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Ética Trabalhista e Assédio Moral Introdução O homem conviveu silenciosamente até meados da década de 1980, com o assédio moral, mas esse fenômeno constitui-se sempre existiu nas relações sociais, estudos e pensamentos sobre assédio moral são recentes no Brasil e no mundo. O termo foi utilizado pela primeira vez por psicólogos em estudos de relações de trabalho, há pouco mais de 20 anos, e logo absorvido pelo mundo jurídico. Por todo o mundo já foi conhecido por diversos nomes, mas sempre com esse entendimento como sendo abusos nas relações entre as pessoas. O termo surgiu, pela primeira vez, em 1989, quando o médico e pesquisador na área de psicologia do trabalho Heinz Leymann escreveu seu primeiro livro utilizando a palavra mobbing. O autor relata que escolheu este termo para distinguir esta forma de violência psicológica entre adultos (mobbing) daquela que ocorre entre adolescentes (bullying). Neste sentido, o autor sugere “guardar a palavra bullying para atividades entre crianças e adolescentes na escola e reservar a palavra mobbing para o comportamento adulto”. Começou a ganhar visibilidade e gerar discussões sobre assédio moral no trabalho a partir de 1998, na França, com a publicação de um livro “Harcèlement moral: la violence perverse au quotidien”,, da pesquisadora Marie-France Hirigoyen. O livro catalisou um amplo movimento político e social de combate a essa forma de violência no trabalho e consagrou definitivamente o termo “assédio moral” para tratar dela. Com mais de meio milhão de exemplares vendidos somente em francês, o livro logo seria traduzido em 27 idiomas e o movimento em torno dele fez com que a França, um ano após sua publicação, aprovasse a primeira lei de criminalização dessa forma de violência. No Brasil, o tema começou a ganhar destaque apenas no início deste século, a partir da dissertação de mestrado em Psicologia Social, “Uma Jornada de Humilhação”, defendida no ano 2000 na PUC/SP pela hoje professora doutora Margarida Barreto. Logo, o tema passou a ser debatido amplamente por sindicatos e organizações de trabalhadores e ganhou reconhecimento legal e jurisprudência nas diversas instâncias legislativas e judiciais. Quase uma centena de Estados e municípios brasileiros já aprovaram projetos de lei de combate ao assédio moral. Desenvolvimento Assédio moral A intenção do assediador, a duração e frequência com que os episódios ocorrem precisam ser investigadas com bastante cautela, para que uma ação seja definida como assédio moral. É um tipo de violência que envolve princípios éticos individuais e coletivos e que pode afetar a qualidade de vida dos trabalhadores, levando a doenças físicas, psíquico-emocionais e sofrimento no trabalho. Dejours e Abdoucheli (1994, p.124), entendem o “sofrimento psíquico como uma vivência subjetiva intermediária entre a doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico”. Os autores compactuam da ideia de que o trabalho por si só não adoece e utilizam a teoria psicanalítica para compreender a relação entre homem e trabalho, caracterizando a partir dessas aproximações o sofrimento ou o bem-estar do trabalhador. Esta perspectiva tem como foco, as estratégias de enfrentamento para suportar as adversidades do trabalho, e em sua base de análise, a subjetividade e os sintomas, que expressam diversos fatores determinantes. Contudo, não priorizam neste estudo, a necessidade de conhecer a historicidade do processo saúde-doença e dos processos de trabalho, bem como, deixam para segundo plano a organização, as relações e as condições de trabalho. No modelo da psicodinâmica do trabalho apresentado por Dejours (1992), os transtornos mentais ou a patologia ocorrem quando se rompe o equilíbrio entre sofrimento e adaptação aos processos de trabalho, ou ainda, quando as proteções e as defesa não são mais possíveis. Nesta perspectiva, a normalidade aparente, ou a ausência de sofrimento, não significa que o trabalhador seja saudável ou livre de desequilíbrios. O autor destaca ainda, que os processos patológicos são decorrentes da estrutura de personalidade constituída antes do ingresso dos sujeitos nos campos de trabalho, ou seja, constituídas nas vivências da criança com impaciência, ou até mesmo angustia dos pais. Sobre a questão aludida acima, destacamos a fala do autor: Contrariamente ao que se poderia imaginar, a exploração do sofrimento pela organização do trabalho não cria doenças mentais específicas. Não existem psicoses do trabalho, nem neuroses do trabalho. Até os maiores e mais ferrenhos críticos da noologia psiquiátrica não conseguiram provar a existência de uma patologia mental específica do trabalho, isso é que traz Dejours. Para Brant e Minayo-Gomes (2004, p. 215), “o sofrimento se configura como uma reação, uma manifestação da insistência em viver em um ambiente que, na maioria das vezes, não lhe é favorável”. Portanto,, o sofrimento não caracteriza uma forma única de experiência, uma vez que, mesmo expostos as mesmas relações e organização do trabalho, cada trabalhador poderá manifestar de forma diferente, ou ainda sequer sofrer por tal realidade. O sofrimento, portanto, depende dos significados atribuídos pelos sujeitos em determinado contexto histórico e cultural. Os autores destacam ainda, a existência de uma complexidade que envolve o sofrimento e o universo do trabalhador, que está para além da categorização do mesmo como doente na perspectiva médica, “existe algo para além da doença e da não doença” (BRANT; MINAYO-GOMES, 2004, p. 216). Assédio moral e a ética Para conseguir entender e fazer uma distinção, é necessário compreender a relação da ética com o assédio moral é fundamental compreender que a origem da palavra ética vem do grego ethos e significa modo de ser. Desta forma, pode ser definida como um conjunto de valores que norteiam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vivem, propiciando, assim, o bem-estar social. Portanto, a ética determina a maneira como o ser humano deve se comportar no meio social em que convive. O entendimento do assédio moral decorre de estudos científicos no âmbito da Psicologia e da Medicina, que analisaram ocorrências no ambiente de trabalho e seus efeitos sobre a saúde dos indivíduos. Por sua vez, o entendimento do assédio moral decorre de estudos científicos no âmbito da Psicologia e da Medicina, que analisaram ocorrências no ambiente de trabalho e seus efeitos sobre a saúde dos indivíduos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o fenômeno implica, literalmente, em formar “multiatitudes” ao redor de alguém para atacá-lo. A conceituação e a teorização sobre assédio moral no trabalho são recentes, porém a história, a mitologia e as religiões o remetem à antiguidade. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em conjunto com a OMS, demonstrou em uma pesquisa no ano 2000 que as perspectivas para os próximos 20 anos, para os trabalhadores, são muito pessimistas no tocante aos aspectos psicológicos; afirmando que o estresse, as angústias, os desajustes familiares, o sofrimento no trabalho oriundo de diversas causas e outros danos psíquicos, advindos inclusive do assédio moral, tendem a predominar no ambiente laboral nas próximas décadas. Embora o fenômeno do assédio moral, por si só, não seja uma doença, os efeitos desta prática são capazes de provocá-la. Exemplo clássico de tais repercussões refere-se à ansiedade que o assediado pode apresentar, causada pelo sofrimento a que está sendo submetido e que pode desencadear danos físicos e psicológicos. Na área da saúde, o fenômeno ocorre da mesma maneira que em outras profissões. Todos os profissionais, inclusive médicos, categoria com grande maioria constituída pelo gênero masculino, podem ser vítimas de distúrbios decorrentes de condições adversas de trabalho. No que tange especificamente a estes profissionais, principalmente aqueles que trabalham em instituições públicas,as condições laborais podem influenciar a percepção e caracterização do assédio moral, podendo ser facilmente confundido com o excesso de trabalho. De fato, algumas pesquisas destacam que o assédio moral pode ser confundido com o estresse, especialmente naquelas situações em que a carência de profissionais no quadro da instituição implica em sobrecarga individual de trabalho. Nestes casos, o profissional pode conotar o assédio ao estresse e atribuir seus efeitos ao excesso de atividade profissional. Por isso, há necessidade de se conhecer melhor o fenômeno e suas repercussões para prevenir e coibir tal violência no trabalho. A legislação brasileira tratando do assédio moral A Constituição Federal eleva a dignidade da pessoa humana a fundamento da República Federativa do Brasil e como finalidade da ordem econômica. Assim é o que se vê no art. 1ª a seguir transcrito: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Mais adiante, já no caput dos arts. 170 e 193, a Carta Magna destaca o valor do trabalho, como demonstrado respectivamente: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social. Embora seja possível observar a preocupação do legislador com a manutenção da dignidade da pessoa humana do trabalhador e da valorização do trabalho humano, esses dois princípios são constantemente violados nas relações de trabalho, atualmente, com grande destaque, pelo processo destruidor do assédio moral. O assédio moral não deveria ser considerado um assunto novo. É que a CLT, desde 1.943, prevê, como motivos de rescisão indireta (hipótese de rescisão de iniciativa do empregado por culpa do empregador), que podem ser invocados para respaldar eventual ação de indenização por assédio moral, duas hipóteses de falta grave do empregador: quando forem exigidos serviços superiores às forças do empregado, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato (artigo 483, alínea “a”), e quando o empregado for tratado pelo empregador ou por seus superiores com rigor excessivo (artigo 483, alínea “b”). Muitos são os projetos de lei, em trâmite no Brasil, com a finalidade de reprimir a prática de assédio moral. Existem projetos em âmbito municipal, estadual e federal, estes objetivando introduzir no Código Penal Brasileiro pena de detenção e multa àquele que se enquadrar nessa prática abusiva. A primeira cidade brasileira a aprovar lei nesse sentido foi Iracemápolis (SP), regulamentada em abril de 2.001. Merece destaque a Lei n.º 13.288, sancionada no município de São Paulo, em 10 de janeiro de 2.002, pela Prefeita Marta Suplicy, já havendo posicionamentos no sentido de admitir sua aplicação subsidiária ao Direito do Trabalho. Para Mário Gonçalves Júnior, tal posicionamento se deve ao fato do artigo 8º, parágrafo único, da CLT, admitir a aplicação analógica do direito comum, como fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Ressalta, ainda, que incompatibilidade entre o parágrafo único do artigo 1º da Lei n.º 13.288/02 e o Direito do Trabalho não há, pois a CLT prevê várias hipóteses de faltas graves, tanto do empregado quanto do empregador, que se afina com a reiteração de atos, gestos ou palavras, que caracterizam o assédio moral. O empregado pode ser demitido por justa causa por “ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem” (artigo 482, alínea “j”). Por outro lado, comete falta grave o empregador que exigir serviços superiores às forças do empregado (artigo 483, alínea “a”), tratá-lo (diretamente ou através de superiores hierárquicos) com rigor excessivo (artigo 483, alínea “b”), colocá-lo em perigo manifesto de mal considerável (artigo 483, alínea “c”), descumprir as obrigações do contrato (artigo 483, alínea “d”), ou praticar contra ele ou pessoas de sua família atos lesivos da honra e da boa fama (artigo 483, alínea “e”) e ofensas físicas (artigo 483, alínea “f”). Mesmo diante dos vários projetos e leis existentes acerca do assédio moral no ambiente laboral, extrai-se que o Brasil encontra-se bastante avançado em comparação com outros países. Cada indivíduo que sofre assédio moral se sente só, daí a importância da lei, pois permite que reaja e busque mecanismos de contenção e de repreensão a essa prática lastimável que atinge a vida do trabalhador. Conclusão Foi entendido que a humanidade tem convivo com o assédio moral desde os tempos mais remoto, entretanto somente em meados da década de 80 do século XX passou a ser encarado como problema social e ato ilícito que deve ser combatido, tendo em vista as consequências maléficas decorrentes de sua conduta. Também conhecido por terror psicológico, o assédio moral ocorre nos diversos níveis de relações sociais em que o homem faz parte, ou seja, na família, na escola, no trabalho etc. A violência moral no trabalho tem sido objeto de grande preocupação por parte dos juristas, das empresas, da imprensa, dos médicos e da sociedade em geral. É um fenômeno caracterizado por uma violência cruel e degradante, materializada em ataques à autoestima e à dignidade do trabalhador, por meio de humilhações, abusos, situações vexatórias, ataques, de forma repetida e por um determinado período de tempo, com o intuito de ferir a psique do trabalhador e afastá-lo de seu emprego. O assédio moral pode ocorrer das mais variadas formas, através de gestos, palavras escritos e verbais, atos comissivos ou omissivos, com vistas a atingir a esfera íntima da vítima. O assediador degrada o ambiente de trabalho, fazendo com que a vítima peça demissão ou afaste-se do emprego. O terror psicológico no trabalho pode ser praticado por um superior hierárquico contra seu subordinado, caracterizando a forma mais comum, o assédio moral vertical. Pode também ocorrer entre colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico, por motivo de inveja ou ciúme, por exemplo, constituindo o assédio horizontal. Por fim, pode ainda existir o assédio de um subordinado contra um superior, o chamado assédio moral ascendente, modalidade mais rara, entretanto tão lesiva quanto às demais, sendo mais comum no serviço público. Diversas são as áreas do conhecimento que estudam o fenômeno do assédio moral, dentre as quais destacamos a Psicanálise, o Direito e a Medicina do Trabalho, visando a tipificá-lo como crime e coibir abusos nas relações trabalhistas. Com o advento da globalização e as consequentes alterações das relações de trabalho têm transformado o ambiente de trabalho em lugares extremamente competitivos e menos humanos. A pressão e a necessidade constantes pelo aumento da produtividade afetam diretamente o meio de trabalho digno e saudável. É necessário que as empresas adotem políticas preventivas no ambiente de trabalho, no sentido de coibir a ocorrência da prática do assédio moral, tanto por parte dos superiores hierárquicos, quanto dos subordinados, por meio de campanhas educativas, e políticas de gestão que privilegiem a saúde do trabalhador e a promoção de um ambiente de trabalho saudável. O empregado deve considerar as consequências maléficas advindas de tal ato ilícito, uma vez que a empresa terá que arcar com o ônus de um processo judicial, com o pagamento de indenização por danos morais, além das consequências para o Estado e a sociedade, haja vista que o assédio pode ocasionar o adoecimento da vítima, que terá que ficar afastada de suas atividades, em percepção de benefício previdenciário, à custa do Estado.Ademais, o empregador deve ter em mente que o trabalhador que labora satisfeito, em um ambiente de trabalho saudável, produz mais e melhor do que aquele submetido à pressão psicológica e tratamento degradante, de forma que o assédio moral não é modo mais adequado de atingir a máxima produtividade almejada. Referencias bibliográficas MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. MENDES, Roberta; CARVALHO, Marcelo de Souza. Assedio Moral no trabalho. SCIELO. Disponível em: http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/K215506.pdf. Acesso em 31/05/2017. Ribeiro, Gabriel. As legislações aplicáveis ao assédio moral. DIREITO NET. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1590/As-legislacoes-aplicaveis-ao-assedio-moral. Acesso em 30/05/2017. SOARES, Fernanda de Carvalho. O assédio moral no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: http://www.editoraforum.com.br/ef/wp-content/uploads/2014/06/O-assedio-moral-no-ordenamento-juridico-brasileiro.pdf. Acesso em: 30/05/2017. SOUZA, Camila Lima de. Assédio moral no trabalho: estratégias de prevenção e combate na administração pública. Disponível em: http://repositorio.fjp.mg.gov.br/consad/bitstream/123456789/627/1/C5_TP_ASS%C3%89DIO%20MORAL%20NO%20TRABALHO.pdf. Acesso em 31/05/2017.
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