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A Religião de Karl Marx Vitor Grando

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A Religião de Karl Marx - Vitor Grando 
 
Essa reflexão é fruto de mais um dos inúmeros trabalhos que tenho que entregar neste final de 
período da faculdade. O texto baseia-se numa reflexão sobre o sexto capítulo de Filosofia da 
Religião de Giuseppe Staccone. 
 
Pode-se considerar Karl Marx, ao lado de Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e Charles Darwin, 
como um dos alicerces do espírito ateísta de nossos tempos. “Religião é o ópio do povo” 
sentenciou Marx seguido, então, por muitos “intelectuais” contemporâneos. Entretanto, ao 
contrário desses outros pensadores ateus¹ citados, Marx nunca escreveu um tratado específico 
contra a religião. Seu espírito anti-eclesiástico e ateísta era manifesto através de suas obras. 
 
O ateísmo parece ser um pressuposto da teoria marxista, já que a religião, mais 
especificamente a Igreja Romana, é alicerce da tradição e, portanto, da superestrutura da 
sociedade contemporânea. A revolução marxista implica a subversão desses valores da 
tradição e, portanto, de seu maior representante: A Igreja Católica Apostólica Romana. 
Antonio Gramsci parece ter entendido isso perfeitamente no seu conceito de hegemonia e do 
intelectual orgânico. Este é o sustentador daquela. Assim, para que a revolução comunista 
procedesse fazia-se necessária a formação de intelectuais orgânicos vinculados à causa 
marxista. Estes seriam os responsáveis pela subversão dos valores da tradição e abririam 
espaço para recepção da revolução comunista. Não há verdade para eles, tal conceito é 
puramente burguês. O que importa é a construção de uma nova realidade que terá como fim o 
proletário. 
 
Karl Marx foi influenciado pelos jovens hegelianos e sua crença na completa desassociação 
entre Filosofia e Teologia. Eles defendiam a completa emancipação da Filosofia do domínio da 
Teologia. A racionalidade encontra seu ápice aí, embora eu acredite que implícito nesse 
conceito de racionalidade esteja o conceito de naturalismo, isto é, a cosmovisão que concebe 
o universo, digamos, como uma caixa fechada onde tudo que existe e acontece encontra-se 
dentro desta caixa, portanto, as explicações e causas devem ser buscadas no interior dessa 
caixa. Não há espaço para influências externas tais como um Deus ou qualquer entidade 
metafísica. Essa concepção de racionalidade me parece deveras errônea. Não há nenhuma 
necessidade lógica do naturalismo para a racionalidade. Até porque se, de fato, houver um ser 
tal como Deus ou houver alguma ordem sobrenatural atuante, ou criadora, no universo fica 
difícil compreender como poderemos chegar a alguma conclusão racional sobre o universo e 
nossa existência sem levarmos em consideração tal pressuposição. Foi C.S. Lewis quem 
sabiamente afirmou que a última coisa que a questão de Deus pode ser é ser “mais ou menos 
importante”, pois das duas possíveis – e antagônicas - respostas a essa pergunta se derivam 
conclusões radicalmente opostas. 
 
Se me for permitido fazer um comentário fruto das minhas convicções cristãs, cito um trecho 
do prefácio do livro TheologyandtheKingdomofGod do teólogo alemão WolfhartPannenberg. 
Pannenberg é um crítico do subjetivismo teológico de R. Bultmann e K. Barth. Para ele a 
teologia cristã é uma dentre outras conflitantes cosmovisões que buscam se impor e explicar o 
universo e a natureza humana. A Teologia é uma empreitada pública aberta ao escrutínio da 
razão. Traduzindo livremente: 
 
Se por razão alguém quer dizer as ideias que constituem a sabedoria convencional, então há 
muito na sabedoria bíblica que é “irracional”. Jesus disse que os últimos serão os primeiros, 
aquele que perde a sua vida a ganhará, e outros ensinos aparentemente irracionais. Paulo 
afirma que é um tolo por Cristo. Tais afirmações, insiste Pannenberg, não constituem um 
abandono da razão. Ao contrário, o argumento de Paulo é que seus oponentes estão 
arrazoando a partir de falsas premissas, pelas quais ele seria julgado como tolo. Contra isso ele 
afirma um outro conjunto de premissas e procede a defender a racionalidade de sua posição. 
Da mesma forma, Jesus convidou seus discípulos a segui-lo porque seu estilo de vida era 
razoável. 
 
Vemos, então, o contraste do pensamento de Pannenberg e o pensamento moderno, como 
também do pensamento teológico de R. Bultmann e K. Barth. A racionalidade de uma 
proposição depende das premissas nas quais ela está baseada, portanto, a questão metafísica 
sobre a existência ou não de uma ordem sobrenatural é de fundamental relevância, mas 
jamais o naturalismo pode ser uma exigência lógica da racionalidade. Em síntese, o que temos 
aqui é um conflito entre cosmovisões diametralmente opostas: o naturalismo contra o 
supranaturalismo. 
 
Mas, voltemos ao texto sobre Karl Marx. Para Marx a filosofia tem sua própria confissão de fé: 
o ateísmo, a radical negação de todos os deuses. Disse ele: 
 
A Filosofia, enquanto uma gota de sangue palpitar em seu coração, triunfador do mundo e 
inteiramente livre, não cessará de clamar com Epicuro aos adversários: Não é ateu quem 
despreza os deuses da multidão e sim aquele que adere às opiniões do vulgo acerca dos 
deuses. A Filosofia não dissimula. A profissão de fé de Prometeu, resumida nesta única frase: 
'odeio de coração a todos e a cada um dos deuses', é sua própria profissão de fé, seu lema 
contra todos os deuses do céu e da terra que não reconhecem a autoconsciência humana 
como a divindade suprema. Não pode haver outro deus ao lado deste".² 
Discordo, como já explicitei, da exigência naturalista para o pensamento filosófico. Aqui, 
então, gostaria de denunciar o que me parece ser a religião de Marx: a autoconsciência 
humana. Como pode Marx ter essa certeza da centralidade da autoconsciência humana? 
Parece-me que aqui vemos um compromisso religioso de Marx e, acho que posso dizer, do 
Marxismo. Não seria também essa posição uma espécie de ópio? Em que se apoiaria tal 
proposição marxista para que possamos julgá-la como racional ou não? Parece-me que não há 
lá como fundamentar tal afirmação. Aqui temos uma pressuposição marxista. Uma 
pressuposição religiosa. Naturalista é verdade, mas ainda assim religiosa tal como Paul Tillich 
definiu a fé religiosa: “estar tomado por aquilo que nos toca de forma última”. A pressuposição 
marxista me parece tão dogmática quanto qualquer pressuposição religiosa. Isso se evidencia 
ainda mais nas promessas utópicas do marxismo ao sonhar com um tempo onde os homens 
terão tudo em “comum” sem sequer a necessidade do Estado, que será abolido por fim. Isso 
nada mais é do que trazer a esperança cristã de um vindouro Reino de Paz para o presente. 
Nas minhas limitações filosóficas não encontro diferença nenhuma entre tal crença marxista e 
a religiosa. 
 
 
¹ Um leitor me questionou pelo fato de eu ter colocado Darwin entre "pensadores ateus", pois 
ele não era ateu e sim agnóstico. Ele tem razão, Darwin nasceu anglicano, foi leitor de William 
Paley, mas morreu agnóstico e não ateu como eu dissera. Veja sobre a visão religiosa de 
Darwin aqui. 
². PARINETTO, L., Karl Marx sul/a religione, ed. La Nuova Itália, Firenze, 1980 - 
(é uma antologia de 585 páginas de textos marxianos sobre a religião, com relativos breves 
comentérlos) - p, 148,

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