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No Natal a gente vem te buscar

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NO NATAL
A GENTE VEM TE BUSCAR
De Naum Alves de Souza�
Peça em ato único.
Personagens:
Emília
Silvio
�
NO NATAL A GENTE VEM TE BUSCAR
ATO ÚNICO
Quando o pano se abre, ao som de batimentos do coração, o público vê um palco preto. Ao longo de toda a peça o fundo preto será elemento básico para o cenário. O figurino e a iluminação devem aproveitar esse efeito. Os objetos de cena e os poucos móveis usados servem apenas de apoio. 
CENA 01
UNIDADE 1:
ALDO – Deve ser aqui.
MT – Meu Deus. Será que chegamos a tempo?
ALDO – Que chatice. Há 15 anos eu não venho para o Brasil e a Emília resolve ter um infarto justo hoje.
MT – Aí está a doutora Paula. Como ela está, doutora?
PAULA – Dona Maria Tereza? Quanto tempo. Que bons ventos a trazem?
MT – Eu dispenso sua ironia. Como está minha irmã?
PAULA – Fora de perigo. Foi um ataque leve, ela deverá sair do hospital amanhã.
MT – Esse é meu irmão Aldo.
ALDO – Muito prazer.
PAULA – Eu não tenho nenhum prazer em conhecê-lo.
ALDO – O que a senhora está querendo dizer? A senhora está me ofendendo.
PAULA – É exatamente essa a idéia.
ALDO – O seu procedimento é absurdo.
MT – Totalmente irregular. Eu vou me queixar com seus superiores.
PAULA – A senhora pode se queixar para o papa. Seus abutres. Se vocês vieram pro enterro, eu tenho péssimas notícias. Ainda não será desta vez que se livrarão dela.
ALDO – Quem lhe dá o direito de falar assim?
PAULA – Há dez anos, sua irmã está aqui. Há dez anos. Dez anos esperando, esperando. Em dez anos, nenhuma visita, nenhum telefonema, duas carta.
MT – A senhora não tem nada a ver com isso. Ela é nossa irmã e eu não admito essa interferência absurda.
UNIDADE 2:
PAULA – O que vocês querem agora? Ela está bem, podem ir embora. Podem voltar para as suas vidas. Há 20 anos eu trabalho nesse asilo e já conheci muitas famílias, muita gente que larga seus velhos aqui e esquecem. Mas até eles fingem um pouco. Vocês sabem o que são dez anos esperando? Dez anos sonhando e dez anos se frustrando. A senhora tem razão, dona Maria Tereza. Eu não tenho nada a ver com isso. Mas se Deus me permite uma pequena praga, eu espero que um dia vocês saibam o que é isso.
ALDO – Eu me recuso a continuar falando com essa louca. Eu quero ver a minha irmã.
PAULA – Mas o Natal ainda não chegou!
ALDO – Eu já estou farto dessas piadinhas...
PAULA – E eu estou farto dos senhores. Vocês querem vê-la, pois façam isso rápido e saiam do meu hospital. Vocês fedem. Vocês sujam o ar. Enfermeira traga dona Emília.
MT – A senhora não está sendo justa. Nós fazemos tudo que podemos. A senhora não recebe todo mês? Nós temos nossas vidas. Não podemos sacrifica-las por Emília. Não temos culpa que ela não se casou.
UNIDADE 3:
PAULA – (Rindo). Mas ela casou.
ALDO – O quê?
PAULA – Isso mesmo. Ela casou há 8 meses. Casou com um senhor que morava aqui. Uma cerimônia simples, só pros mais chegados. Por isso vocês não foram avisados.
MT – Emília casou? E onde está o marido dela?
PAULA – Morreu há um mês. Mas como eles foram felizes... Pareciam dois pombinhos... Sabe, dona, o amor não tem idade. Aqui, reclusos e esquecidos, eles amaram mais do que vocês podem conseguir em todas suas vidas. Eu vou buscá-la. (Sai).
(Aberto o pano, começa a tocar a música Milagreiro. Emília aparece seu ar é triste e ela segura uma mala.Nas laterais surgem os primos que falam para o público. Quando a fala deles termina, as luzes laterais serão apagadas e o meio se ilumina. Emília aparece na casa de Mara Tereza.)
CENA 2
UNIDADE 1:
PRIMO – Não adianta, Júlia, isso já foi longe demais.
PRIMA – Mas ela é a nossa prima.
PRIMO – E daí? É nossa prima e não nossa filha. Há um ano, desde a morte de tia Maria, que Emília fica circulando por toda a família. Isso não está certo. Ninguém tem obrigação de suportá-la.
PRIMA – Ela é uma coitada.
PRIMO – Uma coitada chata. Sempre rezando em voz alta e fazendo intriga. Eu não agüento mais.
PRIMA – Mas ninguém quer mais a presença dela.
PRIMO – Júlia, ela tem irmão, tem irmã. Os dois são ricos. Eles que segurem a bomba. Eu não quero mais a Emília aqui.
PRIMA – Você sabe o que Maria Tereza diz.
PRIMO – Eu não me importo com o que ela diz. Elas são irmãs. O problema é dela. Ela que se vire. Eu só não quero essa solteirona chata infernizando minha vida. Mande ela arrumar as coisas. A passagem de trem está comprada. Ela embarca hoje à noite para São Paulo.
PRIMA – O que será dela?
PRIMO – Isso é problema dela.
CENA 3
UNIDADE 1:
Black out.Luz corta cena numa passagem rápida para a casa de Maria Tereza.
MT – O que? Minha irmã está aí?
EMPREGADA – E de mala e cuia.
MT – Droga. Eu não acredito que o Márcio fez isso comigo. Eu disse que não queria ela aqui. Diz que eu não estou. Que eu viajei para a Europa e só volto no mês que vem.
EMPREGADA – Olha, dona Maria Tereza, eu posso estar enganada, mas não vai funcionar. Ela veio para ficar. Foi o que ela disse.
MT – Ficar? Morar aqui? Aí meu Deus, o Túlio me mata. Onde está ela?
EMPREGADA – Lá fora, contando a morte do seu irmão Sílvio, pela polícia, para o jardineiro.
MT – Ela não muda mesmo. Sempre a mesma faladeira. (Respira fundo). Vamos enfrentar a fera. Mande ela entrar. (Empregada sai. Silêncio nervoso. Maria Tereza se serve de um drinque. Está terrivelmente tensa). Emília, Emília, sempre Emília. É a cruz da minha vida. (Emília entra).
UNIDADE 2:
EMÍLIA 2 – Maria Tereza. (Abraço). Quanto tempo. Eu não te vejo desde a missa da mamãe, há quase dois anos.
MT – Sabe como é, eu tenho uma vida muito ocupada. O Túlio viaja muito e as crianças estão naquela idade difícil.
EMÍLIA 2 – Eles devem estar lindos. Eles puxaram a você. Sim, porque a nossa família sempre foi muito bonita. Já a do Túlio, coitado...
MT – Emília, não seja venenosa, querida. Nós duas sabemos que a sua opinião sobre ele nem sempre foi tão crítica.
EMÍLIA 2 – (Desconcertada). A sua casa continua um luxo.
MT – Obrigada, mas a que eu devo tão inesperada visita?
EMÍLIA 2 – Ora, você continua esquecida. Como eu poderia recusar o seu convite. Sabe, depois que a mãe morreu, eu pensei que vinha morar com você. Todos pensaram, ainda mais que o Aldo está no estrangeiro. As pessoas chegaram a dizer que você não me queria aqui, por causa de tudo aquilo, mas eu não acreditei. Não, eu disse, ela é minha irmã e nós somos muito chegadas. E aí, quando o primo Márcio me disse que você havia me convidado para morar aqui, eu fiquei tão feliz.
MT – Ele disse isso? Canalha...
EMÍLIA 2 – O que você disse?
MT – Nada. Você deve estar cansada, querendo tomar um banho. (Chama a empregada). Marli acompanhe minha irmã ao quarto de hóspedes.
EMÍLIA 2 – Obrigada, querida. Depois temos muito a conversar. Até logo. (Sai).
MT – Merda. Aquele canalha. Não... mas ele vai ouvir. (Vai pegar o telefone). Como ele me faz isso? (Pega o telefone quando Túlio entra. Ela fica paralisada).
CENA 4
TÚLIO – É verdade o que o jardineiro me disse? (Silêncio). Sua irmã está aqui? (Silêncio). Sua irmã veio morar conosco?
MT – Eu não tive culpa. Foi um plano do meu primo para se livrar dela.
TÚLIO – Maria Tereza, você sabe o que eu penso de sua irmã. Depois de tudo que aconteceu, você não pode querer que nós dois vivamos sobre o mesmo teto.
MT – Eu sei. Eu sei melhor que você. Mas o que eu posso fazer?
TÚLIO – E o que eu posso fazer? Eu não aceito isso, ouviu? Eu não consigo olhar para a cara dela sem lembrar de tudo aquilo. O passado ainda está muito presente dentro de nós. Ela me odeia. Você está querendo pedir demais pra mim. Eu não quero sua irmã em minha casa, fazendo intriga, jogando meus filhos contra mim. Se livre dela.
MT – Eu não posso, Túlio. Ela não tem mais ninguém além dos primos e de mim. Se eles não querem ficar com ela, então...
TÚLIO – Ela que fique sozinha. Tereza, você sabe o que vai acontecerse ela ficar aqui. Ela se mete em tudo, inverte tudo, faz intriga e depois chora. Não, definitivamente eu não quero Emília nessa casa.
MT – Túlio, eu te peço, por favor. Ela tem todos os defeitos que você falou, mas ela é minha irmã. Eu não posso coloca-la para fora simplesmente. Não depois de tudo. Em todos esses anos eu tentei não pensar, não lembrar. Mas a imagem dela chorando sempre foi mais forte. Ela está sozinha, Túlio. Eu não posso abandona-la.
TÚLIO – Sozinha porque plantou isso.
MT – Será? Por favor, vamos tentar. Nós devemos isso a ela. Eu vou conversar com ela, explicar tudo direitinho e ela vai me ouvir.
TÚLIO – E se ela não ouvir? E se os problemas começarem?
MT – Aí ela vai embora. Mas nós temos que tentar. Tudo vai dar certo, você vai ver.
TÚLIO – Mas se não der, ela vai embora. Promete?
MT – (Pausa). Prometo.
(Black out. Em luzes específicas, surgem rápidos depoimentos para o público.)
CENA 5
MARINA – Ah, não, mãe. Ela fez de novo. Chamou a Paty de biscate só porque ela estava de biquíni. Disse que no tempo dela, quem se vestia assim queria homem. Eu não agüento mais essa velha.
MILTON – Entrou no meu quarto e mudou tudo de lugar. E o pior, sumiu com todas as minhas revistas de sacanagens, dizendo que estava me salvando do pecado. O que falta para ela é um pouco de pecado.
EMPREGADA – É isso mesmo que a senhora ouviu. Eu vou embora. Sua irmã é uma louca. Fica o dia inteiro atrás de mim, me chamando de vagabunda e de outro nome que eu nem sei falar. Assim não é possível! Eu quero as contas.
MILTON – Ouviu toda a conversa na extensão e começou a berrar que eu era um depravado que nem o meu pai. Que história é essa?
EMPREGADA – Soltou todos os passarinhos do seu Túlio e disse que era para encontrar com Deus. Ele vai ficar uma fera.
MARINA – Que negócio é esse dessa velha ficar falando mal do meu pai. Ela disse umas coisas horríveis. Eu quero falar com o papai.
CENA 6
UNIDADE 1:
TÚLIO – Chega, Tereza, eu já tive muita paciência. Há duas semanas sua irmã está infernizando essa casa. Isso não é justo. Perseguindo as crianças, maltratando as visitas, lendo a Bíblia em voz alta no jantar e me acusando na frente dos meus filhos. Eu não quero e não vou aceitar isso.
MT – Eu sei que ela é implicante, mas você tem que entender que ela é velha.
TÚLIO – Ela tem 45 anos, Tereza. Ela não é velha. Ela só é velha na cabeça. Vive num mundo de medos, rancores, preconceitos e pecados que não existem mais. Tem gente mais velha que ela, que é plenamente produtiva.
MT – Ela sempre foi muito presa ao meu pai e...
TÚLIO – Eu não tenho nada a ver com isso. Se ela é uma solteirona recalcada eu não tenho culpa. Eu estou farto. Desde que ela chegou aqui a minha vida virou um inferno. O passado é passado. Acabou. Morreu. Eu quero viver em paz.
MT – O que você quer que eu faça? Ela é minha irmã.
TÚLIO – E eu sou o seu marido, o pai dos seus filhos. (Pausa). Tereza, você prometeu.
MT – Eu não sei o que fazer.
TÚLIO – O Ricardo, lá do escritório, me falou de um lugar. Ele disse que é muito bom. Muito espaço verde, assistência médica...
MT – Você está sugerindo um asilo?
TÚLIO – Uma clínica de repouso. Um lugar para pessoas cansadas...
MT – Ela só tem 45 anos. Ela não vai agüentar viver lá, sem ninguém.
TÚLIO – Ela fará novos amigos. Ela vai ser feliz lá. E nós também.
MT – (Após um longo silêncio). Eu me sinto tão culpada. Culpada por ser feliz enquanto ela... Quando eu fecho os olhos, eu vejo o seu olhar, tão cheio de angústia, de medo. Às vezes, eu me lembro daqueles dias. Ela não era feia e ela te...
TÚLIO – Esquece isso. Vai ser melhor para todos nós. Lá, ela vai refazer a vida. Longe de nós. Pense nisso. Vamos ser práticos.
MT – Vamos. Eu sempre fui. Eu sempre fiz questão de ser. (Chama a empregada. Ela entra). Chame dona Emília aqui.
TÚLIO – Ela vai ser feliz lá.
MT – Não, não vai. Mas pelo menos nós não estaremos lá para ver.
CENA 7
UNIDADE 1:
Black out. Quando a luz vai reascendendo, Emília entra de mala no seu novo quarto com a enfermeira.
ENFERMEIRA – É aqui. É aqui que a senhora vai ficar. Que tal lhe parece?
EMÍLIA 3 – (Timidamente). Bonito. Um pouco vazio, mas bonito.
ENFERMEIRA – E o jardim também é lindíssimo. A senhora vai gostar muito daqui. Logo, logo, estará cheia de amigas.
EMÍLIA 1 – Mas eu não vou ficar muito tempo, sabe? É só por enquanto. Minha irmã está reformando a casa dela e vai construir um quarto lindo só para mim. Eu não queria, mas ela fez questão. Sabe, nós somos unha e carne.
ENFERMEIRA – Que bom. Mesmo assim, tenho certeza que a senhora se dará bem aqui, ainda que temporariamente. Sua companheira de quarto é uma ótima pessoa. Ela se chama Lurdes. É sempre bom não ficar sozinho, não é mesmo?
A palavra “sozinho” parece abalá-la. Olha em volta e começa a falar.
EMÍLIA 1 – Deve ser triste ficar sozinho. Eu não sei, porque minha família sempre foi muito unida. Sabe que os meus primos chegaram a brigar para ver quem ia ficar comigo agora que a mãe morreu? (Pausa). É, deve ser horrível ficar sozinha. Mas como é mesmo o seu nome? Sua fisionomia não me é estranha...
UNIDADE 2:
Dra. Paula e Tereza entram. Ele tem por volta de 40 anos e um ar tranqüilo.
PAULA – E então, dona Emília, que tal lhe parece?
EMÍLIA 1 – (Olhando insistentemente para a irmã). É muito bonito.
PAULA – Eu já mandei trazer as suas malas. Hoje à tarde, teremos campeonato de tranca. Creio que a senhora gostaria de participar. Será uma ótima oportunidade para a senhora conhecer os seus novos amigos. Dona Emília, esse é um lugar onde as pessoas esquecem seus problemas e são felizes. Seja bem-vinda. Em caso de alguma dúvida, pode mandar me chamar. Boa tarde. (Virando-se para Tereza). Nós a manteremos informada. Prazer em vê-la. Com licença. (Sai com a enfermeira. As duas ficam sozinhas. Clima tenso. Emília toma coragem e quando vai começar a falar, é interrompida por Tereza).
UNIDADE 3:
MT – Eu sei tudo que você vai dizer. Eu sinto muito, mas eu não posso fazer nada. Emília, esse lugar é muito bom. Você vai ser feliz aqui.
EMÍLIA 3 – Mas eu não conheço ninguém aqui. Eu quero ficar com você, com a minha família. Por que eu não posso ficar na sua casa, com você?
MT – Você sabe muito bem o porquê. Eu te avisei. Eu te pedi tanto, mas não, você nunca conseguiu controlar essa sua língua. Agora eu não posso fazer mais nada.
EMÍLIA 4 – E se eu falasse com o Túlio? Se pedisse desculpa? Eu não quero ficar aqui. Eu quero...
MT – Chega, Emília. Chega. Você vai ficar aqui, e pronto. Nós não temos outra alternativa. Não torne as coisas mais difíceis do que elas já são. Não seja mal agradecida. Muitas pessoas dariam tudo para estar num lugar desses. Aqui você vai ter todo o conforto e segurança. Acredite em mim, vai ser melhor para todos nós.
EMÍLIA 2 – Mas eu...
MT – Você não vai ficar sozinha. Eu venho te visitar. E quando eu não puder, eu te escrevo. E no Natal, a gente vem te buscar. Eu prometo.
EMÍLIA 1 – No Natal?!
MT – É. E em alguns fins de semana. Você vai me ver sempre. Vai dar tudo certo. Confie em mim. (Olha no relógio). Já está ficando tarde. Eu não quero pegar estrada à noite. Até breve, querida. (Beijo). Eu escrevo. Eu venho. Adeus. (Sai).
EMÍLIA 1 – Natal? (As quatro Emílias repetem a palavra Natal) (Olha em volta e começa a chorar. Entra enfermeira com Lurdes).
CENA 8
UNIDADE 1:
ENFERMEIRA – Essa é a dona Lurdes que eu falei, dona Emília... (Vê choro). Não chore. Tudo vai dar certo.
EMÍLIA 1 – É que eu me emociono fácil. Eu já estou melhor.
ENFERMEIRA – Eu vou buscar um copo d’água. (Sai).
LURDES – É duro, não é?
EMÍLIA 1 – O quê?
LURDES – Eu disse que o começo é duro. Eu também chorei no dia em que cheguei aqui.
EMÍLIA 1 – Por quê?
LURDES – De medo. De saudade. De mágoa. No fundo, eu nunca esperei que meus filhos me pusessem num lugar desses. Mas depois a gente se acostuma.
EMÍLIA 1 – Eu não vou ficar por muito tempo,sabe? É Provisório. É que minha irmã...
LURDES – Eu sei. É sempre assim. E depois eles somem. Não chore, mulher. Não vale a pena. Quem precisa deles, afinal? Eles que se fodam. (Ri). Por falar nisso, meu nome é Lurdes. E o seu é Emília, não é? Prazer. Não chore, você se acostuma. Essa agora é a sua casa. Não chore.
CENA 9
UNIDADE 1:
Como um eco, essa frase se repete. Luzes vão se apagando. A voz de Lurdes se mistura com a de Maria, que repete várias vezes essa frase. Luz vai voltando no outro lado. Maria tenta acalmar Silvinho, que chora. Ao lado, como num quadro, Aldinho, Tetê e Emília observam ao lado do pai.
MARIA – Não chore, Sílvio. Você se acostuma logo. Essa agora é a sua casa e nós amamos muito você. Não chore.
EMÍLIA 3 – Eu aposto que ele não pára de chorar.
TETÊ – Tadinho.
EMÍLIA 3 – Quer apostar?
ALDINHO – O quê?
EMÍLIA 3 – Qualquer coisa.
ALDINHO – Não sei não. Eu não confio em você.
EMÍLIA 3 – Ih, credo. Seu besta. Mas que ele não pára, ele não pára.
PAI – Vamos logo com isso. Em breve vai chover. Vamos entrar.
MARIA – Mas ele não para de chorar.
PAI – (Indo até ele). Escute bem, rapaz. Sua mãe e o seu irmão morreram porque essa foi a vontade de Deus e nós não somos ninguém para julga-la ou critica-la. Minha irmã morreu porque foi castigada por seus pecados e você deve se conformar e pedir perdão ao senhor todo poderoso por suas lágrimas. Agora pare de chorar, e entre.
MARIA – (Estendendo a mão). Venha Silvinho.
EMÍLIA 3 – Eu não disse. Eu falei que ele não parava.
PAI – Pare de falar, Emilia, você fala demais. Vamos entrar, pela graça do senhor. Em nome do pai, do filho e do espírito santo, Amém.
CENA 10
UNIDADE 1:
No “amém”, a luz se apaga. Vai retornando pouco a pouco, mostrando Emília sentada na sala, com um terço na mão. Termina de se benzer. Atrás dela, Lurdes e Matilde conversam.
LURDES – Uma mulambenta. Eu conheço esse tipo. Pensa que eu não sei? Eu posso estar velha, mas esses olhos ainda vêem muito bem.
MATILDE – Você acha mesmo. Ela me parece tão distinta.
LURDES – Distinta pros negos dela. Eu conheço mulher caçadora só de olhar. Aposto que ela dorme com todos os enfermeiros.
MATILDE – Você vai me desculpar, mas eu não consigo acreditar que a dona Otávia seja tudo isso que você fala.
LURDES – Não acredita porque é estúpida. Está na cara, você não acha, Emilia?
EMÍLIA 2 – O que?
LURDES – Oh, diabo de mulher que vive no mundo da lua. Alô, terra chamando, câmbio. Nós estamos falando mal da Otávia, você não quer participar?
UNIDADE 2:
ENFERMEIRA – (Entrando). Meninas, correio.
EMÍLIA 2 – Tem carta pra mim?
ENFERMEIRA – Deixe-me ver.
LURDES – Tem nada. Deixa de ser trouxa. Há cinco meses você espera essa carta e ela não vem. Sua irmã te esqueceu.
EMILIA 2 – Não diga uma coisa dessas, ouviu? Eu não admito. Maria Tereza é uma ótima pessoa e jamais faria isso comigo. É que ela é muito ocupada. Muito ocupada. Casada com um homem muito fino. Um doutor. Não gente sem eira nem beira como os seus...
LURDES – Se você pensa que me ofende falando mal dos meus filhos, pode tirar o cavalinho da chuva, que eu também acho que eles são um bando de cornos ingratos. Mas isso não modifica o fato de que a sua irmã te esqueceu.
EMILIA 2 – Despeitada. Invejosa. A minha irmã me ama muito, viu. Ela não escreveu porque deve estar viajando. Nenhum telefonema também?
ENFERMEIRA – Eu sinto muito.
UNIDADE 3:
MATILDE – (Abrindo a carta, mostrando uma foto). Oh, que gracinha. Olha a foto do meu netinho. Ele não é lindo?
LURDES – Pra mim tem cara de joelho. Todo recém nascido tem cara de joelho.
MATILDE – Pois saiba que ele faz 5 anos no Natal.
LURDES – Um joelho crescido.
MATILDE – Velha implicante.
LURDES – E vesgo, ainda por cima.
MATILDE – Ah não, vesgo não. Sua cega.
LURDES – Vesgo. Caolho. Assim oh... (Imita).
EMILIA 2 – (Como que sonhando). Natal? É claro. Eu não preciso me preocupar. Basta sentar e esperar, porque no Natal eles vêm me buscar. (Senta). No Natal eles vêm me buscar...
MATILDE – Sua encrenqueira. Eu estou te avisando: não fale mal dos meus netos.
LURDES – Uns joelhos monstruosos. Mal educados e vesgos.
CENA 11
UNIDADE 1:
(Enquanto as duas brigam, Emília repete essa frase três vezes. Luz vai se apagando. Música natalina bem alto. Doutora Paula entra e vê Emília sentada, triste. Luz.)
PAULA – Ah, a senhora está aqui. Eu a procurei por todos os cantos. Bela festa, não acha, dona Emilia?
EMILIA 4 – Já vi melhores.
PAULA – (Ri). E a senhora, não vai se divertir? Comer alguma coisa?
EMILIA 4 – Detesto pernil. E além do mais, está uma correria e um barulho infernal. Eu quero descansar.
PAULA – São os parentes dos nossos hóspedes. Umas crianças muito bonitas. A senhora devia ver. Elas parecem tão felizes.
EMILIA 4 – As crianças são tolas. Há muito tempo eu não gosto do Natal. Virou uma festa triste. Depois de determinada idade, ela só serve pra nos fazer lembrar de todos aqueles que perdemos.
UNIDADE 2:
PAULA – Como era a festa de Natal na sua casa?
EMILIA 4 – Ah, muito séria. Papai nunca permitiu essa algazarra. Comemorávamos o nascimento de Jesus, com verdadeira fé cristã. Com orações e amor em Cristo. Na hora da ceia, papai lia um trecho da bíblia e então comíamos. Era tudo muito bonito. Todos usavam suas melhores roupas e ficávamos em volta da árvore de Natal até as dez, quando papai dava os presentes e todos íamos dormir. E não pense que nós ganhávamos esses brinquedos inúteis. Não. Papai fazia questão de nos preparar para a vida. Os brinquedos estragam as crianças. Meus irmãos reclamavam, mas eu sempre concordei com ele. Papai era muito firme, e muito devoto. Um verdadeiro cristão. Eu me lembro que certa vez minha irmã... (Entristece).
PAULA – Não fique triste. Se ela não pode vir hoje, virá outro dia. Venha se divertir. Ficar com suas amigas...
EMILIA 4 – Eu não tenho amigas aqui. Todas gentinhas.
PAULA – Mas a senhora vai ficar sozinha.
EMILIA 4 – Antes só do que mal acompanhada. E além do mais, minha irmã pode ligar.
PAULA – A senhora gosta muito dela, não é?
EMÍLIA 4 – Nós somos muito chegadas. Desde pequenas. Nossa família sempre foi muito unida. Papai fazia questão. O senhor quer ver uma coisa.
PAULA – Claro. (Ela levanta e volta com um porta-jóias, abre e tira uma foto velha).
UNIDADE 3:
EMILIA 4 – Veja. Esse é papai. Um homem muito honesto. Ninguém jamais poderia falar mal dele. (Faz um sinal).
PAULA – Ele parece bravo.
EMILIA 4 – E era. Muito bravo. Mas um bom homem. Essa é mamãe. Tão trabalhadeira. Uma santa. E essa sou eu.
PAULA – Muito bonita.
EMILIA 4 – Imagine. Eu nunca fotografei bem. 
PAULA – E os outros? São seus irmãos?
EMILIA 4 – Menos esse aqui. Ele era meu primo. Mas a mãe dele, irmã de papai, morreu e o vigarista do pai sumiu sem deixar noticias. Aí, papai disse: vamos cria-lo como filho. E ele nunca fez diferença. Tratava todos igual.
PAULA – Ele parece tão triste nessa foto. Como chamava?
EMILIA 4 – Silvio. Ele era triste mesmo. E tinha um gênio de cão. Papai ia à loucura. Mas era tão carinhoso. (Luzes vão se apagando). Ainda me lembro do dia em que ele chegou em casa. Logo depois que a mãe dele morreu. Ele tinha 5 anos e eu 10. Me lembro como se fosse hoje.
CENA 12
UNIDADE 1:
Black out. Música. Volta no tempo. Passagem se faz através de foco em Silvio. Quando a cena se firma, luz geral.
MARIA – Já é tarde, crianças. Vamos dormir. Daqui a pouco teu pai chega e vai ficar bravo. É... (Olha, aprovando). Vai ficar bom aqui para vocês dois. Como ele está?
ALDINHO – Continua calado. Pensando.
MARIA – Silvinho, vamos por o pijama?
SILVINHO – Sim senhora.
MARIA – Não fique assim triste. Sua mãe está no céu, ao lado de Jesus. Ela e seu irmãozinho. Foi a vontade de Deus.
SILVINHO – Por que Deus quis me deixar sozinho?
MARIA – Você não está sozinho. Você tem a todos nós. Eu sei que você vai sentir saudades, mas você se acostuma.SILVINHO – Eu quero meu pai.
MARIA – Seu pai viajou. A negócios. Quando ele voltar, ele te procura. Agora vamos. Se troque e depois vamos rezar. Eu já volto.
UNIDADE 2:
Ela sai. Aldinho está de pijama. Silvinho tira o casaco. As duas meninas entram com roupa para dormir.
TETÊ – Você fez a lição de casa?
ALDINHO – Não deu tempo.
TETÊ – O que ele tem?
ALDINHO – Está triste.
EMILIA 1 – Eu vi o pai dele.
ALDINHO – Onde?
TETE – Quando?
EMILIA 1 – Ah, não sei se devo dizer. O pai disse pra não dizer.
ALDINHO – Emilia, deixa de ser chata.
EMILIA 1 – Tá bom, eu falo. Mas foram vocês que me obrigaram.
TETE – Fala logo.
EMILIA 1 – Ontem, no velório. E ele não estava nem chorando. Dizem que ele não presta, que tem amante.
UNIDADE 3:
TETE – Coitadinho. Perdeu a mãe, o irmãozinho, e ainda por cima, o pai não presta.
SILVINHO – O que vocês estão cochichando aí?
EMILIA 1 – Nada não.
SILVINHO – Eu não sou bobo. Eu ouvi. O que vocês estavam falando?
EMILIA 1 – Nada que seja da tua conta.
SILVINHO – Mentirosa. Vocês estavam falando de mim. Não é?
EMILIA 1 – Não, é do seu pai.
TETE – Ela viu seu pai ontem e ele não estava nem chorando.
SILVINHO – Mentira, vocês estão mentindo.
EMILIA 1 – Ele não presta. Ele não gostava da sua mãe e nem de você.
SILVINHO – Não fala isso, sua puta. (Escândalo).
EMILIA 1 – Boca suja. Eu vou contar pro meu pai.
ALDINHO – Você não deve falar isso.
TETE – É pecado. Deus castiga.
SILVINHO – Puta, puta, puta, puta.
EMILIA 1 – (Superior). Bem se vê que você é filho de cafajeste. Foi por isso que a sua mãe e o seu irmãozinho morreram. Porque eles não queriam ficar ao lado de dois cafajestes.
SILVINHO – Cala a boca. (Chorando).
TETE – Quem fala o que quer, ouve o que não quer.
EMILIA 1 – Coitada da sua mãe. Como sofreu. Mas agora ela está livre de você. Você nunca mais vai vê-la. (Ele chora).
UNIDADE 4:
ALDINHO – É melhor parar. A mamãe não vai gostar nada disso.
TETE – Foi ele que começou.
EMILIA 1 – E além do mais, esse choro é falso. Eu sei muito bem que você não queria ter um irmãozinho. Eu ouvi tua mãe dizer que você estava com ciúmes.
SILVINHO – Não é verdade. Eu queria.
EMILIA 1 – Não queria.
SILVINHO – Queria sim.
EMILIA 1 – Aposto que você ia pôr uma meia na boca dele só pra ele morrer.
SILVINHO – Não. Eu nunca ia fazer isso.
TETE – Ia sim.
SILVINHO – Não ia. Minha mãe falou que ia ser gostoso ter um irmãozinho pra ser meu amigo, pra brincar comigo.
ALDINHO – Ia, mas não vai mais ser. Nem bem nasceu, já morreu. Coitadinho.
EMILIA 1 – Gente ruim como você não merece ser feliz.
SILVINHO – Eu quero meu pai. Eu quero a minha mãe. (Chorando).
EMILIA 1 – Agora é tarde para chorar. Você devia ter pensado nisso antes de ser malvado.
UNIDADE 5:
ALDINHO – É melhor a gente ir dormir. O papai já chega. (Silvio mostra medo).
EMILIA 1 – (Dramática). Já é noite. A morte sempre vem buscar as almas à noite.
TETE – A morte gosta do escuro.
ALDINHO – A pessoa está dormindo, a morte vem e leva ela.
SILVINHO – Eu tô com medo.
TETE – É remorso.
ALDINHO – Medo que a alma do seu irmão venha te buscar.
SILVINHO – Pára. (Chorando).
TETE – Vamos apagar a luz. Nós três ficamos bem juntinhos, assim não ficamos com medo.
ALDINHO – Vamos.
SILVINHO – Não apaga que eu tenho medo.
EMILIA 1 – Vai brincar com teu irmãozinho no escuro. 
Todos saem cantando e berrando e apagam a luz. Silvinho se desespera e dá um grito. Após o grito, na escuridão total, ouve-se a voz dele.
UNIDADE 6:
SILVINHO – Não. Eu tenho medo. Não apaga. Não. Nããããão. (Pausa). Eu estou morrendo de sono, mas não consigo dormir. Estou morrendo de vontade de fazer xixi, mas a luz está apagada e eu tenho medo de levantar. Tenho medo de gente morta, mesmo que seja meu irmãozinho. É mentira deles, eu não queria que ele morresse. Eu queria um irmãozinho. A gente ia ser muito amigo. Eu tô com medo. Eu quero a minha mãe. Eu não gosto desse lugar. Eu quero ir pra casa. Eu estou com saudade do papai e da mamãe. Que escuro. Eu tenho medo do escuro. Se eu ascender a luz, eles vão acordar e brigar comigo. Eles não gostam de mim. Que sono. Por que eu não durmo logo? Durmo, e acordo só quando tudo estiver acabado. Tudo.
CENA 13
UNIDADE 1:
Luz volta. Uns dias mais tarde. As crianças brincam. Jogam saquinhos de pano.
SILVINHO – Agora é minha vez.
TETE – Joga, ué, ninguém está te segurando.
SILVINHO – Não precisa ser estúpida. Eu só falei que queria jogar.
TETE – Joga logo. Puxa vida.
EMILIA 4 – Me dá os saquinhos. O papai falou que não é pra jogar a dinheiro, hein!
ALDINHO – Não precisava nem falar. Ninguém tem dinheiro mesmo. Ele nunca dá.
TETE – Que cheiro ruim, alguém pisou.
ALDINHO – Pisou é?
ALDINHO E SILVINHO – Bo-lo, fe-dô, re-bem-ta o cu de quem pei-dô.
EMILIA 4 – Isso não se fala na frente de menina. Eu vou contar.
TETE – Galinha que canta é porque botou ovo.
ALDINHO – Então foi você. Quem falou primeiro que alguém pisou foi você.
TETE – Não fui eu.
ALDINHO – (Ao primo). Cheira pra ver se não foi ela.
SILVINHO – Deixa eu te cheirar pra ver se não foi você?
TETE – Eu te sento a mão na cara. Seu sem vergonha.
ALDINHO – Cheira ela, cheira ela.
SILVINHO – Eu cheiro mesmo.
EMILIA 4 – Não deixa ele te cheirar.
TETE – Me cheira que eu te chuto a canela.
UNIDADE 2:
SILVINHO – Eu te cheiro a força. (Os dois meninos a agarram e a viram de bruços).
ALDINHO – Cheira, cheira, cheira.
EMILIA 4 – Larga ela, seu tarado.
SILVINHO – Eu cheiro, eu cheiro.
ALDINHO – Cheira logo, senão ela vai dizer que não foi ela.
TETE – Se você me cheirar eu te furo os olhos.
SILVINHO – Eu vou cheirar. Lá vou eu.
ALDINHO – Cheira logo se não o fedô passa.
EMILIA 4 – Moleque de rua, eu vou contar pra minha mãe e ela vai te mandar pro orfanato.
TETE – Isso mesmo. Lá é que é lugar de menino que não tem mãe. (Silvinho corre para o canto e começa a chorar).
UNIDADE 3:
ALDINHO – Precisava falar isso? É pecado falar essas coisas.
TETE – Quem mandou ele fazer isso com a gente?
EMILIA 4 – Quem mandou ser sem vergonha?
ALDINHO – Ele só estava brincando.
EMILIA 4 – Isso é brincadeira? Então o que eu falei também foi brincadeira...
ALDINHO – Vocês são duas burras.
EMILIA 4 – E você? Pensa que é mais inteligente só porque é menino, é?
ALDINHO – Penso sim. Penso mesmo. Menina é burra. Por isso é que eu não gosto de brincar com menina. Menina não pode nem relar. (Vai tentar consolá-lo).
UNIDADE 4:
SILVINHO – Vai embora.
ALDINHO – Eu estou do seu lado.
SILVINHO – Vai embora. Eu sei que você está do lado delas.
ALDINHO – Não estou. Não me viu brigando com elas? Eu não agüento menina.
SILVINHO – Vocês falam essas coisas só porque tem mãe... Qualquer dia eu fujo daqui.
ALDINHO – Não fala assim. Eu gosto de você. É igual um irmão pra mim. Menina só enche. Só serve pra atrapalhar.
SILVINHO – Mas elas são suas irmãs.
ALDINHO – Para de chorar. Vamos brincar só nós dois? A gente não conversa mais com elas.
SILVINHO – Mas elas vão se meter na brincadeira e estragar tudo.
ALDINHO – A gente puxa o cabelo delas.
SILVINHO – Puxa mesmo?
ALDINHO – Puxa, puxa até encostar no chão. E enfia o dedo no olho delas. É só elas chegarem perto.
UNIDADE 5:
TETE – Quem cochicha o rabo espicha.
ALDINHO – Quem escuta o rabo encurta.
SILVINHO – Quem reclama o rabo inflama.
TETE – Puxa saco.
ALDINHO – Deixa elas falarem. É despeito. Vamos jogar de novo?
SILVINHO – Elas estão cochichando.
ALDINHO – Deixa.
SILVINHO – Elas estão vindo pra cá.
ALDINHO – Deixa elas chegarem que a gente faz aquilo. (As duas se aproximam numa aparente proposta de paz).
UNIDADE 6:
EMILIA 4 – Nós podemos jogar? Estamos tão arrependidas.
TETE – Nós viemos pedir desculpas. (Os dois se entreolham preparando o ataque).
ALDINHO – Um, dois, três e...
SILVINHO – Já.
Gritos selvagensecoam. Correm em volta das duas, agarrando-lhes os cabelos. No meio da farra, Silvinho resolve erguer a saia de Tetê para ver a calcinha.
UNIDADE 7:
TETE – Meu cabelo. Ai, seu sem vergonha.
EMILIA 4 – Olha o que ele está fazendo com ela.
ALDINHO – Por que você foi fazer isso? Fingido, mentiroso, sem vergonha.
SILVINHO – (Acuado). Pensa que eu tenho medo de você.
ALDINHO – Por que você levantou a saia dela?
EMILIA 4 – Porque não presta. É igual ao pai dele. Um tarado sem vergonha.
ALDINHO – Você tinha mesmo pra quem puxar. Tua mãe não te deu educação?
SILVINHO – Não põe minha mãe no meio, que eu ponho no meio da tua.
ALDINHO – Põe, é? Põe, põe, põe, seu moleque. Vamos ver se você é homem.
TETE – Boca suja, nojento.
EMILIA 4 – Bate nele. Arrebenta ele. Bem feito que a tua mãe morreu, bem feito.
SILVINHO – Cala a boca, sua galinha. (Os dois se atracam).
ALDINHO – Fale de novo que você vai pôr no meio da minha mãe, seu mal agradecido.
SILVINHO – Eu ponho no meio da tua mãe, do teu pai, da tua avó, das tuas irmãs, e de você também, seu filho da... (Soco).
ALDINHO – Xingou minha mãe. Você podia fazer qualquer coisa, menos xingar a minha mãe. Agora você vai ver uma coisa. Venham ajudar, suas molengas.
CENA 14
UNIDADE 1
No meio do tumulto, entra o pai. Todos em pé. Silêncio e temor.
PAI – O que está acontecendo aqui? Eu fiz uma pergunta, e exijo uma resposta.
Todos se entreolham. Pavor. Emília fala.
EMILIA 4 – Foi ele que levantou a saia da Maria Tereza e, ainda por cima, xingou a mãe.
PAI – Isso é verdade?
SILVINHO – (Chorando). Tio eu...
UNIDADE 2:
Pai dá um violente tapa na cara. Ele cai. Todos olham, chocados.
PAI – Seu verme impuro, seu filho do demo. Eu abri meu lar pra te receber e é assim que você paga? Em nome de Deus, eu juro que vou fazer de você um homem ou não me chamo Inácio Cunha. Eu vou arrancar o pecado da sua alma. Levanta. (Bate de novo). Eu não sou seu pai, mas você vai me respeitar, seu verme. Você vai rezar até que Deus te perdoe. Reza, maldito. Eu sempre soube que a maldade e o mal caráter do seu pai estavam em você, mas agora você está na minha casa e aqui só pessoas tementes a Deus são aceitas. De joelhos, seu verme, de joelhos. Pede perdão. Pede perdão. (Sempre batendo). Reza alto que eu quero ouvir sua voz. Reza, maldito.
SILVINHO – Você não é meu pai, me deixa em paz.
PAI – (Segurando-o pelo pescoço e empurrando para a coxia). Agora você vai lamentar não ter morrido junto com a coitada da tua mãe. Seu mal agradecido. Mas você vai se arrepender, por Deus, você vai. (Sai, batendo. Crianças choram. Entra Maria). Eu vou te devolver pro lixo de onde eu te tirei. Reza, maldito.
UNIDADE 3:
ALDINHO – Por que você contou? Esse assunto era meu.
EMILÍA 4 – Mas o papai perguntou. Eu não posso mentir pra ele. Não posso.
UNIDADE 4:
Silêncio e dor. Só os gritos do pai atravessam o ar. Depois de alguns segundos, o pai volta puxando o menino, que parece bem ferido. Maria se aproxima dele.
PAI – Sai, mulher, não se meta. Vai, Silvio, eu estou esperando.
SILVINHO – (Soluçando). Desculpe, tia Maria. Perdão, eu sou mal e pequei...
PAI – Continua, bastardo.
SILVINHO – Eu pequei e estou arrependido.
PAI – De joelho. Todos rezando para que Deus, em sua infinita misericórdia, perdoe esse pecador. Que sua alma se purifique, abrindo-se para a verdadeira fé. Eu sou um homem de bem e esse é um lar honrado. Agora você é parte dessa família e eu vou tirar as más influências que os irresponsáveis dos seus pais lançaram sobre você. Todos orando em nome do senhor, para livrar nossas almas dessa chaga. Creio em Deus...
ALDINHO – Fofoqueira. Viu o que você fez. Ele está sangrando.
EMILÍA 4 – Eu não fiz nada. Não é minha culpa. Eu não posso mentir. É pecado.
CENA 15
UNIDADE 1:
Luz vai se apagando. Do outro lado, retorna o presente. Estão todos do lado de fora, no jardim. Emília está sentada num banquinho com Cidoca. Alguns figurantes andam, como que passeando. Por um canto entra Lurdes, irritada.
LURDES – Nojento. Imundo. Pervertido. Mal educado. É só a gente dar um pingo de liberdade e pronto. Mas eu vou falar com o Dr. Paulo.
CIDOCA – O que aconteceu, Lurdes?
LURDES – Aquele enfermeiro. Aquele gostosão sujo.
CIDOCA – O que ele fez?
LURDES – Eu estava fazendo a minha massagem para circulação, como o Dr. Paulo indicou. No meio da sessão, eu percebi que ele estava me olhando com cara de desejo.
CIDOCA – Jesus. E então?
LURDES – Por uns 20 minutos ele me observou e eu não fiz nada, pra evitar um escândalo. Até que na hora de ir embora, ele se virou pra mim e disse: ”Vovó, se a senhora fosse uns 30 anos mais nova, a senhora ia ver uma coisa...”
CIDOCA – Não acredito. E você?
LURDES – Eu? Eu olhei bem na cara dele e disse que se fosse 30 anos mais nova, ele não daria nem pro começo, e que vovó era a mãe dele.
CIDOCA – Só isso?
LURDES – Não. Eu também mandei ele tomar no cu. (Cidoca e Emilia ficam horrorizadas). É, no cu. No cu mesmo. Por que não? Não é assim que eles falam? Trinta anos? Desaforado. Há trinta anos atrás um franguinho daquele ia ficar devendo pra mamãe aqui. (Ri, amarga). É triste, não? O tempo é tão cruel. Eu era linda. Um pedaço de pecado. Os homens me olhavam com cara de desejo e eu me divertia vendo eles sofrerem por mim. Mas agora... Olha o que sobrou. Um bagaço. As pessoas não deviam envelhecer.
CIDOCA – Envelhecer nos deixa mais sábias.
LURDES – Ora, Cidoca. Isso é conversa pra boi dormir. Quem quer ser sábio? Por mim, se me deixassem escolher, eu preferia ser uma anta gostosa, do que um urubu genial. Eu era gostosa, sem dúvida.
UNIDADE 2:
EMILIA 3 – (Interessada). Você teve muitos namorados?
LURDES – Eu? Centenas. De todos os tipos e tamanhos. Eu nunca fui preconceituosa. Não fazia diferença de credo, raça ou idade. Eu era, por assim dizer, uma tarada democrática.
EMILIA 3 – Mas tudo isso antes de casar, não é?
LURDES – (Rindo, debochada). Antes, durante e depois. Não faça essa cara de nojo, Emilia. Não me olhe como se eu fosse um pecado andante. Eu apenas era, como direi... Uma mulher adiante do seu tempo. E, além do mais, a última vez que eu pequei já faz tanto tempo que eu já me purifiquei. Infelizmente.
CIDOCA – E o seu marido? O que ele fazia?
LURDES – Bom, isso depende do marido. Sim, porque eu me casei três vezes. O primeiro, Jarbas, nem sabia. Era professor de zoologia na Universidade. O maior amor da sua vida foi um gorila. Ele amava profundamente os animais e nem reparava nas minhas escapadinhas. Morreu como um pesquisador. Numa das expedições à África, pegou um vírus desconhecido e morreu cagando. Pobrezinho, emagreceu tanto. Como ele fedia. O segundo era muito mais velho que eu. Um senhor muito respeitável, amicíssimo de vovô. Parecia me amar muito, mas o nosso romance geriátrico durou pouco. Transamos só duas vezes. Na primeira, ele quase morreu de alegria e na segunda, ele morreu... de outra coisa. Era um bom homem. Um pouco murcho, mas bom. E o terceiro, Adamastor, foi o melhor de todos.
CIDOCA – Esse é o pai dos seus filhos?
LURDES – É. Um monstro na cama. Eu o amava muito.
EMILIA 3 – E ele sabia das suas traições?
LURDES – Sabia. Eu sempre fui muito franca.
CIDOCA – E o que ele fazia?
LURDES – Me traia também. Tudo muito justo e democrático. Ele era favorável à igualdade de direitos entre homem e mulher. Direitos iguais, até no adultério.
EMILIA 3 – E você não se envergonha de falar disso assim com tanta naturalidade. Isso é pecado.
LURDES – Cara amiga, quando se chega a certa idade e se olha para trás, a única coisa realmente inesquecível que nos resta é o pecado.
CIDOCA – (Pensativa). Eu nunca traí o Alfredo. Nós nos amávamos muito. Desde a primeira vez que o vi. Foram quase 50 anos de amor. (Romântica).
LURDES – Deve ter sido tremendamente monótono.
CIDOCA – Lurdes, você é uma depravada.
LURDES – Não, Cidoca, eu fui. Infelizmente estou aposentada.
CENA16
UNIDADE 1:
Doutora Paula entra acompanhado de José.
PAULA – Boa tarde. Como vão as minhas princesas? (Elas riem). Meninas, eu quero apresentar um amigo meu que agora vai ficar conosco aqui. Esse é o Professor José. Dona Lurdes, Dona Cidoca e Dona Emília.
PROF – Prazer.
LURDES – O senhor era professor do quê?
PROF – Literatura.
LURDES – Eu sempre detestei ler.
CIDOCA – Eu não, adorava.
PROF – E a senhora?
LURDES – (Interrompendo Emília). Essa só lê a Bíblia.
PAULA – (Rindo). Bem, com licença que eu tenho que apresentar o professor ao outros.
PROF – Foi um grande prazer conhece-las. Espero que nos reencontremos em breve.
EMILIA 1 – Doutora, a senhora sabe se chegou alguma carta para mim?
PAULA – Eu sinto muito. (Ela fica triste). Com licença.
UNIDADE 2:
LURDES – É incrível. Você está aqui há mais de 3 anos e nunca ninguém apareceu, mas você continua esperando. Será que você não vai se acostumar nunca?
EMÍLIA 1 – Não é verdade o que você está dizendo. Eu já recebi uma carta do meu irmão Aldo.
LURDES – Há quase dois anos. Esquece, amiga. Viva a tua vida aqui e os teus parentes que se danem. Eu já aceitei essa realidade. A gente passa uma vida dedicada a eles. Cuidando, se preocupando... E depois que você envelhece... Bum... Jogam você fora.
EMÍLIA 1 – Eu já disse que não quero que você fale assim. Isso não é verdade. Eu e meus irmãos sempre nos amamos. Sempre. Eu não fui largada aqui. Eu vim porque quis. É isso. Eu pedi. Eles não me abandonaram, não. Eu que pedi. (Segura a carta e a relê pela milésima vez). O Aldo sempre foi lindo. Um menino vistoso. Cheio de namoradas. Papai ficava tão bravo...
LURDES – O pior cego é o que não quer ver.
CIDOCA – Deixa ela sonhar. É a única coisa que restou a ela.
 (Luz vai apagando. Foco pega Aldo, que parece desconfiado. Logo depois o palco se ilumina).
CENA 17
UNIDADE 1:
ALDO – Ai meu Deus, isso vai dar bosta.
SÍLVIO – Deixa de ser chorão. Você quer ver ou não quer?
ALDO – Quero.
SÍLVIO – Então não enche o saco. Escuta aqui, Guma, você tem certeza que não vai ter furo?
GUMA – Claro, eu venho aqui todo dia. A informação é quentíssima.
ALDO – Será que ninguém viu a gente vindo para cá?
GUMA – Ele é pentelho assim sempre?
SÍLVIO – Não. Só quando vai ver a empregada boazuda do vizinho pelada. Ela é boa mesmo?
GUMA – Uma delícia.
SÍLVIO – É bom mesmo porque o preço foi alto.
GUMA – Que é isso, meu camarada? Tô fazendo desconto porque é pra tu. Pra não-amigo é o dobro.
ALDO – Será que ela vai demorar?
GUMA – Calma que a perua já vem. Produto de primeira. Agora concentrando, que tá quase na hora. Quem vai ser o primeiro?
OS DOIS – Eu.
ALDO – Não vem não que eu sou mais velho.
SÍLVIO – Mas fui eu que arrumei a boca.
GUMA – Calma que tem pros dois. Olha lá, a potranca tá chegando.
UNIDADE 2:
ALDO – Sai daí. (Olha o buraco).
SÍLVIO – E então? Tá vendo?
ALDO – Ela está chegando. Ai meu Deus, ela é de verdade.
SÍLVIO – O que está acontecendo?
ALDO – Ela tá rebolando. Chacoalhando tudo. Ai Jesus, ela vai tirar a roupa. Ela tá tirando a roupa.
SÍLVIO – Deixa eu ver.
ALDO – Sai pra lá que é minha vez. Ela tá tirando o vestido. E como rebola.
GUMA – Isso é verdade. Rebola que é uma loucura.
ALDO – (Suspira fundo). Tirô, tirô.
SÍLVIO – Eu quero ver.
ALDO – (Empurrando). Espera aí. Agora ela tá tirando o resto. Tá tirando, tá tirando, tá tirando. Tirou. Deus existe. Como ela é boa.
SÍLVIO – (Puxando). Agora sou eu cacete. Que revistinha que nada. Isso é muito melhor.
GUMA – O que ela está fazendo?
SÍLVIO – Está dançando.
ALDO – Porra, por que você não fez outro buraco? E então?
SÍLVIO – Ah, que bonitinho, é tudo tão certinho. (Perde o ar). Isso é bom demais.
ALDO – Como ela está?
SÍLVIO – Peladona, peladona. Eu acho que vou morrer.
ALDO – (Empurrando). Morre pra lá que agora é minha vez. Perdão, senhor Deus. Eu sei que isso é pecado, mas eu tenho 15 anos.
Na hora de olhar, chega a Emília. Quando ela fala, os três se assustam e berram.
CENA 18
UNIDADE 1:
EMÍLIA 1 – Ah, ah, então vocês estão aqui.
ALDO – Droga, droga, droga. Você atrapalhou tudo. Ah, não. Ela ouviu os berros e está se vestindo. Não vai, espera, não vai. Foi.
SÍLVIO – Merda.
EMÍLIA 1 – O que vocês estão fazendo aí, hein? Boa coisa não é. Aposto.
SÍLVIO – Eu mato ela. Eu vou fazer picadinho dela.
EMÍLIA 1 – Eu hein! Olha que eu conto pro pai que vocês estavam fazendo coisa feia. Ele não vai gostar nem um pouco.
ALDO – Irmãzinha do meu coração, o que é que você está fazendo aqui?
EMÍLIA 1 – Eu segui vocês porque os dois estavam com cara de quem vai fazer pecado.
SÍLVIO – No momento mais importante da minha vida, na minha primeira mulher pelada, essa coisa tinha que aparecer.
EMÍLIA 1 – É pecado desejar a mulher do próximo.
GUMA – Ih, caralho, ela bebe. Não liga não, dona. O “próximo” sou eu, e eu deixei.
ALDO – E agora, qual vai ser a chantagem? Sim, porque você não ia seguir a gente por nada. O que é que você quer para não contar pro pai.
EMÍLIA 1 – Ih, credo. Quem vê pensa que eu vivo fazendo essas coisas.
SÍLVIO – Vomita logo, urubu.
EMÍLIA 1 – Ah, é assim. E eu querendo ser amiga. Ajudar vocês. Ninguém me entende mesmo. Eu só vim avisar que o pai tá chamando.
ALDO – Você não vai dizer nada? Não vai dedar a gente?
EMÍLIA 1 – Por que eu faria isso? Ninguém vai saber, eu prometo.
Black out. Música. Quando a luz volta, Emília está na sala ouvindo o barulho da cinta. Maria entra.
CENA 19
UNIDADE 1:
TEREZA – Satisfeita, Emília? Você não muda mesmo.
EMÍLIA 4 – Eu não sei do que a você está falando.
TEREZA – Sempre dedurando os outros. Por que você faz isso?
EMÍLIA 4 – Não fui eu. Foi Deus. Eu só fui o instrumento da vontade dele. Eles pecaram e o papai tinha que saber.
TEREZA – Continue assim, Emília, você vai terminar os seus dias sozinha.
EMÍLIA 4 – Eu sou uma perseguida mesmo. Ninguém me entende. (Os dois entram na sala com cara de quem apanhou).
UNIDADE 2:
TEREZA – Vão pro quarto que a mãe vai levar umas compressas. (Sai).
EMÍLIA 4 – Já vou avisando que não fui eu. Não me olhem assim.
SÍLVIO – Você é uma doente. (Os dois saem. Entra Tereza, se embonecando. Emília compara. Parece um pouco abalada).
UNIDADE 3:
TEREZA – Ih, já vai me imitar, é?
EMÍLIA 4 – Eu não disse nada. Aonde você vai?
TEREZA – Na casa da Marta Laura.
EMÍLIA 4 – Sei, sei.
TEREZA – Limpe o veneno, queridinha... Está escorrendo.
EMÍLIA 4 – Você vai encontrar o seu namorado, não é? Não esquece da carta.
TEREZA – Claro, Emília. Afinal, eu não quero que aconteça comigo o que aconteceu com eles. Sua fofoqueira. Eu entrego sua carta pro Túlio, mas não vai adiantar nada, ouviu? O Túlio é o menino mais bonito da escola e não vai dar bola pra um monstrengo como você.
EMÍLIA 4 – Fala isso de novo que...
TEREZA – Eu já sei. Você conta pro papai que eu cheguei de blusa rasgada e cheia de grama, no sábado. Sua invejosa. Eu entrego sua carta. (Luz no quarto).
CENA 20
UNIDADE 1:
ALDO – Tudo pronto? Tem certeza que você também quer entrar nisso?
TEREZA – Claro. Afinal, estou de castigo por causa dela. Aquela fofoqueira.
ALDO – Então está tudo certo?
SÍLVIO – Eu ainda não concordo com a parte da revista.
ALDO – Não enche o saco. Vamos lá. Cinismo. Ela vem vindo.
(Luz acende, mostrando os dois vestidos como o pai, queimando uma revista. Tereza chora. Emília entra).
UNIDADE 2:
EMÍLIA 2 – O que aconteceu?
TEREZA – Tá vendo? Agora os dois querem ser padres. Mas antes eles vão realizar o ritual purificador. Oh, não, não, coitados.
EMÍLIA 2 – Ritual?
ALDO – O ritual do amor eterno à fé. Bem vinda, irmã. Bem vinda pra presenciar nossa purificação. Sai pecado. Sai de mim. Irmão, o instrumento da purificação...
(Sílvio pega uma tesoura de jardim).
UNIDADE 3:
EMÍLIA 2 – O que é isso?
SÍLVIO – Vamos amputar de nós a fonte de todopecado. Obrigado, irmã, por mostrar-nos a luz.
EMÍLIA 2 – O que eles vão fazer? (Tereza, chorando, faz gesto do corte). Ai credo. Que horror. Isso não tem graça.
SÍLVIO – E como prova de nossa gratidão, queremos doar pra você aquilo que tirarmos de nós. Aleluia.
ALDO – Aleluia. Preparado, irmão Sílvio?
EMILIA 2 – Ai, eu estou com enjôo.
SILVIO – Sim, estou preparado. Em breve, o meu corpo estará livre de todo o mal. Livre do desejo, livre do sexo, livre do pecado. Adiante, irmão. (Começa a tirar a roupa. Emília se desespera).
UNIDADE 4:
EMILIA 2 – O que ele vai fazer?
TEREZA – Tirar a roupa. Senão, não dá pra cortar.
EMILIA 2 – Credo, eles não podem estar falando sério.
TEREZA – Eu só tenho uma explicação. Eles estão possuídos pelo satã.
EMILIA 2 – Credo.
TEREZA – E só você pode salvá-los, porque você é pura. Vá lá.
UNIDADE 5:
(Emília, empurrada por Tereza, se aproxima de Silvinho. No exato momento em que ela encosta nele, ele dá um urro e começa a imitar um possuído).
EMILIA 2 – Jesus Maria José.
TEREZA – Eu acho que vou desmaiar. (Cai, bem canastrona).
ALDO – Sai para lá demônio.
SILVIO – Você. Emilia, sua alma me pertence.
EMILIA 2 – Ai Jesus, por que tudo acontece comigo?
ALDO – (Heróico). Eu te protejo, Emília.
SILVIO – Gostosa. Emilia gostosa. Eu vou papar Emilia. (Ri debochado, e vai tirando a roupa).
ALDO – (Se interpondo). Sai pra lá, capeta.
SILVIO – (Fazendo careta). Você me dá pena. (Faz um gesto e Aldo voa). Agora só nós dois. Enfim sós, gostosura. Agora você vai saber como o pecado é gostoso.
Emília reza em fuga, enquanto Silvio continua tirando a roupa. Fica só de calção, aloprando até ela ficar encurralada. No momento marcado, ele abaixa o calção em black out, sobrando só um foco em Emília, que perde a respiração, caindo de joelhos. Quando a luz acende, Silvio está novamente de calção e os três estão rindo.
UNIDADE 6:
SILVIO – (Durante o black out). Emilia, agora é a hora da verdade, e o que você vai ver, nunca mais esquecerá.
EMILIA 2 – Credo (Cai).
ALDO – Como vai irmazinha, assustou muito?
SILVIO – Vocês viram a cara dela na hora que eu tirei o calção?
EMILIA 2 – (Dramática e cheia de dignidade). Eu não vi a menor graça. Infantibilidade. Eu soube desde o princípio. (Vaias). Vocês me odeiam. Oh Deus, eu não pedi para nascer. Por que não me afogaram quando eu nasci?
TEREZA – Algum incompetente esqueceu.
ALDO – E se você abrir a boca pro pai, você vai ver o que a gente te faz. Vamos dormir que o dia foi cansativo. Durma com os anjos, maninha.
SILVIO – E cuidado com os tarados que atacam mocinhas à noite.
EMILIA 2 – Um dia eu tomo formicida e aí vocês todos vão se arrepender.
ALDO – Emilia, se você precisar, o formicida tá bem ali.
CENA 21
UNIDADE 1:
A fala “tá ali” ecoa e se mistura com o presente. Após o black out, estamos de novo no presente e as três velhas estão em cima das cadeiras, berrando com medo de uma barata.
CIDOCA – Tá ali, oh! Ali. Ah, que nojo. Que baratona.
EMILIA 3 – Pega ela. Não deixa ela escapar.
ENFERMEIRA – Bicho asqueroso. (Entra Lurdes e olha com deboche a luta do professor para localizar a barata).
UNIDADE 2:
PROF – Mas ela estava bem ali.
EMILIA 3 – Se o senhor não achar eu não durmo aqui.
LURDES – Que vergonha. Tanto escândalo por causa de uma baratinha à toa.
CIDOCA – Baratinha? Uma barata voadora desse tamanho.
PROF – Engraçado, ela sumiu. Tá ali. Alçou vôo. Cuidado.
LURDES – Voou em mim. Socorro. Que nojo. (Todos fogem da barata, berrando, enquanto o pobre professor tenta mata-la. Depois de muito escândalo, finalmente ele consegue. Senta vitorioso).
UNIDADE 3:
PROF – Matei.
LURDES – Que bicho nojento. Aquela perninha gelada.
CIDOCA – Ainda bem que o senhor estava aqui, senão, nem sei.
LURDES – Por falar nisso, como vai o senhor?
PROF – Bem, obrigado. Eu só passei para ver se estava tudo bem por aqui. A senhora gostou do livro que eu lhe emprestei, dona Cidoca?
CIDOCA – Muitíssimo. É tão romântico.
LURDES – Essa é uma manteiga derretida. Chora até lendo lista telefônica.
PROF – E a senhora, dona Emilia? Leu o livro que deixei?
EMILIA 3 – Sinto muito, professor José, mas eu não tive tempo. Se o senhor quiser de volta...
PROF – Não. De forma alguma. Eu não tenho pressa. Tenho certeza que o dia em que a senhora tiver tempo, vai gostar muito do livro. É uma verdadeira lição de vida. Bem, eu já vou indo, porque prometi jogar xadrez com o senhor Adamastor. Até mais ver. (Sai).
UNIDADE 4:
CIDOCA – Simpático ele, não?
ENFERMEIRA – Simpático e apaixonado. (Rindo).
LURDES – Não adianta que ela é cega. Só essa pamonha não percebe que o homem está caidinho.
EMILIA 3 – Não seja tola, Lurdes. Ele é apenas um bom amigo.
LURDES – Um bom amigo que te manda uma rosa por dia há um ano e meio. Tonta.
CIDOCA – Emilia querida, você sabe que isso não é comum, mas desta vez eu concordo com a Lurdes. Ele está apaixonado e você devia ficar muito feliz por isso, afinal, ele é tão culto e gentil. Amar é tão bom.
LURDES – Não adianta, Cidoca, nós já falamos isso mil vezes. Essa pata é teimosa como meu falecido primeiro marido. Você não sabe aproveitar a vida, Emilia. Eu queria ter um homem desse dando bola para mim. Eu mordia ele inteirinho.
EMILIA 3 – Vamos parar com isso que eu não gosto desse assunto.
UNIDADE 5:
CIDOCA – (Rompendo o temporário silêncio. Parece sonhar). Eu ainda lembro do meu primeiro beijo. Foi atrás da parreira do sítio do titio. O Artur, meu falecido marido, me agarrou e me beijou. O meu coração parecia uma locomotiva. Os olhos dele pareciam berrar aos quatro cantos todo o amor que sentíamos. O calor do seu corpo junto ao meu. A respiração ofegante, o medo de que tudo aquilo acabasse. Dois anos depois estávamos casados. Sabe, ele foi o único homem que me tocou e cada segundo daqueles 50 anos ainda moram dentro de mim. Não, Emilia, não há nada como o amor.
LURDES – Eu não posso dizer que tenha amado muito nenhum dos falecidos, mas a maior emoção da minha vida foi no dia que eu dei à luz pela primeira vez. Eu lembro como se fosse hoje. Quando a dor final veio, eu berrei bem alto um palavrão e o meu grito de dor se misturou ao choro daquela coisinha que estava saindo de mim. Quando eu toquei nele, senti seu minúsculo coraçãozinho batendo a vida que eu lhe dei... Ah, eu agradeci a Deus por ser mulher. Porque aquela sensação de criar vida nunca mais ninguém tiraria de mim.
CIDOCA – São essas pequenas emoções que fazem a vida inesquecível. Que fazem que tanto sofrimento valha a pena. Sabe, quando o Artur morreu, eu achei que ia morrer também. A vida parecia tão sem sentido. Mas depois me lembrei que ainda tinha meus filhos e meus netos. Todos parte dele. E aí eu quis viver outra vez.
LURDES – E você Emília, por que nunca se casou?
UNIDADE 6:
EMILIA 3 – Não sei. Eu ficava lá, ajudando meus pais... esperando. E a vida passou tão rápido que eu nem vi. Uma vez, um amigo do meu irmão quis casar comigo, mas o papai não deixou porque ele não era católico.
LURDES – E você aceitou? Por que não lutou por seu amor?
EMILIA 3 – Eu não o amava. Eu quase não o conhecia. E, além do mais, eu não podia contrariar papai.
CIDOCA – E você nunca amou ninguém? Não se pode ter vivido sem amar alguém.
EMILIA 3 – Eu não quero falar disso.
LURDES – Deixa de ser boba. Nós somos velhas demais para ter segredos. A morte está perto demais para ficar com frescura. Conte, amiga. Vai te fazer bem.
EMILIA 3 – Eu não tenho nada para contar. Me deixem em paz, suas intrometidas. Eu não quero falar nada. Eu não quero pensar nisso. Nunca mais eu quero pensar nisso.
CIDOCA – Você que sabe... Vamos ouvir rádio?
UNIDADE 7:
Silêncio sufocante. Ninguém fala e Emília parece mergulhada num mar de lembranças e dores. Subitamente, ela rompe o silêncio.
EMÍLIA 3 - Às vezes, eu não consigo não pensar. Eu não consigo entender. Sem dúvida, eu devo ser muito ruim pra mereceresse castigo de Deus. Pra merecer tanta angústia.
EMÍLIA 4 - Eu amei sim. Amei muito. Amei desesperadamente. E o pior, amei errado.
EMÍLIA 1 - Ele era tão lindo. O menino mais cobiçado da escola. E eu ousei sonhar. Logo eu, sempre tão feia e mal vestida. Mas os jovens sonham, e eu sonhei.
EMÍLIA 2 – Tente me aproximar e fui chutada tantas vezes. Maria Tereza me disse que ele me achava feia e chata, mas desde quando uma menina apaixonada consegue ver?
EMÍLIA 3 – Por dois anos eu o segui com os olhos, como eu rezei para que Deus me afastasse do pecado, mas era mais forte do que eu.
EMÍLIA 4 – Um dia como num milagre, ele o meu sonho me convidou para ir ao pic-nic
EMÍLIA 1 – A minha alegria foi tão grande que me cegou.
EMÍLIA 2 – Como um tola me arrumei toda e fui para o primeiro e último pic-nic da escola.
EMÍLIA 3 - O dia estava lindo e ele mais ainda. (Chora).
EMÍLIA 1/2/3/4 - Túlio, como eu te amei.
LURDES – Túlio? Mas, então...
EMÍLIA 4 – Entendeu agora? Túlio, o marido de minha irmã. Como eu o amei.
CIDOCA – Mas o que aconteceu nesse pic-nic?
EMILIA 1 – Ele foi meu... Por 15 minutos ele foi meu... 
EMÍLIA 2 - De mentira... de brincadeira, ele foi meu...nunca ninguém havia me tocado e nunca mais alguém me tocou.
EMÍLIA 3 – Há mais de 30 anos eu vivo das lembranças daqueles 15 minutos.
EMÍLIA 4 – Ele riu de mim...Ele casou com a minha irmã e teve filhos com ela.
EMÍLIA 1 – Eu ainda posso ainda posso sentir a grama debaixo do corpo, a sua respiração no meu peito.
EMÍLIA 2 -...Tudo...cada segundo...e enquanto eu puder lembrar, enquanto eu puder sonhar ele será meu.
Todas repetem baixo “ele será meu”
CENA 22
UNIDADE 1:
Música. A luz vai apagando. BO. Foco em Sílvio beijando Mirian. No canto, Emília espera. Mais embaixo, Túlio, Tereza e Aldo conversam.
MIRIAN – Você promete que vai me amar para sempre?
SILVIO – Sempre. (Beijo. Cochicha algo no ouvido dela. Ela ri maliciosa).
MIRIAN – Como o senhor é saliente, né, senhor Sílvio? Nós somos muito novos para isso... ainda... (Ri).
SÍLVIO – Ainda? Gostei desse “ainda”. Me dá um beijo bem demorado. Eu te amo. (Beijo. No outro canto se desenvolve outra ação, paralelamente a essa).
UNIDADE 2:
TÚLIO – Não sei, eu não acho isso certo.
TEREZA – Você prometeu.
TÚLIO – Coitada Tereza, ela é sua irmã.
ALDO – É só uma brincadeira. Ela vive aprontando pra gente. Que mal há nisso?
TÚLIO – Eu tenho pena dela.
ALDO – Você que sabe. Mas não se esqueça da aposta. Se você desistir, eu ganho... Afinal, você não vai conseguir seduzir a beata da minha irmã.
TÚLIO – Não seja bobo, Aldo... Todo mundo sabe que ela me ama. Basta eu querer, que...
ALDO – Ela te ama, mas ama mais a Deus. Você não tem chance. Que vergonha. Não conseguir conquistar o bucho da minha irmã... Túlio, esse vai ser o fim da sua carreira.
TÚLIO – Não é isso, eu só acho que não é justo com ela.
TEREZA – Você não vai desistir agora, vai? Nós chegamos até aqui, não dá pra voltar atrás. E além do mais, ela merece essa lição. Não desiste, eu tô te pedindo. (Beijo).
TÚLIO – Eu não sei...
ALDO – Isso não é hora para crise de consciência. Nós dois sabemos que isso não é o seu forte. Se você não for agora, o colégio inteiro vai ficar sabendo que o gostosão falhou.
TEREZA – Vai lá, Túlio, por mim.
TÚLIO – Tá bom, se é tão importante assim pra você, eu vou.
TEREZA – Peraí, vem cá. Abre a camisa assim. Ela fica louca. Vai ser divertido.
UNIDADE 3:
Entra Guma e Vê Emília.
GUMA – Que tá fazendo aí, ôô filhote de cruz credo? Esperando o bonde pro céu?
EMILIA 1 – Ih, credo... Moleque mal educado!
GUMA – Viu o Silvio por ai?
EMÍLIA 1 – Não é da sua conta, ouviu?
GUMA – (Imitando). Ih credo. Eu tô com enjôo. (Sai rindo. Vê Silvio e vai até ele). Oh Silvinho, vai começar o bingo... Você não vem?
SILVIO – (Beijando). Não, tô ocupado.
MIRIAN – (Se soltando). Ah, mas eu quero ir, Silvinho.
GUMA – Será que por ventura, terei eu atrapalhado alguma coisa? (Cínico).
SÍLVIO – Não, de forma alguma. Eu adoro bingo. É tão excitante. (Irônico).
MIRIAN – Deixe de reclamar e vamos logo.
CENA 23
UNIDADE 1:
Eles saem enquanto Túlio se aproxima de Emília. Tereza e Aldo se escondem.
TÚLIO – Oi, desculpe a demora, eu estava nadando.
EMÍLIA 3 – (Bem tímida). Imagine. Bonito aqui. Eu não conhecia. Eu saio muito pouco de casa.
TÚLIO – Que desperdício... Mas por que você sai pouco?
EMÍLIA 3 – Muito trabalho.
TÚLIO – Trancada em casa você perde as melhores coisas da vida. As melhores. Quente, não?
EMÍLIA 3 – Bastante.
TÚLIO – Vamos sentar... Aqui é mais confortável. (Joga pedrinhas no Lago. Pausa. Ela olha pra ele com devoção). Você sabe que é bastante bonita?
EMÍLIA 3 – Imagina. Eu sou muito desengonçada... e tímida. O pai sempre diz.
TÚLIO – Eu gosto de gente tímida, que fala só o que importa. Tira o óculos, deixa eu ver.
EMÍLIA 3 – Eu tenho vergonha.
TÚLIO – Tira... Isso, assim. Fica muito mais bonita. E agora solta o cabelo.
EMÍLIA 3 – Não, ele é feio.
TÚLIO – Solta, eu tô te pedindo. (Ela cede). Isso... Deixa eu ajudar. (Ela estremece com o toque dele). Assim está bem melhor. Como tá quente... Você se importa se eu tirar a camisa?
EMÍLIA 3 – Não. (Ela perde a fala. Túlio fica constrangido. Olha em volta querendo desistir, mas vê Aldo e Tereza, que fazem sinais para ele continuar. Contrariado, ele prossegue).
UNIDADE 3:
TÚLIO – Por que você me olha tanto? Você me acha bonito? (Ela concorda). Sabe qual a coisa que eu mais gosto? Ficar assim, num lugar desses, ao lado de uma menina bonita e ouvindo Elvis. Essa música diz que os sonhos se tornam realidade, se você lutar. Eu acho que ele tem razão. Há muito tempo que eu sonhava com esse momento. (Se aproxima dela e ela se afasta, assustada). Eu te amo, Emília, mais do que eu imaginava. Eu te amo e quero sentir o teu corpo junto do meu. (Ela se desespera e levanta. Ele se ergue também, acuando-a na coxia). Eu te amo muito e preciso de você. (Ela tenta escapar, mas ele encosta nela, causando um arrepio). Você me deixa louco, louco de desejo. (Aproxima o rosto dela, como se fosse beijar. Ela ainda tenta resistir, mas vai sucumbindo pouco a pouco). Eu não consigo me controlar. Eu te amo. Eu quero você. (Beijo longo. No beijo, ele apalpa o corpo dela como que enlouquecido de desejo). Eu te amo... Vem...
UNIDADE 4:
EMÍLIA 3 – Para com isso, eu não sei... Isso nunca aconteceu comigo. (Sem ar).
TÚLIO – Você me ama também? Responde!
EMÍLIA 3 – Amo, claro. Mas e a Tereza?
TÚLIO – Esquece dela. Vem. Essa é a nossa tarde. A nossa música. A nossa vez. Vem. (Se beijam novamente enquanto ele a puxa para o chão. Beijam ardentemente rolando no palco). Eu te amo. Eu te amo. Eu quero casar com você. Você me ama?
EMÍLIA 3 – Amo. Mais que a mim mesma. Mais que qualquer coisa.
TÚLIO – Se você me ama mesmo, você também me quer. Eu quero que você seja minha, agora.
EMÍLIA 3 – Eu não posso.
TÚLIO – Se você me ama mesmo, não tem porque não.
EMÍLIA 3 – Mas nós não somos casados.
TÚLIO – Mas nós vamos casar. Eu prometo. Eu te amo. Eu te amo. Vem, não vamos perder essa chance.
EMÍLIA 3 – Eu não posso. Eu não quero.
TÚLIO – Olha dentro dos meus olhos e fala que você não quer. Diz que você não me deseja. Diz que você já não sonhou com isso. Diz que você não me ama e não me quer, que aí eu te solto! Vai, diz...
EMÍLIA 3 – Eu te amo, mas eu tenho medo. Nós não devemos. Não já. É pecado.
TÚLIO – Pecado é não amar. Eu te amo. Fala que você quer que o nosso amor se consume agora... Diz que você me quer. Diz.
EMÍLIA 3 – Eu não posso. E o meu pai?
TÚLIO – Diz que você me quer. Diz que você me deseja e eu vou fazer de você a mulher mais feliz do mundo. Eu te amo! Diga “sim”, agora!
EMÍLIA 3 – (Após um longo beijo). Sim. Eu quero. Eu quero muito. O meu corpo é teu. (Nesse momento, ele solta Emília. Tereza e Aldo entram rindo).
CENA 24
UNIDADE 1:
TEREZA – Quer dizer entãoque a santa quer pecar?
ALDO – Ai, ai. Papai não vai gostar nada disso.
EMÍLIA 1 – Não é isso que vocês estão pensando. Eu juro.
TEREZA – É sim, Emília. Você ia ceder. É fácil ser moralista sendo feia e mal amada. Mas na primeira tentativa o seu moralismo acabou. Quero ver você me acusar outra vez, sua frustrada. O seu moralismo é frustração. Por isso você tinha tanta inveja de mim, mas acabou, ouviu? Acabaram seus dias de tirana espiã. Abre a boca outra vez para falar de mim, sua invejosa. Agora eu estou vingada.
TÚLIO – Para com isso, Tereza, não precisa humilhar tanto assim.
TEREZA – Você foi muito estúpida de achar que o Túlio ia gostar de você. Ele é o meu namorado, e só fez tudo isso porque eu pedi.
EMÍLIA 2 – Não, não é verdade. Túlio, diz que não é verdade. Diz para ela que você me ama. Olha para mim, Túlio. (Ele evita, constrangido). Diz que tudo isso é mentira. Diz... Por favor.
TÚLIO – Eu sinto muito. Desculpe.
Desesperada, as 4 Emílias se deixam cair no chão como que distante do mundo.
UNIDADE 2:
ALDO – Belo trabalho, amigão. Você ganhou a aposta. “Nossa música. Eu te amo. Eu te quero”. Sua moral acabou, irmãzinha... Viu como é bom sofrer?
TÚLIO – Eu quero ir embora daqui. Isso já foi longe demais. (Emília cantarola, chorando, parecendo enlouquecida). Meu Deus, o que nós fizemos?
TEREZA – Essa aí eu conheço. Não se preocupe com as lágrimas dela. Ela é uma atriz. Falsidade. Você não engana mais ninguém, Emília. (Entra Silvio).
UNIDADE 3:
ALDO – Silvinho, você perdeu o grande show. Madre Emília também quer pecar.
SILVIO – Então é verdade o que o Guma me disse. Vocês fizeram isso com ela?
ALDO – E foi engraçadíssimo. “Oh Túlio, eu te amo”. Você perdeu.
SILVIO – Meu Deus. Vocês são cegos. Olha pra ela. Isso não foi só uma brincadeira. Vocês foram longe demais. Emília... Emília... Fala comigo, Emília...
TEREZA – Não vai me dizer que você está acreditando no showzinho dela. Tudo isso é encenação.
SILVIO – Emília, Emília, não fica assim. Fala comigo.
ALDO – Deixa ela aí, Sílvio. Foi só uma brincadeira. Ela mereceu. Ela vive fodendo a gente.
SILVIO – Emília, fala comigo. Emília, reage. Emília, fala alguma coisa.
TEREZA – Ora, não me venha dar uma de bom moço, que você já aprontou muito para ela também. Foi só o troco.
SILVIO – Vocês não entendem. Olha para ela. Ela tá morrendo por dentro. Vocês destruíram o pouco de vida que havia dentro dela. E agora? Não se vive sem sonho, e vocês destruíram o único que ela tinha.
TEREZA – Engraçado. Quem você pensa que é, seu pirralho? Quem é você para nos dar lição de moral? Ela é minha irmã e não é nada sua. Não vem fazer drama. Esse é o nosso jeito. A gente se entende, sempre foi assim.
UNIDADE 4:
SILVIO – Maldita família que não sabe amar. Há dez anos eu vivo com vocês e tento entende-los. Vocês não são irmãos. São sócios dessa merda que chamam de família. Eu tentei amar vocês, mas não dá. Não dá pra amar quem não sabe amar. Olha pra ela. Ela tá sozinha. Sozinha. Ela nunca mais vai confiar em ninguém. Ela nunca mais vai ter coragem de amar, porque vocês queriam brincar. Vão brincar em outro lugar. Vocês não sabem o que é a solidão, não sabem o que é o medo de ficar sozinho, de não ter ninguém. Vocês não sabem o que ela está sentindo, mas eu sei. Eu já senti isso. Quantas vezes eu senti isso. Vergonha, humilhação, mágoa, tristeza, medo. Muito medo. Eu me lembro da primeira noite na sua casa. Eu lembro de tudo que senti. A escuridão, o medo e eu sozinho. Eu queria a minha mãe, o meu pai, o meu irmão, mas vocês não conseguiam ver isso. Ver a minha dor. O meu medo. Emília, fala comigo. Você não tá sozinha, eu juro que nunca vou te deixar sozinha. Fala comigo, Emília. Por quê? Por que vocês não conseguem se amar. Emilia, fala comigo. (Se ajoelha chorando. Ela se aproxima dele e os dois se abraçam, chorando).
UNIDADE 5:
EMÍLIA 4 – Eu estou com medo.
SILVIO – Eu também. Me abraça. Me abraça que tudo vai passar. Tudo.
EMÍLIA 1 – Eu nunca vou casar, eu nasci pra ficar sozinha.
SILVIO – Não, você vai ser feliz. Eu te prometo. Eu nunca vou te deixar sozinha.
EMÍLIA 2– Por que você está me ajudando tanto? Você nem é meu irmão de verdade?
SILVIO – (Sorri). Por isso mesmo.
(Se abraçam. Música vai abaixando. Black out. Na escuridão, uma sirene quebra o silêncio.).
CENA 25
UNIDADE 1:
 Quando a luz volta, estamos novamente no presente. Emília está de pé, abraçada a Cidoca. Estão do lado de fora e parece estar frio. Emília olha fixamente para frente. Parece muito triste. Cidoca chora. Doutora Paula se aproxima.
PAULA – É melhor vocês entrarem. Está muito frio.
EMÍLIA 2 – Vai ser estranho viver sem ela, depois de sete anos. A Lurdes vai fazer falta.
CIDOCA – Eu não me conformo. Ela estava tão bem e de repente...
PROF – Na nossa idade a única certeza é o agora.
CIDOCA – Ela era tão forte.
ENFERMEIRA – Vamos, dona Cidoca, vamos nos arrumar para o velório.
CIDOCA – Agora a família apareceu. Urubus. Há quase dez anos não aparecia ninguém. Coitada. E ela amava tanto os filhos. É... amiga, parece que a morte sempre vence.
EMÍLIA 2 – Quando eu era pequena, eu acreditava que só se morria à noite.
PAULA – Vamos, dona Emília, eu acompanho a senhora.
PROF – Eu vou com a dona Cidoca e depois volto.
EMÍLIA 2 – Eu prefiro ficar sozinha, se o senhor não se importar.
PROF – Claro, eu respeito sua dor... Vamos, dona Cidoca. (Se afastam).
EMÍLIA 2 – Eu quero rezar um pouco. Por Lurdes e por todos aqueles que já se foram. (Paula sai. Emília começa a rezar em voz alta. Entra música de fundo. Luzes diminuem e retornam, mostrando a família em volta da mesa. Pai, mãe, Aldo e Maria Tereza. Sílvio e Emília de costas. A velha Emília olha a cena. As orações e as cenas se fundem. O pai assume a voz).
CENA 26
UNIDADE 1:
PAI – Amém. Senhor, todo poderoso, pai de todos nós, ilumine essa família na difícil tarefa de viver de acordo com os sagrados mandamentos. Abençoado seja o trabalho honesto que nos dá o ganha-pão de cada dia. Abençoado seja o alimento que traz a força de Deus a todos nós. Abençoada seja a família, núcleo de toda a vida. Pai, ilumine meu filho Aldo, que com lágrimas nos olhos, abandona o lar partindo para estudar na cidade grande. Ilumine seus caminhos profissionais e faça com que ele vença as tentações e continue um bom cristão. (Enquanto ele fala, Aldo beija a família e sai com uma mala). Pai nosso que... (Reza o Pai Nosso). Deus todo poderoso, senhor do céu e da terra, afaste de nós os vícios e as tentações. Que a prática religiosa nos indique o verdadeiro caminho. Ilumine minha filha Tereza, que vai se casar com um bom homem e morar na capital. Que os sagrados laços do matrimônio façam dela uma mulher caseira e honesta, obediente ao marido e boa mãe. (Enquanto ele fala, ela se despede). Finalmente, agradeço pelo dia de hoje e pela fé que me habita. Amém. (Todos dizem amém). Podem sentar. Emília, traga o jantar. (A Emília velha entra com uma bandeja e substitui a nova na mesa). Ah, esqueci uma coisa. Todos em pé novamente. Senhor, ilumine nosso povo que amanhã elege seus dirigentes. Abençoe nosso candidato e oriente a todos pra escolha certa. Pedimos perdão por todos nossos pecados. Amém. (Todos repetem). Amanhã todo mundo toma bastante cuidado para preencher as cédulas. Se errarem o nome do candidato, anula o voto.
UNIDADE 2:
MARIA – Eu já escrevi num papelzinho.
PAI – E vocês dois? (Uma conversa muda entre os dois denuncia que eles não vão votar no candidato do pai). Que é que vocês estão cochichando? Ele não vai votar em quem eu mandei?
MARIA – Não vamos falar disso bem na hora da refeição.
PAI – Cala a boca, mulher. Você não vai votar no nosso candidato? Em quem vai votar, posso saber?
SILVIO – Não vou votar mesmo. Não voto em assassino, em ladrão... Voto em quem eu quiser.
PAI – Quem você pensa que é? O dono da verdade?
SILVIO – Eu posso não ser o dono da verdade mas as coisas que eu sei daquelesujeito...
PAI – Que é que você sabe?
EMÍLIA 4 – Não foi ele que matou a filha de tanto bater? Não sou eu que estou inventando. Foi ele que me contou. Eu não ia votar em quem o senhor mandou porque ele me contou isso. Eu não ia votar numa pessoa que matou a filha. Eu pensei que o senhor não soubesse... Vai, fala o que você me disse. (Para Silvio).
PAI – É mentira. Repita isso que eu quero ouvir, repita. Repita, desgraçada, vagabunda, mentirosa.
EMÍLIA 4 – Mas foi ele quem me contou.
PAI – Prostituta sem vergonha. Vai catar homem na rua.
MARIA – Não fala desse jeito com a menina.
PAI – Se você tivesse cuidado da educação deles, isso não teria acontecido. Eu trabalhei feito um burro de carga, e o que eu tenho dentro dessa casa? Uma cambada de vagabundos.
EMILIA 4 – Mas foi ele que me contou isso. Eu voto em quem o senhor quiser.
PAI – Se for homem, repita o que você falou pra sua irmã, seu desgraçado.
SILVIO – Nem pense em me encostar a mão. Eu não sou mais um moleque.
PAI – Ora, me respeite, seu...
SILVIO – Respeito, sim. Respeito, se o senhor me respeitar antes. Ele matou a filha mesmo, todo mundo sabe disso. Matou de tanta pancada.
PAI – Vai ver que a vagabunda não valia nada. Se ele fez isso é porque precisava. Era o que eu devia ter feito com vocês... Vagabundos, ordinários. Eu trabalhei tanto... Tanto... Pra dar de comer a essa gente. Vão, seus ingratos, façam o que quiserem. Eu não sou mais ninguém nessa casa mesmo.
EMÍLIA 4 – Eu voto em quem o senhor quiser pai, eu juro. Me perdoa, eu sou muito má. Me bate, pai, pode bater, eu mereço.
PAI – Tudo bem, Emília, o importante é reconhecer o erro. Não, ser como alguns ingratos. Eu vou pro quarto.
MARIA – Você não vai comer?
UNIDADE 3:
PAI – Perdi a fome. (Sai).
EMÍLIA 4 – Viu o que você fez? Custava obedecer o pai?
SILVIO – Eu acho que nunca vou entender vocês. (Música. Luz apaga. Retorna em outra cena).
CENA 27
UNIDADE 1:
MARIA – (Abrindo a porta). Já vai. Oh, pode entrar, Mirian.
MIRIAN – Boa tarde, dona Maria. O Silvio já chegou da faculdade?
MARIA – Que nada. Deve estar naquelas reuniões políticas. Eu já avisei, mas não adianta. Ele é tão teimoso.
MIRIAN – Ele tem sonhos, tem ideais. A senhora precisa ver, dona Maria, como as pessoas escutam o Silvio. Quando ele começa a falar de um novo tempo, mais justo e verdadeiro, sem tantas maldades, eu até tenho vontade de chorar.
MARIA – Tudo bobagem. Idealismo não enche barriga. Onde já se viu fazer faculdade de História. Vai viver de que? De brisa?
MIRIAN – Ele disse que não vale a pena viver sem sonhar e sem lutar por um mundo melhor.
MARIA – Isso ainda vai dar problema. Mas o que fazer, não é? Jovens... (Ri).
MIRIAN – A senhora faz o favor de pedir pra ele ir em casa? Um abraço pra todos.
UNIDADE 2:
PAI – (Entrando no quarto). Quem era? (Parece nervoso).
MARIA – A Mirian... Veio procurar o Sílvio. Eles formam um lindo casal, não é?
PAI – (Mexendo em papéis). O quê?
MARIA – Eu disse que eles... O que você tem, Inácio? Há dias que você está tão nervoso. O que está acontecendo?
PAI – Isso não é da sua conta. Problema meu. Cuida da tua cozinha que você faz melhor. Eu vou sair. Se me procurarem, eu viajei, volto só semana que vem.
MARIA – Aonde você vai? Por que mentir?
PAI – Não enche o saco, Maria. Eu sei o que faço. Me obedeça e pronto. (Sai).
CENA 28
UNIDADE 1:
Rápido black out. Quando luz volta, Silvio está beijando Mirian na sala. Entra Emília.
EMÍLIA 3 – Indecência. Pouca vergonha. Falta de respeito.
SILVIO – Não se irrite à toa, Emília. A moral e o bom costume serão preservados.
EMÍLIA 3 – Vocês deviam casar logo pra acabar com esse esfrega-esfrega.
SÍLVIO – Emília, quando nos casarmos, aí é que o esfrega-esfrega vai começar.
MARIA – (Entrando preocupada). De novo. Mais um.
SILVIO – Mais gente procurando o papai?
MARIA – O quinto, só hoje. E ele continua tão estranho. Tão nervoso. Eu tô com medo. Estou com um pressentimento ruim. Eu não falaria isso na tua frente, Mirian, se já não te considerasse de família. Eu não sei mais o que fazer.
SILVIO – Eu vou descobrir. Vou procurar as pessoas. Se alguma coisa está acontecendo, nós temos que saber.
UNIDADE 2:
PAI – (Entrando, mais tenso ainda). Alguém me procurou?
MARIA – Várias pessoas.
PAI – Merda.
MARIA – Cuidado com o que você fala, olha os palavrões.
PAI – Essa casa é minha. Eu falo quantos palavrões eu quiser.
SILVIO – Eu preciso conversar com o senhor.
PAI – Mas eu não preciso conversar com você. Me deixa em paz, ouviu? Eu sei o que faço. Eu vou tomar banho e se alguém me procurar, eu não estou, ouviu, não estou. (Sai. Todos se olham em silêncio. Batem na porta).
UNIDADE 3:
EMÍLIA 3 – Ai meu Deus, o que será?
SILVIO – Eu vou ver. (Sai).
EMÍLIA 3 – Será que ele fez alguma coisa? Será que vão prender ele?
MARIA – Eu não sei. Eu não sei. Eu tenho rezado tanto pedindo a ajuda de Deus.
MIRIAN – Tudo vai dar certo, dona Maria, a senhora vai ver.
MARIA – Há cinco noites ele não janta em casa e quando eu pergunto... Ele fica tão estúpido.
EMÍLIA 3 – Ele saiu de novo essa noite? Por que a senhora não me chamou?
MARIA – Eu não quis incomodar.
EMÍLIA 3 – E a senhora ficou esperando sozinha até ele chegar?
MARIA – (Chorando). Ele não chegou. E quando eu falei com ele... (Silvio entra). Ele me chamou de cadela. Eu não fiz nada pra ele e ele me chamou de cadela... (Abraça-se a Silvio). Meu filho, por que essas coisas ruins acontecem? Seus irmãos se foram e não dão a mínima pra nós agora... Ainda bem que você vai se casar, montar sua casa e ser muito feliz. Você merece ser feliz.
UNIDADE 4:
SILVIO – Eu nunca vou abandonar vocês. Eu vou morar aqui perto e estarei sempre aqui. Não vou abandonar a senhora.
MARIA – Você foi sempre tão carinhoso. Seus olhinhos sempre brilharam tanto. Às vezes, eu pensava que você sofria muito aqui. Eu ficava à noite pensando que você...
SILVIO – Deixa pra lá.
MARIA – Acho que você sempre pensou que eu não gostava de ti... Que eu preferia os meus filhos...
SILVIO – Eu acho que a senhora sempre se esforçou...
MARIA – Por que você nunca me chamou de mãe? Eu sempre te pedi isso...
SILVIO – Não sei... Eu queria, mas na hora eu não tinha coragem. Eu achava que não tinha o direito... Que eles ficariam com ciúme, que minha mãe ficaria triste...
MARIA – Eu nunca fiz diferença. Eu sempre te amei muito. O Inácio também.
SILVIO – O jeito dele é muito difícil de entender. Ele sempre foi tão distante... Tão superior... Nós sempre achávamos que ele não gostava da gente.
MARIA – Mas ele gosta. É só o jeito dele. Ele não consegue demonstrar...
SILVIO – Deve ter sido difícil viver ao lado dele todos esses anos...
MARIA – Eu já acostumei. Foi o que eu escolhi. Eu casei e agora não posso reclamar.
UNIDADE 5:
Mirian e Emília entram com calmante.
EMÍLIA 3 – Bebe, mãe. Vai fazer bem para a senhora.
MARIA – Você descobriu alguma coisa?
SILVIO – Descobri. Quem bateu na porta agora pouco foi o seu Lucas, da loja ao lado. Ele me contou tudo.
MARIA – O que está acontecendo? Não me esconda nada. Ele sempre foi um homem honesto e trabalhador. Nunca matou nem roubou... Não fuma, não bebe, sempre foi temente a Deus. E agora todo mundo diz que ele deve dinheiro. Eu não entendo.
EMÍLIA 3 – Não foi comigo que ele gastou. Eu nunca dei despesas e sempre ajudei no que pude.
SILVIO – A culpa não é de vocês, vocês nunca gastaram. Papai faliu porque quis progredir. Se ligou a pessoas erradas e comprou vários terrenos pedindo empréstimos por juros altos. Tomou um calote... O sócio fugiu com todo o dinheiro e só deixou as dívidas.
MARIA – Deve ter sido conselho de más companhias. Por que ele não fez negócio com gente de confiança, gente de igreja?
SILVIO – Quem passou a perna nele era da igreja...
MARIA – Eu não acredito. Esse mundo está de pernas pro ar.
SILVIO – Nós temos que pagar essas dívidas e limpar o nome

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