Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
I PLINIO MARCOS WALDEREZ DE BARROS e ANTONIO PETRIN can90es - LEO. LAMMA musica incidental, arranjos e GUGA PETRI dire9ao musical expressao corporal - VAL FOLLY cemlrios - CLAUDIO LUCCHESI figurinos - GILDA BANDEIRA DE MELa ilumina9ao - ABEL KOPANSKY maquiagem - WAGNER BELLO assessoria de imprensa - BRI FIOCA e , ROSI CAMPOS operador de luz e som :....-LEO LAMMA bilheteria - FERNANDO MACIEL' assistente de dire9ao -RONALI MORENO administrasao - CECfLIA MAGNANI fotos - ARI BRANDI . dire9ao geral - ODA VLAS PETTI "No bomcirco da alma: Antonio Petrin e Wald'erez de Barros, composh;oes soberbas. Walderez perfeita. Petrin excelente." "A dire9ao e sensivel, atenta aos ritmas e, as suges- toes gestuais de cada cena. Odavlas Petti toca nes- sas cordas em seu trabalho. A encena9ao valoriza a poesia, mas nao esquece a teatralidade dit luta entre as personagens, contando com contribui9oes' impor- tantesde Claudio Lucchesi na cenografia, Gilda Bandeira de Melo nos figurinos, Val Folly na pre- para~ao. corporal e cria9aa de uma delidosa panto- mina, Leo Lamma na inven9ao' de uma musica, di· gamos, brechtiana (os arranjos musicais e a musica incidental sao de Guga Petri). Odavlas Petti faz da BALADA DE UM PALHACO nao s6 a arena de grandes interpreta90es. Obteve um resultado orga- ni'Cb, coeso, que emoldura e dimensiona amorosa- mente a apaixonada discussaode PHnio Marcos. Uma montagem que nao se pode' perder." "Antonio Petrin, na pele de um Menelao obtuso e simpl6rio, que fala por repeti~oes de silabas, entra em cena com 0 peso necessario, e em. momenta al- gum se deixa ofuscar pelo brilho de Walderez de Barros. Ela, por' sua vez,'como em Madame Blava- tisky, domesmo autor, que lhe valeu varios premios, da' um show de sensibilidade. Emcada' gesto, em cada expressao, em cada entona9ao, Bobo Plin e 0 clow universal, masculino e feminino, crianc;a e adul- to, alegre e triste. Tao pequeno quanta sua inutili- dade,ao nao conseguir ser engrac;ado nem' para 0 pr6prio parceiro. Tao grande, que sabe ttaze~ para o palco toda a melancolia da humanidade." VIVIEN LANDO - 0 Estado de Sao Paulo) "Petrin tern urn momenta em que exibe as modula- C;5es.do riso em -face do palhac;o que e anto16gico no contexto. Walderez, quando vai entrar no picadeiro e enfrentar 0 seu publico sem cara, puxa a boca e prodtiz 0 mais melanc6lic6 sorriso de palhac;o. Tem- se assim uma completa liC;ao de riso, sorriso e hu- manidade, . dada pOl' dois dos nossos melhores in- terpretes." _ "A procura da alma, encarnada na interpretac;ao de Walderez -de Barros, torna seu trabalho uma peque- na j6ia lapidada com mestria pOl' ourives exemplar. Antonio Petrin, com s6lida criac;ao e sincera entre- ga, atinge urn ponto alto em sua carreira." (EDELCIO MOSTA<';O- Folha de Sao Paulo) "Walderez de Barros e Antonio Petrin: Bobo Plin e Menelao, dois desempenhos marcarites, daque1es que nao se consegue esquecer." (ALBERTO GUZIK - Tornal da Tarde) "Trata-se de urn momento instigante de teatro; prin- cipalmente porque se ap6ia nas excel~ntes i~te~?re- tac;6es de Walderez de Barros e :,-ntomo Petnn. - . (MARIA LUCIA CANDEIAS - Revista Isto £) "0 diretm Odavlas Petti toma 0 texto com grande energia e cria urn espetaculo bonito, centrado no trabalho de atores, que encontra em Antonio Petrin e Walderez de Barros dois interpretes maduros e completos." (CARMELINDA GUIMARAES - Shoping News) Personagens BOBO .P~IN - Pal~a«o sal~imbanoo. Espiritual. Fe: . mmmo. Angustlado. Lmha dos palha«os-vaga- bundos. Desinteressado das coisas desse mundo. MENELAO - !ambem vestido de palha90, porem palha90 prospero. Materialista. Positivista; Ma- chista. Ganancioso. Perseguindo 0 sucesso. CIGANA - A grande-mae. Velha bruxa. (A luz se abre num canto do palco, onde Boho Plin, o palhayi>, canta a canc;ao "0 Bando". Num outro canto, uma bruxa cigana faz um ritual com ervas aromaticas. ) Urn bando, sordido bando q\le sobrou das guerras. Bando faminto, sem alento, empestiado, coberto de feddas e ressentimentos. Alguns estao exaustos, alguns estao mortos, alguns tem memoria, alguns tem medalhas ganhas por bravura rio mdo das batalhas, o que dificulta nosso entendimento. E duro, muito duro, o convivio no bando. Nenhum tem ,coragem 'para se deixar ficar. Nenhum tem coragem para seguir 'adiante. Nenhum tem coragem, . , Um .espa90 imaginal'io, que pode ser um piCadeiro de Clrco, um altar, a sala de um puteiro, osalao de urn bar, uma pl'a9a. Ha modulos coloridos espalha- dos pelp cenario. E obrigatorio que haja no cenal'io uma cadeira. Um desses modulos deve tel' urn en- caixe para 0 violao e outro para um chicote estilo domador de feras. No centro, ao fundo, ha urn mas- tro fixo e outro solto, ambosenroladospor uma cortina. Quando for necessario, esses mastros se trans~ol'mam .em biombos, como, por exemplO, na cena dos bastldores; quandosao utilizados como cor- tina. . . As musicas compostas para esta pe9a sao de autoria de LEO LAMMA, com letl'as de PLINIO MARCOS. BOBO. PUN (melancolico) - Anos e anos a fio na trilha dos saltimbancos. Andando, andando, andan- do. 'De lugarejo em lugarejo. De vila em vila. De ci-dade em cidade, onde multid6es envolvidas nas turbulencias de suas paix6es se degeneram no baila- do da insensatez. (Pausa. Bobo Plin aproxima-se da velha bruxa cigana.) Sera sempre em prayas sem liberdade, debaixo de ceu sem estrela, em jardins sem flores, nas margens de corregos por onde escoa a merda, que devo armar minha poesia? (Pausa.) Responda, por favor, grande-mae. Isso e vida? CIGANA (RI.) - Bela vida, palhac;:o.Bela vida. (Ri.) BOBO PUN - Somos malditos por toda gente, obrigados a acampar nas lixeiras das cidades, somas expulsos dos lugares, perseguidos, presos, espanca- dos. Dizem que somos ... CIGANA (Interrompe brava.) - Que importa 0 que dizem? Por acaso estamos sujeitos as leis do reino da banalidade? Nao. Nao estamos. (Pausa. De- pois, de um tempo, mansamente.) Esse nao-estar, pa- lhac;:o, e justamente nosso fascinio. Nosso encanta- mento. Nossa magia. 0 misterio das nossas vidas. E nossas vi-das, urn constante convite para a deliran- te fantasia, 0 sonho profetico, a poesia. 0 nosso andar sem termo e altamente instigador. Assombra o homem parado. Nossa passagem'... (Ri.) os gri- Ih6es ... (Ri.) se rompem. (Ri.) As vezes, se rom· pem e nos arrastamos conoseo alguns corpos-obje- tos. (Ri.) Somos ladr6es, dizem e1es. (Ri muito.) Que eu saiba, palhac;:o, nenhum de nos jamais roubou 0 que na.) pudesse carregar. (Ri.) Na verdade verdadei- ra, vivemos com 0 que Deus permitiu que adquiris- semos ao longo de muitas existencias. Vivemos' de nossos dons e ate de nossos aleij6es. E tudo isso, palhayo, e uma grande sabedoria. (Ri. Pausa.) Mas, a grande maioria de nos nao sabe nada dessas coi- sas. (Com desprezo.) Sao sombras. Sombras, nad3 mais. Sombras que se agitam. Sao espectros que se arras tam nas margens das estradas de Sao Serere em formidavel miserere da degenerac;:ao,como se acorn- panhassem 0 proprio enterro. (Pausa. Clgana pega o rosto do Bobo Plin e oIha bem no fundo dos seus olhos. Depois de um tempo, fala como se profeti- zasse.) Mas, urn unico, urn unico que compreenda que-J esta na trilha para fazer sua alma, seja voce, palhayo, seja hi quem for, vai compreender a neces- sidade de despertar 0 proximo e... (Ri.) vai inco- . modar os homens-maquinas e seus atentos maquinis- tas. (Cigana gargalha. De repente, como se estivesse sendo perseguida, agarra suas coisas e foge. Ouvem- se ainda suas gargalhadas, quando explode musica de galope de espetaculo de circo. Bobo Plin senta-se num modulo, desanimado e triste. Entra Menelao, triunfal, como 0 palhal;o que entra na pista. Rodeia o palco com estardalhal;o, gritos, pulos, cambalho- tas, 0, que puder. Para na frente de Bobo Plin, ve que ele esta triste. Menelao da uns passospra frente, uns passos pra tras, gira sobre oS calcanhares. Fica nervoso, masca 0 charuto, anda de um lado para outro, sempre exagerado. Canastrao exuberante. Para outra vez na frente de Bobo Plin.) - MENELAO - Ja Sel, ja sei, ja seL Nao precis a falar nada. Ja eritendi-di-di-di-dinheiro. Puta la merda. Merda la puta., Aumento, aumento, aumento de or- denado.E isso que voce quer. Menelao bobao, Me- nelao bestalhiio, Menelao asnao, porem Menelao en- tendao. Bobo PHn, 0 palha<;:osaltimbanco, querau- mento, auinento, aumento de salario-ari0-ariocario. banda, s6rdido banda, quebrouespelho de puteiro. Sete, capuchete, sete, setenta e sete anos de azar. Nao fazemos sucesso... Puro azar, azar, azilt. E ainda por cima... 0 palha<;:ofica jururu-ru~ru-ru. Fica murcho. Murchinho. Triste. Melanc6lico-c6lico- c6lico-c6lico: BOBO PUN - Eu nao estou assim por causa de d~nheiro. MENELAO - Nao? (Pausa.) Entao qual a razao da tristeza triste do palha<;:o?(Anda como quem peri'sa.) Se nao e dinheiro. .. s6 pode. .. Nao! Sera? Nao! E. S6 pode ser. Se nao e dinheiro, e mulher. (RL) Mulher,Bobo Plin?(Pausa.) Mulher? (Pausa.) -Mu- lher, na sua vida? (Bobo Plin sacO'dea cabe'Ya de- .solado.) MENELAO - Nao.? Mas, put a la merda. Merda la puta'. Se nao e dinheiro e nao e mulher, 0 que pode ser? (Espantado e malicioso.) Ah, ah, ah. Sei, sei sei. Menelao bestalhao, Menelao aspao, Menelao babao, Menelao-Hio-lao, Menelao ent(mdao. Voce, como direi. . . Nao direi. ; . 0 que direi e.. . Vo(\:ee todo espirito, Bobo Plin ... e espirito, (Ri malicioso.) espirito ... nao tern sexo. (Faz gesto com a mao.) Re- tiro oquedisse. Redigo 0 que nao disse. Sera amor? Bobo' Plin esta amando alguem? Alguem que nao lhe quer? (Faz gesto de chinchada.) BOBO PUN - ,como poderia amar alguem, Mene- lao? Nao amo nem a mim mesmo. MENELAO - Ai, ai, que brisa fresca soprou por BOBO PUN - Nao falei nada. MENELAO -Nao falou, nao falou, nao falou, nao falou mesmo. Va, ua, ua. Nao falou, mas eu enten- di. Quando voce fala, fala, fala, fala como uma ma- traca, matraqueia, patati-patata, patati-patata, eu nao entendo. Nao entendo 'Dada, nada de nada, nada de neca, neca de pitibiriba. Mas quando voce fica quie- to, eu entendo tudo, tudinho. Percebo 0 absurdo dos sens desejos nesse' seu silencio obceno. Voce quer aumento de salario-ario-ario-ario. Seja franco. Con- fesse. ,Nao se aca,nhe. Berre. Sonoro, corajoso, ber- rador. Exija. Ameace: Eu quero aumento de salario ou ... E eu respondo. solen,emente, embora constran- gido. No cu, pardal. Nao fazemos sucesso, nao tern aumento. E esse 0 pre<;:odo fracasso. BOBO PUN - Mas eu nao quem aumento de sa- lario. Nunca falei nisso. MENELAO - Mentiroso-oso-oso-oso. Conheco 0 genero 'humano. Ganancia.. .Sei disso, comO' sei, sei, seL Quando urn diz que nao quer, e que que!;. E quando outro diz que qu~r, e que quer. Ganancia. Mas escute bern, Bobo Plin, acho que' alguemdesse aqui. Niio se pode nunea dizet pta um: dobra e enfia. Eles sac eapazes de tentat. Nao deu ... Ai, ai, que tristeza-teza-teza-teza. Nao e. .. nem dinheito nem amot?' , BOBO PUN - Nao, nao, nao. Nao e. Jura, Me~ nelao. MENELAO - Se nao e nem dinheiro, nem sexo, o que pode atormentar 0 homem moderno? Poder'!' BOBO PUN - Nao. MENELAO - Menelao entendao foi pras picas. Ficou so Menelao asnao, lambao, bestalhao. Porem, o que sei e que palha<;o jul'uru rima com fraeasso. E no easo e no eu-dum. E oeu-dum e 0 meu que banco 0 jogo egosto de me dar bom-trato:, comer bem, vesttr bem, fuder bem. Mas se 0 palha<;o do meu cireo fica... Qualquer idiota sabe, a alegria do eireo e 0 palha<;o. Mas, se 0 palha<;o. .. (Come. c;a a chorar com espathafato.) Bua, bua, bua. .. 0 palha<;o do meu circo. ,. Bua, bua, bua. ,. (Bobo Plin tevanta·se nervoso, sacode Menelac· e or· dena energico:) BOBO PUN, - Para com isso, Menelao. Eu nao estou ligado em dinheiro, sexo, que voce -chama de amor, poder, sueesso. Nao estou meSlllO. (Solta Me. nelao.) MENELAO ~ Sucesso, sei que nae ta mesmo. Ha muito tempo que nao faz. Mas, se nao e dinheiro, mulher. ,. digo, sexo, ou poder ... BOBO PUN ..,- Nao, nae, nao. Mil e uma vezes nao. Claro que eu precise tel' ~m ganho. ~s~o e bl- blieo: todo trabalhador tem direlto aum salano. Mas, entenda, Menelao .. '. MENELAO - Ja entendi. BOBO PUN - Entendeu 0 que? MENELAO - Voce e loueo, mas nao rasga dinhei- 1'0. Nao sai nu na rua . • BOBO PUN - 0 que eu quero e ierprazer no tl'abalho que fa<;o. Entendeu agora? MENELAO - Nao, nao entendi. Nao entendi nada. Nada de neea. Neca de pitibiriba, Mas e sempre assim. Voce fala, fala, fala e eu' nao entendo. BOBO ,PUN (Ri triste, e fala paciente.) - Estou querendo dizer que nao gosto do que {alto. Nao ~e da prazer meu trabalho. Nao si-nta pr~zel'. Alegn~. Tesao. Nao tenho mais anima 'para noite apos nOl- te, espetaculo apos espetaculo, repetir as mesmas ga- gues, as mesmas pantaminas, as mesmas b:lrletas ~em nexo. Fun<;ao apos fun<;ao, eu aIi no mew da plsta me l'epetindo, me repetindo, me repetindo ... E essa repeti<;aa embruteee, essa repeti<;aa vai me transfor- . mando ,num bufao privado dos sentidos, num his- triao meeanieo, num debil palha<;o... (Suplicante.) Menelao, eu nao quero ser BO,boPlin, 0 lamentavel palha<;o sem alma.,' , (Pausa tonga. MeneHio estli pasmo. Examin~ Bc,bo Plin de longe, com cuidado. Depois de um tempo, bI8cautelosamente.) MENELAO ~ Bobo Plin ... Bobo PHn, voce bebeu? '.BOBO PUN (Suspira fundo.) ~ Nao. MENELAO (Palido de espanto.) ~ Sem beber ... sem beber, ele ... B~bo Plin ... ' fala ... fala em al- ' ma. (Pausa.) Estranho, muito estranho. Ha cinco mil a~os, um pouca mais, um pouco menos, eu ando na tnlha dos saltimbancos, e nesse tempo todo'd ' ' quase uma~VI.a.• ?~nca, nunquinha, nunca de neca, de ne- ca de pIt~bmba: pOl' tudo que e mais sagrado, Iiun- ca escutei alguem falar que um palhayo ficou triste pOl' falta de ~lma. Ou porque pensasse' em alma. (P~usa..Menelao tenta se animar.) Respeitavel publi- co. HOJe tern espetaculo! Espetaculo de arte eluxo Venham, m~smo que ,chova, e tragam a famflia. Hoje: grande novld~de. Bobo Plin, 0 palhayO com alma! (~ara ~obo ~llD.) Sera que vem gente? (Pausa.)Nao nao, ,nao: nao_ vem. Eu sei que nao vem. Palhayo: Bobo Plm, nao precisa de alma. Palhayo precisa /?zer pal??yada. Se e palhayo, faz palha9ada. Todos r~em. E e ISso que 0 palha90 precisa fazer: os outros nrem. Todos os pa.lhayos do mundo, em todos os tempos" semp.re qUlseram fazer 0, publico rir. Al- guns ate. .. tmham truques, artimanhas, macetes ... empurra;at,n su.as malditas ideias.' Mas, antes de tu- do"o pubhco tmha que rir. Porque espetaculo e es- petaculo. Se houve algum palhayo que queria fazer alma ... bom, se algum palha90 teve alma, ele com certeza troco~ e.ssa ~lma. com 0 Diabo' pelo segredo ' d: f?zer ? pubhco nr, nr, rir ate se mijar. Fazel' 0 . publ~co nr sempre foi a ansia de todos os palhayos. POl' ISso todos os palha90s acabaram enlouqu~cidos, 12 todos, ,comoanimais delirantes, iam sem vacila9ao ate as regioes mais insondaveis dosseus cerebros doentios para descobrirem formas de fazer ° publi- co rir, rir, rir,rir, rir, rir. Todos os palha90s, Bobo Plin, sao e serao tarados. Todos tern tes~o de riso. A maioria, a grande. maioria, sempre acaba na sar- jeta, com a cara enfiada no bueiro e com cachorro mijando em cima. Laucos. Loucos desvairados. Lou-, cos que precis am do riso para acalmar seus sentidos. Mas nenhum, que eu saiba, teve essa loucura louca, desprovida de santidade... louca loucura de querer uma alma. Palha<;o e 'palha90. Bobo PHn, palha90 entra no picadeiro e faz 0 publicQ rir. BOBO PUN - E quando 0 palha90 nao consegue rir de si mesmo, Menelao? Me diga isso, senhor MeneHio. Porque e isso: eu nao consigo rir de mim mesmo. Da minha fragiliJade, da minha dolorosa e ridkula situa9ao. MENELAO - 0 palhayo nao tern querir de porra nenhuma. Palha90 ,nao paga entrada para 0 espeta- culo. Quem pagae que ri. Vai dat. .. (Pausa.) Bobo PHn, eu vou falar francamente, de pai pra filho, de irmao pra irmao, de homem pra homem. Fraterno. Como. .. de mim pra mim. (Sentimentaliio.) Mesmo a'ntes de voce ficar com essa Gruel doen<;a. .. essa insana mania de alma .. : como direi? .. Nao di- rei ... 0 que direi e que, antes ,de tudo isso, 'voce, meu querido Bobo PHn, ja era uma merda. Sem-gra- gao, sem-gra<;ao. Entrava na pista .. , Nac, esquece . D6i muito essa conversa. Menelao lambao, MeneHio bestalhaQ, Menelao' asnao, Menelao babao.' (Anda nervoso, no seu estilo, depois esbofeteia a propria cara e chora escandaloso.) Ai, ai, ai, nasci pra so- frer! Ai, ai, ai, 0 palha~o do meu circo-irco-irco-irco quer uma alma. E nao quer fazer rir. Ai, ai, ail To- mal Tomal Tomal (Menelao se ba,te e chora escandaloso. Bobo Plin agar- ra Menelao.) . BOBO PUN - Para com isso! Para com isso! (MeneHio para. Bobo Plin se contem.) E escuta. Es- cuta bem, com seus dois ouvidos. (Pausa. Tome fo- lego.) Eu nao entrei na trilha dos saltimbancos por acaso, nem para ser um reles fazedor de grac;a. Eu queria .consagrar a mi'nha vida atravesdo offcio que escolhi obedecendo a um imperioso apelo vocacionaI. Mas vP.ce, voce; com sua ganancia. " suas receitas de sucesso, voce, voce, voce sim, voce, Menelao, sem nenhum escrupulo, sem nenhuma sensibilidade, veio me falar de mil e um palhac;os geniais. Olha, Bobo Plin; tern um que e de total, pureza. Ele co- move multidoes quando aprisiona um raio de sol e 0 leva pra casa. Tem Um que faz baloes de gas danc;:arem qua-ndo toca sua trompete. Teve um que ridicularizou um tirano, assasslno sanguinario que queria sero senhor absoluto do mundo. E 0 magro sonsO. E 0 gordo ingenuo e bravo. E 0 comprido de calc;a.pela caneJa, arcado pra frente devido ao pe- sado fardo da indignac;:aoconstante e ,sincera contra a mecaniza~ao imposta ao homem modemo. Tem tambem, voce me dizia, os que dao piruetas, os que saltam, .dao cambalhotas, levam bofetoes, os que to- cam musica classica em garrafas vazias penduradas num varal. Tem outro. " e outro: " e outro ... Me contou ate que tinha urn pobre palha~o l~uco, q~e queria ser 0 jogral de Nossa Senhora Mae Santls- sima e que andava pelas igrejas j?gando Jhala~a:~ diante das imagens da Santa Mana. Esse, voce disse morreu enforcado na cr\fz do Senhor .Jesus Crist~, numa catedral gotica. (Pau~a.) ,Es~utel . hu- milde .a historia de cada um desses mcnvelS artIstas que viajavam pelas vias da loucu~a. Mas, saber .d~s- ses palhacos para mim, Bobo Phn, um pa.lhaCI? 0 de merda >que come~ava a engatin~ar no~ plcadelros mal iluminados das espeluncas, so servlU. para ~e tolher .Quanto mais eu sabia deles, mals e malS Bobo Plin, 0 palha~o que eu queria s~r, s.eenroscava I'nhas tripas se sufocava nas mmhas entranhas.nas m , h . . - e forA referencia esmagava a min a mtUlc;:ao~ m. . .- cava aautocensura. A compara~ao: a ma.ldl~~mlml- ga da igualdade, fazia dos ma?n~f170shlstnoes ele- mentos inibidores da minha cnatlVldade. Agora, eu nao quero, Bobo PHn nao quer saber da fa~anha desses belos palha~os. Nao qu~ro ve-los. Nem saber dos seus bigodes, sapatoes, gUlZOS,pompons, bolas, baloes e babados. (Bobo Plin ajoelha-se na frente de Menelao, que esta jogado no chao, pasm~ de :span- to.) A magia dos grandes artistas, Menelao, n~o po- de ser ensinada. Sao segredos que seaprende.m con; o coracao mas ninguem ensina. Essa magla esta dentro 'de 'cada um, antes mesmo de c~~a um tomar conhecimento dela. Essa magia se mam.esta qu~ndo se re~olve fazer a propria alma. Para Bob? Plm se irmanar com os grandes palha~os que luzlram nos paleos e picadeiros, tem que se esquecer .del:s para sempre. Nao pode recolher nenhuma indlca~ao que eles deixaram pelo caminho. (Bobo Plin olha para c:i infinito com olhar de loucura.) Bobo Plin tern que andar sem bussola na mais tenebrosa escuridao. Qualquer brilho, qualquer estrela, qualquer sol're- ferendal e urn p'onto hipn6tico embrutecedor. (Para Menelao.) Menelao, eu quero fazer minha alma. Pre- ciso fazer minha alma. Quero tentar. (Pausa longa. Menelao, assombrado, vacHa, fica em pe: aproxima.se de Bobo Plin pelas costas.) MENELAO - Voce acha mesmo? 0" Acha que eu, 0 0 eu .. '. eu, MeneHio... tenho culpa? Culpa de voce, Bobo Plin... s.er urn Bobo PUn qualquer? (Pausa.) Ta bem. Me explique. Se Menelao besta- Ihao, Menelao asnao, Menelao babao, Menelao-Iao- lao entender. '.. Faremos todos. ' MENELAO - Roubamos? Aprendemos com gente velha?Sem consciencia? 0 que voce esta querendb provar, Bobo PUn? (Bobo PAlir~,vai falar, ~eneliio 0 impede.) Cala a boca! Voce ]a falou mUlto. Agora escute. Escute bem. Ha milhares e milhares de anos, palhac;os de todas as rac;as, de todos os tipos, falan- do varios idiomas, se espalham pelo mundo, andan~ do pelas trilhas dos saltimbancos, fazendo rir, l~- vando alegria a toda parte com essas, 0 0 essas COl- sas velhas. Coisas que voce despreza. Voce, que nao e nenhum hilariante, voce 0 •• (Pausa. Muda 0 tom.) Voce anda sentindo alguma. oJ. cansac;o,.. mole- za ... se sentindo doente? (Pausa.) Se sente, diga 0 0 • (Pausa.) Eu nao quero ser melhor do que voce, nem de ninguem. Mas· praticamente nasci dentro do pi- cadeiroo Todos os meus antepassados.,. todos., , andaram sempre na trilha dos saltimbancos.Eram palhac;os. Fizeram 0 publico rir. E sempre .. , sem- pre. 0 , BOBO PUN - Eu nao queria tel' comprQmisso com nenhuma tradiC;ao. Eu nao qtieria me sentir preso a obrigaC;ao de fazer rir ou fazer choral'. ~u entrava e. ohomem meu irmao .. 0 sei la 0 .' no fmal, de al- guma forma, se 0 publico ti~esse rido ou chorado. 0 • o publico ficasse revolvido par dentro. Inquietado. MENELAO ....:..Voce nao esta bem ... Porra, nao esta bem e bondade minha. Voce esta louco. Louco de pedra.O homem moderno sofre pressao, pres- sao 0 •• Que se foda! 0 que conta e pesa na ba~ lanc;a e que ninguem vem ao cir-co para ficar inquie- . tado. Alguem vai pagar entrada pra 0 • 0 ' BOBO PUN (comovido) - Obrigado, Menelao ... Nao ha nada de complicado. 0 negocio e que daqui pra frente nao vamos mais ensaiar nada. Entramos no picadeiro sem nada preparado. Nao somosmaca- cos que se balanc;am sempre no mesmo trapezio. So- mos artistas. MENELAO - Pra mim nao disse nada.Mas ten- tando trocar isso tudo que voce falou em iniudos, com essa coisarada que voce falou voce quer dizer que devemos mudar 0 repert6rio? BOBO PUN - Nao, nao, nao. Nao queio tel' re- pertorio. A proposta e que se esquec;a tudo 0 que sabemos. (Comdesprezo.) Essas coisas que rouba- mos dos velhos palhac;os, au ~pl~endemospOl' a£ com gente sem consciencia do que fazia, . BOBO PUN - Justamente. l! isso, Menelao. Ele . paga ingresso e nos, os palhac;os, sacudimos eles. Destrufmos sonhos, ilus6es. Despertamos. Mostra- mos como e estupida a vida que eles. .. l! isso. Isso mesmo, Menelao. Subvertemos 0 homem nosso ir- . mao. Ele vai cair na real. MENELAO - Quem fa~.a isso com 0 homem? BOBO PUN - Eu. Voce. Eu. Eu quero fazer isso. MENELAO - Bobo Plin, voce tern uma doenc;a. Doenc;a grave. Chama-se pretensao aguda. Provavel- mente sua doenc;a e incuravel. Mas eu. .. nao sei, nao saberei nunc a ... como deixar voce, companhei- ro de tantos e tantos anos de andar na trilha dos saltiinbancos, abandon ado pelo caminho falimdo so~ zinho e batendo com a cabec;a nas pared~s. Vou ten- tar the dar urn remedio. Amargo ... 'muito amargo. (Menelao pega urn chicote do tipo domador d~ circo e come~a a estala-Io junto a Bobo Plin, que se con- torce num bale. Bobo Plin acaba caindo no chao rindo e chorando. Menelao canta "0 Palhal"o Bob~ Plin''.) . T MENELAO (cantando) o palhac;o Bobo Plin diz coisas sem nexo e gargalha e gargalha sem parar. Sem nenhuma grac;a, sem nerihum humor, ele gargalha, ele gafgalha sem parar. Mas 0 palha<;oBobo Plin tern uma estranha loucura, como urn desvairado, ele gargalha sem parar . Ele nao rasga dinheiro, ele nao sai nu na rua, ele gargalha, ele gargalha sem parar. E muito estranha essa loucura controlada. Eu acho que atras da gargalhada existe urn guerreiro impecclvel, lutando sem tregua pra encontrar seu ponto de equilibrio. (Meneliio para, apreensivo com a pr6pria can~ao. Guarda 0 chicote e aproxima-se de Bobo Plin caido.) MENELAO - Bobo Plin ... Desculpe, Bobo PUn... Eu queria ... · fiz para 0 seu bem... Queria que voce ... que voce ... Entende? Voce ... eu ... nao podemos .esquecer. .. voce e apenas urn palhac;o... ator. 'Urn atar. l! isso. Urn atqr fazo papel queJhe cabe fazer. .. Sej que e assim. .. Sei ... (Pausa.) BOBO PUN (magoado) - Por mais que as cruen· tas e inglorias batalhas do quotidiano tornem urn hornem duro ou dnico 0 bastante para ele perrna- necer indiferente as desgrac;'as e alegrias coletivas, sempre havera no seu corac;ao, por rninusculo que seja, ilm recanto suave onde ele guarda ecos dos sons de algum momenta de amor que viveu em sua vida. Bendito seja quemsouber se diriglr a esse homem que se deixou endurecer, de forina a atingi- ,10 no pequeno nuc1eo macio de suasensibilidade e por ai desperta-lo, tira-lo da apatia, essa grotesca forma de autodestrui~ao, a que por desencanto ou medo se sujeita, e inqtlieta~lo para as lutas comuns de 1iberta~ao. Os atores .tem esse dom.Eles tern 0 talento de atingir as pessoas nos pontos onde nao .existe defesa. Os atores tern esse dom. Eles tern. (Pausa. MeneHio vai abrindo 0 biombo, que se toma uma coxia de teatrq.) MENELAO - Menelao bahao,· Menelao asnao, Me- nelao bestalhao, Menelao-Iao-Iao. Menelao ... Mene- lao. .. Se tiver prejuizo. .. (Meneliio apita, depois berra.) Alimentem as feras! Varram 0 picadeirci! Apertem as cordas! E vamos nos! Oba! Oba! Oba! (Meneliio canta e dan~a com grande anima~o e estar. dalha~o.) Hoje tern goiabada? Tern sim senhor. Hoje tern marmelada? Tern sim senhor. Hoje tern espetaculo? 'Tern sim senhor. o palha~o, 0 que e? ~ E laddio de mulher. Abaixa 0 Sol, levanta a Lua, solta 0 palha~o BIS no meio da rua. (Meneliio de repente ve Bobo Plin ainda caido no chaO".Finge que esta bravo, m~s fala em tom eon- ciliador.) MENELAO .....,..Bobo Plin. Bobo Plin. Voce ainda esta at? Levanta, palha90. E hoje. Se mexe. Vamos ver como vai ser esse negocio de alma. A sua alma: Alma? Alma? Alma, palma. Calma. Calma, Mene- lao bestalhiio, MeneHio babao, Menelao asnao, Me- nelao-Iao-lao. Alma? Palma? Calma. Vamos tentar . . (Menelao aproxima-se do biombo e olha pelo bura. quinhoda cortina. Bobo Plin levanta-se alegre e se aproxima de Menelio.) BOBO PLIN - Sera que vem gente? MENELAO - Gato, cachorro, macaco e que nao pode vir. BOBO PLIN - Entiio vai ter espetaculo. (Meneliio se afasta, Bobo Plin mete 0 olho rto buraco.) BOBO PLIN (contando) - Vma na mula, dois rela, tres periquitinho ch6landres, quatro ... MENELAO ,- Para de contar publico. Isso da azar. (Bobo Pli,n come~a a assobiar.) MENELAO - Nao assobia. Nao sabe que assobiar da azar? BOBOPLIN - Naturalmente nao vem ninguem porque eu assobio. . (Baba PUrl se afasta nervoso, MeneUio espia pelo buraco.) MENELAO -,- Foda-oda-socia. Fo-foda. Desde que 'se escrevia com ph. BOBO PUN - 0- povao ainda nao sabe que esta- mos por aqui. Nao tern nem pipoqueiro na porta da espelunca. MENELAO - Sabem, sabem. Nao vem... Born, se publico quer ver alma nao vem no circo. Vai em sessao espfrita. Porra, se alma atrafsse publico, era gala de novela. ' (Meneliio nervoso anda de um lado para outro, mas- ca charuto. Bobo Plin acha gra~a.) BOBO PUN - 0 importante nao e a quantidade, , e a qualidade. MENELAO - Vai nessa. BOBO PUN (olhando peto buraco) - Tern urn gor- dao com uma mulher que parece uma lagartixa, que estao querendo trocar de lugar. MENELAO (nervoso) - Que troquem, porra! Nao e lugar numerado, portanto e s6 trocar. BOBO PUN - Com quem? S6 tern eles la dentro. MENELAO- 'Puta-que-me-pariu! Com essas pia- das que voce iriventa, nao pode vir ninguem. Vai ver que ser sem-grac;a e 0 segredo de fazer alma. BOBO PUN (olhando 0 publico) - Olha Ill. alha hi. E hoje. E hoje. Ta chegando gente. E hoje. E hoje., MENELAO (Grita pra fora de cena.) - Da 0 pri- meiro sinal. BOBOPUN - Ta chegando gente. (Ouve-se campainha fora de cena.) BOBD. PUN- Seis a burra bebe, s,ete capuchete ... MENELAO - Porra, quantas v~zes tenho q:ue dizer q~e contar publico da azar? BOBO PUN (sem ligar) - Ta chegando uma ve- Ihona aborrecida. Isso que da azar. MENELAO (explodindo) - Para de falar em azar. Falar em azar atrai azar. E chega de azar, azar, azar. BOBO PUN (explodindo) :- Mas, porra, como voce e chato! Chato, nao. Cri-cri. Enche 0 saco com essa superstic;ao. Nao pode isso, nao pode aquilo. Vai la pra frente ver se tern movimento na por,ta. Mas; porra, nao fica me enchendo. Mau-humor e que da azar. (Pausa.) MENELAO (Anda de um lado para outro, resmunga.) _ Alma, alma, alma, palma, calma, calma, Mene- lao, calma, Menelao, calma, Menelao bestalhao, Me- nelao asnao, Menelao-Hio-lao. (Meneliio sai.) MENELAO (Fora de cena.) - Segundo sinal! BOBO PUN - Ou vai, ou racha, ou quebra a tam- pa da caixa. Cocada. Bolacha., (Olha pelo buraco.) Oito. Nove. Dez. Parangote, bico-de-pato, rosca em- panada. Onze. 'Doze. Treze. Treze. Treze. Nao pres- ta contar . .. (Assobia.), Assobiar' da azar .. , Azar da azar. Mas e como e. qs grandes artistas estao nos grandes teatros, eu ... (Menelao entra nervoso.) BOBO PUN - Tei bom na porta? MENELAO - Nem pipoqueiro. BOBO PUN - Nao ha de ser nada. MENELAO - Vma bosta. BOBO PUN - Amanha melhora. MENELAO - Hoje e hoje. BOBO PUN - lei tem mais de vinte. MENELAO - Puta prejuizo. BOBO PUN ~ Nao esquenta e vamos ao jogo. MENELAO - Vamos dar um tempo. BOBO PUN - Quem tinha que vir . MENELAO - Nao til1ha e que vir . BOBO PUN - lei estamos atrasados pra ... MENELAO - E dai? BOBO PUN 0 publico esta puto dentro da roupa. MENELAO -Se come<;ar na hora fosse sucesso, nao atrasava um puto de um minuto. BOBO PUN :- 0 publico merece respeito. MENELAO - Vai sefuder, Bobo Plin. Voce e esse seu moralismo. Esses que estao ai nao sac pu- blico. Sao os unicos filhos-da-puta dessa bosta de cidade que nao tem televisao. E tem outra coisa. 0 que nao atrasa nesse pais? BOBO PUN - Quem bota a fu<;ano picadeiro sou . eu. MENELAO - Esperamos nove meses pra nascer, pra que pressa? , BOBO PUN - Se nao'agradar, eu ... MENELAO - Nao enche 0 saco, Bobo Plin. Com muita ou pouca gente, agora ou a qualquer hora, quem e bom dli 0 recado. Mas voce, com essa porra. de alma... Comigo nao tem "gcsta" ou "nao gos- ta". Isso aqui e como puteiro: abriu 0 pano, nao se devolve a grana. BOBO PUN (Olhapelo buraco.) - £les estao im- pacientes. Vamos tocar 0 espetaculo. MENELAO - Vou dar 0 terceiro. (Meneliio saL Bobo Plin volta a olhar 0 publico. Afasta-se rapido e assustado.) BOBO PUN - Meu Deus, meu Deus. Esse publico nao tern cara. Eles nao tern cara. Eu ... (Bobo Plin esta assustado. Murmura como se reo zasse. Pega 0 violao e canta a can~ao "A Palavra dos Magos".) BOBO PUN (cantando) Eu queria saber a palavra . que os magos pronunciam nos seus rituais, a palavra que fOrl;a as vontades, o verbo divino, o primeiro impulso. Se eu soubesse essa ardente palavra que desperta a imaginac;ao, eu entr~ria em comunhao com voce, homem, meu irmao. Descia com ela ate suas entranhas, arrebentava as represas que contem seus mais ternos sentimentos e fazia jorrar amor. (No final. da musica, Menelao berra fora de cena.) MENELAO (Fora' de cena.) - Terceiro sinal! (Ouve-se 0 toque de campainha fora de cena.) MENELAO - Agora ou nunca, palhac;o. Merda. (Luz acende-se atnls da cortina, como se acendesse no picadeiro e apaga-seno palco, como se apagasse nos bastidores. Ve-se a silhueta de Bobo Plin.) MENELAO (Fora de cena.) - Senhores e senhoras! Respeitavel publico! E com grande orgulho que apre- . sentamos 0 palhalfo Bobo Plin! Atenc;ao! Solta a palhalfo! BOBOPUN (Para si mesmo.) - Solta a palhac;o. Com coragem e sem rancor. (Entra musica de galope. Bobo Plin sai de eena, co- mo se entrasse no picadeiro. A luz se apaga geraL) fim do primeiro ate (Bobo Plin esta sentado l1um modulo. Esta muito triste. A seu lado, uma garrafa pela metade. Tuuo indica que Bobo Plin Ibebeu irlUito. Mas nao esta be- bado. Entra Menelao, euforico.) MENELAO (Joga dinheiro ao lado de Bobo Plin.) -'. Toma ai, palhalfo. Olhaa talfa.. Voce ganhou. Voce foi bem.Bem mesmo. Muito bem. S6 que tern urn porem: nao vi nada de novo. Nao, nao, nao, mil e uma. vezes nao... En nao tenho intencao .. , S6 que bUssola. .. e isso. .. nao e isso . .. Mas 0 que conta e que voce agradou. Agradou sim. Mas, Cel pra n6s, eu nao sabia que isso e 0 que voce chamava de alma. Se soubesse.,. Mas e sempre, assim, Voce fala, (ala, fala, eu nao entendo. Alma e isso? Claro, com isso eu concordo. Piada pornografiea e a alma? Nao sabia. Juro, .. Ta certo, de uns tempos pra ell o publico adora sacanagem. Ate menininha de es- cola de freira, e ate as freiras, falam palavrao. Deixa pra la. Voce estava 6timo. Viu aquele gordao com a ~ulher com fuc;a de lagartixa? Quase que 0 filho- da-puta rachou a bieo de tanto rir. (Ri.) A lagartixa ria escondendo a cara. (Pausa. Menelao observa que Bobo Plin nao tem nenhuma real;ao.) Voce agradou, palhalfo. Fez sucesso. Aquele gordao com a mulher lagartixa , ., , BOBO PUN (aspero) - Que se dane a gordao e a mulher do gorda a e a puta que as pariu! Voce nao percebe nada, MeneHiQ.Nada, nada, nada. Eu nao queria fazer 0 que fiz. Eu nao queria entrar na pista C ficar contando anedotas, anedotas, aned.otas, para urn gor4ao idiota e sua mulher com cara de lagartixa guincharem ate esporrarem pela orelha. . , , MENELAO - Mas entrou, contou, contou, contou, uma atras da outra, outra atras de uma. Sucesso. Tremendo sucesso. Se esses gatos pingados. riram, a gente ja pode imaginal' como 0 publico vairir, rir, rir, quando tiver publico propriamente dito. Quando a casa 10tar, lotar de tel' briga na porta, pipoqueiro, cambista. .. (Ri histerico.) Nao e facH fazer uma gentinha a-toa, gentinha de nada, rir. (Serio.) Eles ficam ali, perdidos na plateia, urn com vergonha do. outro, 0 outro com vergonha do urn. Mas nao 'e aquela risada: qu~-qua-qua. Riem escondido: hi-hi-hi. Mas com voce nao teve esses negocios. Voce foi fir- me. Tumba na morisqueta! Todos tiram. Todos. E o gol'dao 'e a mulher do gordao, aquela lagal'tixa, mais que todos. Qua-qua-qua ... (Vai parando a ri. sada a medida em que Bobo Plin nlio se anima.) Ate pensei que iam tel' urn tl'oyo. BOBO PUN - Eles nao tiram, Menelao. Foi so impl'essao sua. MENELAO - Wioril'am? Como nao ril'am? Faziam assim, ve:' qua-qua-qua. (Ri de varios jeitos.) Isso nao e ril'? (Bate na testa.) Tern l'azao. Nao l'iram. Gal'galhal'am. Se debulharam de l'ir. Se debulhar de l'il' e gal'galhar. Outl'o nive!. Sorrir, tir, gargalhar, se ,esporrar. BOBO PUN -. Essa gente que estava a£ '!laO riu, nao gargalhou, nem porra nenhuma, Menelao. A pes- . soa tensa nao ri. Faz ,cal'eta. A pessoasem contrale de si mesma, quando ri, se mija. A pessoa condi- cionada num sistema socio-politico-economico nao l'i. Ao receber urn sinal convencional, grunhe, guincha. A pessoahisterica, Menelao, ao menor desequilibrio provocado no sistema nervoso, urra enlouquecida co- mo ,se sentisse cocegas. Rir, Menelao, e uma liberta- yao. Quem nab rir como riem as criancas rir de afrouxar a barriga, de iluminar os olhos,' q~em nao rir como as crianyas, Menelao, nao tern orgasmo. Quando fodem, tern espasmos, agonia, convulsao, sei la 0 que. E as pessoas que nao tern orgasmo· sao doentes. Duras. Contraidas. Se pOl' acaso essa gente risse, arrebentavam todos os muscl1los contraidos e os nervos esticados. Essa gente que estava ai hoje, Menelao, essa gente nao tern alma. Nunca sentirao prazer. Nenhum alivio no riso, nenhum alivio nas lagrimas, nenhum alivio no sexo. (Pausa.) MENELAO (ainda espantado) - E 0 que devemos ~ZM? . BOBO PUN - Nao sei, MeneHio. MENELAO (confuso) - Ja sei, ja sei. Quer dizer, acho que sei. " Voce quer me deixar louco. E isso... Voce quer, me enlouql1ecer... para depois mandar em mim. Para me conduzir. BOBO PUN - Nao, nao, naco Menelao, juro que nao. Eu so queria que eue voce ... MENELAO (explodindo) - Chega! Mentiroso. Vo- ,ce fala, faJa, fala e eu nao entendo. Voce nao fala e eu percebo tudo. Voce veio com esse papo de alma. Nab vou negar, me deixou transtornado. Eu ... bom. .. Ai, voce entrou no picadeiro e. .. Grande novidade! Fez ,como um Toni-soare. Fez tudo di- reitinho. Contou piadas, piadas indecentes, porno- graficas, porcas. (Pausa.) E o publico riu. (Repara nas expressoes de Bobo Plin.) Riu. Riu, sim. Riu que re-riu, ri-riu. E voce diz que 0 publico nao riu. Que nao fez sucesso. Que nao e isso que voce quer. Entao 0 que voce quer, Bobo Plin? 0 que e que voce quer? BOBO PUN - Eu haO sei 0 que eu quero. MENELAO (Respira fundo.) - Ja e um come<;o. Eu sei 0 que quero. Entao eu dirijo 0 espeta,culo. BOBO PUN - Mas eu sei 0 que eu nao quero. MENELAO- Complicou tudo outra vez. BOBO PUN - 0 que Hz no espetaculo dessa ,uoi- te. " eu fiz, esta feito. MENELAO - Puta profundidade. BOBO PUN - Quando soou 0 segundo sinal ... vi aque1a gente. .. aquela gente em volta da pista, esperando, passiva, um palha<;o com seu riso ver- melhao sanguinolento... E eu... tive medo, Me- nelao. Um terrivel medo. Eu olhei pelo buraquinho da cortina .. , AqueIe pllblico nao tinha cara. Eram nns vinte ou trinta ... assombrosas figuras sem""ca- ras. .. sem olhos. . . sem. . . olhos mottos. . . olhan- do mortalmente para coisas mortas. b fedor ... 0 medo fede, Menelao... Nenhuma poesia poderia entrar naquela gente. Ai, eu ... me encagacei. Fiquei sem 0 minimo controle sobre mim. E ia repassando o repert6rio infame, as velhas e gastas anedotas, co- mo se rezasse. 0 terceiro sinal. .. La fui eu. .. gro- tesco histriao mecanico, roJando minha covardia no meio do picadeiro. Piadas pornograficas, frases sem nexo. Repeti9aO, repeti9ao... Pobre palha90 sem alma. .. Nenhuma criatividade. Como um openlrio que aperta sempreo mesmo parafuso. Como 0 bu- rocrata que bate semrre 0 mesmo carimbo. Como 0 jornalista que da sempre a mesma noticia que con- vem aos anunciantes. Como os medicos, engenheiros, advogados especializados. Como 0 mestre-escola que prepara crian9as para servirem a uma sociedade que eles abominam. Como os sacerdotes que impoem dogmas e superstic;6es. Eu, como uma puta desgre- nhada e dilacerada que fecha os olhos pra nao vel' o rosto do morto que a beija... eu, Bobo PHn, 0 .histriao mecanico; 0 palhayo sem alma ... tudo mui- to tri,ste... (Bobo Plin vaibeber. Menelao arranca a garrafa de suas maos.) MENELAO - Chega de beber. I! isso. Esta beben- do demais. Desse jeito ... anda vendo cigana, grande- mae, 0 caralho-a-quatro. Logo vai come<;ar a vel' jacare, porco com tromba, mosca. gigante. .. Bobo Plin, foi um puta sucesso. (Babo Plin percebe a inutilidade do dialogo e cai sentado na cama.) ·MENELAO - Confere ai seu dinheiro. Olha ai, palhac;o. Voce ainda nao olhou ..Tem uma s.urpre~a. Nao e muito. Mas e urn carammgau a rums. '(RI.) Sabe como e, Menelao falou. Voce veio com quas- quas-quas, chora-bebe, tal r coisa, tal e tal, coisa e coisa, coisa e lousa, puta la merda, merda la pu- ta. .. Falei: nao da. Nao porque Menelao asnao, Menelao babao, Menelao bestalhao, Menelao-lao-lao seja a mae-do~sarampo, a mao-de-figa, a ganancia en- carnada. Nao dava, porqtienao dava sem sucesso. Pode pular como pipoca. E sempre no .cu-dum. 0 que? Uma pipoca.(Ri.) Mas hoje,' sucesso. Sucesso, grana. Como Menelao falou. Ta at Nao muHo. Nao, nao. Voce viu. Hoje foi sucesso artistico. (P~ida com a boc-a.) Que e urn prenuncio de sucesso granal. Que nao faz mal. (Ri.)· Ai ta seu dinheiro. Ja falei, nao e muito. Mas da pravoce ... que gosta de beber ... tomar urnas cervejas, U!TI vinho urn pouco melhor do que essa borra que voce toma, essa coisa gosmenta que se cai no balcao mancha 0 marmore. Essa zur- rapa e que faz voce vel' cigana, alma do outro mun- do, jacare, porco com tromba, mosca gigante .. , Be- bida ruim e que faz mal. .. (Ri. Pausa. Olha para os ladas, malicioso.) Dizem que nesta cidade tt?m putas lindas .. , inuHas e boas. E urn putei~o, essa cidade. (Ri.) Eu sei, eu sei, sei sim, Bobo Phn. Me- nelao sabe. Menelao conhece 0 oficio dele. POl' isso que aposto no sucesso, agora que voce desencantou. Vamos fazer sucesso. Vamos tirar, como direi. .. nao direi. .. ou melhor, direi .... tirar 0 pe da mer- da. (Ri.) Menelao, antes de escolher essa prac;a, can- feriu. Viu bem se aqui corria dinheiro. (Ri.) Fiz cara de Men~lao bestalhao, lambao, babao e perguIl- teiaqui e acola,. acola e aquL (Finge que esta com dor de dente.) Nesta cidade tern dentista? (Imita gente da cidade.) Claro, claro, essa e uma bela ci- dade, que eresee dia a dia. Temos muitos dentistas. Temos urn aqui que ate se recusa a arrancar dentes. Trata com gabarito. (Finge que esta com dor de bar- riga.) Ai, Menelao perguntou: Nessa cidade tern me- dico? Me responderam. Nao haveria de ter? Essa e uma cidade muHo pr6spera. Temos tudo 0 que ha· numa capital. Temos varios psiquiatras, varios cirur- gi6es-plasticos, varios aborteiros. Para qualquer urn esses sintomas ja seriam suficientes para atestar que o dinheiro corre nesta cidade. Mas Menelao e Me- nelao. Ai, perguntei de novo. (MeneHio faz cara de beato.) Senhores, pOl' Deus, onde esta a igrejinha deste Iugar? Me responderam. Lugar e igrejinha e a puta-que-pariu! Aqui nesta metr6pole e uma puta de uma enorme catedral que ha mais de vinte anos esta em reforma, para ser a catedral das catedrais. Nosso padre. .. Estava claro que 0 dinheiro rola nesta cidade. Mas, para tirar a prova geral, pergun- teL (Faz cara maliciosa de punheteiro com tesao.) E as putas? Tern? Sabe 0 que me disseram? (Imita malicioso.) As putas desta cidade. .. sabem massa- gear mordiscando, sabem assete formas de beijar e sabem varias formas de se deitarem. Sabem 0 som da cobra, do tigre, do touro e do javali. Usam com mestria a garra da fera, a pata do pavao e a mao em folha do 16tus azul.· Elas sabem como ninguem de- sencadear as turbilh6es de energia que levam aa ex- tase, aa deliria, como 0 mais poderoso aIu'cin6geno. E conhecem 0 segredo da prepara<;ao dos elixires, dos unguentos e dos perfumes que as cortesas do oriente usam para for<;ar-a vontade dos seus velhos amantes exaustos, aumentando-lhes os falos e dei- xando-os em ere<;ao, rigidos como um falo juvenil, apto a varios gozos numa s6 noite. (Pausa.) Soube dessas mulheres incriveis, pensei... BoboPlin po- dia. .. Elas curam... Agora temos dinheiro. E va- mos ter mais. Porque neste lugar ... Nao quer? (Bobo Plio sacode a cabe~a triste.) MENELAO - -BoboPlin, eu seL .. Voce ... 0 es- pirito e ... (Ri malicioso.) Voce e s6 espirito. 0 es~ pirito nao temsexo. 0 espirito e mais para 0 femi- nino. (Diab6lico.) Tambem me falaram que aqui ha travestis. Eles, os travestis, sac diabos. .. Servem de incubose de sucubos, como 0 fregues preferir. (Pausa.) Nos harens, e verdade, nos harens, os prin- cipes e marajas das Mil e Vma Noites sempre ti- nham. .. claro... alguns... como hoje. .. tinham seus travestis. Ninguem desconfiava. Eles chamavam os travestis e era s6 pedir: Enterra esse seu falo em mim ate me arrombar. .. (Pausa.) Como hoje. Como hoje. Ainda: e assim. As aparencias sac mantidas ... (Pausa.) (Bobo Plio s6 sacode a cabe~a.) MENELAo - Nao fode, Bobo PHn. Ouer dizer, fode. Nao. t. Ouer... Nao... 0 que eu quero dizer e. .. Ouve 0 que eu falo, 0 seu bem e 0 meu bem. Meu bem e 0 seu bem. Nos somos uma coisa s6. MENELAO (Explode.) quer? BOBO PUN -'- Eu queria, Menelao, saber 0 que e meu desejo e 0 que e minha necessidade. Mas voce me agu<;a0 desejo. Se e,u incremento meu desejo, eu sufoco minha 'necessidade. .. Isso e 0 suicidio. 80BO PUN - Deviamos ser. Mas nao somos. MENELAO - Natural que nao somos. Voce so ... Sua espirituaHdade ... S6 pensa em alma. BOBO PUN - E voce? Anormal. S6 pensa na ma- teria. Dinheiro. Poder. Prazer. MENELAO - Vai no puteiro. Ou na igreja. (Vira a mao.) Como preferir. Mas descarrega. E amanha cedo esteja pronto, animado, alegre, para irmos a luta. BOBO PUN ~ Cedo? Oue cedo e esse? MENELAO - Ah, cabe<;a a minha! Do principal nao faleL Tambem voce .. , Bom, e 0 seguinte: apa- receu urn trabalhinho extra pra n6s fazermos. (Bobo Plio s6 olha descoofiado.) MENELAO - Sabe aquele gordao que riu ate qua- se rachar 0 bico? Aquele com a mulher-lagartixa? Pois e, 0 massa-bruta gostou mesmo. Gostou, gostou. Tanto gostou, que no final da fun<;ao me chamou num canto e... Pra encurtar a historia, botou grana na maode Menelao. Ele quer eu, voce, 0 anaoe urn perna-de-pau. Esta tudo certinho. Amanha cedinho voces, voce, 0 anao e 0 perna-de-pau van la. BOBO PUN - Aonde? MENELAO - Nao? Como nao? 0 gordao quer voce. Voce e 0 anao sac figuras obrigat6rias. Ele faz questao. Perna-de-pau, vai. qualquer urn. Nos bons tempos. .. Estou gordo... Mas voce e 0 anao ... BOBO PUN - Eu nao vou. Nao vou. Nao vou. MENELAO - Tern que ir. BOBO PUN - Nao tenho que ir porra' nenhuma! Sou palha<;o, urn palha<;o sem dasse, cheio de medo, cagao, mas nao sou garoto-propaganda.· Nao fa<;o isso. Sem gra<;a ou com gra<;a, sou urn palhac;o. E o que sou. E estou em busca da minha alma. E que- 1'0 subverter, despertar meu pr6ximo.Quero isso. Quero com toda a for<;a·do meu querer. E nao sou eu que vou sair pOl' ai criando ilus6es;-sonhos con- sumistas. Nao, nao, nao mesmo. Nao vou sair pOl' ai tocando uma corneta, com urn anao' aborrecido batetido no bumbo sem nenhum ritmo e urn perna- de-pau com urn berrador, berran-do: Comprem! Com~ p:em! A unica recompensa pelo trabalhoinsano; da- nmho, pela vergonhosa obra de suas maos, e com- prar. Comprem! Comprem! Comprem! MENELAO - E urn papei como outro qualquer. E o ator, Bobo Plin, faz qualCluer pape!. BOBO PUN - Eu nao, Menelao. Eu nao. Eu nao me presto a esse' triste papel. Nao quero sentir 0 sol melando minha cara de carmim, alvaiade e carvao. Nao quero sentir 0 suor correndo no meu rosto sem- vergonha e pingsndo na cah;:ada a minha vocacao derretida. Eu nao quero. Nao quero. Nao. Nao. Nao. MENELAO - E dificil de se acreditar. Fez UID.- su- cesso de merda e ja esta todo cheiode luxo. Escute, Bobo Plin. Os grandes artistas ..:- falei: os grandes artistas - todos eles aparecem dia e '11oitenas tele- vis6es falando, insinuando, ordenando .para as pes- soas comprarem, compnirem, comprarem. E dai? BOBO PUN - Do outro lado, gente que nao pode coisa nenhuma. Que tern urn salario que mal da pra comer. E ai vem seu astro, sua estrela: comprem, comprem. Esse homem faz a comparac;ao. Tudo que e bonito nessa maldita sociedade de consumo, aU, sacudido' na cara dele. E ele, que merda, MeneHio! Esse homem e castrado espiritual e fisicame'11te.Ele nao pode nada. Nada. Com 0 seu ordenado aviltante e 0 perdedor convicto dessa maid ita sociedade. Cas. trado espiritual e fisicamente. MENELAO - E assim que e. BOBO PUN - Nao. Pra mim, nao. MENELAO - Voce e melhor que os outros? Eu ja faJei, os grandes artistas falam: comprem, comprem, MENELAO - Na loja dele. Fazer uma zoada. Gran- de queima de estoque! Fim de estac;ao! Patati-patata. Barato! Adao nao se vestia porque 0 Gordao nao existia! (Ri.) Esta tudQ certo. Menelao parece boba- . lhao, asnao, bohao ... Aqui, 6il Menelao e esperta- lhao.Ja recebi a grana. Nem precise ir la. Voce sabe. BOBO PUN -,- Sei, sei sim. S6 que eu 'nao vou nessa. comprem. E ve como e1es vivem? Comprem, com- prem, comprem. Algum tern remorso? Comprem, comprem. E e1es, os grandes artistas, vivem como na- babos. Principes. Adorados por todos. (Pausa.) E voce, Bobo PHn? BOBO PUN - Eu vivo, se e que podemos chamar de vida esse andar sem termo. . . Espetaculos. . . Co- mo caes amestrados que se' acostumaram com a co- leira. Os artistas. .. a servidao. .. Eu quero romper os grilh6es. .. Isso ate parece faci!o .. -mas e dificil romper com a miseria. MENELAO - Eu so quero saber: voce vai ou nao vai amanha na loja do gordao? BOBO PUN .--:. Nao. Nao YOU. MENELAO - Se eu conseguisse entender seus mo- tivos. Se voce me explicasse ... BOBO PUN - Vou tentar, Menelao. Eu entrei na trilha dos saltimbancos obedecendo a urn imperio so apelo vocacional. 0 meu trabalho de palhac,:oou de ator. .. so tern sentido, se for urn campo onde eu possa me reaHzar temporalmente e fazer a minha al- ma. Eu escolhi esse oficio e quero exerce-lo como urn sacerdocio. Nao quero perder-a fe no picadeiro das espeluncas, diante da solidao das' plateias vazias. (Pausa.) E se riao me presto para ir na televisao man- dar as pessoas .comprarem, por que -iria para a porta de uma loja de bairro de cidade do interior, com urn anao e urn macaco, uma corneta, urn bumbo e uma matraca ... Comprem! Comprem!! !Comprem! (Pausa longa. Menelao limpa os ouvidos.) MENELAO - Eu escutei bern, Bobo PHn? BOBO PUN - Deve ter escutado. Berrei para que o-mundo me ouvisse. Nao quero ser urn arauto do \ consumismo. MENELAO - Nao, nao. Nao e isso. Eu escutei hem voce dizer que nao trabalha na televisao ~orque nao quer? Que se quisesse. .. mas que porem, outros- sim. .. data-venia... propaganda... etc. e tal? Es- cutei? BOBO PUN - Escutou. Escutou sim, Menelao. MENELAO (ExplQde em riso.) - Nao seja ridiculo, Bobo Plin. (RL) Voce nao trabalha na telev~sao unka e exc1usivamente porque nao pode. Ima.g~a ~e al- guem vai deixar de trab~l~ar numa t~levlsao ~o'p~r causa da propaganda. Rldlculo. Ment1~oso. Hlpo~n-, ta. Para de acreditar nessas suas maldltas fanta~las. Mete isso na sua cachola de um-a vez. Eu, voce, 0 anao, 0 pernacde-pau, todos que estao _ness~ trilha dos saltimbancos, nos todos, sem excec:ao, nao esta- mos aqui por meritos. Estamos 'aqui por uma conde- riac:ao. Somos .mediocres. Enganadores. E esse nossO andar ... Se algum de nos tivesse talento, coragem, sei la 0 que, Bobo PHn, nao ficava urn dianessa mal- dita andanca. Inclusive voce, que vem a toda hora com -essa p~nheta mental: alma, alma, -a~ma.(Paus~.) Amanha cedo voce vaipra porta da 10Ja do gordao e fim de papo. Se nao for. .. ja sabe. .. Pode pe- gar sua trouxa e cair fora. (Pausa. MeneUio vai sair. Para. Pensa. Vira-se lenta. mente.) M~NELAO ~(con!endo-se) - Nao 'escutei resposta.'. Sel que voce esta pensando. Mas quero avisar: se vo~e nao for agitar a loja do gordao, se voce me traIr: a mim, Menelao, que banquei tantos fracassos, a mlm... Agora que vai entrar dinheiro... voce mesacanear. .. E se pensa que vai ficar por isso mesmo, voce esta enganado. Eu vou apron tar urn chaveco pra voce. Voce ... voce nao sabe ... Mas oseu saito vai ser sem rede. .. Voce vai se estatelar no chao do picadeiro. Vou falar com os donos de ... todo~ ?s don.os dos espetaculos ... todos ... N6s, em- presanos, msso somos unidos. Vai se danar.· Nin- guem vai the oar emprego. Ninguem. Voce nao sera o primeiro caso de urn canalha marginalizado por- que. .. E se pensa que vai armar roda na rua ... tambem nao vaL Vou perseguir voce ate ver voce morrer de fome nil sarjeta, ou ver voce tomando no cu na cadeia por ter roubado urn pao. (Pausa longa.) Pegar ou largar, Bobo Plin. (Pausa.) Entao? Pegar ou largar? . (Pausa.)· BOBO PUN - Largar. MENELAO (furioso) - Canalha! Cai fora! Cai fora! (Bobo Plin vai sair, Menelao 0 agarra;) MENELAo .- Nao, nao, nao. Vocenao vai a lugar nenhum. Sel como fazer. .. Eu sei... Palhaco faz gral;a. Nao faz propaganda, faz grac;:a.Voce v'ai me fazer rir. A ultima vez que eu ri foi ... Quando foi? ~oi ... Nem me lembro mais. Porem hoje eu quero nr. Vamos, palhal;O, me faz rir. (Estala 0 chicote, como se batesse em Bobo Plin.) Vamos, palhac;:o!0 espetaculo continua! (Entra miisica de galope de circo. ,Bobo Plin se Ie- vanta e come~a a dan~ar como se fosse um boneco de marionete, umpolichinelo. Bobo Plin come~a a tirar a luva, que e comprida e demora a sair. De- pois que tira a luva, Bobo Plin a joga fora e pendura o palet6 no ar, que obviamente cai no chao. Bobo Plin puxa a cadeira em que Menelao esta sentaao. Os dois lutam pela cadeira. De repente, Bobo Plin solta a cadeira, Menelao cat Menelao levanta-se fu- rioso. 'Agarra Bobo Plin e 0 sacode como se ele fosse um boneco de pano. Nao ba resistencia. Por mimica, , . Menelao explica que quer rir. Vai sentar-se. Bobo . Plin puxa a cadeira. Menelao cai outra vez no chao. Menelao levanta-se mais furioso ainda. Bobo Plin, por mimica,pede calma. Deita a cadeira e senta-se no lado dos pes. Oferece para Menelao sentar-se no encosto. ~le senta-se. Bobo Plin se levanta e Mene- lao cai no chao mais uma vez. Menelao viraa ca- deira e senta-se nos pes, obrigando Bobo Plin a sen- tar-se no encosto. Menelao se levanta.Bobo Plin tam- bem. Repetem a cena duas, tres vezes. De repente, Menelao se levanta, Bobo Plin niio~ A cadeira cat Bobo Plin nao. Esta sentado no' ar. Meneliio- .fica bravo. Sacode Bobo Plin que, quando se ve livre, desvira a cadeira. Convida Menelao a sentar-se. Ele senta-se, Bobo Plin se levanta. Meneliio. cai e se Ie- vanta furioso. Bobo Plin tira do bolso um len~o branco, acena pedindo paz. Bobo Plin mostra 0 len- go para 0 publico, nao ha nada no ten~o. Bobo Plin arranca 0 charuto de Menelao, enfia no len~. Sa- code 0 len~o, nao ha mais charuto. Menelao espera o charuto. Conie~a a ficar nervoso. Bobo Plin apon- t~ para tras de Menelao, que se vira pra ver 0 que . e e recebe um pe na bunda. Desvira-se bravo e Bobo , Plin the enfia um charuto na boca. Menelao exami- na 0 charuto, cheira, acha gostoso e 0 poe na boca. Procura Cosforos, nio tem. Bobo Plin, solicito, acen-. de 0 charuto de Menelao, que agradece. Traga 0 charuto, que explode. Bobo Plin, por mimica, se des- culpa e oferece uma fIor. Menelao vai cheira-Ia, a fIor espirra agua nos olhos de Menelao, que fica co- mo cego. Cheio de raiva, avan~a as tontas contra Bobo Plin, que 0 toreia. Bobo Plin passa 0 pe em Meneliio, que cai. Bobo Plin, como vencedor, coloca o pe sobre Meneliio, faz pose e agradece. MeneUio, exausto, levanta-se meio tonto.) MENELAO - Eu 'nao 'achei nenhuma gra~a, palha- 90. Mas you Ihe dar mais uma chance. Cante uma can9ao. (Bobo Plin pega 0 violao e canta a can'riio "Mil e Uma Estrelas".) BOBO PUN (cantando) Estrelas, estrelas, estrelas, estrelas, no firmamento azul do ceu infinito ceu azul. Estrelas, estrelas, mil e uma estrelas, uma em mil, uma em mil, uma em mil habitada. Sera? St(ra? Sera? Sera? Sera?" Sera? Que s6 n6s no planeta Terra? Sera? Nenhum reflexo magico na cara dos palha90s; no palido alvaiade, na noite de carvao, nos campos de carmim, o sangue derramado, o deboche vermelhao emolhos raiados dos sonolentos sonhadores, mortos matadores, obedientes aos seus senhores, a dormir, ca'mer, trabalhar, tl'abalhar, comer, dormir, trabalhar, trabalhar, trabalhar (BIS) E 0 ponto magnetico, a estrela mais brilhante no ceu azul, na roupa de ,cetim do histriao mecanico que sem arrependimento, falador, £alastrao, bu£ao, matraca constante, arauto da ilusao apregoou triunfante, apregoou triunfante as vantagims de dormir, comer, trabalhar, trabalhar, comer, dormir, trabalhar,. trabalhar, trabalhar (BIS) na seguran~a do contrato,. com a doent;a, com a velhice, . com a morte. Trabalhar,trabalhar, trabalhar. Estrelas, estrelas ' estrelas, estrelas mil e uma uma em mil. Sera? Sera? Sera? Sera? ... (Pausa. Menelao agarra Bobo PUn e 0 sacode.) MENELAO (raivoso) - Seu canto nao tern gra~a. Nenhuma grat;a. Cai fora, palha<;:o!Cai fora! E. nao volte nunca mais. Voce me angustia. Voce me faz mal. Voce ... suas mentiras, suas bobagens sem pro- , posita. Vai embora, palha<;:o.Vai embora. , (Menelao atira Bobo Plin no chao. Menelao vi~a·se de costas como quem vai sair. Para. Bobo Plin vai se recompondo. Fica de joelhos.) BOBOPUN- o Ideal, que estas no meu ceu interior, verdade viva que faz minha alma imortal, para que tua tendencia evolutiva seja realizada, para que. teu nome se afirme pelo trabalho, para que tua t;evela<;:ao seja manifest ada a cada espetaculo, a cada espetaculo concede-me a ideia criadora, que assim ,como ela esta entendida no meu coracao seja entendida no meu 'corpo. O· Ideal, preserva-me dos reflexos da materia, que eu fompreenda que 0 sofrimento benfeitor esta na origem da minha encarna<;:ao. Livra-me do desespero e que teu nome seja santificado pela minha coragem . na prova. ' o Ideal, faze com que eu nao diferencie o fracasso do sucesso. E perdoa a minha dificuldade de comunicac;:ao, assim como eu perdoo os que nao tem ouvidos de ouvir nem· olhos de vel'. o Ideal, destr6i meu orgulho, que poderia afastar-me da tua luz-guia, nutre meu devotamento, porque es, . 0 Ideal, a realeza, 0 equilibrio, a for~a da minha intuic;:ao. (Bobo Plin se levanta. Vira-se em dire\lao da saida. Meneliio se volta.) MENELAO - Palhac;o, palhacinho, meu palha<;o""" Olha, palhac;o.... Fica comigo. .. Eu .. " nos ... vo- ce .. " vai fazer sucesso; Bobo PHn.". Suces80."" Eu juro. . . Meu Deus. .. (Pergunta para 0 publico.) Onde ele vai? (Volta-se novamente para Bobo Plin.) Bobo PHn, meu Bobo PHn, onde voce vai? Onde? (Pausa.) BOBO PUN (Volta-se e olha Menelao com ternura.) - Vou subir 0 monte ... ·enquanto tenho pernas. (Bobo Plin se vira para sair. E vai andando lenta- mente, com dificuldade. Menelao segue atras se ar- rastando.) Tunho/86 46
Compartilhar