabo uma reforma do Texto Constitucional em 1926, marcada por uma conotação nitidamente racionalista, autoritária, introduzindo alterações no instituto da intervenção da União nos Estados, no Poder Legislativo, no processo legislativo, no fortalecimento do Executivo, nos direitos e garantias individuais e na Justiça Federal. Em conclusão, qualquer que seja o juízo que se faça sobre as virtudes desta Emenda, o certo é que ela não teve o condão de garantir longevidade ao Texto Constitucional. Ele estava fadado a ser varrido das nossas instituições também por um movimento armado em 1930, quando então se fecha o período hoje denominado Primeira República. CAPÍTULO III CONSTITUIÇÃO DE 1934 SUMÁRIO: 1. Pontos principais. 2. Constituição democrática e social. 12 1. PONTOS PRINCIPAIS Ao debruçarmo-nos sobre a Constituição de 1934, dois pontos principais chamam a nossa atenção: a) o extremo caráter compromissório assumido pelo Texto ante as múltiplas divergências que dividiam o conjunto das nossas forças político-ideológi-cas da época; b) a curtíssima duração de sua vigência, visto que, promulgada em 1934, estava condenada a ser abolida já em 1937 pela implantação do Estado Novo. Quer um, quer outro desses aspectos merecem um estudo mais aprofundado e é o que, doravante, passaremos a fazer. Não foi a Constituição de 1934 que pôs em derrocada a de 1891, uma vez que esta já se encontrava substituída pelo Decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, que instituiu juridicamente o Governo Provisório oriundo da Revolução vitoriosa. Esta, como bem salienta Marcelo Caetano, se afigurava como um mero conflito de grupos no seio do regime: "Os governantes de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e da Paraíba discordaram do Presidente Washington Luiz quando este designou o seu sucessor na presidência sem prévia consulta aos Estados acerca de outros possíveis candidatos, e formaram a Aliança Liberal, que apresentou candidatos próprios _ Getúlio Vargas e João Pessoa — à eleição para Presidente e Vice-Presidente da República que se realizou em 1º de março de 1932" (Direito constitucional, Forense, v. 1). Os desdobramentos desses fatos também são de sobejo conhecidos. O partido derrotado, cônscio de ter ao seu lado parcela importante da população, irresignou-se com o resultado, partindo para a disputa pelas armas que, afinal, lhe deram razão. Na verdade, contudo, a interpretação do fenômeno de 1930 como uma mera quizília entre governantes caprichosos é por demais simplista e não faz jus às profundas causas que vinham minando a Constituição de 1891. Fatores outros, de soberba importância, colaboraram para a sua consecução. Com efeito, o sistema eleitoral existente à época, controlado pelas oligarquias locais, não contava com a confiança dos cidadãos. Conforme bem salienta Araújo Castro em A nova Constituição brasileira, ao tratar do tema "Justiça Eleitoral", urgia que se fizesse desaparecer o falseamento da democracia. Tornara-se inadmissível que o reconhecimento dos eleitos fosse efetuado pelo próprio poder político, representado pelo Legislativo. Era imperativo que o conceito de conveniência do partido político fosse substituído pelo de justiça, conforme de direito. O voto descoberto, a desorganização e a indisciplina reinantes nos partidos locais, todos à mercê dos "coronéis", industriais e banqueiros, haviam acabado por desnaturar o mandato político. O direito à participação política das mulheres, de há muito reivindicado, não encontrava eco entre os detentores do poder, incompatibilizando-os com parcela significativa da sociedade. Em que pese a importância do Judiciário, capaz, segundo Lopes Gonçalves, de por si só "conduzir o país à culminância da grandeza e da mais ampla prosperidade, desde que tenha a sua organização traçada com alta elevação, o melhor método possível e as mais sólidas garantias", notória era a falta de autonomia de que padecia à época. 13 O princípio da vitaliciedade era relativo e o da inamovibilidade quase que insubsistente, pondo em risco a independência de decisão de seus membros. Por outro lado, a crise econômica de 1929, bem como o surgimento de movimentos sociais pleiteando melhores condições de vida, trabalho e distribuição de renda, geraram controvérsias quanto à validade da democracia liberal e do liberalismo econômico. Consequências diretas deste quadro foram o surgimento de correntes extremas, tanto de direita quanto de esquerda, e a eclosão de regimes fortes em diversas partes do globo. O movimento irrompido em São Paulo, em 9 de julho de 1932, chamado "Constitucionalista", embora não tenha alterado a data fixada para a convocação da Assembleia, traduziu-se, sem dúvida, num elemento de pressão para que ela se cumprisse. O trabalho desenvolvido pelos Constituintes, em função do alto nível de seus membros, dos acirrados debates travados e perpetuados nos Anais da Constituição de 1934, acabou por traduzir-se em fonte de grande significação jurídica, de alto valor científico. A Constituição foi promulgada após a aprovação final da redação, em 16 de julho de 1934 1. 1. Miguel Reale, Momentos decisivos do constitucionalismo brasileiro. Revista de Informação Legislativa, 77:63: "Em tal contexto, com suas estruturas ainda indefinidas, quando as antigas oligarquias a custo se acomodavam aos novos papéis que a República Nova lhes conferia, sendo raros os líderes capazes de atuar de maneira decisiva no flanco das ideias, uma Assembleia Constituinte foi convocada para elaborar um diploma capaz de atender à Nova Nação que emergira do primeiro pós-guerra. E surgiu, assim, a Constituição de 1934". Esse Estatuto Político, a par de assumir teses e soluções da Constituição de 1891, rompeu com a tradição até então existente, porque, sepultando a velha democracia liberal, instituiu a democracia social, cujo paradigma era a Constituição de Weimar. Define Paulino Jacques as principais alterações ocorridas como sendo: a) quanto à forma: 1) introdução do nome de Deus no preâmbulo; 2) incorporação ao texto de preceitos de direito civil, de direito social e de direito administrativo; 3) multiplicação dos títulos e capítulos, ficando a Constituição com mais do dobro de artigos que tinha a de 1891; b) quanto à substância: 1) reforço dos vínculos federais; 2) poderes independentes e coordenados entre si; 3) sufrágio feminino e voto secreto; 4) o Senado com funções de prover a coordenação dos poderes, manter a continuidade administrativa e velar pela Constituição; 5) os Ministros de Estado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presidente da República e obrigados a comparecer ao Congresso para prestarem esclarecimentos ou pleitearem medidas legislativas; 6) a Justiça Militar e Eleitoral, como órgãos do Poder Judiciário; 7) o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos Técnicos, coordenados em Conselhos Gerais, assistindo aos Ministros de Estado, como órgãos de cooperação nas atividades governamentais; 8) normas reguladoras da ordem econômica e social, da família, educação e cultura, dos funcionários públicos, da segurançanacional. Algumas dessas medidas revestem-se hoje de um caráter até certo ponto esdrúxulo, eis que não continuaram a ser prestigiadas nas Constituições posteriores, mantendo-se em remansoso oblívio2. 2. Josaphat Marinho, A Constituição de 1934,in As Constituições do Brasil. Instituto Tancredo Neves, p. 48: "Dir- se-á que a Constituição de 1934, além daquelas omissões já apontadas, encerrou outras falhas, que lhe reduziram o horizonte e a influência histórica. É exato. A representação profissional ou de classe (art. 23) e a transformação do Senado em órgão de coordenação de poderes (art. 88) não se revelaram inovações que pudessem robustecer a democracia e a federação, ou o funcionamento do Legislativo. Uma se vinculava ao 14 regime corporativo, que entrou em decadência. A outra indicava combate ao bicameralismo, mas consistiu numa solução contraditória, que resultou em atribuir competência legislativa a órgão que não integrava o Poder Legislativo, e dele era apenas colaborador (arts. 22, 90, c, 91, 44 e outros). É de admitir-se, também, que o Anteprojeto de Constituição, elaborado pela Comissão do Itamarati, foi mais renovador, e no concernente ao Poder Legislativo de maior coerência, porque, preferindo o regime unicameral, suprimia o Senado, ao invés de desfigurá-lo e mantê-lo". Assim ocorreu, por exemplo, com o papel outorgado ao Senado, como órgão de coordenação dos demais poderes. Dispunha o art. 88: "Ao Senado Federal, nos termos dos artigos 90,91 e 92, incumbe promover a coordenação dos poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura das leis e praticar os demais atos da sua competência". Era como que a reconstituição do Poder Moderador do Império, transformado no órgão supremo do Estado. Marcelo Caetano vê nele semelhanças como o Senado Conservador das Constituições francesas do ano VIII e do ano X 3. 3. Marcelo Caetano, Direito constitucional, cit., v. l, p. 553: "Na verdade, depois de regular os três poderes clássicos, dedica um capítulo à coordenação dos poderes e outro aos órgãos de cooperação nas atividades governamentais. A coordenação dos poderes seria feita pelo Senado Federal, a quem se daria uma espécie de Poder Moderador, transformando-o no órgão supremo do Estado, à semelhança do Senado Conservador das Constituições francesas do ano VIII e do ano X. No intervalo das sessões legislativas, o Senado continuaria em exercício através da sua Secção Permanente". Araújo Castro, A nova Constituição brasileira, Freitas Bastos. 1935, p. 5 e 6: "Não nos parece que haja sido feliz o legislador constituinte na organização dada ao Senado Federal, porque, no nosso regime, não se concebe que a um órgão se confira a faculdade de coordenar os poderes políticos, mormente declarando-se, como se declara expressamente, que esses poderes são independentes e coordenados entre si. Além disso, entre as atribuições que lhe foram outorgadas, algumas há que poderão dar lugar a frequentes conflitos com o Poder Executivo, em detrimento da ordem pública e dos altos interesses do país". Também os Conselhos Técnicos, de existência prevista em todos os Ministérios, os quais tinham poder de veto das decisões ministeriais, por parecer unânime, foram relegados ao esquecimento, destino reservado também ao Unicameralismo do Legislativo, e à representação classista na Câmara dos Deputados. Outras inovações, contudo, incorporaram-se ao nosso direito constitucional, traduzindo-se em autênticos avanços que marcaram como que baluartes avançados, sobretudo no campo das nacionalizações e dos direitos sociais, os quais seria mesmo impensável recusar em nossos dias. Citem-se, a título de ilustração, entre as anteriormente arroladas, as alterações na legislação eleitoral, a sindicalização, as normas de Previdência Social, o mandado de segurança e a ação popular 4. 4. Francisco de Assis Alves, As Constituições do Brasil, Revista, cit., p. 34: "Um dos melhores momentos de inspiração dos constituintes de 34 foi o da criação da Justiça Eleitoral. Este o grande destaque do Poder judiciário, na Carta Política da Segunda República. O sistema representativo ganhou em muito com a Justiça Eleitoral, preparada dentro dos prin- cípios da independência e imparcialidade, para tratar de toda matéria que lhe é afeta. Posto acima dos interesses partidários, esse órgão teve por escopo aperfeiçoar e moralizar o sistema eleitoral. A Justiça Eleitoral, consignou Wenceslau Escobar, 'teve o objetivo de pôr termo aos escandalosos reconhecimentos pela Câmara dos Deputados de cidadãos que, sem terem sido eleitos, a Câmara os diplomava como representantes da Nação' (Correio do Povo — Porto Alegre — 2-12-36)". Ronaldo Poletti, A Constituição de 1934, Centro de Ensino à Distância, p. 34: "Aliás, a Cons- 15 tituição de 34, nas pegadas do anteprojeto, trouxe muitas contribuições a esse tema do controle da constitucionalidade. De fato, estabeleceu o recurso extraordinário das decisões das causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância, quando se questionasse sobre a vigência ou validade de lei federal em face da Constituição (art. 76, III). Determinava, ainda, que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público (art. 179). Mas, a mais importante inovação estava na citada competência do Senado. Era a maneira de solucionar um dos mais graves problemas do controle da constitucionalidade. A ausência da regra do slare decisis implica que os Juízes não estão obrigados a deixar de aplicar a lei, declarada inconstitucional pelo Supremo. A solução da Constituição permitia dar efeitos erga omnes a uma decisão num caso concreto. Além disso, atenuava-se o problema da quebra de harmonia e equilíbrio entre os poderes, pois remetia a um órgão do Poder Legislativo a atribuição de suspender a execução da lei declarada inconstitucional. Outra importante inovação foi a obrigatoriedade de os estados-membros se constitucionalizarem com a observância de determinados princípios, sob pena de intervenção federal. Esta dependeria de o Procurador-Geral da República provocar o exame do Supremo sobre a constitucionalidade da lei violadora do pressuposto. Criava-se, assim, a ação direta de inconstitucionalidade. A Constituição de 34 contribuiu, ainda, para o controle da constitucionalidade, ao arrolar, dentre os direitos individuais, o mandado de segurança, possibilitando que os atos das autoridades fossem impugnados, desde que fundados em lei inconstitucional". Do ponto de vista histórico, a Constituição de 1934 não apresenta relevância. É, no fundo, um instrumento circunstancial que reflete os antagonismos, as aspirações e os conflitos da sociedade daquele momento, mas que estava fadada a ter uma curta duração, abolida que foi pelo golpe de 1937. 2. CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁTICA E SOCIAL O matiz dominante dessa Constituição foi o caráter democrático com um certo colorido social. Procurou-se conciliar a democracia liberal com o socialismo, no domínio econômico-social; o federalismo com o unitarismo; o presidencialismo com o parlamentarismo, na esfera governamental. Ela representa, na verdade, um compromisso diante das diversas forças que protagonizavam os diversos movimentos e eventos políticos que a antecederam. No Brasil, observa-se um certo cansaço pela política chamada de "café-com- leite", que traduzia a supremacia de São Paulo e Minas Gerais, bem como o aumento da pregação tenentista com seus apelos de moralização e de unidade nacional. No período compreendido entre o movimento armado de 1930 e a promulgação da Constituição de 1934, vários acontecimentos tiveram relevo. Uma das primeiras providências tomadas pelo Governo Provisório foi acriação do Ministério da Educação e Saúde Pública e do Ministério do Trabalho e Indústria e Comércio, que aluariam como órgãos de realização da política econômica e social do movimento renovador. Estas duas pastas atiraram-se à tarefa de reorganização e ampliação dos serviços de instrução e saúde pública, expedindo farta legislação sobre direitos e benefícios dos trabalhadores. Segundo Paulino Jacques em seu Curso de direito constitucional, o movi- mento cumpriu nessas áreas as promessas feitas, bastando para tanto lembrar a 16 regulamentação da duração da jornada de trabalho, sindicalização, uniformização das leis de aposentadoria e pensão, estabilidade de emprego, que "mais tarde tomariam grande impulso, para recomendar o movimento à admiração da posteridade". No mesmo ano, 1930, criou-se uma grande comissão de juristas, a qual tinha por fim rever a legislação em vigor e apresentar novas modificações e projetos de lei. Fruto direto do trabalho por ela realizado foi a implantação de reforma eleitoral, que se traduziu não só na adoção do sufrágio secreto universal e direto, incluindo o voto das mulheres, o voto obrigatório e a votação proporcional, mas também a adoção de um estatuto dos partidos políticos e, principalmente, a obra majestosa da instituição de uma Justiça Eleitoral para organizar e disciplinar as eleições, delegando-se aos seus membros as garantias da magistratura federal. O Governo Provisório elegeu uma Comissão incumbida de elaborar um anteprojeto de Constituição Federal, a qual deveria completar seus trabalhos até 3 de maio de 1933, data fixada para a realização das eleições à Assembleia Constituinte. É importante lembrar, aqui, que as forças que fizeram a Revolução de 1930, em 1933 já estavam divididas; de um lado havia um grupo inteiramente fiel a Getúlio, representado pela cúpula do Exército, bem encarnada na figura de Góes Monteiro; de outro, havia o grupo dos tenentistas, que tinham propostas de modificações muito mais radicais. Além disso, há que registrar-se o movimento daqueles que estavam fora do governo, como a velha oligarquia estadual remanescente do Partido Republicano Paulista — "os carcomidos". Havia, ainda, a compor o tabuleiro político, as forças que estiveram ao lado de Getúlio, mas que bandearam. Era o caso do Partido Democrático, cujo programa principal consistia em pretender implantar a verdade da Constituição de 1891. Dentro deste quadro, explicáveis são as diversas concessões feitas pelo Texto Constitucional, à época, tentando conciliar correntes tão diversas. Assim é que encontramos na Constituição uma feição liberal, em resposta às forças não comprometidas com 1930, ao lado de uma marcante tendência centralizadora, tecnocrática, tão bem expressa nos Conselhos Técnicos, criados em atenção às forças getulistas. Getúlio havia intuído que a forma de vergar as oligarquias locais era, precisamente, a criação de um aparelho amplo formado por autênticos tecnocratas. Havia também o lado nacionalista, que era uma resposta a certos setores do Exército, os quais propugnavam pela apropriação, pelo Estado, de certas riquezas e atividades. Embora democrático e social, apresentava o Texto um lado corporativista na medida em que previa, na Câmara dos Deputados, os chamados representantes classistas. Mais uma manobra de Getúlio para subjugar o caciquismo das oligarquias locais. Finalmente, há o lado social da Constituição, que resultou da necessidade de atender à massa urbana proletária existente, sobretudo nas ferrovias e nos portos. Estas atividades eram nevrálgicas para a economia de exportação do País, o que levou Getúlio a enquadrá-las, inclusive pela via de sindicalização oficial. E dizer, de um lado o Governo reconhecia um sindicato como representante da categoria, mas, de outro, passava a exercer um controle sobre ele. Em conclusão, o que se vê é que a Constituição de 1934 espelhava, de forma praticamente fidedigna, as forças expressivas do contexto político-social de então. O que não deixa de revelar, inclusive, um mérito da recente legislação eleitoral que havia sido posta em 17 vigor, a qual levou à formação de uma Constituinte composta por líderes extremamente talentosos e expressivos das mais diversas correntes do pensamento político5. 5. Josaphat Marinho, A Constituição de 1934, in As Constituições do Brasil, cit., p. 47: "Se a Constituição de 1934 não foi revolucionária, no sentido de corporificar transformações radicais, enriqueceu-se de conteúdo progressista. Para certeza desse juízo, basta que sejam realçadas, no conjunto das provisões já referidas, as pertinentes aos direitos sociais. Eram estes, então, 'o divisor de águas entre a democracia individualista e a democracia social', como bem frisou, examinando as inovações da Constituição, o jovem professor Orlando Gomes, portador, na época, de pensamento avançado". A curta duração que teve não deve ser explicada pelos defeitos que trazia em si, mas, em verdade, pela radicalização do clima social de então. Tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita tornaram inviável a sua plena aplicação, gerando condições para que fosse possível o Golpe de 1937. CAPÍTULO IV CONSTITUIÇÃO DE 1937 SUMÁRIO: 1. O golpe de 37. 2. Inaplicabilidade da Constituição de 1937. 1. O GOLPE DE 37 Em 10 de novembro de 1937, o Brasil se vê colocado debaixo de uma nova Carta outorgada. Os antecedentes que propiciaram o desencadeamento do golpe, cuja institucionalização jurídica se deu nesta lei fundamental, foram principalmente os seguintes: a Constituição de 1934, de cunho bastante liberal, pelo menos se confrontarmos as suas disposições com as dificuldades existentes, e as crises de toda ordem que o Brasil ia enfrentar nos anos imediatamente subsequentes. Parece, pois, ter sido este descompasso entre o previsto na Constituição e a realidade por que passava o País que o levou a uma vulnerabilidade muito grande, tomando possível a deflagração vitoriosa do golpe como consequência da perda de credibilidade nesses anos imediatamente antecedentes à Carta de 1937 em que proliferavam no País movimentos de cunho extremista: pela direita a ação integralista e pela esquerda o Partido Comunista, tendo este inclusive praticado um atentado contra um estabelecimento militar. Portanto, a crise espontânea, ou de certa forma insuflada pelo próprio Presidente, serviu de justificativa para que fosse dado o golpe e em seguida adotada a Carta que consagrava o seu ideário, que passaremos a ver em seguida. À Constituição democrática e social de 1934 sucede esta de 1937, inspirada no modelo fascista e, em consequência, de cunho eminentemente autoritário, o que fica visível dentre muitos outros dispositivos no art. 73, que arrola as competências do chefe máximo da nação. Diz este preceptivo: "O Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do país". Vê-se assim que são postas em derrocada as vigas mínimas que poderiam sustentar um Estado democrático e um Estado de Direito1. 18 1. Francisco Campos, em entrevista concedida ao Correio da Manha do Rio de Janeiro, 3 mar. 1945: "A Constituição de 1937 não é uma Constituição fascista. Aliás está muito em moda acoimar-se de fascista a todo indivíduo ou toda instituição que não coincide com as nossas opiniões políticas. No tempo em que o comunismo representava Ia bete noire, a moda era inversa. Comunista era todo indivíduo ou a instituição que julgávamos em desacordo com as nossas convicções políticas. A ascensão do comunismo e o declínio do fascismo no horizonte político mundial determinaram essa inversão. Basta o examemais superficial das linhas gerais da Constituição, para que qualquer indivíduo da mais elementar cultura político verifique que o sistema da Constituição de 1937 nada tem de fascista. Não se conceberia, com efeito, pudesse ser acoimada de fascista uma Constituição que assegura ao Poder Judiciário as prerrogativas constantes da Constituição de 1937. que abre no próprio texto constitucional todo um capítulo destinado a garantir a estabilidade dos funcionários públicos. O art. 177 autorizava a aposentadoria dentro do prazo de 60 dias, a contar da data da Constituição, isto é. até 10 de janeiro de 1938. Ora. como vê, a faculdade era estritamente limitada no tempo e, se continuou a ser aplicada depois, foi por exclusivo arbítrio do Governo. A Carta de novembro estabelece, ainda, a responsabilidade do chefe do Governo, atribuindo ao Parlamento a faculdade de processá-lo e de destituí-lo do mandato; também assegura aos Estados federados a mais completa autonomia. Os males que, porventura, tenham resultado para o país do regime inaugurado pelo golpe de Estado de 1937 não podem ser atribuídos à Constituição. Esta não chegou sequer a vigorar. E, se tivesse vigorado, teria, certamente, constituído importante limitação ao exercício do poder. Poderia haver ao lado ou à sombra da Constituição de 1937 ideologias ou individualidades fascistas. Eram. porém, fascistas frustes, larvados (no bom sentido latino), sem o fundo das grandes culturas históricas, cujo espírito os autênticos fascistas europeus haviam traído, assimilando o seu aspecto técnico e dinâmico e esquecendo os seus valores de sentido e direção. Mas a Constituição de 1937 não é fascista, nem é fascista a ditadura cujos fundamentos são falsamente imputados à Constituição. O nosso regime, de 1937 até hoje, tem sido uma ditadura puramente pessoal, sem o dinamismo característico das ditaduras fascistas, ou uma ditadura nos moldes clássicos das ditaduras sul-americanas. Se a Constituição tivesse sido aplicada, não nos encontraríamos, hoje, no impasse em que nos encontramos. Ela poderia ter sido oportuna e pacificamente atualizada, sem que se precisasse de recorrer aos expedientes, aos malabarismos e aos sofismas que tanto enfraqueceram o Governo perante a Nação". Trata-se, portanto, de documento destinado exclusivamente a institucionalizar um regime autoritário. Não havia a divisão de poderes, embora existissem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, visto que estes últimos sofriam nítidos amesquinhamentos2. 2. Francisco de Assis Alves, As Constituições do Brasil, Revista, cit., p. 38: "Era natural que, pela sua índole ditatorial, a Constituição de 1937 conferisse ao Presidente da República poderes em exuberância. Por isso, em seu artigo 73, declarou, sem receio de exagero, que o Presidente da República era a autoridade suprema do Estado, coordenador da atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirigente da política interna e externa, promotor e orientador da política legislativa de interesse nacional, superintendente e administrador do país. Nessa coerência, não havia dispositivo na Carta Forte que dispusesse sobre a divisão de poderes. Decerto, descabível tal declaração. Já que quase todos os poderes tinham sido atribuídos ao Presidente da República, não se conciliaria uma norma desse teor com o poder que o Chefe Supremo do Estado enfeixava em sua mão. Além da larga competência privativa que o artigo 74 da Carta de 1937 lhe outorgava, o Presidente da República detinha prerrogativas, como as de indiciar um dos candidatos à Presidência da República, dissolver a Câmara dos Deputados (quando esta não aprovasse as medidas tomadas na vigência do estado de emergência ou do estado de guerra, por ele decretados. O Presidente poderia apelar da deliberação da Câmara para o pronunciamento do país, mediante a dissolução da mesma e a realização de novas eleições) (arts. 75, b, c/c 167, parágrafo único). Afora isso, constituía privilégio do Presidente nomear os ministros de Estado; designar os 19 membros do Conselho Federal reservados a sua escolha; adiar, prorrogar e convocar o Parlamento, e exercer o direito de graça (art. 75, f)". Pontes de Miranda, "Visão sociológica da Constituição de 1937", artigo publicado na Folha de Minas, 5 dez. 1937: "Por mais arraigada que estivesse, entre nós, a convicção de ser o princípio da separação dos poderes essencial às Constituições modernas, convicção que, em 1932, denunciáramos como superstição, vemos que o legislador Constituinte de 1937 não só riscou o princípio, que nas Constituições anteriores se achava, como também adotou a feitura das leis, em parte, pelo Poder Executivo, com nome de 'decretos-leis', e permitiu ao Parlamento, por iniciativa do Presidente da República, o exame da decisão judicia] que declarou inconstitucional essa lei, golpe profundo na separação dos poderes, pois que, confirmada a lei por dois terços de votos em cada uma das Câmaras fica sem efeito a decisão do Tribunal. Tecnicamente, para quem se acostumou a observar e classificar os fatos relativos à estrutura constitucional dos Estados, temos aí a guarda da Constituição entregue aos tais Poderes: ao Poder Judiciário, na apreciação do caso concreto; ao Presidente da República, a cujo juízo se deixa submeter ou não o julgamento da lei ao reexame parlamentar; finalmente, ao Poder Legislativo, que, por dois terços de votos, se pode manifestar contra a declaração de inconstitucionalidade". No Legislativo desaparece o Senado e em seu lugar é colocado um Conselho Federal, não sendo este, no entanto, o acontecimento marcante. O mais grave, o fato que conta, é que o Presidente da República poderia a qualquer momento pôr em recesso o Legislativo, ocasião em que todas as faculdades deste poder passavam-lhe às mãos. Quanto ao Judiciário, também sofreu este uma perda substancial no que tange ao controle da constitucionalidade das leis já introduzido em nosso direito, mas que neste Texto Constitucional se vê reduzido a quase nada. Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, esta lei é submetida de novo ao legislativo, que poderia por maioria de dois terços rejeitar esta decisão, caso em que a própria Constituição resultava alterada. Nada obstante isto, durante o estado de emergência o Judiciário era posto fora de atuação na medida em que não podia conhecer dos atos governamentais nos termos do art. 170, que dizia: "Durante o estado de emergência ou o estado de guerra, dos atos praticados em virtude deles não poderão conhecer os Juízes e tribunais". A Constituição, portanto, era na verdade uma tomada de posição do Brasil no conflito ideológico da época pela qual ficava nítido que o País se inseria na luta contra os comunistas e contra a democracia liberal. 2. INAPLICABILIDADE DA CONSTITUIÇÃO DE 1937 É bem de ver, contudo, que a importância de ser do Texto acabou por não ser grande, visto que não houve necessidade de pô-lo realmente em vigor. Esta vigência só decorria dos termos do art. 187 que rezava: "Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da República". Sem embargo, este plebiscito nunca se realizou. Segue-se que, em termos jurídicos, a Constituição jamais ganhou vigência, pois na verdade o que prevaleceu nesta época foi o chamado Estado Novo, estado arbitrário despojado de quaisquer controles jurídicos, onde primava a vontade inconteste do ditador Getúlio Vargas3. 3. Francisco de Assis Alves, As Constituições do Brasil, Revista, cit., p. 44: "A Carta Fundamental de 1937 prescreveu em seu artigo 187 que sua vigência iniciava-se em 10 de novembro de 1937, data em que fora decretada. Dizia mais, que seria submetida a plebiscito nacional regulável por decreto do Presidente da 20 República.Acontece, porém, que esse plebiscito jamais se realizou. E uma das razões desse esquecimento proposital estava em que, após sua realização, haveriam de ser marcadas as eleições ao Parlamento Nacional e o mandato do Presidente da República chegaria ao fim. como previa o artigo 175 da Constituição. Esses dois acontecimentos, em previsão, por certo, estavam bem distantes das conveniências presidenciais. O primeiro porque, enquanto não se reunissem a Câmara dos Deputados e o Senado Federal que, juntamente com as Assembleias Legislativas dos Estados e as Câmaras Municipais, haviam sido dissolvidos por força do artigo 178, o Presidente da República teria o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União, privilégio bem a gosto dos Chefes de Governos despóticos. Quanto ao término do período presidencial, as razões para seu protraimento são óbvias num regime desta índole. A par disso, a não-realização do plebiscito fez exsurgir uma trágica conclusão sobre a Carta de 1937; ela nunca existiu e o Presidente da República, por isso, exerceu, ao seu tempo, um governo de fato. Toda obra legislativa desse período coube ao Presidente da República, que a empreendeu tanto a nível infraconstitucional como constitucional. As limitações impostas pela Lei Maior foram superadas ao sabor do exercício totalitário do poder, que o Presidente Vargas o cultuou à revelia do próprio Texto Constitucional". Isto não quer dizer contudo que não houvesse num ou noutro passo do Texto concessões ao que seria um Estado de Direito. Tal conclusão se materializa pela existência de plebiscito e pelo extenso rol de direitos individuais. A respeito muito bem observou o saudoso Wilson Accioli (Instituições, cit., p. 82), quando demonstrou que mesmo esses dispositivos nada mais eram do que também disposições isentas de qualquer repercussão na realidade que continuava, de resto, sempre submetida ao jugo de um regime autoritário. Vejamos o seu texto: "Interessante observar que a Carta de 1937 aparentava conservar os fundamentos basilares da democracia, mantendo inclusive as garantias dos cidadãos no elenco da Declaração dos Direitos dos Indivíduos e afirmando no seu artigo 1º a origem popular do poder, mas havia na realidade um patente hiato entre o que preconizava a Lei Maior e a sua concreta aplicabilidade, tanto assim é que nem se realizou o plebiscito preceituado no artigo 187 nem se convocaram eleições imprescindíveis para a composição e funcionamento efetivo do Congresso Nacional"4. 4. Francisco Campos, em entrevista dada ao jornal Correio da Manhã. 3 mar. 1945: "O Ato Adicional não corresponde às transformações que se impunham à Constituição. A única modificação introduzida de caráter democrático é a eleição direta. Essa modificação, entretanto, não é suficiente para integrar o Brasil num regime constitucional de caráter democrático. A ela não se faz uma referência nesse documento. Ora, a Constituição é radicalmente contrária à liberdade de opinião. Ela postula, em princípio, essa liberdade, mas, logo em seguida, a condiciona e limita em tais termos que acaba por negar o que havia postulado. Ela estabelece, com efeito, a censura prévia da imprensa. Ora, o regime da censura prévia é, precisamente, o regime da suspensão da liberdade. Não se concebe regime democrático ou representativo em que não haja liberdade de opinião. A liberdade de opinião é da substância do regime democrático. De nada vale prescrever na Constituição que os órgãos supremos do Estado serão eleitos por sufrágio direto se ao mesmo tempo e no mesmo documento se proscreve a liberdade de opinião, sujeitando a expressão do pensamento à censura prévia do Governo. Reconhecemos que a questão da imprensa é uma das mais graves e das mais delicadas que as condições do mundo moderno criaram no domínio político e social. A imprensa de grande tiragem, a imensa difusão do papel impresso, dentre massas cada vez mais densas e excitáveis, constitui um dos problemas que desafiam a inteligência e a competência dos governos. Será, porém, que a supressão da liberdade de opinião constitui a solução adequada do problema? 21 Se constitui, então, não se poderá conciliar a solução com os postulados do regime democrático e representativo. Neste caso, o único regime possível será o das ditaduras. Não acreditamos, porém, que assim seja. É possível regular a imprensa mediante uma lei adequada que lhe deixe a liberdade e tome efetiva a sua responsabilidade. Não pode haver em regime democrático poder irresponsável. Quanto maior o poder, tanto maior deve ser a responsabilidade. Que os homens do Governo tenham a coragem necessária para fazer uma lei de imprensa que, sem lhe diminuir a liberdade, faça com que, ao invés de nociva, ela se tome útil ao bem comum. As restrições à liberdade de imprensa vigentes entre nós nos últimos anos contribuíram para a degradação cívica, intelectual e moral a que se chegou no Brasil. A liberdade de opinião não é apenas um conceito político. É um conceito de civilização e de cultura. Todo o edifício do mundo moderno repousa sobre este fundamento. A educação, a investigação, as invenções e os progressos técnicos e científicos em todos os domínios somente são possíveis graças a esse postulado sem o qual os povos da terra se veriam reduzidos à condição das tribos africanas. Não se concede que um país como o Brasil haja vivido tantos anos de privação da liberdade de opinião sem graves danos a sua civilização e à sua cultura. É certo que existem evidentes indícios desse dano ao patrimônio histórico da nossa cultura". Esta situação só viria a encontrar paradeiro com o desfecho havido na Europa encerrando-se a 2a Guerra Mundial com vitória das potências ocidentais. Tornava-se assim no Brasil o fascismo uma excrecência que cumpria ser logo varrida. Deste papel se incumbiram as Forças Armadas no final de 1945, ensejando destarte o estudo e a convocação de nova Constituinte que desembocaria na Constituição de 1946. Como nota deste capítulo convém trazer à colação o seguinte texto retirado da obra de Francisco de Assis Alves, As Constituições do Brasil, Revista, cit., p. 44, ao falar da Supressão de diversas garantias individuais durante a Carta de 1937: "Era de se esperar que a Constituição de 1937 criasse restrições aos direitos individuais e às suas garantias. Sua origem depunha contra vários princípios de obrigatória inclusão nos Textos constitucionais regradores do Regime Democrático, por isso nela não foram albergados os princípios da legalidade, da irretroatividade da lei nem tampouco o Mandado de Segurança orgulhosamente inaugurado pela Carta Política de 1934. Em lugar deles reapareceu a pena de morte para os crimes políticos e para os homicídios cometidos por motivo fútil e com extremos de perversidade. O direito de manifestação de pensamento foi limitado através da censura prévia da imprensa, teatro, cinema e radiodifusão, sendo facultado à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação. Nenhum jornal podia, ainda, recusar a inserção de comunicados do governo, nas dimensões taxadas em lei; ao diretor responsável seria imposta a pena de prisão, e à empresa, aplicada a pena pecuniária; as máquinas e utensílios tipográficos utilizados na impressão do jornal constituíam garantia do pagamento da multa, reparação ou indenização, e das despesas com o processo nas condenações pronunciadas por delito de imprensa. Tudo isso, como prescrito no artigo 15 da Constituição Polaca, em garantia da paz, da ordem e da Segurança Pública5. 5. Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1937, p. 13-4. Essa Constituição, dirá Pontes de Miranda, não saiu só do Brasil, veio de outros sistemas, velhos e novos, e seria falsear-se-lhe os ditames querê-la separar do mundo e dos seus modelos que — ao contrário do
Compartilhar