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A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA E AS TRANSFORMAÇÕES NA 
TEORIA CONTRATUAL BRASILEIRA 
 
THE BRAZILIAN CONSTITUCION AND THE TRANSFORMATIONS 
ON BRAZILIAN CONTRACT THEORY 
 
Eros Belin de Moura Cordeiro 
Mestre em direito das relações sociais pela Universidade Federal do Paraná. Professor 
de direito internacional privado na Unicuritiba. 
Professor dos cursos de especialização da Academia Brasileira de Direito 
Constitucional e na Escola da Magistratura do Paraná. Advogado. 
 
Resumo: O presente artigo trata das transformações da teoria contratual 
marcadas pelo advento da Constituição brasileira em 1988. O direito contratual 
tradicional, marcado fortemente sob os pressupostos da sociedade moderna, era 
voltado fundamentalmente para valores individuais e patrimoniais. Na 
contemporaneidade, a teoria contratual direciona-se para a proteção da pessoa e 
adota perspectiva solidarizante. Tal viés repersonalizante e solidário determina 
a alteração do pensamento contratual, que a partir dos princípios fundamentais 
constantes do sistema abre-se no sentido da construção mais efetiva de diálogo 
com a realidade social. 
 
Abstract: This article deals with the transformations of contract theory marked 
by the advent of the brazilian Constitution in 1988. The traditional contract 
law, strongly marked under the assumptions of modern society, it was mainly 
geared to individual values and heritage. Nowadays, the contractual theory is 
directed to the protection of the person and adopts solidarizing perspective. 
Such human and supportive bias determines the change in the contractual 
thought that from the fundamental principles contained in the system opens up 
towards the construction of more effective dialogue with the social reality. 
 
 
 
Sumário: 1. O advento da Constituição de 1988 e as transformações da teoria 
contratual. 2. O conceito jurídico de contrato e a contemporaneidade: a 
historicidade do fenômeno jurídico. 3. A composição do direito contratual na 
formação da modernidade: individualismo e patrimônio. 4. O contrato, os 
influxos sociais e a superação do privatismo exacerbado. 5. O sentido do direito 
contratual contemporâneo: a proteção da pessoa (artigo 1°, inciso III da 
Constituição) e a valorização do social (artigo 3°, inciso I da Constituição). 6. O 
contrato, os influxos sociais e a superação do privatismo exacerbado. 7. Abertura 
sistemática e o papel fundamental dos princípios: o direito contratual “à serviço 
da vida”. 8. Referências Bibliográficas. 
 
 
1. O advento da Constituição de 1988 e as transformações da teoria 
contratual 
 
 Em certo momento histórico divulgou-se que os sistemas jurídicos 
revestiam-se da qualidade de serem imutáveis e perenes
1
. Auto-suficientes, não 
dialogariam com outras fontes de saber e apresentariam soluções prontas, pré-
formatadas, para as diversas questões que os desafiariam. 
No que se refere aos direitos das obrigações, tal pretensão de 
perpetuidade foi marcante, o que explica em grande parte a disseminada e 
irrefletida idéia de que o campo das obrigações é o menos influxo às 
transformações sociais. 
É nesse contexto simplificador da complexidade social reinante à volta 
do Direito que a noção de contrato fora mergulhada por séculos. Dentro dessa 
ordem de idéias que o universo contratual acaba por muitas vezes sendo 
explicado, valendo-se de premissas datadas de séculos atrás, embora a 
demanda à qual a teoria contratual deve fazer frente insira-se em realidade 
diversa, contemporânea cujas bases teóricas são outras. 
O advento da Constituição em 1998 representa marco fundamental na 
ordem de transformações pelas quais passou (e ainda passa) a teoria contratual. 
E três questões são de suma importância no que se refere à transformações 
determinadas pelo atual Texto Constitucional, objeto desse pequeno estudo 
despretensioso: a) a alteração da postura metodológica do estudioso da matéria 
 
1 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, 
boa-fé e justiça contratual, p. 28: o erro do positivismo jurídico (que dominou a ciência jurídica 
novecentista e que ainda colhia a maioria dos sufrágios durante a primeira metade do nosso século XX, 
tendo, aliás, ainda hoje, muitos e ilustres defensores) foi tentar isolar no tempo e no espaço cada 
sistema jurídico, para analisá-lo independentemente de suas relações com o meio social, das lutas de 
interesses, dos compromissos, das metas e dos valores da sociedade. Todas as escolas positivistas, 
desde a da exegese francesa e a pandectística alemã, ambas do século XIX, até ao kelsenismo e ao 
neopositivismo deste século XX, enclausuravam o jurista numa torre de marfim, condenando-o, nas 
palavras de Betti, a fazer ‘arida analisi formale, astrattamente concettualistica’. 
contratual, pois a Constituição não somente impõe uma reflexão construtiva do 
direito contratual, como também expõe uma visão contratual histórica (e, 
portanto, mutável no tempo); b) a modificação do núcleo axiológico 
fundamental da teoria contratual, que deixa de ter conteúdo individualista e 
patrimonial e passa a adotar visão solidária e humana e c) a abertura 
sistemática provocada pela Constituição brasileira de 1988, documento 
recheados de enunciados normativas abertos (princípios e valores). 
 
2. O conceito jurídico de contrato e a contemporaneidade: a historicidade 
do fenômeno jurídico 
 
 As perguntas mais difíceis de serem respondidas são aquelas que 
remontam a fundamentos de base de determinado objeto de estudo. Essa 
observação explica-se pelo fato de que os significados adotados ou construídos 
para questões básicas representam, em realidade, opções metodológicas 
adotadas, ainda que inconscientemente, pelo sujeito cognoscente. 
 A análise das transformações da teoria contratual determinadas pela 
Constituição de 1988 pressupõe o conceito de contrato. Para tanto, é 
necessário traçar os objetivos centrais da teoria contratual, ou, mais 
precisamente, apresentar sua finalidade, sua razão de ser, mostrar enfim a que 
serve o direito contratual brasileiro. Trata-se de tarefa afeta a base do objeto de 
estudo “direito civil” como um todo e reflete necessariamente, desse modo, 
opções indicativas da visão perfilhada acerca do direito civil. 
 Essa advertência preliminar não serve apenas para apontar que a análise 
científica de determinado objeto não é neutra (ou seja, carrega pressupostos e 
visões particulares do cientista que a elabora
2
), e sim para enfatizar que é 
fundamentalmente no enfrentamento de questões de base que as opções 
metodológicas principais emergem. 
 
2
 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, p. 18: “Logo, ao afirmar que podemos 
descrever o direito (note-se bem que me refiro, aqui, a direito como objeto em nível de abstração) de 
várias formas e desde várias perspectivas, estou a dizer que o direito se manifesta, para nós, de várias 
formas e desde várias perspectivas. E, também, que não descrevemos o direito, porém os nossos 
modos de ver o direito”. 
Tal preocupação demonstra a ausência de neutralidade do discurso 
científico e explica a razão pela qual a compreensão em torno do campo de 
atuação do direito contratual varia no tempo. Com efeito, o Direito insere-se na 
sociedade e é por ela necessariamente influenciado; as transformações sociais, 
desse modo, afetam o mundo jurídico, e igualmente pressionam a compreensão 
que se tem do próprio direito. 
A relação entre Direito e sociedade é complexa e demandaria estudo 
particularizado que foge do objetivo deste trabalho.Entretanto, desta relação 
extrai-se premissa fundamental que se apresenta como escolha metodológica 
fundamental na compreensão e enfrentamento do objeto deste trabalho: o 
direito contratual, como fenômeno jurídico que é, condiciona-se 
historicamente
3
. 
Se o discurso científico não é neutro e é influenciado pelas opções 
metodológicas fundamentais adotadas pelo cientista autor do discurso, as 
transformações ideológicas constantes no meio social no momento histórico 
em que se constrói o discurso obviamente o atingem. Em outras palavras, o 
discurso jurídico sofre a influência da concepção ideológica adotado por seu 
autor
4
. 
Pode-se concluir, então, que a delimitação do direito contratual depende 
das opções metodológicas adotadas por aquele que discursa sobre o direito 
civil, opções estas influenciadas ideológica e historicamente. Daí a razão da 
existência de compreensões bastante diversificadas acerca do direito contratual 
(e, enfim, do próprio Direito), refletindo em realidade posições ideológicas 
divergentes construídas a partir de determinadas premissas condicionadas 
historicamente
5
. 
 
3
 GROSSI, Paolo. Mitología jurídica de la modernidad, p. 15. 
4
 Ideologia entendida como complexo de idéias que contribuem para construção de uma certa visão do 
mundo (nesse sentido, WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito, p. 112-114). 
5
 A influência histórica e ideológica na compreensão do fenômeno jurídico civil permeia a discussão 
acerca da “publicização” do direito civil, cujo conteúdo retrata, em realidade, a gradual superação da 
visão do direito civil presa ao individualismo (que marcou a construção do pensamento civilista 
moderno), reconhecendo-se cada vez mais a interferência social (ou seja, a de interesses sociais) em 
assuntos civis (que marca o pensamento civilista da segundo metade do século XX). 
O advento da Constituição é sintomático na compreensão do contrato 
como produto histórico. De fato, o texto constitucional alterou 
significativamente os valores que presidem a compreensão e a interpretação do 
contrato, de modo que o próprio significado de contrato alterou-se. Nesse 
sentido, a primeira questão trazida pela Constituição foi de ordem 
metodológica: a de que o conceito de contrato assim como a teoria que o 
explica não são imutáveis, estando condicionados historicamente. 
Os novos valores trazidos pela Constituição confirmam o que a doutrina 
mais consciente já asseverava: o contrato não é conceito jurídico abstrato, 
absoluto, por si só compreensível e impassível de influências externas (sociais, 
ideológicas e históricas). Ao contrário, 
 
o conceito de contrato não pode ser entendido a fundo, na sua essência íntima, se nos 
limitarmos a considerá-lo numa dimensão exclusivamente jurídica – como se tal constituísse 
uma realidade autônoma, dotada de autônoma existência nos textos legais e nos livros de 
direito. Bem pelo contrário, os conceitos jurídicos – e entre estes, em primeiro lugar, o de 
contrato – reflectem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, 
de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas 
maneiras, uma função instrumental.
6
 
 
 
A devida conscientização do caráter aberto do conceito de contrato é 
fundamental para a completa compreensão das transformações determinadas 
pelo texto constitucional. Tal advertência é importante porque as alterações na 
teoria contratual determinadas pela Constituição brasileira não são singelas 
mas, ao revés, são de caráter revolucionário. 
Analisar as premissas históricas e ideológicas que corroboraram para a 
elaboração de um determinado conceito de contrato e observar que tais 
premissas serviram àquele tempo é fundamental para determinar o perfil 
contemporâneo do contrato. E nessa ordem de idéias captar os valores 
 
6
 ROPPO, Enzo. O contrato, p. 7. No mesmo sentido, LÔBO, Paulo Luiz Neto. Transformações gerais 
nos contratos, p. 106-107: “Portanto, não ancora a teoria moderna ou liberal do contrato na autoridade 
do direito romano, o que bem demonstra que é fruto do devir histórico. Essa é a compreensão clara que 
se deve ter do contrato, como de resto de qualquer categoria ou instituto jurídico, sob pena de instituir 
como ciência o que não passa de conservantismo ideológico de um determinado modelo que 
prevaleceu enquanto existiu historicamente o Estado liberal e visão de mundo a partir dos interesses 
individuais. Os juristas são vítimas freqüentes destas armadilhas, mercê do hábito tendencial de atuar e 
refletir sobre o que já se realizou, o sistema jurídico positivo, mais que divisá-lo no processo histórico 
e da transformação da sociedade”. 
constitucionais, abertos e em constante diálogo com a realidade social, que 
permitiram (e permitem) a reconstrução da teoria dos contratos. 
Para realizar tal intento deve-se retomar a formação da teoria tradicional 
dos contratos, levando-se em consideração inclusive a influência da concepção 
de sistema jurídico e a visão que se tem atualmente do pensamento jurídico 
sistemático e como tal pensamento afeta o direito contratual.
7
 
A análise das premissas históricas e ideológicas da teoria contratual 
tradicional auxiliará na reformulação da teoria contratual, residindo justamente 
neste ponto o sentido das transformações determinadas pelo texto 
constitucional. 
 
3. A composição do direito contratual na formação da modernidade: 
individualismo e patrimônio. 
 
Um olhar mais detido para a teoria tradicional dos contratos permite 
nela reconhecer claramente pressupostos históricos e ideológicos: o conceito 
simplório de contrato baseado em encontro de vontades deu-se a partir da 
formação do pensamento jurídico moderno
8
, que redundou na confecção do 
código civil francês de 1804, rotulado “a Constituição do direito privado; e 
representa, igualmente, clara opção ideológica de preservação de direitos afetos 
 
7
 A alusão a noções fundamentais como sistema e sua relação com a sociedade em meio a reflexões 
acerca de direito civil é muitas vezes criticada por aqueles que entendem serem tais assuntos 
pertencentes a teoria geral do direito, fugindo ao campo estrito civilista. A crítica, todavia, não se 
sustenta, por diversas razões: i) ao se delimitar o objeto de um determinado ramo de certo campo de 
saber, é indispensável referir-se a este campo mais amplo, sob pena de perder o seu próprio contexto de 
atuação daquilo que se estuda (enfim, o direito civil antes de ser “civil” é direito, ou seja, manifestação 
do fenômeno jurídico que, essencialmente, é uno); ii) a crítica referida reforça idéia a ser 
constantemente afastada de separação e especialização de ramos do direito, de modo que tem-se hoje a 
lamentável perda do sentido geral do direito e a formação de “juristas do microssistema”, em que o 
civilista passa a ser “militante de verdades parciais”, como bem ressalta Ricardo Luis LORENZETTI 
(Fundamentos o direito privado, p. 56) e iii) o direito civil tem sido trabalhado e estudado 
profundamente desde a prudência romana, afetando a vida cotidiana de qualquer pessoa, de modo que 
“pelas suas características, pela sua generalidade e pelas suas tradições, o Direito Civil não é apenas o 
Direito comum do privatismo: ele opera como Direito comum de toda a ordem jurídica. Quando, nas 
mais diversas situações, falhem conceitos ou quadros de referências, o Direito civil, enquanto 
repositório mais geral da instrumentação jurídica, pode acorrer, sendo utilizável, no mínimo, como 
referência ordenadora”. (MENEZES CORDEIRO,António. Tratado de direito civil português, v. I, t. 
I, p. 33). 
8
 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, v. I: introdução ao direito civil. Teoria do 
negócio jurídico, p. 49. 
ao indivíduo, ou seja, o direito civil fora formatado a “uma sociedade 
atomizada de indivíduos isolados, que concorrem e participam do mercado da 
troca de bens”9. 
O direito civil caracteriza-se, então, como o santuário do privado, em 
oposição à figura do Estado, cuja missão fundamental reduzia-se a preservação 
das liberdades individuais. Enfim, é o direito do indivíduo “posto à margem de 
qualquer sociabilidade, que passa a ser acessória da individualidade, e não mais 
um conceito fundamental ou primário da organização social”10. 
O privado, então, é o mundo isolado do indivíduo. Esta afirmação 
confirma-se claramente na definição de direito civil elaborada por Clóvis 
BEVILÁQUA, autor do código civil de 1916: “O direito civil é um ramo do 
direito privado; é, antes, o direito privado comum. Por direito privado entende-
se o que organiza o conjunto das relações que constituem a vida social do 
homem considerado como indivíduo.”11 
Esta visão do direito civil foi escrita nas grandes codificações européias, 
fontes de inspiração para a legislação civil brasileira. René SAVATIER explica 
que o código civil francês tem três pilares de sustentação: “a liberação da 
propriedade individual, a plenitude da liberdade contratual, a força da 
responsabilidade pessoal”12, de modo que “o homem do código civil, a 
‘pessoa’, no sentido do direito, recebeu do legislador plena fé do seu valor. Ele 
tem o poder e o mérito de dominar seu destino. Seus atos carregam sua 
recompensa ou sua sanção civil”13. 
A delimitação do direito civil deu-se à luz das exigências da sociedade 
moderna, reduzido a função de preservação da liberdade individual destinada a 
alimentar o sistema capitalista que à época começava a se desenhar. Daí o 
sentido “moderno” do direito civil, que deixa de lado a sua tradição histórica 
 
9
 CORTIANO JUNIOR, E.. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do 
ensino da propriedade, p. 50. 
10
 CORTIANO JUNIOR, E.. Idem, p. 49. 
11
 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 111-112. 
12
 SAVATIER, René. Les métamorphoses économiques et sociales du droit prive d’aujourd’hui: 
l’universalisme des disciplines juridiques, p. 5-6. 
13
 SAVATIER, R.. Idem, p. 8-9. 
construída desde a prudência romana para ser explicado a partir do privado em 
oposição ao público. 
Com efeito, compreendido à luz da dicotomia público-privado, o direito 
civil traduz-se como o santuário do poder privado, espaço em que não caberia 
nem se legitimaria qualquer intervenção do Estado. Nesse contexto, o direito 
civil “se baseia na igualdade jurídica e no poder de autodeterminação das 
pessoas que intervêm nas relações jurídicas”14, de modo que constitui-se como 
o campo de atuação de poderes privados. 
Nessa ordem de idéias, o direito civil tradicionalmente concebido no 
início da era moderna começa a regular sujeitos de direito que exercem poderes 
ilimitados (porque privados) em diversos setores da vida particular. É o sujeito 
pai de família, cuja autoridade é inconteste no reino da família; o sujeito 
proprietário, com o poder absoluto de usar, gozar, fruir, dispor e até abusar da 
coisa; o sujeito contratante, cujo poder oculta-se nas vestes da igualdade formal 
e põe abaixo a comutatividade contratual. 
Observe-se que a redução do direito civil a um espaço privado em 
oposição à seara pública nada mais revela do que o interesse de preservação do 
jogo das forças sociais consubstanciado nas revoluções liberais do século 
XVII. 
O direito civil, direito privado geral, liga-se “à idéia tradicional de 
liberdade individual”15 e 
 
apresenta-se assim como direito posto a disposição dos privados, como sistema de 
reconhecimento e garantia de uma esfera de interesses, tanto morais como econômicos, sob a 
condição de que sua atividade não se coloque em contraste com as normas de comportamento 
que o Estado põe para garantir a liberdade de todos e a ordem de desenvolvimento das 
relações sociais. Definitivamente, o Estado de direito é o Estado da legalidade e da liberdade, 
dos indivíduos livres e iguais: livres para agir e iguais perante uma lei igual para todos porque 
geral e abstrata.
16
. 
 
O sujeito de direito, então, figurou com a base de proteção do direito 
civil formatado no início da era moderna como o direito privado comum. 
Sujeito este de cuja vontade “nascia uma regra de conduta que era o direito 
 
14
 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução, p. 108. 
15
 SERPA LOPES, M. M. de. Ob. cit., p. 49. 
16
 BARCELLONA, Pietro. Diritto privato e società moderna, p. 58. 
objetivo para as ralações com os outros” e cujo “poder sobre uma coisa criava 
um ordenamento jurídico referente à res”17. O direito civil, enfim, concebeu-se 
em função do indivíduo e seus direitos, de modo que 
 
à vontade individual a função de causa primeira do Direito, assim público como privado. O 
comércio jurídico deveria repousar no contrato, entendendo-se, não somente que toda 
obrigação, implicando restrição à liberdade individual, teria de provir de uma ato de vontade 
do devedor, como, também, que os resultados desse ato eram necessariamente justos. 
Instituiu-se, em suma, como pedra angular do Direito Privado o dogma da autonomia da 
vontade.
18
 
 
 
 A compreensão das premissas históricas e ideológicas da formação 
moderna do direito civil permite a visualização dos contornos centrais da teoria 
tradicional dos contratos: a proteção da liberdade individual e a apropriação de 
bens. Construiu-se, então, uma idéia de liberdade contratual desenfreada, cujo 
conteúdo não abria espaço para o reconhecimento das desigualdades materiais 
subjacentes à relação contratual. 
Em uma ordem geral de liberdade contratual tendencialmente ilimitada, 
todos são formalmente iguais entre si pelo fato de as operações econômicas 
entabuladas derivarem de livres manifestações de vontades individuais
19
. A 
operação de validação jurídica do contrato, então, esgota-se na verificação das 
 
17
 BARCELLONA, Pietro. I soggetti e le norme, p. 77. 
18
 GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 10. 
19
 A concepção comum a respeito da autonomia da vontade e da liberdade contratual parte de uma 
visão exclusivamente individual, olvidando inclusive que uma relação contratual, como relação, 
pressupõe no mínimo dois sujeitos: “O sujeito, no seu âmbito de actuação, é visto como investido de 
um poder individual de auto-regulação, sem se entrar em linha de conta com os poderes simétricos dos 
outros sujeitos com que ele entra em relação. Assim, e de acordo com uma de suas mais celebradas e 
clássicas definições, por autonomia privada deve entender-se ‘o princípio da autoconformação das 
relações jurídicas por cada um segundo a sua vontade’. Sendo a liberdade contratual uma componente 
fundamental desse princípio, também ela exprimiria a ‘auto-soberania’ (Selbstherrlichkeit) de cada 
uma na criação e modelação de relações jurídicas. Formulações deste tipo, que, aliás, se poderiam, de 
igual modo, facilmente colher noutros ambientes culturais e ideológicos, constroem um universo 
homogéneo de actos de autonomia privada, com domínios próprios, mas uma unidade de sentido: o 
reconhecimento e garantia de um espaço de livre afirmação do querer individual. A autodeterminação 
que se manifesta na celebração de um contratoe na estipulação de seus efeitos é, nesta óptica, a mesma 
que se corporiza na liberdade de disposição dos bens por testamento, como, mais amplamente, na 
liberdade de exercício dos direitos subjectivos. Em todas estas zonas se afirmaria o mesmo pensamento 
garantístico, de delimitação de esferas de liberdade e de soberania da vontade individual, livre de 
ijterferências e de imposições externas”. (RIBEIRO, Joaquim de Souza. O problema do contrato: 
cláusulas gerais e o princípio da liberdade contratual, p. 52). 
declarações volitivas dos contratantes que, uma vez exteriorizadas em 
consonância com os cânones legais, vinculavam-nos inexoravelmente
20
 
 A instauração da ordem liberal determinou a concepção de um novo 
modo de ver a vida completamente diferenciado da ordem que a precedera. No 
mundo pré-moderno, os sujeitos relacionavam-se e dividiam-se na sociedade a 
partir de laços de sangue, importando o título de nobreza que ostentavam; na 
modernidade, o fator que permite a mobilidade social é a aquisição 
patrimonial. Desse modo, no antigo regime a ascensão social decorria 
fundamentalmente do nascimento, ao passo que na modernidade aquela é 
conquistada pelo livre empreendorismo ligado à acumulação de capital
21
. 
 Assim, a liberdade dos indivíduos passa a ser crucial, assim como a 
libertação da propriedade das amarras medievais. Não é à toa que o princípio 
estruturante do direito civil tradicional é a autonomia privada, já que “todos 
passam necessariamente a ser proprietários, ou de bens que lhes permitam 
subsistir, ou de força de trabalho que vendam. Por isso todos passam a ser 
sujeitos jurídicos, todos passam a ter capacidade negocial”22. Nesse momento 
 
a autonomia privada ganha um conteúdo autônomo e operativo; e é esse conteúdo que vai 
investir a própria noção de negócio jurídico. Este deixa de ser visto na perspectiva de 
instrumento de troca de bens – na perspectiva de sua função – para ser acentuado o seu 
carácter de realização da liberdade econômica. O negócio é a afirmação da liberdade da 
pessoa, o negócio é o efeito da vontade livre
23
. 
 
Liberdade individual e propriedade representam, então, os 
sustentáculos do direito civil moderno e permeiam a maioria das definições 
acerca do direito contratual. Liberdade intangível, já que privada, de modo que 
na cabe ao Estado “invadi-la”, ao contrário, preservá-la. Liberdade e 
propriedade ligam-se de modo a formar um elo indissociável caracterizador da 
noção de contrato: 
 
20
 ROPPO, E. Ob. cit., p. 34. 
21
 HESPANHA, Manuel António. Prática social, ideologia e direito nos séculos XVII a XIX, p. 5. 
22
 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 9. 
23
 PRATA, A.. Idem, p. 9-10. 
Em toda uma tradição do pensamento jurídico-político oitocentista, destinada a perpetuar a 
sua influência também no século seguinte, liberdade e propriedade estavam, de facto, 
associadas à maneira de um binómio indissolúvel: a propriedade (privada) é o fundamento 
real da liberdade, o seu símbolo e a sua garantia relativamente ao poder público, enquanto, 
por sua vez, a liberdade constitui a própria substância da propriedade, as condições para 
poder usá-la conformemente com a sua natureza e com as suas funções; sem propriedade, 
em suma, não há liberdade, mas inversamente, não pode haver propriedade dissociada da 
liberdade de goza-la, de dela dispor, de transferi-la e fazê-la circular sem nenhum limite (e 
portanto dissociada da liberdade de contratar)
24
. 
Nessa ordem de idéias, todos são livres para contratar e, contratando, 
todos indistintamente adquirem bens e alcançam status social. A liberdade 
ligada à propriedade legitimará a ampla circulação de bens, abstraindo a 
condições de contratação, as pessoas que estão contratando e, principalmente, o 
jogo de forças subjacente ao contrato
25
. 
É em torno do elemento subjetivo (mais precisamente a declaração 
volitiva livre de um sujeito de direito
26
) que os princípios contratuais clássicos 
explicam-se e passam a ter sentido: liberdade contratual exteriorizada em uma 
livre manifestação de vontade – autonomia privada – que, encontrando-se com 
outra vontade livre, consensualismo, gera a absoluta obrigatoriedade do que se 
convencionou – pacta sunt servanda, efeitos contratuais por sua vez reduzidos 
a quem efetivamente participou da relação contratual (ou seja, manifestou sua 
vontade livremente) – relatividade dos contratos. 
Liberdade associada à propriedade são marcas da sociedade burguesa 
moderna, reflexos típicos do Estado liberal. São outros os tempos atuais e a 
 
24
 ROPPO, E. Ob. cit., p. 42-43. 
25
 Nessa ordem de idéias insere-se a conhecida lei de Maine (do status ao contrato), deduzida das 
reflexões de Henry Sumner Maine e consistente na “ideia de que, enquanto nas sociedades antigas as 
relações entre os homens – poder-se-ia dizer o seu modo de estar em sociedade – eram determinadas, 
em larga medida, pela pertença de cada qual a um certa comunidade ou categoria ou ordem ou grupo 
(por exemplo, a família) e pela posição ocupada no respectivo seio, derivando daí, portanto, de modo 
mecânico e passivo, o seu status, ao invés, na sociedade moderna, tendem a ser, cada vez mais, o 
fruto de um escolha livre dos próprios interessados, da sua iniciativa individual e da sua vontade 
autónoma, que encontra no contrato seu símbolo e o seu instrumento de actuação” (ROPPO, E. Ob. 
cit., p. 26). No mesmo sentido, SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, v. III: 
fontes das obrigações: contratos, p. 31. 
26
 “Foi o triunfo definitivo sobre o arraigado individualismo do século XIX que então contaminou 
todos os Códigos latinos. Teve por berço a Revolução Francesa que foi a suma exaltação da 
personalidade humana expressa na divisa republicana ‘a liberte, la igualité et la fraternité”. Sua raiz 
filosófica vem do Iluminismo Racionalista em que o papel do Estado era apenas o de velar pela 
coexistência das liberdades públicas. O princípio automista da vontade era bem a chave da escola 
individualista e o contrato, segundo Radulesco (Abus dês Droit em matiére contratuelle), a chave da 
coesão social”. (SERPA LOPES, M. M. de. Curso de direito civil, v. III, p. 36). 
Constituição brasileira de 1998 exerce papel fundamental nessa ordem de 
transformações. 
 
4. O contrato, os influxos sociais e a superação do privatismo exacerbado. 
 
 A doutrina contratual tradicional, valendo da clássica dicotomia público-
privado, inseriu o contrato em uma esfera privada em que a vontade individual 
reina de modo desenfreado. A separação absoluta do direito público e do 
direito privado passou a ser contestada com a crise do Estado liberal e o 
gradual surgimento do Estado social. Este, como se sabe, manifesta-se, 
basicamente, na assunção de obrigações por parte do Estado que antes eram 
afetas exclusivamente aos particulares. 
Nesse contexto aparece a dificuldade em separar o que é efetivamente 
de interesse particular do que é de domínio público, debate freqüentemente 
lateralizado pela idéia de supremacia do interesse público: as relações que se 
pautarem pela desigualdade em nome do interesse público constituem matéria 
afeta ao direito público, restando ao direito civil, ramo geral do direito privado, 
as relações de igualdade. 
PONTES DE MIRANDA, nesse sentido, expõe que “o direito privado 
existe se e enquanto há regras jurídicas que tratam os homens somente como 
indivíduos em relações um com os outros. Desde que o interesse geral, ou algo 
que se tem como tal, passa à frente, o direito é público, porque admite a 
situaçãode poder dos entes coletivos que correspondam àqueles interesses”27. 
 O mais importante, todavia, para a captação do sentido das 
transformações do direito privado e, por conseguinte, do direito contratual está 
na progressiva limitação da autonomia privada dos sujeitos de direito, que 
passa a ser funcionalizada à valores sociais. 
 Como observa Michele GIORGIANNI, as limitações à autonomia 
privada denotam que o “Direito Privado tenha perdido o caráter de tutela 
 
27
 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado: parte especial, t. I, p. 
72. 
exclusiva do indivíduo para ‘socializar-se’”28. Essa socialização dá-se, 
fundamentalmente, pelo sentido de coletivização de que o direito civil passa a 
adotar, de modo que “a atividade econômica privada já transcende as fronteiras 
das relações entre indivíduos e penetrou no centro do corpo social através das 
dilatadas dimensões da empresa econômica e através da possibilidade de 
satisfazer um número e uma variedade de necessidades antes nem mesmo 
imagináveis”29. 
 Com efeito, o século XX demonstrou a insuficiência do modelo liberal e 
expôs de forma dura e cruel a fragilidade do ser humano (categorizado como 
sujeito de direito) em meio a crescente concentração de capital e perda do 
poder individual de autodeterminação. 
 Uma das contradições da modernidade, conforme a aguda observação de 
Pietro BARCELLONA, foi o reconhecimento formal de um poder derivado da 
liberdade e amesquinhamento da individualidade frente aos mecanismos de 
trocas. Nesse contexto, o sujeito fica completamente debilitado e preso ao 
mercado, perdendo qualquer sentido de identificação
30
. 
 O crescimento do capitalismo expôs que o poder privado era de alguns e 
não de todos. E desta forma o direito civil atingia apenas certas pessoas e não 
todas; privilegiava, mais precisamente, os grandes proprietários, constituindo-
se como o direito do ter em detrimento do direito do ser. 
 O direito civil, então, assegurava poderes absolutos a determinados 
sujeitos e as conseqüências desse amplo espectro da autonomia de alguns 
foram o crescimento das desigualdades sociais e a concentração do capital nas 
mãos de poucos. A autonomia privada, como poder concedido pelo Estado aos 
particulares para regramento de sua esfera patrimonial, era o poder de um 
sujeito em relação ao outro. Vale dizer, aquele que detinha o poder econômico 
impunha seu querer sobre o outro. A pretensa “comunhão de liberdades” 
transmutou-se, na prática, na invasão da esfera de liberdade do mais fraco pelo 
mais forte, ou, como explica Fernando NORONHA, 
 
28
 GIORGIANNI, Michele. O direito privado e seus atuais confins, p. 49. 
29
 GIORGIANNI, M.. Idem, ibidem. 
30
 BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário., p. 21. 
 
o culto a liberdade estava levando a conseqüências inadmissíveis. A liberdade sem freios 
estava esmagando outros valores humanos tão fundamentais como ela própria. O protesto do 
padre Lacordaire ressoava nas consciências: Entre le fort et le faible c’est la libertéqui 
opprime et la loi qui afranchit, entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime, e a lei que 
liberta.
31
 
 
 Essa situação de mazela social agravou-se com o fenômeno da 
massificação da sociedade, muito bem visualizado nas relações contratuais. As 
contratações passaram a ser standizardas e os instrumentos contratuais 
redigidos de forma unilateral em formulários por uma das partes, restando à 
outra apenas aceitar ou não o que ali estava disposto. A concentração de capital 
levou a formação de monopólios ou oligopólios, muitas vezes exercidos sobre 
a comercialização de bens vitais ao ser humano. 
A clássica noção de autonomia negocial, fundada na liberdade de 
contratar ou não, na livre escolha do parceiro contratual e do conteúdo do 
contrato passou a ser sensivelmente mitigada por uma realidade social 
transformada no curso do tempo. Nesse contexto, 
 
A exploração desacerbada, pelo liberalismo clássico, do exercício da autonomia da vontade 
(liberdade contratual), entra em processo autofágico. O homem contratante acabou no final do 
século passado e início do presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja, a da 
despersonalização das relações contratuais, em função de uma preponderante massificação, 
voltada ao escoamento em larga escala, do que se produziria nas recém-criadas indústrias.
32
 
 
 O princípio da autonomia privada origina-se, justamente, na separação 
entre o direito público e o direito privado, “levando-se a dizer que, no direito 
privado, haveria autonomia para que os sujeitos criassem suas próprias 
regras”33. Mas a questão é a de identificar quais sujeitos verdadeiramente 
poderão ditar e compor suas regras, ou seja, os detentores do “poder de cada 
indivíduo gerir livremente a sua esfera de interesses, orientando a sua vida de 
acordo com suas preferências.”34 
 
31
 NORONHA, F.. Ob. cit., p. 66. 
32
 NALIN, Paulo Roberto. Do contrato: conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na 
perspectiva civil-constitucional, p. 109. 
33
 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, p. 71. 
34
 RIBEIRO, J. de S.. Ob. cit., p. 22. 
 Nessa ordem de idéias, começa-se a indagar o real campo de atuação do 
direito contratual, pois a tutela da liberdade individual ligada ao patrimônio, 
por si, representa fonte de desigualdades e conflitos sociais. E tal desigualdade 
desmistifica inclusive o caráter geral do direito privado como base do direito 
civil, já que o direito civil posto sobre as premissas tradicionais modernas 
destaca alguns sujeitos de direito (os que têm). 
 Mas o direito contratual não se reduz ao patrimônio, muito menos deve 
se limitar ao campo santuário de alguns privados em detrimento de outros. 
Assim, a “socialização” do direito civil pode servir de alavanca para um 
redimensionamento do papel do direito civil, que deixa de ser garantista de 
interesses de certa classe e passa a proteger os interesses da pessoa concreta, 
inserida em determinado contexto social. 
Em outras palavras, o sujeito do direito civil clássico cede espaço para a 
pessoa, centro do direito civil contemporâneo. Tal ordem de idéias, cujos 
vetores centrais são a pessoa humana e a solidariedade social, é que foram 
cristalizadas na ordem constitucional brasileira inaugura em 1988. 
 
5. O sentido do direito contratual contemporâneo: a proteção da pessoa 
(artigo 1°, inciso III da Constituição) e a valorização do social (artigo 3°, inciso 
I da Constituição) 
 
 As diversas críticas ao apego exagerado em torno do indivíduo exigiram 
uma reflexão acerca do objeto e do papel exercido pelo direito contratual. A 
questão remete a problemática do sujeito de direito, ou seja, do modo pelo qual 
o direito civil apreende os indivíduos contratantes em sociedade e regulamenta 
seus atos contratuais. 
 Mas, a partir das premissas metodológicas adotadas neste trabalho 
(levando-se em consideração o caráter histórico e ideológico que o direito civil 
apresenta), remanesce uma questão a ser investigada: de que pessoas está o 
direito civil a falar, de que modo se dá a tutela civil do patrimônio e de tipo de 
contratos efetivamente protege. 
 A resposta a tais indagações refletem, em realidade, a gradual passagem 
da visão do direito civil presa ao indivíduo e seu patrimônio para o pensamento 
jurídico civil voltado à proteção da pessoa e seus valores existenciais. 
 Com efeito, a concepção do direito civil presa ao direito privado enfoca, 
centralmente, aproteção ao patrimônio do indivíduo. Enlaçado em sua raízes 
liberais, o direito civil 
 
tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o 
contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento 
de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como 
expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais.
35
 
 
Observe-se que o sujeito é apreendido à luz do direito civil tradicional a 
partir de seu patrimônio, pois a função primordial do Direito era justamente a 
de promover a apropriação e livre circulação de bens. Nessa ordem de idéias, 
não importam as necessidades pessoais do sujeito, muito menos o contexto em 
que está inserido; trata-se, enfim, do “indivíduo abstratamente considerado, 
elevado ao patamar da juridicidade no que se designou como sujeito”36. 
A pessoa, no direito civil clássico, fora reduzida a um personagem cuja 
atuação é pré-determinada pela ordem jurídica. Jussara MEIRELES explica, 
justamente, que a tutela da personalidade reduziu-se a sua própria origem 
etimológica, de modo que as pessoas vestem suas máscaras (“persona”) e 
exercem papéis em um espaço jurídico delimitado
37. Desse modo, “o ingresso 
das pessoas na esfera jurídica somente era permitido àqueles que portassem 
convite para uma situação hospedada pelo Direito, de modo que, diante de uma 
situação era sujeito de direito e, perante outra, não”38. 
O direito civil contemporâneo trilha caminhos diversos, traçando “uma 
tentativa de superação do sujeito abstrato, com a construção do sujeito 
concreto, agregando-se àquela noção de cidadania. Eis aí o porvir do Direito 
 
35
 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: 
Temas de direito civil, p. 2. 
36
 FACHIN, L. E.. Ob. cit., p. 188. 
37
 MEIRELLES, J.. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura 
patrimonial, p. 90. 
38
 CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de filhos na família constitucionalizada, p. 170. 
Civil.”39. Nesse sentido, o direito civil contemporâneo adota perspectiva 
repersonalizante, colocando a pessoa no centro da tutela jurídica civil 
 
de maneira a privilegiar, insista-se ainda uma vez, os valores não-patrimoniais e, em 
particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da sua personalidade, os direitos 
sociais e a justiça distributiva, para cujo entendimento deve se voltar a iniciativa econômica 
privada e as situações jurídicas patrimoniais
40
. 
 
 À noção de sujeito de direito passa-se à proteção da pessoa, não 
abstratamente considerada, e sim a pessoa concreta que sofre as pressões 
naturais do contexto social em que vive. Nesse diapasão repersonalizante, todas 
as categorias do direito civil passam a ser funcionalizadas aos valores 
existenciais do ser humano, não mais se admitindo “a proteção da propriedade 
e da empresa como bens em si, mas somente enquanto destinados a efetivar 
valores existenciais, realizadores da justiça social”41. 
 O direito civil retira o foco exclusivo do indivíduo e seu patrimônio, 
tutelando a pessoa e seus valores existenciais. Nesse sentido 
 
é preciso predispor-se a reconstruir o Direito Civil não com uma redução ou com um aumento 
de tutela das situações patrimoniais, mas com uma tutela qualitativamente diversa. Desse 
modo, evitar-se-ia comprimir o livre e digno desenvolvimento da pessoa mediante esquemas 
inadequados e superados; permitir-se-ia o funcionamento de um sistema econômico misto, 
privado e público, inclinado a produzir modernamente e a distribuir com mais justiça.
42
 
 
O significado do conceito do direito civil altera-se completamente sob a 
perspectiva repersonalizante. Com efeito, o objeto do direito civil deixa de ser 
o indivíduo e seus poderes privados, em que a função da ordem pública 
restringia-se a preservar o espaço particular dos sujeitos de direito. 
O objeto do direito civil, em realidade, reveste-se em torno da pessoa 
humana, inserida em determinado contexto social. Assim, os tradicionais 
campos de atuação do direito civil são reconstruídos à luz da proteção aos 
valores existenciais: a propriedade passa a ser tutelada como meio de 
 
39
 FACHIN, L. E.. Ob. cit., p. 188. 
40
 TEPEDINO, G.. Ob. cit., p. 22. 
41
 TEPEDINO, Maria Celina Bodin de Moraes. A caminho de um direito civil constitucional. Revista 
de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial, v. 65, p. 28. 
42
 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, p. 34. 
preservação da vida digna de seu proprietário, o contrato como instrumento de 
satisfação de necessidades fundamentais do ser humano (e não como simples 
mecanismo de circulação de riquezas), a família como mecanismo de livre 
desenvolvimento da personalidade de seus integrantes. 
A reformulação do significado do direito civil deu-se precisamente pelas 
alterações ocorridas no seio social, especialmente a partir da valoração da 
dignidade da pessoa humana ocorrida na segunda metade do século XX. A 
Constituição brasileira prevê, nesse sentido, a dignidade da pessoa humana e a 
solidariedade como normas fundamentais (artigos 1°, III e 3°, III). 
Com base em tais princípios constitucionais fundamentais, a teoria 
contratual passa as ser inteiramente reformulada e reconstruída. 
A Constituição brasileira de 1988 apontou como fundamento da 
república o princípio da dignidade humana
43
. Elevou a pessoa e seus valores 
fundamentais a mandamento nuclear do ordenamento jurídico, cujo efeitos 
atinge todos os institutos do Direito de forma imediata e vinculativa: 
 
A dignidade da pessoa humana é princípio fundamental da República Federativa do Brasil. É 
o que chama de princípio estruturante, constitutivo e indicativo das idéias diretivas básicas de 
toda a ordem constitucional. Tal princípio ganha concretização por meio de outros princípios e 
regras constitucionais formando um sistema interno harmônico, e afasta, de pronto, a idéia de 
predomínio do individualismo atomista do Direito. Aplica-se como leme a todo o 
ordenamento jurídico nacional compondo-lhe o sentido e fulminando de inconstitucionalidade 
todo preceito que com ele conflitar. É de um princípio emancipatório que se trata.” 44 
 
O contrato, portanto, é redesenhado a partir do princípio fundamental da 
dignidade humana. O viés patrimonialista moderno, em que a relação jurídica 
contratual traduzia-se em simples operação econômica, é reavaliado por uma 
concepção existencialista. Como diz PERLINGIERI, não se trata de ignorar 
por completo o conteúdo patrimonial das relações jurídicas, mas sim 
redimensioná-las, funcionalizando-as aos valores existenciais, predominantes 
no sistema
45
. 
 
43
 Art. 1°, inc. III. 
44
 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, p. 191. 
45
 PERLINGIERI, P. Ob. cit., p. 33: “Com o termo, certamente não elegante, “despatrimonialização”, 
individua-se uma tendência normativa-cultural; se evidencia que no ordenamento se operou uma 
opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e 
Trata-se de verdadeira reviravolta epistemológica em que o contrato 
passa a ser visto como composição de interesses humanos, afirmação que traz 
em si a proibição da superlativização da obrigação nele traduzida (que leva à 
opressão econômica)
46
 e a facilitação de sua utilização como instrumento de 
aquisiçãode bens indispensáveis à vida
47
. Com base no princípio da dignidade 
humana, pode-se afirmar que o contrato dignifica o homem, em que o valor 
patrimonial tem por base o valor existencial, como explica Paulo NALIN: 
 
O homem, ao menos enquanto perdurar o comando expresso do artigo 1°, inc. III, associado 
ao artigo 170, caput, todos da Carta, se posiciona no centro das atenções. A leitura do 
contrato, assim vista, não ignora sua função econômica, mas antes de se averiguar da 
realização da causa (econômica) do contrato, terá de se indagar se aquela relação em apreço 
levou em conta a dignidade dos contratantes. A interpretação constitucional do contrato 
transita do ser para o ter”.
48
 
 
patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do 
consumismo, depois, como valores). Com isso não se projeta a expulsão e a “redução” quantitativa do 
conteúdo patrimonial no sistema jurídico e naquele civilístico em especial; o momento econômico, 
como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável. A divergência, não certamente de 
natureza técnica, concerne à avaliação qualitativa do momento econômico e à disponibilidade de 
encontrar, na exigência da tutela do homem, uma aspecto idôneo, não a ‘humilhar’ a aspiração 
econômica mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre 
desenvolvimento da pessoa. Isso induz a repelir a afirmação – tendente a conservar o caráter estático-
qualitativo do ordenamento – pela qual não pode ser ‘radicalmente alterada a natureza dos institutos 
patrimoniais do direito privado’. Estes não são imutáveis: por vezes são atropelados pela sua 
incompatibilidade com os princípios constitucionais, outras vezes são exaustores ou integrados pela 
legislação especial e comunitária; são sempre, porém, inclinados a adequar-se aos novos valores, na 
passagem de uma jurisprudência civil dos interesses patrimoniais a uma mais atenta aos valores 
existenciais”. 
46
 Maior exemplo são as limitações no processo de execução da obrigação, como ressaltou FACHIN, 
L. E., Estatuto...., p. 194 e ss. E demonstração clara de que o contrato não pode levar à opressão 
econômica está em valioso precedente jurisprudencial: “A decisão judicial que atende a contrato de 
financiamento bancário com alienação fiduciária em garantia e ordena a prisão de devedora por dívida 
que se elevou, após alguns meses, de R$ 18.700,00 para 86.858,24, fere o princípio da dignidade da 
pessoa humana, dá validade a uma relação negocial sem nenhuma equivalência, priva por quatro meses 
o devedor se seu maior valor, que é a liberdade, consagra o abuso de uma exigência que submete uma 
das partes a perder o resto provável da vida reunindo toda a sua remuneração para o pagamento dos 
juros de um débito relativamente de pouca monta, destruindo qualquer outro projeto de vida que não 
seja o de cumprir com a exigência do credor”. (Habeas Corpus n° 12.547/DF, Quarta Turma do 
Superior Tribunal de Justiça, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar). 
47
 “Além da vida em si e da integridade física e psíquica, a concretização da dignidade humana exige 
também o respeito às condições mínimas de vida (segunda conseqüência direta do princípio). Trata-se 
aqui das condições materiais de vida. A obtenção da casa própria e a sua proteção, por exemplo, são 
decorrências da dignidade humana”. AZEVEDO, Antônio Junqueira Caracterização jurídica da 
dignidade da pessoa humana, p. 22. 
48
 NALIN, Paulo. Ob. cit., p. 248-249. O princípio da dignidade humana implica em uma prevalência 
do ser sobre o ter: “Enfim, a pessoa humana passa a centralizar as cogitações jurídicas, na medida em 
que o ser é valorizado. O seu papel anteriormente estabelecido pelas disposições do Código Civil, 
determinado fundamentalmente pela propriedade, pelo ter, assume função meramente complementar. 
A excessiva preocupação com o patrimônio, que ditou a estrutura dos institutos basilares do Direito 
Civil, não encontra resposta na realidade contemporânea, mais voltada ao ser humano na sua total 
 
Trata-se, enfim, de reconstruir conceitos fundamentais do Direito Civil 
à luz da dignidade da pessoa humana, conforme explica Maria Celina Bodin de 
MORAES, 
 
No quadro contemporâneo, marcado pela superação da dicotomia clássica entre público e 
privado, perderam relevo as concepções que consideravam o direito subjetivo, a priori, como 
um poder atribuído à vontade individual, para a realização de um seu interesse exclusivo, 
cabendo-lhe respeitar insignificantes limites externos, dispostos no interesse de terceiros ou da 
coletividade. Ao contrário, as limitações deixam de constituir exceção e passam a contribuir 
para a identificação da função de institutos jurídicos. A própria noção de ordem pública, 
sempre invocada como limite á livre atuação do sujeito, teve se conteúdo redesenhado pelo 
projeto constitucional, com particular ênfase nas normas que tutelam a dignidade da pessoa 
humana e que, por isso mesmo, ocupam a mais alta hierarquia da ordem pública, o 
fundamento último do ordenamento constitucional.
49
 
 
 
 Decorrência direta do princípio da dignidade humana, o princípio da 
solidariedade
50
, traduzido em uma conjugação de esforços para consecução de 
fins comuns, supera o individualismo característico do sistema oitocentista. 
Como expõe Erouths CORTIANO JUNIOR, 
 
a repersonalização do direito toma sentido quando toda comunidade se envolve numa 
existência plural – pluridade humana, política, social – e convive solidaristicamente. A relação 
com o outro e com os outros é essencial para a realização pessoal do homem, que não só vive, 
mas convive. O respeito pela diferença e o reconhecimento dela permitem a realização do 
próprio homem. E, numa sociedade plural, o valor da solidariedade assume um relevo muito 
especial. Ela, a solidariedade, refere-se à participação de todos na gestão das formações 
sociais, com o objetivo de permitir o pleno desenvolvimento da pessoa.” 51 
 
A solidariedade redimensiona a função do contrato, passando de uma 
feição essencialmente econômica para uma visão social. A relação contratual 
 
dimensão ontológica, cujos interesses de cunho pessoal se sobrepõe à mera abstração que o situava 
como simples pólo de relação jurídica.” (MEIRELLES, Judith. Ob. cit., p. 111). 
49
 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e 
conteúdo normativo, p. 135. 
50
 Preferimos interpretar a solidariedade como princípio, em razão de seu caráter vinculante (embora 
dependente de conformação), conforme aduz Paulo NALIN (ob. cit., p. 174) e Maria Celina Bodin de 
MORAES (O princípio da solidariedade, p. 527 e seguintes). Ressaltamos, no entanto, que concepção 
da solidariedade como princípio não é unânime, existindo basiladas opiniões em sentido diverso. O 
próprio autor paranaense traz a lição de Nicolò Lipari, que considera a solidariedade apenas como 
valor (p. 182). Judith MARTINS-COSTA, na esteira de Eros Roberto Grau, a configura como diretriz 
(MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social entre ‘cosmos’ e ‘taxis’: a boa-fé nas 
relações de consumo, p. 621 e 627, nota 40). 
51
 CORTIANA JUNIOR, E. Ob. cit., p. 172-173. 
deixa de ser a realização egoísta das partes
52
 e passa ser concebida como 
grande instrumento de justiça social: 
 
A solidariedade não é somente um valor inserido na Constituição, sem papel definido no 
plano da regra. Ao contrário,ela reflete novo espírito ético da sociedade brasileira que, 
efetivamente, pretende encontrar um Brasil no século XXI livre da miséria econômica e das 
desigualdades sociais.”53 
 
 Da mesma forma a solidariedade determina novo modelo de conduta 
dos contratantes, consistente na mútua cooperação em torno da execução da 
obrigação
54
. O núcleo da relação obrigacional desloca-se, então, da vontade 
para a efetivação da obrigação em respeito à dignidade das partes. A obrigação, 
nesta ordem de idéias, é tida como um processo
55
 e, como demonstra Judith 
MARTINS-COSTA, 
 
diferentemente do que ocorria no passado, o contrato, instrumento por excelência da relação 
obrigacional e veículo jurídico de operações econômicas de circulação de riqueza, não é mais 
perspectivado desde uma ótica informada unicamente pelo dogma da autonomia da vontade. 
Justamente porque traduz relação obrigacional – relação de cooperação entre as partes, 
processualmente polarizada por sua finalidade – e porque se caracteriza como o principal 
instrumento jurídico de relações econômicas, considera-se que o contrato, qualquer que seja, 
de direito público ou de direito privado, é informado pela função social que lhe é atribuída 
pelo ordenamento jurídico, função esta, ensina Miguel Reale, que “é mero corolário dos 
imperativos constitucionais relativos à função social da propriedade e à justiça que deve 
presidir a ordem econômica..
56
 
 
 
52
 MARTINS-COSTA, J. Ob. cit., p. 620-621: “a palavra “solidariedade” traduz categoria social que 
exprime uma forma de conduta correspondente às exigências de convivência de toda e qualquer 
comunidade que se queira como tal, implicando a superação de uma visão meramente individualista do 
papel de cada um dos seus singulares membros e assim configurando elemento de coesão da estrutura 
social. Essa categoria social (e igualmente ética e política) é apreendida pelo Direito na Constituição, 
indicando, em linhas gerais, a exigência de evitar, ou ao menos reduzir, a conflitualidade social 
mediante a superação de uma visão estreitamente egoísta do Direito. Torna-se, pois, exigência ético-
jurídica de tipo político, cujo papel é o de desenvolver uma função de endereço político acerca do 
funcionamento do próprio ordenamento juídico.” 
53
 NALIN, P.. O contrato em movimento no direito pós-moderno, p. 277. 
54
 NALIN, P.. Do contrato..., p. 174: “A percepção do solidarismo entre partes, numa relação 
contratual, por certo escapa completamente à concepção individual e egoísta, proposta no atual modelo 
codificado, em que os interesses subjetivos são contrapostos aos sujeitos contratantes. A idéia de uma 
relação contratual solidária pressupõe, sobretudo, o existir da concorrência, e não da oposição, no que 
tange aos interesses envolvidos a propósito de um fim comum e de uma indispensável medida de 
cooperação entre as partes.” 
55
 COUTO e SILVA, Clóvis. A obrigação como processo, p. 2. 
56
 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 
457. 
Neste sentido, a solidariedade aproxima-se da boa-fé
57
. Com efeito, a 
boa-fé impõe uma série de deveres que não se originam da vontade dos 
contratantes e sim da necessidade de “satisfação dos interesses globais 
envolvidos, em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo 
conteúdo da relação que se unifica funcionalmente.”58 Tais deveres 
caracterizam-se pela lealdade, informação e, acima de tudo, confiança não só 
no parceiro contratual, mas na relacão obrigacional em si; mas configuram, 
sobretudo, em uma superação da concepção contratual voluntária, rompendo 
com a idéia de que só a vontade gera deveres e obrigações
59
. 
 O princípio da boa-fé ainda requalifica a liberdade contratual e 
proporciona uma nova hermenêutica contratual, distanciada do individualismo 
predominante na modernidade
60
. Assim, pode-se extrair dessa ordem de idéias 
um novo fundamento para a obrigatoriedade dos contratos, como explica 
NORONHA: 
 
o contrato não é dominado apenas pela liberdade contratual em que se resolve a autonomia 
privada. E nesta questão de fundamento da vinculatividade do contrato, se ainda hoje é correto 
afirmar-se que a obrigação de cumprir o contrato está associada ao dever, de raiz 
essencialmente ética, de respeitar a palavra dada, como se enfatiza tradicionalmente, 
invocando a autonomia privada, a verdade é que mais importante do que tal dever ético é a 
necessidade social de assegurar a observância de certos compromissos. Por isso, o valor 
primacial a considerar ainda é, como vimos, o da segurança jurídica, que é tutelado em nome 
da confiança do declaratório ou, dizendo de outro modo, da sua boa-fé.
61
 
 
 
É nesta visão solidária que a Constituição de 1988 conforma o contrato, 
ao determinar como objetivos fundamentais da República a construção de 
“uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3°, I) e a redução das 
“desigualdades sociais” (art. 3°, III), assim como condicionar a ordem 
econômica aos “ditames da justiça social” (art. 170, caput). A partir desse viés 
 
57
 NALIN, Paulo, Do contrato..., p. 182. No mesmo sentido, MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e 
solidariedade...., p. 633, nota 82. 
58
 MARTINS-COSTA, J.. A boa-fé...., p. 440. 
59
 MARTINS-COSTA, J.. Idem, p. 394-395. 
60
 MARTINS-COSTA, J.. Idem, p. 428 e p. 455. 
61
 NORONHA, F. Ob. cit., p. 94. Concorda-se com a conclusão do autor, apenas com um senão: assim 
como a neutralidade é um mito, a segurança jurídica também o é. O autor deste artigo compreende (e 
esta é a noção de sistema adotado no texto) o sistema jurídico como aberto e re-construtivo na medida 
em que os valores e a ideologia presentes na sociedade evoluam. Neste sentido, ver por todos 
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. 
humanista, solidário e ético, busca-se no contrato não apenas o respeito ao 
pactuado, mas a razão de ser deste pacto. Inicia-se, então, a travessia do 
primado da vontade para o primado da justiça. 
Mas para melhor elucidar as conseqüências da reformulação do 
significado do direito contratual, é necessário fazer uma intersecção com a 
idéia de sistema jurídico, pois, como se poderá observar, a reformulação da 
noção do direito contratual possibilita a construção de um diálogo mais efetivo 
entre direito e realidade social. 
 
6. Repersonalização e sistema jurídico: necessidade da construção de 
efetivo diálogo entre realidade social e ordem normativa. 
 
 Comumente os manuais de direito civil, após conceituar o direito civil 
na esfera do direito privado em oposição ao direito público, trabalham com 
uma segunda dicotomia: a de direito objetivo e direito subjetivo. Nesse sentido, 
separam o “complexo de normas jurídicas que regem o comportamento 
humano”, categorizado como direito objetivo, da “permissão dada por meio de 
norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter 
algo”62, correspondente ao direito subjetivo. 
 As categorias que balizam, essencialmente, a separação entre direito 
objetivo e direito subjetivo são, respectivamente, a de norma e de relação 
jurídica. Assim, no direito objetivo estuda-se a norma civil ou o conjunto de 
regras aplicáveis em matéria civil (e, portanto, em matéria contratual). Ao 
passo que o direito subjetivo compreende-se no núcleo da relação jurídica, 
consistente no poder de exigir comportamentos de outrem. 
 Nessa ordem de idéias percebe-se claramente o sentido específico que se 
dá ao direito objetivo, caracterizando-o precisamente como um sistema fechado 
de normas, cujo diálogocom o meio social dá-se exclusivamente mediante a 
atividade do legislador, que valorando os fatos sociais por ele reputados 
 
62
 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil., p. 10. 
interessantes, imprime-lhes efeitos jurídicos de modo a transformá-los em fatos 
jurídicos. 
 A teoria dos fatos jurídicos é espelho significativo da forma que se 
construiu a idéia de sistema jurídico: sistema fechado, fundado 
 
em proposições primeiras – os axiomas -, que não requerem demonstração justamente por 
serem ‘verdadeiras’ ou ‘inatas’, assim como o são os princípios primeiros da matemática ou 
da geometria, das quais seguem, ordenada e unitariamente encadeadas, proposições 
secundárias e efeitos que constituem uma totalidade”63. 
 
 O sistema jurídico, assim, constitui-se a partir de duas características 
fundamentais: ordenação e unidade. Percebe-se claramente a influência da 
noção kantiana de sistema. Com efeito, explica o filósofo prussiano que 
 
No domínio da razão não devem os nossos conhecimentos em geral formar uma rapsódia mas 
um sistema, e somente deste modo podem apoiar e fomentar os fins essenciais da razão. 
Assim, por sistema entendo a unidade de conhecimentos diversos sob uma idéia. Esta é o 
conceito racional da forma de uma totalidade, na medida em que nela se determinam a priori 
tanto no âmbito da diversidade quanto o lugar respectivo das partes.
64
 
 
A noção kantiana de sistema parte de um núcleo central básico (“idéia 
fundamental”), que ordena as demais partes integrantes do sistema, 
preservando assim a sua unidade. Nesse sentido, 
 
todas as ciências. Sendo concebidas do ponto de vista de um certo interesse geral, precisam de 
ser explicadas e definidas, não segundo a descrição que lhes dá o seu autor, mas segundo a 
idéia que se encontra fundamentada na própria razão, a partir da unidade natural das partes 
que reuniu.
65
 
 
Apropriando-se da concepção kantiana de sistema, a ciência do direito 
formatada na modernidade construiu o sistema jurídico central, cujo núcleo 
constituía-se pelos princípios fundamentais. Nessa ordem de idéias, os 
princípios jurídicos, por representarem os valores fundamentais do sistema 
jurídico, constituem o núcleo sistemático e em um sistema jurídico fechado 
 
63
 MARTINS-COSTA, J. A boa-fé..., p. 144. 
64
 KANT, Imannuel. Crítica da razão pura, p. 584. 
65
 KANT, I.. Idem, p. 585. 
apresentam função exclusivamente intra-sistemática, ou seja, resumem-se a 
coordenar as regras constantes do sistema, de modo a manter a sua unidade. 
Desse modo, o sistema mostra-se fechado: os princípios coordenam as 
regras jurídicas, as regras prescrevem determinados fatos sociais, colhidos sob 
a ótica estrita do legislador. Fora dos olhos da lei, não há direito; eis a razão 
pela qual o direito civil gradativamente afastou-se do meio social e distanciou-
se de seu verdadeiro sentido, que é o da proteção da pessoa. 
Nesse contexto se explica as progressivas transformações conceituais 
que marcaram o direito civil no último século. Como esclarece Luiz Edson 
FACHIN, 
Historicamente, quando o sistema de Direito Civil se erige, cria um conjunto de categorias 
congruentes com aquele momento histórico e tende a colocá-las para valerem 
perpetuamente. Isto revela como os fatos começam a se chocar com os conceitos. São 
modelos sociológicos de família, de contratos que não se enquadram num standard, e de 
direitos sobre as coisas que não se amoldam mais àquela clausura. Enquanto o sistema se 
manteve ou queria se manter intacto, a realidade subjacente foi se alterando. (...) É que a 
pretensão de cientificidade, como a de neutralidade, exige certo distanciamento da realidade 
social. E é por isso que o Direito cada vez mais se afastou da sua noção de arte e se 
aproximou desta pretensão de pseudo-cientificidade, mediante a qual os conceitos buscavam 
aprisionar os fatos da vida até que as águas desses diques represados acabavam rompendo as 
comportas para que os fatos se impusessem.
66
 
 
Em outras palavras, os fatos sociais pressionam por dignificação 
jurídica. Neste ponto reside uma das transformações fundamentais 
determinadas pela Constituição, ocorrida no plano sistemático e que, por 
conseguinte, influenciou o direito contratual: o redimensionamento do papel 
dos princípios. 
 
7. Abertura sistemática e o papel fundamental dos princípios: o direito 
contratual “à serviço da vida”. 
 
Para melhor compreensão dessa mudança na estrutura do sistema, é 
necessário apontar, ainda que de maneira bastante simples (já que o assunto 
merece trabalho a parte), uma diferença crucial entre regras e princípios: as 
 
66
 FACHIN, L. E. Ob. cit., p. 59. 
 
primeiras prescrevem fatos específicos, apresentando hipóteses normativas e 
sanções pré-definidas; os princípios, por sua vez, representam as escolhas 
fundamentais do sistema e são normas vagas, não contendo hipóteses 
normativas fechadas e apresentando múltiplas conseqüências. 
Nesse sentido, a aplicação das regras difere da aplicação dos princípios: 
aquelas se dão pela técnica da subsunção (adequação do fato à regra, extraindo-
se a conseqüência), ao passo que com relação a estes a participação do 
intérprete é mais efetiva, já que necessariamente deverá ser tomado em 
consideração dados fáticos externos ao sistema para determinação de seu 
conteúdo. 
A exigência de participação mais efetiva do intérprete possibilita a 
abertura do sistema, pois a concretização do princípio deverá se dar 
necessariamente à luz de elementos do caso concreto. Com isso, determinados 
fatos que não foram previstos por regras passam a ter conteúdo jurídico pela 
incidência dos princípios. 
Nessa ordem de idéias, a própria noção de sistema altera-se, passando a 
ser aberto, poroso, em constante interação com a realidade social
67
. A adoção 
de uma perspectiva aberta de sistema implica desenvolvimento mais eficaz de 
um diálogo entre realidade social e mundo jurídico, e nesse diálogo reconhecer 
o caráter dinâmico do sistema jurídico
68
. A função dos princípios jurídicos 
igualmente altera-se, revistos como mecanismo de abertura do sistema jurídico. 
A Constituição brasileira de 1988 é um corpo de enunciados normativos 
abertos e descritivos de valores. Com isso, o texto constitucional propicia a 
abertura sistemática e o diálogo entre a realidade social e o dado normativo. 
 
67
 Como aduz CANARIS, o sistema jurídico aperfeiçoa-se, de modo que “os valores fundamentais 
constituintes não podem fazer, a isso, qualquer exceção devendo, assim, mudar também o sistema cujas 
unidades e adequação eles corporizem. Hoje, princípios novos e diferentes dos existentes ainda há 
poucas décadas, podem ter validade e ser constitutivos para o sistema. Segue-se, daí, finalmente, que o 
sistema, como unidade de sentido, compartilha de uma ordem jurídica concreta no seu modo de ser, 
isto é, que tal como esta, não é estático, mas dinâmico, assumindo pois a estrutura da historicidade” 
(CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 
Tradução de: António Menezes Cordeiro. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 109-
110). 
68
 Nesse sentido, o sistema passa a concretizar os objetivos do Estado democrático de direito, conforme 
salienta Juarez FREITAS (Interpretação sistemática do direito, p. 54). 
Exemplo concreto da abertura do sistema jurídico à luz de princípios 
relacionada ao direitocontratual é o reconhecimento da existência de contratos 
a partir de simples comportamentos sociais (independentemente dos requisitos 
exigidos pela legislação civil, especialmente os relativos a regular manifestação 
da vontade
69
). 
Destacam-se entre esses comportamentos sociais os denominados “atos 
existenciais”, isto é, atos corriqueiros da vida comum necessários à 
manutenção da dignidade de seus autores. Nestes casos, “a perquirição do 
elemento volitivo é descabida, em razão da objetivação produzida pela 
incidência de fatores sociais típicos da sociedade contemporânea”.70 
A hipótese revela uma relação obrigacional apreendida junto à 
realidade social, enfatizando-se comportamentos contratuais típicos. Exemplo 
extraído da jurisprudência diz respeito à estabelecimentos comerciais que 
disponibilizam estacionamento a seus clientes. Não há contratação formal 
(encontro de vontades) de depósito, mas comportamentos sociais das partes 
que determinam a formação do contrato de depósito: 
 
Civil. Ação de indenização. Furto de veículo estacionado por manobrista de restaurante. 
Contrato de depósito. Responsabilidade do estabelecimento. CC, art. 159. I. A entrega de 
veículo em confiança a manobrista de restaurante caracteriza contrato de depósito e, como 
tal, atrai a responsabilidade do estabelecimento comercial pelo furto, ainda que na via 
pública, impondo-lhe o dever de indenizar o proprietário pelos prejuízos daí decorrentes.
71
 
 
A abertura sistemática e o reconhecimento dos efeitos vinculantes dos 
princípios possibilitam a reconstrução de determinados institutos do direito 
contratual outrora obscurecidos. Exemplo paradigmático está na ampliação do 
papel da revisão dos contratos, antes presa à fatos extraordinários e 
 
69
 Previstos no artigo 104 do Código Civil. 
70
 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no..., p. 398. 
71
 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial 419465 – DF. Relator: Ministro Aldir 
Passarinho Junior, em <http://www.stj.gov.br/jurisprudencia>. A jurisprudência da Corte Superior 
reconhece a existência do contrato de depósito, ainda que não formalmente estipulado, no entanto 
não fundamentando a decisão especificamente na questão dos atos existenciais e sim na presença 
fática dos elementos caracterizadores do referido contrato. Na mesma hipótese e com a mesma 
decisão, mas com fundamento baseado na noção de ato existencial, estão os julgados da 5ª Câmara 
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (apelações cíveis números 589071711 e 
589061431, citados por Judith MARTINS-COSTA. Ob. cit, p. 405). 
imprevisíveis, hoje emancipada como instrumento de revitalização do contrato 
à luz dos valores humanos e solidários plasmados no texto constitucional. 
Colhe-se, nesta ordem de idéias, do Tribunal de Alçada de Minas 
Gerais, precedente significativo determinando o cumprimento da prestação 
contratual (e, portando, preservando o contrato) em razão da importância do 
bem objeto da relação contratual: 
 
Plano de saúde. Transplante de órgão. Prestação de serviço. Cláusula contratual. 
Nulidade. CF/88. Lei 8.078/90. A saúde, como bem intrinsecamente relevante à vida 
e à dignidade humana, foi elevada pela atual CF/88 à condição de direito 
fundamental do homem. Assim, ela não pode ser caracterizada como simples 
mercadoria, nem confundida com outras atividades econômicas. O particular que 
presta uma atividade econômica correlacionada com serviços médicos e de saúde 
possui os mesmos deveres do Estado, ou seja, prestar assistência médica integral aos 
consumidores de seus serviços, entendimento esse que não se sustenta somente no 
texto constitucional ou no Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90), 
mas, principalmente, na lei de mercado de que quanto maior o lucro, maior também é 
o risco. Em razão das peculiaridades fáticas e jurídicas do caso, deve o plano de 
saúde ressarcir o consumidor das despesas médico-hopitalares decorrentes de 
transplante de fígado.
72
 
 
 
Trechos desse acórdão demonstram a importância de reformular-se a 
concepção do contrato (não mais calcado exclusivamente na autonomia da 
vontade das partes) a partir da importância do bem jurídico objeto da relação 
contratual: 
 
Assim, em face do texto constitucional, conclui-se que a saúde, embora dever do Estado, não 
é monopólio deste, mas constitui atividade aberta à iniciativa privada. Entretanto, como a 
saúde não se caracteriza como uma mercadoria qualquer nem pode ser confundida com outras 
atividades econômicas, visto ser um meio importantíssimo de se garantir o direito 
fundamental à vida e à dignidade humana, tem-se que o particular, que presta uma atividade 
econômica correlacionada com os serviços médicos e de saúde, possui os mesmos deveres do 
Estado, ou seja, os de prestar uma assistência médica integral para os consumidores dos seus 
serviços. (...) Ante essa conformação constitucional dada ao direito à saúde, constata-se que o 
fato de a assistência à saúde ser livre à iniciativa privada não garante aos particulares a 
prerrogativa de se desobrigarem de dar uma cobertura integral, recusando-se, portanto, ao 
dever de atender às moléstias e tratamentos mais onerosos. É que a liberdade econômica não é 
exercida de forma absoluta, pois ela encontra limitações no texto constitucional, para que, 
desse modo, seja promovida a defesa dos consumidores dos serviços de saúde (Constituição 
Federal, art. 170, inc. V) e seja atingida a finalidade de assegurar a todos existência digna, 
conforme os ditames da justiça social (Constituição Federal, art. 170, caput).
73
 
 
72
 MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Apelação cível n° 264.003-9. Espólio de 
Danilo José Coscarelli versus Unimed-BH Cooperativa de Trabalho Médico Ltda. Relatora: Juíza 
Maria Elza, 4ª câmara cível. Acórdão de 10 de fevereiro de 1999. Jurisprudência brasileira: cível e 
comércio. Curitiba: Juruá, v. 193, p. 107-121, 2000. 
73
 MINAS GERAIS.... Idem, p. 110. 
 
A valorização da importância humana do contrato exige do intérprete a 
superação da posição de mero aplicador mecânico de regras. Ao contrário, 
deve analisar as particularidades da relação contratual adotando como bússola 
os valores presentes na Constituição. Nesse sentido, Tereza NEGREIROS 
defende a aplicação do paradigma da essencialidade aos contratos, 
diferenciando-os a partir da importância existencial dos bens por eles 
instrumentalizados: 
 
Os contratos que versem sobre a aquisição ou utilização de bens que, considerando a sua 
destinação, são tidos como essenciais estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela 
necessidade de proteção da parte vulnerável – assim entendida a parte contratante que 
necessita do bem em questão -; e vice-versa, no extremo oposto, os contratos que tenham por 
objeto bens supérfluos regem-se predominantemente pelos princípios do direito contratual 
clássico, vigorando aqui a regra da mínima intervenção heterônoma
74 
 
Tais exemplos comprovam como o sistema jurídico não é fechado e sim 
aberto aos fatos sociais e como a jurisprudência pode figurar como um 
elemento de ressistematização (verdadeira fonte de direito, assim como a lei). 
Nesse processo de interpretação e aplicação do direito contratual, com 
base nos princípios fundamentais do sistema (localizados, principalmente, na 
Constituição), os Tribunais constroem normas e reconstroem institutos 
jurídicos, materializando a evolução jurídica. 
A partir da abertura sistemática propiciada pelo texto constitucional o 
direito contratual contemporâneo dialoga com a realidade social, de modo

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