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Transexualidade 
e Travestilidade
na Saúde
Brasília – DF
2015
MINISTÉRIO DA SAÚDE
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
Departamento de Apoio à Gestão Participativa
Transexualidade e Travestilidade na Saúde
Brasília – DF
2015
2015 Ministério da Saúde.
Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons 
– Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma 
licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total 
desta obra, desde que citada a fonte.
A coleção institucional do Ministério da Saúde pode ser acessada, na 
íntegra, na Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde: <www.saude.gov.br/bvs>.
 
Tiragem: 1ª edição – 2015 – 10.000 exemplares
 
Elaboração, distribuição e informações:
MINISTÉRIO DA SAÚDE 
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
Departamento de Apoio à Gestão Participativa
Coordenação-Geral de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social
SAF Sul, Quadra 2, lotes 5/6, Ed. Premium, Torre I, 3º andar, sala 303
CEP: 70070-600 – Brasília/DF
Tel.: (61) 3315.8840
Site: www.saude.gov.br/saudelgbt
E-mail: sgep.dagep@saude.gov.br
Organização:
Ana Gabriela Nascimento Sena
Kátia Maria Barreto Souto
Revisão:
Aedê Cadaxa
Ana Gabriela Nascimento Sena
Jéssica Bernardo Rodrigues 
Kátia Maria Barreto Souto
Marina Melo Arruda Marinho
Apresentação .....................................................................................................
Parte I – Movimento Social: relatos de vivências e lutas contra o 
preconceito e pelo direito à saúde ..............................................................
Transexualidade e travestilidade na Saúde – Keila Simpson ..............................
Saúde?! Completo bem-estar psicossocial de um indivíduo: tudo que uma 
pessoa trans não possui – Chopelly Glaudystton Pereira dos Santos ...........
Trans-homens: a distopia nos tecno-homens – João Walter Nery e Eduardo 
Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho .....................................................
Parte II – Academia: um olhar sobre a determinação social da saúde de 
travestis e transexuais .................................................................................
Todas as mulheres do mundo: a construção do corpo travesti no Brasil das 
décadas de 1960 e 1970 – Anibal Guimarães ................................................
Direitos humanos e a saúde: a efetivação de políticas públicas voltadas à 
saúde integral da população trans – Grazielle Tagliamento ...........................
Parte III – Serviço de saúde: relatos de experiências da implantação de 
um atendimento integral a travestis e transexuais ...................................
Transexualidade e travestilidade na Saúde – Adriana Melo Teixeira, Francisco 
José da Silva Nóbrega Morais e Marileide Pereira Martins Teixeira ..............
Atendimento a transexuais e a travestis: crianças, adolescentes e adultos – 
Alexandre Saadeh, Desirèe Monteiro Cordeiro e Liliane de Oliveira Caetano ....
Os homens trans e a corporeidade: o complexo fenômeno da busca do sujeito 
social masculino – Eduardo Sergio Soares Sousa, Alba Jean Batista Viana 
e Johnatan Marques do Vale ..........................................................................
A experiência da abordagem da transexualidade na Faculdade de Medicina/
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás – Mariluza Terra 
Silveira e Kássia Rita Lourenceti de Menezes ...............................................
Ambulatório de saúde integral para travestis e transexuais: cinco anos de 
desafios e realizações – Maria Clara Gianna ................................................
Projeto gráfico e diagramação:
Antonio Ferreira
Normalização:
Luciana Cerqueira Brito – Editora MS/CGDI
Revisão:
Khamila Silva e Tamires Alcântara – Editora MS/CGDI 
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Ficha Catalográfica
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de 
 Apoio à Gestão Participativa.
 Transexualidade e travestilidade na saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão 
Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. – Brasília : 
Ministério da Saúde, 2015.
 194 p. : il.
 ISBN 978-85-334-2319-0
 1. Atenção à Saúde. 2. Transexualismo. 3. Travestismo. I. Título.
CDU 616.36
Catalogação na fonte – Coordenação-Geral de Documentação e Informação – Editora MS – OS 2015/0082
Título para indexação:
Transgender and Transvestite Health
SUMÁRIO
5
7
9
17
25
37
39
65
81
83
99
111
129
141
5
Transexualidade e Travestilidade na Saúde
Apresentação
O Departamento de Apoio à Gestão Participativa, da Secretaria 
de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde, apresenta 
com grande satisfação a coletânea de artigos que compõem o livro 
Transexualidade e Travestilidade na Saúde.
Esta publicação é fruto da ampliação que a perspectiva da 
integralidade da atenção à saúde da população de lésbicas, gays, 
bissexuais, travestis e transexuais proporcionou ao reconhecer que a 
orientação sexual e a identidade de gênero são fatores de vulnerabilidade 
para a saúde. A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, 
Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), assim como as demais políticas 
de Equidade do Sistema Único de Saúde (SUS), é um marco histórico nas 
políticas públicas de saúde, ao promover a integralidade da atenção de 
população LGBT, contribuindo para a eliminação da discriminação e do 
preconceito institucional e buscando estruturar uma linha de cuidado, 
desde a atenção básica à especializada, incluindo-se o acolhimento e 
a humanização do atendimento livre de discriminação, por meio da 
sensibilização dos trabalhadores(as) e demais usuários(as) da Unidade 
de Saúde para o respeito às diferenças, em todos os níveis de atenção.
Nesse contexto, além da garantia do direito ao uso do nome 
do social, o Ministério da Saúde passou a viabilizar demandas 
específicas das populações de travestis e transexuais por meio de atos 
normativos internos, como o que instituiu e regulamentou o Processo 
Transexualizador, no âmbito do SUS. 
O desafio da promoção da equidade em saúde para a população 
de travestis e transexuais é abordado nesta publicação a partir do olhar 
dos movimentos sociais, da academia, do serviço e da gestão que, 
em conjunto, contribuíram para a construção de uma política pública 
que garanta o direito à saúde sem preconceito de gênero, raça/etnia, 
orientação sexual e práticas sexuais e afetivas.
Esperamos que esta publicação possa contribuir para a 
reflexão sobre a importância da vontade política de gestores, do 
protagonismo dos movimentos sociais e do compromisso dos 
Parte IV – Gestão: desafios da construção de uma política pública para 
promoção da equidade em saúde para a população de travestis e 
transexuais ....................................................................................................
Transfobia: como vencer uma herança do Brasil colonial e uma marca da 
ditadura? – Symmy Larrat ..............................................................................
Políticas públicas para travestis e transexuais: o espaço LGBT da Paraíba – 
Gilberta Santos Soares e Gleidson Marques da Silva ....................................
Marcos legais do processo transexualizador no SUS para a publicação da 
Portaria nº 2.803/13 – Ana Gabriela Nascimento Sena, Kátia Maria Barreto 
Souto e José Eduardo Fogolin Passos ...........................................................
Sobre os autores e organizadores ..................................................................
157
159
165
177
187
6
Ministério da Saúde
profissionais de saúde e pesquisadores, que fazem a diferença na 
vida e na saúde das pessoas trans.
Saúde sem preconceito e discriminação!
Departamento de Apoio à Gestão Participativa
Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
Ministério da Saúde
Movimento SocialRelatos de vivências e 
lutas contra o preconceito e 
pelo direito à saúde
Parte I
9
Transexualidade e Travestilidade na Saúde
Transexualidade e travestilidade na Saúde
Keila Simpson
Travestis e transexuais são populações que carregam uma imensa 
carga de preconceitos desde a sua aparição. Não se sabe ao certo como 
se iniciou o aparecimento dessa população no Brasil: acredita-se que 
tenha sido originado nos espetáculos teatrais nos anos 60 e 70, mas 
só temos conhecimentos mais gerais a partir da década de 70, em 
sua migração para Paris, e depois, em 1980, quando se noticiava os 
trabalhos desenvolvidos pelas trans brasileiras nas noites parisienses, 
especialmente no “Bouis de Bologne” (espaço onde ainda hoje existe 
uma grande concentração de travestis brasileiras que trabalham com 
prostituição em Paris). Segundo Camille Cabral, uma mulher trans 
brasileira que reside em Paris, elas migraram para lá em busca de fama 
e fortuna, o que muitas conseguiram.
Foi em Paris nos anos 80 que as travestis brasileiras tiveram 
conhecimento de duas substâncias que se tornariam, anos depois, muito 
problemáticas para sua saúde. São elas: o silicone líquido industrial e a 
utilização indiscriminada de hormônios.
No Brasil, as travestis e transexuais iniciaram a utilização dessas 
substâncias para se parecerem com as trans das décadas de 70/80 
de Paris. Foi aqui no Brasil que elas iniciaram a utilização de silicone 
industrial, um produto desaconselhável para humanos. As travestis 
encontraram nesta substância uma forma de construir formas femininas 
mais rápido que os hormônios.
Travestis e transexuais sempre estiveram na ponta de lança dos 
preconceitos e das discriminações existentes no Brasil com a população 
LGBT. Isso ocorre porque essa população ostenta uma identidade 
de gênero diversa da imposta pelos padrões heteronormativos, em 
que homem é homem e mulher é mulher, e qualquer coisa que fuja 
dessa norma é encarada com estranhamento. No caso de trans, esse 
estranhamento se traduz em assassinato dessa população.
1110
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Ainda hoje, existe a ideia de que elas abdicaram do sexo atribuído 
no nascimento para se identificarem com o sexo oposto. Em uma 
sociedade machista como a brasileira, a população de trans é alvo fácil 
de ser discriminada e violentada, sem ao menos ter a chance de poder 
explicar o porquê dessas objeções.
Diferentemente do que é difundido pelas mulheres trans, travestis 
não querem ser identificadas como mulheres travestis. Elas reivindicam, 
sim, o respeito a suas vivências e individualidades, bem como o viver 
no gênero feminino, assim como o direito de serem respeitadas suas 
identidades de gêneros dentro desse universo feminino.
Nesse universo, existem ainda os homens trans, que não me sinto 
no direito de nominá-los nem de defini-los, pois existe um movimento 
organizado, que pode e deve cada vez mais aparecer nesses artigos, 
com informação prestada por este segmento da população trans. 
Poderia exemplificá-los, já que os conheço, mas prefiro deixar que 
falem por si próprios. Isto serve para a população de mulheres trans, 
já que me identifico como travesti. Neste artigo, não me aprofundarei 
muito nas questões das identidades, esperando que possamos, em 
breve, escrever sobre esses temas e que cada população possa então 
se apresentar e se definir.
Aqui no Brasil e em boa parte do mundo, acostumou-se a lidar 
somente com o homem e a mulher. Sendo assim, qualquer coisa que 
fuja desse binarismo é olhado com preconceito e com discriminação. 
Como as travestis rompem com o muro entre o masculino e feminino, 
são colocadas sempre à margem da sociedade.
As travestis são transgressoras do padrão que determina o 
conviver apenas nesses dois gêneros, sendo alvo de muitas violências 
e discriminações por essa transgressão. Também são, na sua maioria, 
rejeitadas como membros da sociedade, tendo muita dificuldade na 
reinserção social.
Mesmo os termos travestis e transexuais eram tidos como 
pejorativos e marginais. E, por isso, era preciso quebrar esse tabu, 
era preciso mudar, mas mudar de modo que se adequasse à forma 
“asseada” determinada pela sociedade. 
Assim, o movimento organizado compreendeu que era preciso 
tirar o estigma desses termos e afirmar o seu lado positivo. Por isso, 
resolveu adotar o termo travesti como uma afirmação dessa identidade 
e, a partir dela, encontrar exemplos positivos para que a sociedade 
pudesse perceber que essa população é igual às demais.
Travestis e transexuais são vistas pela medicina como seres 
portadores de patologia e de uma Classificação Internacional de 
Doenças (CID) que lhes identifica. Por isso, são sempre tratadas por 
códigos de doenças. Nesse sentido, seria correto utilizar o “travestismo” 
e o “transexualismo”.
Falar de travestilidade e transexualidade na perspectiva do 
Sistema Único de Saúde (SUS) é trazer à tona questões que há bem 
pouco tempo eram bastante desconhecidas por grande parte de 
acadêmicos e da população em geral.
Os termos travestilidade e transexualidade foram criados e 
introjetados pelo movimento social organizado para dizer que a questão 
dessa população é uma questão de identidade e de modo de viver.
A entrada dessa população no SUS também requer uma análise 
mais profunda de como se deu essa entrada e de como se dará a 
permanência. Mas também será abordado o descaso com o qual foram 
tratadas as questões referentes à saúde de travestis e transexuais.
Alguém escreveu uma vez que a aids trouxe um benefício para 
a população trans e eu concordo, pois foi a partir dela que se iniciou 
a entrada de grande parte dessa população no SUS. Antes dessa 
epidemia, era dificílimo incentivar uma travesti a cuidar da sua saúde 
nos serviços. Elas sempre recorriam à automedicação, procurando o 
médico ou os serviços de Saúde apenas quando já não havia mais como 
se automedicar ou quando as enfermidades não tinham cura com a 
automedicação.
O processo de automedicação acontecia porque elas já sabiam que 
seriam discriminadas nos serviços. Por esse motivo, nem procuravam 
os serviços de Saúde para constatar a veracidade da informação.
1312
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Muitas faziam uso abusivo e indiscriminado de diversos hormônios, 
muitas vezes orientadas por outras trans mais velhas que já haviam utilizado 
esse ou aquele hormônio e sabiam que um era bem melhor que o outro etc.
Porém, um dos problemas mais graves para a saúde das trans nesse 
período era a utilização do silicone líquido industrial e a aplicação desse 
produto, posto que era feito por pessoas leigas e sem os cuidados de 
assepsia necessários nessas intervenções. Além disso, o procedimento 
era ilegal, tendo em vista que, como uma intervenção cirúrgica, a 
aplicação, em alguns casos, gerava efeitos nocivos à saúde. Quando isso 
ocorria, os médicos não queriam cuidar, explicando que não poderiam 
tratar as enfermidades decorrentes da aplicação pelo desconhecimento 
da causa e/ou do efeito. Até hoje, eu particularmente acredito que se 
tratava de descaso com essa população.
É difícil para um cidadão comum compreender o porquê de 
travestis e transexuais recorrerem a essas intervenções para modelação 
dos corpos. A resposta é que essa substância tem um efeito mais 
imediato do que os hormônios. Por esse motivo, elas recorrem a essas 
intervenções para que possam ter os corpos sonhados de forma rápida e 
barata. O SUS nunca compreendeu esse fenômeno como caso de saúde 
pública, até o movimento organizado pautar essas lutas em parceria 
com outros movimentos e com alguns atores governamentais.
Foi só a partir desses debates que o SUS iniciou muito timidamente 
algumas ações com médicos endocrinologistas sobre a questão de 
hormônios e com clínicos gerais e cirurgiões plásticos para lidar com os 
agravos da aplicação de silicone líquido industrial.
Muitas trans recorrem aos serviços particulares, pois ainda é 
muito difícil encontrarna rede pública profissionais de saúde que 
atendam às demandas do silicone industrial.
O movimento organizado tem implementado diversas ações com 
vistas a aconselhar a população trans a não utilizar essa substância, por 
meio de uma política de redução de danos. Infelizmente, essa política 
ainda é falha, pois apenas informa e disponibiliza meios de assepsia e/ou 
de materiais descartáveis para utilização, e é insuficiente para encontrar 
maneiras de desmotivar essa população a fazer uso dessas intervenções.
Como relatado anteriormente, a aids trouxe como benefício para 
a população trans a procura mais assídua pelos serviços de saúde. 
Identificada no início da epidemia como “grupo de risco”, essa população 
estava mais propensa a se infectar com essa doença. Passados 30 anos 
da epidemia, a população trans tem hoje um trânsito tranquilo no SUS 
e é compreendida como uma população que tem outras enfermidades 
para além do HIV/aids.
Entretanto, mesmo com o trânsito mais assíduo no SUS, a realidade 
dessa população ainda é cercada de muito estranhamento, seja para 
ela que precisa dos serviços, seja para os profissionais que, alheios 
a essas mudanças sociais, não compreendem as especificidades de 
alguns grupos populacionais. O lado positivo é que, em muitos lugares, 
existem gestores de saúde sensibilizados, que fazem o diferencial nos 
serviços de saúde com inclusão, inovação e respeito.
O movimento organizado LGBT debate e encaminha as suas 
demandas nas conferências nacionais de políticas públicas para LGBT. 
Foram realizadas duas no Brasil. Nessas conferências, são encaminhadas 
as propostas que queremos que sejam efetivadas. Desde a primeira 
conferência, em 2008, o Ministério da Saúde (MS) foi o que mais 
efetivou as propostas de políticas para a população LGBT.
Foi também no MS, na Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa 
(SGEP), por meio do Departamento de Apoio à Gestão Participativa 
(DAGEP), que a efetivação das políticas públicas para populações mais 
vulneráveis, em especial a LGBT, teve a sua maior efetividade.
Entre as outras políticas públicas, ficou mais evidente para nós a Política 
Nacional de Saúde Integral LGBT; em especial, o Processo Transexualizador 
do SUS, que é uma reivindicação antiga da população trans brasileira.
Ainda estamos longe de ter uma saúde ou um atendimento 
com qualidade integral, universal e equânime, mas vale destacar a 
importância de políticas específicas, pois foi a partir delas que se 
trabalhou com a chamada inclusão. É preciso lembrar que travestis e 
transexuais são ainda as populações mais distanciadas dos serviços de 
saúde, e isso ocorre especialmente por falta de mecanismos específicos 
que venham a facilitar o acesso dessa população aos serviços.
1514
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Mas a implementação da Política Nacional de Saúde Integral LGBT 
trouxe, cada dia mais, ações para que essas populações pudessem 
transitar mais tranquilamente nas dependências do SUS, para que 
tratem da sua saúde em espaços que outrora era impensável encontrar 
esses dois grupos populacionais: travestis e transexuais. Claro que os 
espaços específicos são importantes, mas é fundamental trabalhar 
para que todo o SUS possa adequar-se a essas demandas atuais, que 
requerem dos serviços atenção às especificidades.
As organizações da sociedade civil tem desempenhado um 
papel fundamental nessas parcerias, pois é a partir delas que se dão 
as contribuições para a construção dessas políticas públicas. É sobre 
o trabalho de base dessas organizações que estão sendo pensadas 
as políticas públicas para responder às demandas de populações 
específicas. Fazer esse trabalho sem a parceria do movimento 
organizado seria impensável e ineficiente.
Por fim, recomenda-se que travestis e transexuais possam ter 
cada vez mais a ampliação da sua permanência nos serviços de saúde, 
e que possam continuar contribuindo com diretrizes específicas para 
a criação de novas políticas. Além disso, é preciso que se intensifique, 
em todo o SUS, a sensibilidade de gestores e dos demais servidores da 
Saúde, para que reconheçam, na população trans, atores que precisam 
desses serviços e que devem ser respeitados em suas demandas e 
identidades. Sendo assim, que o SUS possa ter em seus quadros cada 
vez mais gestores empenhados na implementação de políticas de 
saúde públicas e, consequentemente, mais gestores sensibilizados e 
comprometidos com os princípios do SUS.
A permanência dessa população no SUS só será efetiva quando as 
políticas implementadas tornarem-se sólidas e os gestores forem cada vez 
mais sensibilizados e capacitados para lidar com as diferentes formas de 
pensar e agir, quando todas as pessoas compreenderem que a individualidade 
de cada um deve ser respeitada, quando não houver mais rótulos e nem 
rotulados, e quando as pessoas reconhecerem em cada indivíduo o ser 
humano que cada um é, que deve ser compreendido dentro desse universo.
Vale ressaltar, ao final, que a população trans reconhece no MS, 
especialmente nos gestores do DAGEP/SGEP/MS, um ganho para a 
política de saúde pública e espera que, cada vez mais, essa construção 
de mão dupla possa continuar rendendo mais frutos, que essa parceria 
possa cada dia mais se fortalecer, e que outras pastas desse governo 
possam se mirar no exemplo do Ministério da Saúde para iniciar também 
os diálogos e as construções dessas políticas em seu âmbito de atuação, 
para que, em breve, essa população possa desfrutar de igualdade de 
direitos em todos os Ministérios.
17
Transexualidade e Travestilidade na Saúde
Saúde?! Completo bem-estar psicossocial de um indivíduo: 
tudo que uma pessoa trans não possui
Chopelly Glaudystton Pereira dos Santos
Desde a infância, homens e mulheres transexuais passam por um 
processo de desconstrução psicossocial que fragiliza diretamente sua 
saúde integral. É comum observamos as diferenças de comportamentos 
de uma criança transexual, que se contrapõe ao gênero inato ou ao que 
se espera dos padrões sociais.
Exemplo clássico disso é quando há meninos que brincam de 
bonecas, de casinha, com uma sensibilidade aflorada, ou meninas que 
gostam de futebol, com posturas consideradas masculinas. Tais atitudes 
passam a ser vistas pelos seus genitores como comportamentos 
incomuns ao seu gênero. Temendo o que muitos pais identificam ou 
“diagnosticam” como uma suposta homossexualidade, seus filhos 
são colocados para fazer psicoterapia em infindáveis consultas com 
psicólogos ou psiquiatras em busca de conserto ou de adequação de 
comportamento. Quando se veem frustrados com a resposta clínica dos 
profissionais de saúde, os genitores então reprimem o comportamento, 
até então inocente, dos menores trans, com censuras e regras, e 
esperam que o tempo cure tal anormalidade.
O que muitos pais acabam não percebendo é que crianças 
transexuais querem curtir sua infância: brincar, sonhar e ser livre. Este 
é um comportamento comum em todas as crianças, no qual não é 
possível identificar diferenças “convencionais” ao seu gênero. A partir 
dessa infância roubada e reprimida, sem entender o que incomoda seus 
genitores, crianças transexuais acabam com marcas que ressurgem na 
fase adulta.
1918
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Adolescência: fase de transformação do corpo onde surgem desejos e 
sentimentos
Adolescentes transexuais, ao perceberem que seus corpos, 
assim como seus desejos, se diferenciam daquilo que a sociedade e 
seus genitores esperam socialmente, começam a ter os seguintes 
questionamentos:
• Meninas transexuais, ao se sentirem femininas, começam 
a desejar um corpo adequado à forma de pensar: seios 
graciosos, curvas esculturais, pernas livres de pelos, quadris 
bem definidos, um rosto delicado, roupas que favoreçam 
sua feminilidade e, por fim, a tão “preciosa” vagina. Surge 
também o desejo pelos(as) parceiros(as) que as desejem e as 
compreendam como mulheres.
• Meninos transexuais, ao sesentirem masculinos, começam a 
desejar um corpo adequado à forma de pensar: um peitoral 
aberto e másculo, barba em evidência no rosto, perna peluda, 
voz grossa e um pênis. Surge também o desejo pelo(as) 
parceiro(as) que os compreendam como homens.
O que muitos não percebem é que, ao reproduzirem seus desejos 
para seu “EU”, muitos adolescentes trans começam a entrar em um 
processo psicológico que pode ser destrutivo, provocado pelo conflito 
e pela falta de compreensão.
Então, surgem as perguntas:
“Por que ter um desejo tão forte de ser feminina ou masculino, se 
meu corpo tem um gênero oposto do que eu penso”?
“Como adequar meu corpo ao forte desejo que tenho de ser 
feminina ou masculino?”
“Como convencer meus pais de que sou uma mulher ou um 
homem, se meu corpo diz que sou o oposto?”
Sem poder contar com seus genitores e amigos, muitos acabam 
numa busca solitária de respostas, nas redes sociais, sobre a liberdade 
tão sonhada e deparam-se com personagens que passaram por épocas 
ainda mais difíceis, que muitas vezes não são os melhores exemplos 
a serem seguidos. Cansados e revoltados, adolescentes transexuais, 
diante de forte conflito que os consomem todos os dias, acabam 
agindo por conta própria. Assim, ocorre a brusca construção pela sua 
identidade de gênero.
Antes de tudo, a busca pelo tão sonhado corpo leva os adolescentes 
ao uso de hormonioterapia inadequada. Influenciado por personagens 
encontrados muitas vezes nas redes sociais, eles conhecem o silicone 
industrial, que pode resultar em deformações. A busca pela perfeição 
estética escraviza adolescentes trans que não pensam em outra coisa 
a não ser em reproduzir, no exterior, seu desejo e sua forma de pensar. 
Diante das transformações que cada vez são mais visíveis no seu 
convívio social, amigos começam a se afastar por julgar errado todo 
aquele processo. Pressionados pelo que a sociedade cobra e impõe 
aos genitores, estes começam a reprimir fortemente essa liberdade. 
Sufocados pelo falta de apoio, muitos dos adolescentes fogem do 
que era para ser um ambiente familiar rumo à casa de parentes mais 
próximos ou de amigos que já passaram pelo mesmo processo. Por 
consequência, entram na fase adulta precocemente e, mais uma vez, 
pulam uma importante fase da vida.
Jovens: busca pelo profissionalismo na fase de organização da vida
Desolados pelas turbulências na adolescência, os transexuais 
chegam à juventude buscando uma sobrevivência e munidos de uma 
alta defesa decorrente dos obstáculos que muitos irão encontrar por 
expor sua transexualidade à sociedade. É observado que rapazes e 
moças trans seguem caminhos opostos.
Em média, 90% das adolescentes trans migram para a prostituição 
nas ruas devido aos abusos psicológicos e, muitas vezes, físicos sofridos 
nas escolas, que as afastam também do ambiente escolar. Em virtude 
da falta de apoio familiar e da ausência daqueles que se diziam amigos, 
muitas acabam nas mãos das cafetinas para se proteger da violência nas 
ruas. Um detalhe que chama atenção é que, embora muitas transexuais 
tenham repulsa por sua genitália, esta é, constantemente, desejada 
pelos clientes na prostituição. Elas têm como meta ir à Europa para 
alcançar um maior poder aquisitivo com o objetivo de voltar ao Brasil 
e ir à Tailândia em busca da tão sonhada e perfeita cirurgia. O que não 
2120
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
se sabe é que, ao migrarem para a Europa, muitas têm de contar com 
a sorte de não serem pegas e deportadas de volta ao Brasil ou de não 
caírem nas mãos de cafetinas que as obriguem a usar drogas e a ser 
exploradas sexualmente.
Há um quantitativo cada vez maior de rapazes que se identificam 
como transexuais. Diferentemente das moças, eles estão buscando 
apoio nas faculdades que, cada vez mais, procuram estudar as 
“IDENTIDADES DE GENÊRO”, ou nas ONGs. Observamos que muitos 
deles estão empregados porque as transformações corporais ocorreram 
dentro do ambiente de trabalho. Porém, não estão livres do bullying 
que sofrem nesse ambiente. Um grande dilema dos rapazes é a cirurgia 
de mastectomia que muitos médicos, mesmo nos hospitais privados, 
não querem fazer, o que leva muitos deles à frustração.
As ONGs atuam de forma a transformar essa realidade, por meio 
do diálogo com órgãos do governo (federal, estadual e municipal), na 
tentativa de mudar a realidade desses jovens, o que tem conseguido 
poucas melhorias diante dos grandes problemas relacionados ao 
mercado de trabalho, à segurança e à educação.
Outro grande inimigo que se destaca na comunidade dos jovens 
trans é o uso das drogas (deprimidos, frustrados e cansados pelas 
inúmeras perseguições sociais), que caracteriza uma eterna luta contra 
a transfobia. Jovens trans têm buscado cada vez mais refúgio nas drogas, 
um problema que vem crescendo no meio de nossa comunidade.
Ao chegarem à fase adulta, homens e mulheres transexuais têm 
sobrevivido e estão conseguindo demarcar seu espaço social. Sim, é 
verdade que existe ainda um grande número de transexuais que está à 
margem da sociedade; mas, com muito sacrifício e determinação, tem 
driblado os obstáculos que a vida impôs para transexuais ao assumir 
publicamente sua identidade de gênero. Uma coisa é fato: pessoas trans 
sempre estarão na fronteira com a depressão e isso se deve a todos 
os traumas sofridos na infância, na adolescência, na juventude, e que 
se tornam mais fortes na fase adulta. A isso tudo, soma-se a chegada 
da “boa idade”, que leva a uma angústia devido à falta de perspectiva 
de vida e aos sonhos não realizados (cirurgia de redesignação sexual, 
conquista do registro de nome civil e reconhecimento social de 
comum acordo com a identidade de gênero construída). Outro fator 
que também marca muito essa fase é que muitas(os) negam a busca 
pelo(a) parceiro(a). Esses parceiros(as) devem ter uma compreensão 
de toda luta e transformação vividas pelas pessoas trans e é necessário 
que aceitem lutar contra a transfobia. A luta acaba envolvendo pessoas 
trans e parceiros(as), levando muitos deles também a uma vida solitária, 
a repensar e a regredir na escolha feita.
Podemos observar que muitas pessoas trans, em diversos 
momentos, pensam em desistir nesta fase da vida; uma em cada dez 
pensa em suicídio. O que tem impedido a concretização dessa estatística 
é o uso das redes sociais, que ligam as pessoas trans umas às outras 
em uma forte corrente de trocas de experiências, levando muitas a 
ultrapassarem esse tão obscuro sentimento.
O que se tem feito para garantir o completo bem-estar psicossocial das 
pessoas trans?
Um dos grandes avanços se deu ao fato da publicação da 
Portaria nº 2.803 do Ministério da Saúde, em 2013, que reformula e 
regulamenta o Processo Transexualizador. O destaque nessa Portaria 
é que ela trabalha as e os transexuais (mastectomia e histerectomia 
para homens trans), assim como as travestis, no que diz respeito 
ao tratamento psicológico e endocrinológico. Mas o tempo que os 
hospitais e os ambulatórios levam para serem habilitados, e também 
para os já habilitados se estruturarem e executarem o processo, faz 
com que muitas pessoas trans, que há muito esperam pela tão sonhada 
e desejada cirurgia, desenvolvam uma ansiedade e uma angústia que 
se reflete na fase adulta. É possível que, no fim de todo esse processo 
de reestruturação dos hospitais e dos ambulatórios, muitas transexuais 
desistam da cirurgia (mesmo ainda existindo o desejo) por causa de um 
longo processo depressivo e exaustivo ocasionado pela espera. Porém, 
esse fato pode não acontecer com os homens trans que, em qualquer 
fase de sua vida, querem a histerectomia e a mastectomia.
Não se pode dizer que o tempo que o Ministério da Saúde leva 
para reestruturar o Processo Transexualizador seja desnecessário, pois 
2322
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
entende-se a necessidade do cuidado no que se refere a esse processo. 
Mas podemos parabenizá-lo por ser também o pioneiro emoutra 
Portaria que garante o nome social das pessoas trans, tanto no cartão 
SUS como nos prontuários de atendimento (Portaria nº 1.820, de 13 de 
agosto de 2009).
O grande problema que leva a uma insegurança geral na população 
trans é que portarias podem ser revogadas por qualquer governo. Sendo 
assim, seria necessária uma lei que garantisse todo esse processo.
Outro grande avanço que pode vir a transformar a vida das pessoas 
trans é a Lei João Nery que regulamenta a igualdade de gênero para 
todas as pessoas travestis e transexuais, garantido assim a mudança de 
nomes. Essa Lei, hoje, tramita no Congresso Nacional, mas ainda está 
muito longe de ser aprovada.
Não se pode esquecer também das diversas capacitações e 
sensibilizações que os governos federal, estaduais e municipais têm 
feito para sensibilizar a sociedade a atender e a respeitar as pessoas 
trans. Muito desse trabalho acaba sendo inválido porque não se pode 
mudar a transfobia. O que se tem de fazer é vencê-la e, para isso, é 
necessário uma lei forte que faça as pessoas pensarem duas vezes antes 
de cometer esse tipo de discriminação ou de agressão.
No Brasil, outro grande fator que vem crescendo contra as 
pessoas trans é o alto índice de violência que as têm exterminado, o 
que só reforça a necessidade de aprovação da lei acima citada.
É notório que os avanços têm acontecido, mesmo que de uma 
forma lenta. Acredita-se que os resultados virão na geração futura, na 
qual as pessoas trans serão vistas como pessoas “normais.”
Só resta às gerações passadas tentar superar os danos psicossociais 
e patológicos das marcas carregadas por toda a vida. O tempo fará 
grandes diferenças.
O processo de travestilidade, suas angústias e ansiedades, é 
muito parecido com o da transexualidade. A linha que separa estes dois 
segmentos é a busca pela cirurgia de redesignação sexual. Há quem 
diga que as travestis são muito mais bem resolvidas do que as(os) 
transexuais. Isso se deve ao fato de elas não buscarem a readequação 
sexual. Em determinados lugares, elas chegam a ser “compreendidas 
ou aceitas” por não quererem a cirurgia. Tudo isso caracteriza a última 
das violações sofridas por mulheres e homens transexuais.
O que fazer para garantir o conceito de saúde?
É preciso que profissionais sejam qualificados e fiscalizados para 
trabalharem com essa população, que genitores amem seus filhos(as) 
como são para se tornarem pais de verdade, que sejam criadas leis 
que obriguem as pessoas a respeitarem a liberdade de expressão das 
identidades de gênero, que seja elaborada uma política forte de combate 
às drogas, que seja implementado o Processo Transexualizador de forma 
eficaz para transformar esperanças em realidades. Por fim, é necessário 
que a sociedade enxergue que pessoas trans não são anomalias que 
precisam ser excluídas e sim PESSOAS que precisam ser respeitadas.
Todas essas medidas podem garantir que os danos sociais às novas 
gerações sejam reduzidos e que meninos e meninas trans possam se 
tornar homens e mulheres com uma saúde plena, ou seja:
Que o completo bem estar psicossocial de nossas Transexuais, 
seja garantido!
Sabemos que será um desafio para o Brasil, que terá 
muitas dificuldades na conclusão de todas essas medidas, pois a 
população brasileira possui uma forte cultura enraizada em um falso 
conservadorismo. Muitos dos que se dizem livres da discriminação, 
na verdade, camuflam o seu verdadeiro sentimento e, infelizmente, 
transfóbicos multiplicam-se cada vez mais no nosso país.
Uma grande mulher disse que país rico é um país sem pobreza e 
pode ser! Mas, com certeza, tem que ser um país justo para todos!
2524
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Trans-homens: a distopia nos tecno-homens
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho
João Walter Nery
Este recorte é uma ampliação da análise feita anteriormente 
(NERY; MARANHÃO FILHO, 2013)1 sobre os trans-homens que 
compartilham suas trans experiências no ciberespaço (experiências 
micro e biopolíticas). A cartografia sobre tais vivências foi realizada 
a partir de trabalho de inspiração etnográfica digital – observação 
marcada pela participação em fóruns, grupos da rede social Facebook 
(FB) e mensagens eletrônicas.
O artigo procura traduzir algumas das demandas de pessoas que 
realizam adequações de gênero do feminino para o masculino, utilizando-se 
de várias tecnologias modernas nessa sociedade distópica ocidental. Entenda-se 
aqui como “tecnologias que produzem vida (e que incluem as de modificação 
ou aumento corporal) são tecnologias materiais e discursivas, culturais 
e políticas e não simplesmente técnicas no sentido literal do termo” 
(BOURCIER, 2008, p. 65). Os trans-homens vivenciam uma “masculinidade 
inquietante”. Terão de estar sempre de prontidão, porque não há, na 
cultura brasileira, espaço para respeitá-los ou entendê-los como homens 
sem pênis, com seios e com vagina. De início, a maioria se reconhece como 
lésbica masculinizada (por falta de informações, de apoio ou para não 
assustar demais os pais). Muitos começaram a se hormonizar há pouco 
tempo. Estão preocupados com questões pessoais: como contar para 
os pais, como adquirir a receita obrigatória para se comprar o hormônio 
ou que dosagem tomar. Procuram em sites por “dicas” ou produtos que 
aumentem seus músculos, conversam sobre os diversos efeitos colaterais 
do uso da testosterona, procuram por órteses do tipo binder, packer/play, 
pump e STP2 e discutem suas dúvidas acerca de como se apresentar no 
trabalho, na escola, na academia ou nas suas relações afetivas.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n.º 1.820, de 13 de agosto de 
2009. Dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde. 2009. 
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/
prt1820_13_08_2009.html>. Acesso em: 10 abr. 2015.
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.803, de 19 de novembro 
de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema 
Único de Saúde (SUS). 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.
br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html>. Acesso em: 
10 abr. 2015.
1 Nery denomina-se trans-homem, enquanto Maranhão Filho (in) define-se (provisoriamente) 
como entre gêneros, não binário.
2 Aparelhos ou dispositivos ortopédicos, de uso provisório ou não, destinados a alinhar, 
prevenir ou corrigir deformidades ou a melhorar a função das partes móveis do corpo. O 
binder (colete) e a faixa torácica servem para esconder as mamas; packer/play é a órtese 
em forma de pênis (flácido e/ou rijo); pump é a bomba para aumentar o clitóris; e STP é o 
dispositivo para urinar em pé.
2726
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Uma das principais demandas da maioria dos trans-homens é 
a hormonioterapia. Na fase pré-T3, há muitos relatos de ansiedade, 
depressões, síndrome do pânico, diagnósticos errados de transtorno 
afetivo bipolar, paralisias motoras, tentativas de suicídio, síndromes 
fóbicas e outras afecções; quase todas como resultantes da transfobia e 
que cessam quando começam a transição.
A hormonização tem demonstrado acalmar a maioria dos trans-homens.
Testoterapia
A partir da Segunda Guerra Mundial, a biotecnologia, as cirurgias e as 
drogas sintéticas como os hormônios têm progressivamente proporcionado 
modificações somatoplásticas, antes inimagináveis, no estatuto dos 
corpos. Entretanto, há agenciamentos de poder na manipulação destes. 
A intervenção hormonioterápica possibilita reinvenções muitas vezes não 
previstas no binarismo hegemônico de gênero.
Traçando uma comparação entre o homem idoso que toma 
testosterona, não como um remédio, já que não está doente (seria 
como assumir uma ferida na sua identidade de gênero), mas para 
tomar as rédeas da própria vida (e do próprio corpo), parar o avanço 
do tempo e retomar a juventude perdida (TRAMONTANO, 2012, 
p. 119), alguns trans-homens o fazem para resgatar o seu corpo 
idealizado, sua identidade transgênera, sua autoestima,seu auto 
e alter reconhecimento, a fim de, posteriormente, adequar seus 
documentos com maior facilidade. A administração de testosterona 
serve, sobretudo, para que as pessoas possam decodificar o gênero 
no qual os trans-homens se identificam.
A hormonioterapia é a primeira grande modificação corporal para 
muitos trans-homens. A maioria a considera mais importante do que 
as cirurgias. O processo pode ser lento, com resultados diferentes de 
pessoa para pessoa. Muitos não o fazem por questões pessoais, seja por 
problemas de saúde, pelo receio de assumir a transformação perante a 
família, por conta do local de trabalho, por questões políticas ou porque 
não o desejam.
Existem várias formas diferentes de se usar testosterona, como: 
injeções, gel, pílulas, adesivos bucais, patch na pele, inalador de aerossol 
e implantes de microdifusão. A testosterona – ou, simplesmente, 
testo ou T – em forma de gel é comercializada no Brasil somente 
em farmácias de manipulação. É mais confortável de ser aplicada no 
interior das coxas (pela manhã, quando o nível da T é mais elevado), 
provendo um nível mais estável do hormônio (não mimetiza o ritmo 
circadiano da testosterona no organismo), possivelmente reduzindo os 
riscos de efeitos colaterais (FTM BRASIL, 2013b). No Brasil, além do gel 
e do creme, são comercializadas as formas injetáveis do hormônio.
Em 31 de julho de 2013, foi publicada, no Diário Oficial da 
União (DOU), a Portaria n° 859, ampliando as diretrizes do Processo 
Transexualizador pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que atenderia 
jovens a partir dos 16 anos com tratamento hormonal e proveria a 
cirurgia a partir dos 18 anos, quando antes era aos 21 anos (idade esta 
sem sentido, já que a maioridade no Brasil é de 18 anos). No mesmo dia, foi 
desrespeitosamente revogada. Por intermédio da Defensoria de São Paulo/
SP, o SUS desse estado é o único autorizado a fazer uso de bloqueadores a 
partir dos 12 anos, hormonização aos 16 e operação aos 18, medida esta 
que, incoerentemente, não foi estendida para todo País (RABAHIE, 2013). 
Os bloqueadores são importantes para os trans-homens que não fizeram a 
histerectomia: evitam entrar em choque com a testosterona e bloqueiam 
os posteriores caracteres sexuais secundários, irreversíveis e dispendiosos 
para ambas as partes. 
Efeitos possíveis da testosterona
Há variações para cada indivíduo, mas, no geral, nota-se uma 
maior quantidade ou um aumento de apetite, acne, suor, retenção de 
líquido, massas muscular e óssea, enzimas hepáticas, da disposição 
geral, da libido, do colesterol, dos pelos no corpo e da barba, há 
policitemia (aumento dos glóbulos vermelhos) e hipertrofia do clitóris. 
As alterações resultam em modificações na voz, com a proeminência 
laríngea (pomo de adão), no odor do corpo, na pele, que se torna 
mais áspera e oleosa, e ocorre redistribuição de gordura corporal. Há 
interrupção da menstruação e perda de cabelo, levando à calvície. 
3 Antes do uso da testosterona.
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Observam-se riscos de dano hepático, hipertensão, cefaleia, doenças 
cardiovasculares e tromboembólicas. Há diminuição da sensibilidade 
à insulina, atrofia das mamas e da vagina e propensão à insônia. A 
agressividade e a variação de humor parecem ser um fator psicossocial, 
já que nem todos as manifestam.
Os trans-homens, para adquirirem os hormônios necessários 
para sua adequação, nem sempre conseguem os medicamentos. A 
falta é frequente nas farmácias de muitos estados. Sabe-se que alguns 
trans-homens, por falta de endocrinologista e/ou de receita médica, 
recorrem à automedicação e compram hormônios de forma ilegal. 
Estima-se que a maior parte da testosterona circulante se faz por meio 
do mercado paralelo esportivo, sobretudo nas academias, e pode ser 
encontrada em sites de fisiculturismo. Essa prática não é indicada pelos 
profissionais da Saúde, mas costuma ser um recurso para aqueles que 
se veem sem saída diante da falta de dinheiro, do apoio de profissionais 
especializados ou da morosidade do SUS.
Pesquisando na internet, os trans-homens descobriram um 
produto à base de testosterona que ajudava mulheres a terem 
sobrancelhas sem falhas4 e começaram a usá-lo indiscriminadamente 
pelo corpo. É utilizado como um dos meios para se conseguir adequações 
corporais masculinas.
O despreparo de muitos profissionais também se dá pela falta 
da cadeira “Gênero e Sexualidade” na maioria dos cursos de Medicina 
e de Psicologia, o que acarreta um desconhecimento e atitudes 
preconceituosas no trato com os(as) transgêneros.
Cirurgias e laudo psiquiátrico
 As expressões tão comuns manifestadas pelos trans, como: “a 
cirurgia não vai me fazer homem, porque sempre o fui” ou “nasci preso 
num corpo errado”, refletem metáforas patologizantes da inversão 
de gênero e da metafísica do corpo, como prisão da alma, reguladas 
pelos saberes médicos, religiosos e jurídicos. Essa velha questão é 
abordada por Bourcier (2008, p. 67) quando se refere à necessidade 
da despatologização, sendo a nova tendência para a rearticulação do 
discurso sobre a transição e a transgressão. Ela cita as exibições de Buck 
Angel (Loren Cameron)5 para mostrar que “o ‘tornar-se homem que já 
se é’ não coincide mais com uma simples reinteriorização, mas articula 
novas externalizações”, legitimando um sexo diferente, transformador 
e visível por meio da mídia. 
A “construção do gênero ou os processos de identificação são 
muito mais complexos do que a cirurgia” (ÁRAN, 2010, p. 276-277). 
A cirurgia deixa de ser condição de “determinação” do que é ser 
trans-homem (ou transmulher).
Quanto à obrigatoriedade do laudo psiquiátrico, este deslegitima 
a autonomia do trans de se dizer quem é. Promove que ele “represente” 
para atender às expectativas do terapeuta e obter, assim, o tão esperado 
laudo para se operar. Permanece refém, por dois anos, de uma equipe 
multidisciplinar que não tem parâmetros científicos de avaliação, numa 
fila de anos de espera, sem conhecer os critérios. Há apenas cinco 
unidades do SUS para atender todo o Brasil, sendo que a Região Norte 
ainda não possui unidades, e as do Rio de Janeiro/RJ, de São Paulo/SP e 
de Goiânia/GO estão com as inscrições fechadas há anos.
O primeiro procedimento cirúrgico para os trans-homens – 
às vezes, o único – é a retirada das mamas, daí a importância de se 
aumentar o número de mastologistas no SUS. O termo “mastectomia 
bilateral”, quando empregado para os trans-homens, é inapropriado, 
porque a mama não é totalmente removida e mantém-se o mamilo. 
“Mamoplastia masculinizadora” seria o termo correto, porque se trata 
de uma readequação de tórax. A cirurgia plástica é reconstrutiva e 
transforma, proporcionalmente, os tecidos e a forma de uma mama 
feminina em uma masculina (MEDICINA..., 2012).
As diversas técnicas cirúrgicas variam conforme o tamanho da 
mama. Os trans-homens dão à cicatriz o nome de “T invertido” ou 
“sorriso”, quando a incisão é abaixo das mamas. Usa-se também a 
dos dois traços. Quando o volume é pequeno, utilizam-se a técnica 
periareolar (PA) e a técnica transareolomamilar, do duplo círculo (DC), 
corrigindo também o tamanho da aréola. (CARDOSO et al., 2007)
4 Ver “Minha pele oleosa”. Disponível em: <www.minhapeleoleosa.com.br>. 5 Ver Buck Angel. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Buck_Angel>.
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Em alguns casos, pode-se usar prótese peitoral, visando a uma 
estética melhor. Esta é a primeira cirurgia a que os trans-homens 
submetem-se para poderem se livrar dos incômodos binders, faixas, 
esparadrapos e adesivos e terem maior aceitação pessoal e social. 
Ela independe da pan-histerectomia6 e/ou da cirurgia genital, que 
é definida como de caráter sexual secundário. A maioria para nesse 
estágio. A terceira é a neofaloplastia, também denominada com o 
termo inapropriado de ortofaloplastia, já que esta se refere a um 
procedimento para desentortar opênis.
A neofaloplastia é a constituição de um “novo pênis”. Trata-se 
de cirurgia considerada ainda “experimental” (só no Brasil e apenas 
no caso de trans-homens) e, por isso, somente é feita em hospitais 
universitários, o que evidencia o preconceito no campo da Medicina. 
Como alternativa, há a metoidioplastia: nesta, o clitóris crescido 
devido ao uso da testosterona e de bombas de sucção é “solto” 
de sua posição original e movido à frente para uma posição que 
lembra a de um pênis. Em alguns casos, a uretra é alongada para 
que termine na ponta do órgão. Há, também, a possível realização 
da vaginectomia, que é a remoção da vagina ou o seu fechamento 
(colpectomia) e a criação do escroto e dos testículos (escrotoplastia). 
Como a neofaloplastia ainda encontra-se em caráter experimental, 
o reconhecimento jurídico não demanda a cirurgia de redesignação 
sexual (ao contrário do que costuma ocorrer com as transmulheres). 
Ao mesmo tempo, não possuir um pênis pode representar para muitos 
trans-homens o perigo iminente de ser descoberto como “mulher”. A 
partir disso, as órteses revestem-se de importância.
Nem todos querem realizar essas cirurgias ou sentem que 
precisam delas para se tornarem homens. Para a mudança de 
prenome e de gênero no registro civil, essas costumam ser as cirurgias 
pré-requisitadas, uma vez que a criação do falo apresenta mais riscos e 
nem sempre se obtêm resultados estéticos e funcionais satisfatórios.
O alívio das órteses (binder, faixa torácica, packer/play, pump e STP)
Tanto o binder, que é o colete compressor, quanto a faixa torácica 
ou as fitas adesivas e esparadrapos têm a função de esconder as mamas.
Packer é a órtese em forma de pênis, tanto no modelo flácido 
(que serve para dar volume) quanto no rijo (no modelo play com fins 
sexuais). Pump é a bomba de sucção para aumentar o clitóris e STP 
(stand to pee), o dispositivo para urinar em pé.
A maioria dos trans-homens usa algum tipo de órtese na cueca 
para se sentir com uma autoimagem mais prazerosa e mais seguro 
socialmente. Já existem sungas e cuecas australianas que vem com 
lugar para o packer7. Praias e piscinas também figuram como lugares 
propensos ao embaraço e sentimentos de vergonha, quando não 
podem tirar a camiseta.
Há packers de várias tonalidades, tamanhos, tanto flácidos 
quanto rijos, ou até com as três funções (com STP). A maioria 
procura por órteses as mais realistas possíveis, incluindo também as 
conhecidas por vertebradas, por conterem “vértebras” no seu interior 
e serem dobráveis.
Os binders (coletes) são vendidos apenas no exterior. Há faixas 
ou cintas nacionais, esparadrapos porosos largos e/ou fitas adesivas, 
que são mais baratos, fáceis de conseguir; porém, são mais inseguros 
e incomodativos do que os binders. Um dos problemas nas academias 
surge quando se matriculam com o nome social e ficam tensos ao 
serem descobertos. Alguns confidenciam ao personal trainer, quando 
adquirem mais intimidade, mas há aqueles que narram usar o colete 
para corrigir a postura.
Quando há compreensão dos pais (raramente), o uso do binder 
começa cedo, assim que os “invasores” aparecem (termo êmico usado 
pelos trans-homens, denotando a repulsa que as mamas costumam 
causar). De modo semelhante, a menstruação é muitas vezes chamada 
de “monstruação”, como uma aberração.
6 Retirada de todos os órgãos reprodutores internos. 7 Exemplos de cuecas e sungas com lugar para embutir o packer podem ser vistos no link: 
<http://oconfessionario.wordpress.com/2010/12/08/wonderjock-by-aussiebum/>.
3332
Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Outros incômodos causados pelo uso contínuo dos binders, faixas, 
fitas adesivas e esparadrapos são a falta de ar (às vezes, apresentando 
problemas pulmonares), o calor, as assaduras. Alguns chegam a ficar 
com as mamas escariadas ou quase necrosadas.
Há também dúvidas sobre como prender as mamas. Segundo 
alguns cirurgiões que operam trans, a maneira mais apropriada para 
a compressão mamária é no sentido perpendicular à base da mama, 
mantendo o mamilo centrado em relação a ela. Fazer uma compressão 
de cima para baixo provoca um estiramento da pele acima do mamilo, 
criando “mamas em forma de saco de café”, resultando em cicatrizes 
grandes. Quando a compressão é correta, o grau de atrofia gerado pela 
testosterona é benéfico (MEDICINA..., 2012).
Algumas considerações
Neste pequeno recorte acerca dos trans-homens e das suas 
readequações corporais, há uma ligação direta com a discriminação/
intolerância/transfobia sofridas por conta dos conflitos das normas 
de gênero. As hormonizações e/ou cirurgias tornam-se quase que 
obrigatórias para esses corpos não alinhados às normas binárias de 
gênero. Os trans-homens provam que é o gênero que determinará a 
anatomia. É necessário ser mutante nesta sociedade, se quiser ter uma 
inteligibilidade identitária e humana. Pretende-se, neste texto, abrir 
novos diálogos e tornar visíveis as transvivências masculinas – cientes 
de que tal trabalho não esgotará o assunto: há, ainda, muito a se colocar 
em discussão.
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Academia
Um olhar sobre a determinação social 
da saúde de travestis e transexuais
Parte II
39
Transexualidade e Travestilidade na Saúde
Todas as mulheres do mundo1: a construção do corpo 
travesti no Brasil das décadas de 1960 e 1970
Anibal Guimarães
Introdução
Cada vez mais, por diferentes razões, homens e mulheres 
parecem necessitar e desejar a realização de mudanças corporais. 
Independentemente da orientação sexual, da identidade e da expressão 
de gênero, o ser humano, de maneira geral, busca a harmonia entre 
a autoimagem e a materialidade do próprio corpo. Não constitui, 
portanto, qualquer novidade que, para travestis e transexuais, agarrar-se 
a uma promessa de concretização desse desejo pareça fundamental.
Os esforços envidados nesse processo são inúmeros e, ao menos 
no cenário privado, compreendem a contratação de profissionais de 
saúde treinados, os quais, por meio de práticas regulamentadas e 
fiscalizadas pelas autoridades sanitárias, lançam mão de biotecnologias 
já consagradas. Ciência e Medicina buscam, assim, desenvolver novas 
técnicas, aprimorar procedimentos médico-cirúrgicos consagrados e 
intensificam suas pesquisas por novos produtos.
Em um ambiente que sugere a prevalência de uma “medicina 
dos desejos” sobre uma medicina terapêutica, verifica-se a existência 
simultânea de práticas regulares e irregulares. Profissionais treinados 
e autorizados pelo poder instituído a exercerem determinados 
procedimentos médico-cirúrgicos em corpos são confrontados por 
outros atores, não oficiais, os quais não apenas representam alternativas 
de transformações em corpos como também, dadas as quase sempre 
precárias condições em que atuam, expõem seus “clientes” a riscos, 
muitas vezes, ainda maiores.
Essa prática não oficial se vale da existência de produtos químicos, 
os quais apresentam facilidade de acesso e oferecem menor custo 
e maiores possibilidades de lucro. Esses produtos, muitas vezes, são 
subvertidos em sua finalidade exclusivamente industrial e acabam 
1 O título “Todas as mulheres do mundo” faz alusão ao filme homônimo, dirigido e roteirizado 
por Domingos de Oliveira e lançado em 1967. Disponível em: <http://www.filmesbrasileiros.
net/todas-as-mulheres-do-mundo/>. Acesso em: 5 ago. 2013.
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
injetados no corpo humano. É o caso do silicone líquido, cujos danos 
no organismo de homens e mulheres têm sido objeto de extensa 
literatura científica. Ainda que sejam amplamente conhecidos os seus 
severos danos em humanos, e enorme a dificuldade médica para o seu 
enfrentamento, chama a atenção seu continuado uso entre travestis e 
transexuais no Brasil.
De maneira geral, as narrativas e as análises aqui reunidas 
sugerem que as técnicas e os recursos biotecnológicos desenvolvidos 
e disponibilizados pela Medicina, ao longo dos últimos 50 anos, para 
a construção de corpos, significam avanços ainda bastante limitados 
em termos de seu inequívoco bem-estar. Mais que tudo, travestis 
e transexuais parecem clamar pela minuciosa reflexão quanto a 
determinados procedimentos autorizados, uma vez que seu maciço 
investimento físico e psíquico em algumas transformações radicais 
não corresponde aos resultados muitas vezes alcançados. É imperioso 
investigar se, de fato, se promoverá a sua beneficência e, mais que 
tudo, a sua não maleficência.
As histórias de vida das travestis idosas aqui apresentadas 
sugerem que a longevidade e a alegada qualidade de vida alcançadas 
por elas resultam também da razoável satisfação quanto à autoimagem 
que construíram ao longo de suas vidas. De alguma forma, tal satisfação 
é o resultado direto das técnicas e cirurgias então disponíveis e, 
também, do próprio reconhecimento da existência de determinados 
limites no processo de “construção” de seus corpos. Ao que parece, 
seu investimento em um feminino que sempre se valeu mais de 
sua performance de gênero do que exclusivamente de um corpo (a 
ser) “construído” foi crucial para lhes assegurar razoável bem-estar 
psíquico, não apenas durante sua juventude e maturidade mas, agora 
em especial, em seu processo de envelhecimento.
Este trabalho se insere em um projeto maior, de natureza etnográfica, 
o qual busca resgatar e registrar as memórias de travestis brasileiras idosas, 
com vistas à melhor compreensão do fenômeno da travestilidade. Por 
meio de uma retrospectiva histórica, pretende suscitar o debate acadêmico 
quanto aos diferentes discursos geracionais/temporais que, a meu ver, ainda 
sustentam, em nosso país, o processo de construção do “corpo travesti”.
Aqui, agora
Em 2013, na cidade de Salvador, um profissional de enfermagem 
foi chamado às pressas a uma casa de cômodos onde residem e 
se prostituem mais de 30 travestis. Sua missão: tentar socorrer 
duas delas, as quais apresentavam graves problemas de saúde em 
decorrência das injeções de silicone líquido que foram aplicadas, 
por uma “bombadeira”, em seus corpos e rostos. Encaminhadas 
e atendidas em um hospital público, as travestis foram medicadas 
e liberadas. Contudo, passados alguns dias, o quadro agravou-se e 
uma delas teve suas nádegas cirurgicamente removidas; sem resistir 
à septicemia generalizada, ela acabou falecendo. A outra travesti 
tampouco resistiu às complicações decorrentes da injeção do silicone 
e, passados dois meses, também faleceu.
Segundo relato daquele profissional, são ainda insuficientes 
os recursos desenvolvidos pela Medicina para o enfrentamento dos 
sérios problemas decorrentes da utilização do silicone líquido injetável 
no organismo humano: “muitas vezes”, diz ele, “as únicas medidas 
possíveis são de natureza paliativa”. Para todas as demais travestis que 
já haviam recorrido aos serviços da mesma “bombadeira”, “tudo não 
passou de azar” das vítimas2. É interessante que se compreenda que, 
nesse contexto, macular e desqualificar o trabalho de “bombadeiras” 
pode significar, também, colocar em risco o acesso a um procedimento 
que a todas “beneficia”.
Em algumas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, as 
chamadas “bombadeiras” que ali residem e trabalham têm expandido 
sua clientela para além das habituais travestis e transexuais. Mulheres 
biológicas, de classe média, desta e de outras cidades vizinhas, têm 
recorrido à sua alegada expertise para retoques com injeções de 
silicone líquido em seus corpos e em suas faces. Não obstantea falta 
de regulamentação para a atividade da “bombadeira”, essas mesmas 
mulheres justificam sua escolha pela “rapidez dos resultados” e pelo 
“preço acessível”3. Guardadas as proporções, os danos muitas vezes 
observados em seus corpos são os mesmos sofridos por travestis e 
2 Relato pessoal do profissional de enfermagem chamado a prestar os primeiros 
socorros naquela casa.
3 Relato pessoal de uma jovem travesti informante, a qual trabalha como “auxiliar” de uma 
“bombadeira”.
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
transexuais que, há cerca de 40 anos, têm se submetido ao “regime” da 
aplicação do silicone líquido injetável.
Se é razoável afirmar não ser de desconhecimento de nenhuma 
travesti ou transexual que vive nas grandes cidades brasileiras os 
riscos a que estão sujeitas quando decidem recorrer a métodos não 
regulamentados para as mudanças corporais desejadas, sabe-se que 
esta não é uma escolha aparentemente fácil ou mesmo “irresponsável”. 
Se, por um lado, a realização de tais procedimentos no âmbito privado 
e o oferecimento de consentimento não afastam a “ilegalidade” que 
caracteriza seu exercício, por outro, a urgência em “ficar pronta” para 
ter assegurada a sua subsistência, somada às atuais dificuldades de 
acesso ao Processo Transexualizador4 no Sistema Único de Saúde (SUS) 
– em face à facilidade de acesso à “bombadeira” –, parece significativa 
no processo decisório de travestis e transexuais.
Ante a severa rejeição social de que são alvo, uma vez percebida 
sua contrariedade às normas de gênero, travestis e transexuais são 
levadas a confiar em diferentes promessas biotecnológicas que, na 
verdade, podem agravar seu sofrimento. Na maioria das vezes, rumo 
à materialização de um corpo que, acreditam, possa resultar no 
reconhecimento legal e social de sua expressão e identidade de gênero 
feminina, essas pessoas acabam submetidas a procedimentos invasivos 
quase sempre árduos, longos e dolorosos. Com o passar do tempo, 
verifica-se o quão imprevisíveis podem ser suas repercussões nos planos 
físico e psíquico. Dito de outra forma, é a busca pela restituição da 
“humanidade” que lhes foi retirada o que move travestis e transexuais 
em meio à parafernália biotecnológica disponível. Não obstante todo 
esse sofrimento, o tão ansiado reconhecimento legal e social tampouco 
lhes é assegurado.
Coccinelle, “mulher de verdade”5
Em março de 1963, Manchete, então a mais importante revista 
semanal do País, estampava a foto a cores da vedete e transexual 
francesa Coccinelle6. Em turnê pela América do Sul, Coccinelle lotou 
estádios de futebol, teatros e boates em que se apresentou. Mais que 
seus inegáveis dotes artísticos, o que, na verdade, todos queriam ver era 
aquela linda mulher que nascera “homem” e, em 1958, submetera-se 
à cirurgia de “troca de sexo” na cidade de Casablanca. Sob diferentes 
perspectivas, a vinda de Coccinelle ao Brasil serviu para revelar os limites 
e as condições em que viviam os muitos rapazes que, percebidos como 
“afeminados”, eram discriminados e sofriam pela suposta incongruência 
entre sua identidade de gênero e sua genitália.
Saber da existência de Coccinelle e, mais que isso, sabê-la tão 
próxima, ao alcance dos olhos, tomando banho de sol à beira da piscina 
do Copacabana Palace, de biquíni, “corpo e beleza estonteantes”, podem 
ter contribuído decisivamente para desestabilizar o estado de quase 
perpétua resignação e sofrimento então experimentado pela grande 
maioria dos “afeminados” brasileiros. À época, investir na produção 
de vestimentas e acessórios a serem exibidos durante o carnaval 
representava um importante alívio psíquico a que lhes era possível 
recorrer. Mais que isso, os dias de folia momesca representavam uma 
espécie de laboratório para eventuais e futuras incursões daqueles 
rapazes “afeminados” no universo feminino. Não sem razão, um dos 
inevitáveis desdobramentos da esfuziante presença de Coccinelle entre 
nós foi a progressiva conquista do espaço público por essa população 
segregada. Romper, para “além do carnaval”7, com as imposições 
resultantes da ditadura de gênero foi o passo seguinte.
Mais do que reconhecer a cirurgia de Coccinelle como uma proeza 
técnica, sua trajetória e seu sucesso pessoal serviram para fazer crer 
aos “afeminados” que “milagres”, de fato, acontecem. Mas não só isso. 
Ver materializado, diante dos olhos, alguém que “trocou de sexo” – e, 
4 No Brasil, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), dá-se o nome de Processo 
Transexualizador ao conjunto de procedimentos médico-cirúrgicos a que – de maneira 
consciente, esclarecida e voluntária – se submete uma pessoa diagnosticada como 
portadora do chamado “transtorno de identidade sexual” e que deseja ajustar sua genitália 
à sua identidade de gênero.
 Ver a Portaria MS nº 1.707, de 18 de agosto de 2008, e, também, a Portaria MS nº 2.803, de 
19 de novembro de 2013, que redefinem e ampliam o Processo Transexualizador no SUS. 
(BRASIL, 2008; 2013)
5 A expressão “mulher de verdade” refere-se à canção “Ai, que saudades da Amélia”, de autoria 
de Mário Lago e Ataulfo Alves. (DICIONÁRIO..., 2013a).
6 “Eu quero essa mulher assim mesmo!”. (MANCHETE, 1963).
7 Refiro-me à obra “Além do carnaval. A Homossexualidade Masculina no Brasil do Século XX”, 
título traduzido para o Português da tese de doutorado do historiador norte-americano e 
brazilianista James N. Green, “Beyond Carnival. Male Homosexuality in Twentieth-Century 
Brazil”, editada no Brasil sob o formato de livro. (GREEN, 2000)
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
acreditava-se, com isso adquirira valor e respeito social, era desejada 
pelos homens e invejada pelas mulheres – contribuiu para ressignificar a 
vida de todas as pessoas que, de certa forma, nem mesmo conseguiam 
compreender a natureza das questões que tanto lhes perturbavam. 
A enorme visibilidade alcançada por Coccinelle pode ter contribuído 
para que uma expressiva parcela dos “rapazes” que, no Brasil, eram 
sistematicamente discriminados, segregados e humilhados, por conta 
de sua identidade e de sua expressão de gênero feminina, entendesse 
que a tão desejada aceitação social estaria condicionada à sua transição 
de um gênero ao outro. Simples assim: sua “transgressão” não seria 
tolerada enquanto ela não fosse disciplinada pelo bisturi cirúrgico.
Embora a trajetória de Coccinelle seja inigualável, é fato que, já em 
1952, o norte-americano George William Jorgensen Jr. submetera-se, 
na Dinamarca, à cirurgia de “troca de sexo” e passara a se chamar 
Christine. De volta à América, Christine Jorgensen tornou-se alvo de 
intensa cobertura jornalística, transformando-se instantaneamente em 
uma celebridade. Se, para o imaginário popular, Christine Jorgensen 
representava um estilo de feminilidade contida, que mais se assemelhava 
àquele da atriz norte-americana Lauren Bacall, de voz rouca e sexy, 
Coccinelle, que já atuava como strip-teaseuse de sucesso em alguns 
célebres cabarés parisienses, incorporava, simultaneamente, as figuras 
de Brigitte Bardot e Marilyn Monroe, dois dos maiores símbolos 
sexuais de toda a história do cinema mundial. Ao que parece, ante a 
exuberância e os “encantos” da francesa Coccinelle – a qual se ajustava, 
como uma luva, ao festejado espírito carnavalesco brasileiro –, nossos 
“afeminados” ficaram alheios à aparente modéstia da norte-americana 
Jorgensen. Não sem surpresa, no Brasil, Coccinelle acabou alçada à 
condição de modelo de feminilidade a ser adotado e perseguido.
“Ô abre-alas, que eu quero passar...”8
Para Veneziano (2006), a década de 1950 representa o auge do 
teatro de revista no Rio de Janeiro, quando produções bastante luxuosas 
reuniam em seu elenco os grandes nomes de então e, com frequência, 
atores, reconhecidos por sua masculinidade, representavam papéis 
femininos, de forma propositadamente caricatural e grotesca. Grande 
Otelo e Oscarito foram alguns desses atores. Em 1953, contudo, esse 
cenáriomudou: Walter Pinto, principal empresário dos espetáculos de 
revista produzidos no Brasil entre as décadas de 1940 e 1960, contratou 
Ivaná, travesti francês de “rara beleza e feminilidade”9, para ser a estrela 
de sua Companhia. Seu sucesso foi tão grande entre nós que a mesma 
revista Manchete, em 1953 – dez anos antes da passagem de Coccinelle 
pelo Rio de Janeiro –, lhe reservou sua capa (MANCHETE, 1953).
Se, para chamar a atenção de todos, Coccinelle valia-se, 
simultaneamente, de sua condição de “homem que operou e virou 
mulher” e de suas belas formas femininas, Ivaná, sem jamais ter recorrido 
a qualquer procedimento cirúrgico capaz de transformá-lo em “mulher”, 
nada mais era do que um belo rapaz que “se vestia de mulher”, cantava 
e falava “como mulher”. Sua inegável aparência feminina deve-se aos 
variados enchimentos que utilizava para entrar em cena, à apurada 
técnica de maquillage teatral, às belas perucas e ao luxuoso 
guarda-roupa. No mais, “tudo não passava de ilusão de ótica”.
No Brasil, a contrariedade de homens às normas de gênero estava 
autorizada apenas durante o carnaval ou, então, nas artes cênicas. Tudo 
o que escapasse a essa ditadura de gênero deveria ser severamente 
repreendido por todas as “pessoas de bem”. Não sem razão, a “ousadia” 
de alguns rapazes “afeminados” em seguir carreira artística deve-se 
não apenas à menor rigidez ali verificada quanto ao controle de sua 
expressão de gênero, mas, é possível, à maior proximidade com um 
universo tido por muitos como “promíscuo”, portanto, mais “propício” 
às suas experiências homoeróticas. Alguns outros “afeminados” se 
voltaram aos ofícios de corte e costura ou de cabelereiro e maquiador. 
8 A marcha “Ô abre alas”, composta por Chiquinha Gonzaga em 1899, foi a primeira música 
feita no Brasil especialmente para animar o carnaval (BRASIL, 2013b).
9 O sucesso das revistas musicais de Walter Pinto era tão grande que, “depois do êxito de ‘Eu 
Quero Sassaricá’, em 1951, o produtor se deu ao luxo de passar o ano seguinte viajando 
pela Europa a fim de pesquisar tendências para suas montagens seguintes” (GOMES, 2013). 
Parece razoável supor que a contratação de Ivaná significou a tentativa de o empresário, ao 
menos em parte, reproduzir em suas revistas, no Brasil, a fórmula de sucesso a que assistira 
nos cabarés parisienses de então (GOMES, 2013).
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
Em geral, essas profissões aceitavam aprendizes e melhor toleravam 
eventuais contrariedades às normas de gênero.
Em 1963, chegou a Paris Waldir da Conceição, o primeiro 
brasileiro que passou a viver ali, integralmente, como travesti. Bailarino 
profissional, dotado de refinada técnica, beleza exótica e porte elegante, 
Waldir já correra o mundo em diferentes turnês. Quando em 1962 
esteve em Paris pela primeira vez, Waldir ficou perplexo com algumas 
coisas que ali viu: à noite, pelas ruas de Pigalle, homens maquiados 
e vestidos em elegantes trajes femininos eram cortejados por outros 
homens e tratados como mulheres10. A repressão policial a que, na 
França, estavam sujeitas aquelas pessoas por conta de sua “afronta” 
à legislação que proibia “a um homem se vestir como mulher fora 
do período de carnaval” pareceu irrelevante para Waldir. Perceber as 
infinitas possibilidades subjacentes à inegável atração e atenção que, 
em geral, aqueles “afeminados” exerciam sobre homens de “verdade” 
foi crucial e suscitou em Waldir o desejo inicial de investir na carreira de 
bailarino em Paris.
Não demorou para que Waldir logo entendesse que a magia 
permissiva de Pigalle e o clima sedutor dos cabarés de espetáculos de 
travestis Madame Arthur e Le Carrousel eram irresistíveis e falavam 
mais alto à sua sensibilidade do que prosseguir na carreira de bailarino. 
Paris não apenas abriu as portas de um novo mundo para Waldir como, 
também, mostrou os caminhos para a sua transformação física em 
mulher. Foi assim que, em 1963, aos 27 anos de idade, nascia Daloá.
A efervescência do disputado ambiente noturno em que Daloá 
passou a viver logo a despertou para a possibilidade/necessidade 
de recorrer aos “milagrosos” hormônios e cirurgiões plásticos 
que faziam “maravilhas” em corpos e rostos, e cujos nomes eram 
ciosamente partilhados apenas entre os poucos travestis franceses 
“estabelecidos”. Como bem aponta a travesti Rogéria, para algumas 
pessoas, determinados lugares de Paris eram capazes de evocar a 
incredulidade: “O Carrousel! Meu Deus, homens que são mulheres! 
Quando você pensa que vai ver um cara ridículo vestido de mulher, 
chega lá e vê gente linda, de cabelão comprido. O cara leva um 
choque” (ROGÉRIA, 1990).
Após viver na Europa 12 anos sem ter se submetido à cirurgia de 
transgenitalização, mas, ainda assim, fazendo strip-tease e dançando, 
Daloá trocou de sexo em 1975, em Bruxelas. Não há dúvidas: o exitoso 
florescer pessoal e profissional de Daloá sedimentou as bases de um 
importante movimento de emigração de artistas travestis brasileiras 
rumo à Europa a partir da década seguinte. Em 1969, Valéria e Rogéria, 
consagradas travestis brasileiras, cruzaram o Atlântico para tentar uma 
carreira internacional. Suas inegáveis qualidades artísticas serviram, 
em definitivo, para abrir as portas dos cabarés europeus de travestis às 
brasileiras talentosas.
É necessário que se aponte que, antes de seguirem para a 
Europa, Rogéria e Valéria não haviam, ainda, lançado mão de alguns 
recursos biotecnológicos que, mais tarde, acabariam por destacar sua 
já reconhecida feminilidade. A exemplo de Ivaná, ambas as artistas não 
apenas recorriam à maquillage e à peruca como, também, distribuíam 
enchimentos ao longo de seu corpo.
Foi Valéria a primeira das grandes artistas travestis brasileiras a 
retornar de Paris. Sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1972, provocou 
uma corrida de jornalistas e fotógrafos ao aeroporto. Era enorme a 
curiosidade de todos quanto a seu “progresso” físico: a exemplo de 
Coccinelle, teria Valéria também “operado”? Teria conseguido ficar ainda 
mais bela? Imediatamente contratada para estrelar um grande espetáculo em 
um dos principais teatros da cidade, Valéria logo tornou-se a “coqueluche” 
da noite carioca. Em pouquíssimo tempo, seu rosto estampou as capas 
das principais revistas e jornais.
Conta a travesti Cláudia Celeste que, desde o início, acompanhando 
pela imprensa toda a enorme movimentação em torno da chegada de 
Valéria, logo comprou seu ingresso para o espetáculo. Assim que Valéria 
entrou em cena, Cláudia Celeste – então, um jovem “afeminado” de 
20 anos de idade – não conseguia arredar os olhos do palco, tal era a 
“feminilidade”, a “beleza”, o “fascínio” e a “sedução” que irradiavam 
de sua figura. “Meu Deus, o que era aquilo?”, pergunta-se até hoje. 
Conta Cláudia que, ali, naquele exato momento, entendeu que seu 
10 O fotógrafo sueco, Christer Strömholm, em seu livro Les Amies de Place Blanche, consegue, 
por meio da reunião de suas belas fotografias, captar a “novidade” e a “ousadia” que, 
nessa época, em Paris, significou a ocupação do espaço público por travestis franceses e 
estrangeiros. (STRÖMHOLM, 2011).
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Transexualidade e Travestilidade na SaúdeMinistério da Saúde
destino estava irremediavelmente traçado: seria também “travesti”, 
pouco importando o custo de sua decisão. O modelo de referência, 
relembra, acabara de lhe ser apresentado. Para Cláudia Celeste, 
travestir-se significou dar um fim à recorrente humilhação que sentia, 
resultante dos xingamentos que cotidianamente ouvia por ser “um 
rapaz de aparência extremamente feminina”. Com sua decisão, Cláudia 
lembra que “passava ‘batida’, sem despertar a atenção de ninguém: eu 
era mais uma mulher caminhando pelas ruas e, como tal, deveria ser 
respeitada por todos”.
Em setembro de 1973, foi a vez de Rogéria voltar ao Brasil. 
Passados alguns dias, a artista deu extensa entrevista ao importante 
semanário O Pasquim. Ali, Rogéria conta que foi na Europa que, pela 
primeira vez, ingeriu

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