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Como a personalidade é estudada e avaliada? O “teste do pirata”: reações diferentes perante um estímulo. “Como qualquer teste de personalidade, há determinadas potencialidades para capturar a característica que o teste procura medir, e determinadas fragilidades ou limitações que o tornam incompleto ou imperfeito” (pág. 27). Quanto à objetividade dos resultados: Avaliação objetiva: a mensuração não depende do julgamento do indivíduo que está fazendo a avaliação, resultando em medidas claras. Avaliação subjetiva: mensuração que se vale da interpretação, é afetada pela possibilidade de diferentes observadores poderem fazer diferentes julgamentos, e esses julgamentos serem falíveis ou contraditórios. Contudo, muitos testes possuem um elemento subjetivo, pois profissionais devidamente qualificados, na maioria das vezes, pode perceber as complexidades de um fenômeno valioso e obter informações elucidativas significativas. “Na avaliação da personalidade, devemos ter postura intermediária entre o muito objetivo, caso em que nossas informações podem se tornar improdutivas, e o muito subjetivo, caso em que nossas observações e inferências podem acabar sendo, respectivamente, idiossincráticas e não científicas” (pág. 28). Medindo a Personalidade Confiabilidade: Confiabilidade requer consistência. Capacidade de manter o padrão de mensuração em situações semelhantes. Além de conter implicitamente a ideia de precisão. Contudo, é normal se deparar com o que chamamos de erro de mensurarão ou variância de erros — variações aleatórias causadas por flutuações irrelevantes e eventuais. Confiabilidade de consistência interna: medição do grau de consistência observando se subpartes ou partes equivalentes de um teste produzem os mesmos resultados. Em termos estatísticos, isso significa que a consistência interna está subordinada à quantidade de itens e ao seu grau de correlação. Confiabilidade de teste-reteste: diz respeito ao grau de consistência em diferentes ocasiões. “É óbvio que desejamos ter a possibilidade de admitir que as pessoas podem mudar ao longo do tempo. Nosso sistema biológico amadurece e envelhece, somos modelados por experiências, temos insights a respeito de nós mesmos e dos outros e as situações com as quais nos deparamos mudam com o tempo. Portanto, faz sentido admitir que a personalidade também mude. Isso não é problema no caso de verificar quanto pesamos — todos nós sabemos muito bem que nosso peso flutua quando comemos demais ou fazemos dieta. Entretanto, a personalidade, por definição, é considerada razoavelmente estável. Posto tudo isso, resta-nos um desafio teórico e de mensuração significativo: como podemos obter uma avaliação confiável (estável) da personalidade se ela pode mudar? Há dois tipos de resposta, ambos complexos. Primeiramente, como Gordon Allport enfatizou várias vezes, a personalidade consiste em padrões que direcionam dinamicamente as ações de um indivíduo. Embora as ações particulares e as reações cotidianas de uma pessoa possam mudar, os padrões subjacentes fundamentais permanecem relativamente estáveis. (...) A segunda resposta ao desafio da mudança de personalidade é admitir que a personalidade pode mudar a longo prazo (ou após um trauma sério) e alimentar a expectativa de estabilidade da personalidade somente durante períodos mais curtos ou talvez por alguns anos. (...) Medir sistemas biológicos conscientes (pessoas) não é a mesma coisa que medir características físicas como peso e altura. As pessoas amadurecem e mudam. Até mesmo seus padrões básicos de reação podem mudar” (pág. 31). Validade do constructo: Para averiguar a validade do constructo, é necessário observar se as avaliações predizem comportamentos e reações subentendidas (teoricamente) pelo constructo. A validação do constructo é um processo contínuo e envolve a demonstração de que a avaliação está relacionada com o que teoricamente deveria estar relacionada — isso é chamado de validação convergente; e a avaliação que não está relacionada com o que não deveria estar relacionada — isso é chamado de validação discriminante (Campbell & Fiske. 1959). “No fundo, a validação do constructo é um processo intimamente ligado à elaboração da teoria. Apenas uma teoria pode nos dizer com que o constructo de nossa personalidade deve ou não relacionar-se. A elaboração da teoria nas ciências sociais é notoriamente complexa. As teorias estão subordinadas a várias suposições e a várias entidades difíceis de medir. Paradoxalmente, a teoria instrui a avaliação, que, por sua vez, oferece informações para a teoria. Começamos com algumas ideias sobre a personalidade e, à proporção que medimos a personalidade, aperfeiçoamos nossas teorias. Esse é o motivo por que a avaliação é tema recorrente em qualquer curso sobre personalidade” (pág. 32). A validade do conteúdo verifica se um teste está medindo o domínio para o qual ele foi designado. E a seleção de itens, se estes são os mais apropriados e úteis para um teste de personalidade. Além disso, a escolha depende muito das suposições sobre a natureza da personalidade; a avaliação não deve ser levada a cabo se faltar uma teoria. Uma das qualidades desejáveis nos itens é sua distinção entre as pessoas que estão se submetendo ao teste; um item é considerado inútil se todos o respondem da mesma forma. Tendenciosidade Possíveis fontes de tendenciosidade: conjunto de respostas, discriminação étnica e discriminação de gênero. O conjunto de respostas refere-se a propensões e inclinações a um determinado padrão de respostas que não estão relacionados com a característica da personalidade que está sendo medida. - Conjunto de respostas aquiescentes: tendência em concordar com tudo o que está sendo indicado. - Conjunto de respostas de desejabilidade social: tendência em responder de maneira que agrade o experimentador, almejando corresponder positivamente ao que seria esperado socialmente. Poucas pessoas concordarão verdadeiramente com uma afirmação do tipo “Já me passou pela cabeça molestar criancinhas”. Entretanto, alguém que deseje passar por doente mental pode concordar falsamente com tal declaração. A tendenciosidade étnica refere-se à desconsideração de elementos da cultura ou subcultura pertinente da pessoa que está sendo testada; teorias e medidas desenvolvidas em uma cultura são inapropriadamente aplicadas em outra cultura. A tendenciosidade de gênero refere-se às expectativas e ao preconceito em relação ao gênero interferindo nos resultados. “Embora todos os testes dependam de uma serie de suposições e, por esse motivo, possam ser caracterizados como tendenciosos, eles não são necessariamente ruins ou inúteis. Ao contrário, devem ser usados e interpretados de modo apropriado para serem validados” (pág. 35). Variedade de medidas da personalidade “Há razões teóricas e metodológicas que justificam a existência de diferentes tipos de teste de personalidade. No terreno teórico, não há dúvida de que vários tipos de teste são mais ou menos apropriados para medir o aspecto da personalidade em questão. (...) No terreno metodológico, é fundamental ter em mãos vários meios de medir a personalidade, pois cada um deles padece de alguma tendenciosidade inerente. (...) A fragilidade de uma técnica de avaliação pode ser compensada por outras técnicas, ajudando- nos, portanto, a compreender de modo mais íntegro a personalidade” (pág. 37). Testes de auto-relato (self-report): Os testes de personalidade mais comuns, como o instrumento de avaliação do carisma ACT, dependem do auto-relato dos examinandos. Esses testes são fáceis de administrar, baratos e na maioria das vezesobjetivos, mas sua validade deve ser cuidadosa e continuamente avaliada. Testes Q-sort (classificação Q): Um método curioso de coletar auto-relatos, mais dinâmico que os questionários. No teste Q-Sort, a pessoa recebe um conjunto de cartas nomeando várias características e pede-se a ela para classificar essas cartas em montes, em dimensão que englobe as características mínimas e máximas de alguém, servindo como forma de capturar dados comportamentais mais objetivos. Classificações e apreciações alheias: O uso de classificações implica que outras pessoas podem fazer apreciações válidas sobre a personalidade de alguém. Em outras palavras, nossas primeiras impressões sobre outra pessoa em determinadas dimensões como extroversão podem, às vezes, ser bastante precisas, contudo, mantém certa restrição à ações prontamente observáveis. Medidas biológicas: Hoje em dia, consiste basicamente na investigação neurocientífica de características individuais a partir do monitoramento do funcionamento do cérebro e do nível de hormônios. É possível que diferenças individuais sistemáticas no processo do pensamento possam ser, em algum momento, reveladas por técnicas relacionadas. Características do comportamento também podem estar associadas a alguma patologia, o que torna este método potencialmente esclarecedor. Observações comportamentais: Na moderna investigação sobre a personalidade, a observação comportamental pode ser tão simples quanto enumerar as experiências das pessoas (por exemplo, quantas vezes elas gaguejam, ou se coçam, ou quantos drinques elas tomam). Ou então, pode tornar-se extremamente complexa à medida que os pesquisadores tentarem compreender as interações de um indivíduo com outras pessoas. O uso da observação comportamental presume que o comportamento presente é um prognosticador confiável e válido do comportamento futuro. Entrevistas: Uma entrevista clássica na psicologia é a entrevista clínica, em que o cliente (paciente) fala sobre partes importantes ou problemáticas de sua vida. A validade de uma entrevista de avaliação é difícil de averiguar. Certamente, há várias razões por que algumas pessoas talvez não queiram ou não consigam falar sobre seus pensamentos, sentimentos e motivações mais profundos (resistências). Apesar disso, as entrevistas são métodos valiosos de avaliação. As entrevistas talvez sejam extremamente vagas e subjetivas, mas um entrevistador habilidoso pode revelar informações surpreendentes não obteníveis por nenhum outro meio. Nos últimos anos, as entrevistas de avaliação acabaram se tornando mais sistemáticas e estruturadas. Em vez de seguir os meandros do entrevistado, o entrevistador segue um plano definido. Nesse sentido, espera-se que tipos semelhantes de informação possam ser eliciados de cada entrevistado e a avaliação possa se tornar mais válida. Porém, mesmo tal estruturação não será suficiente na medida em que a entrevista depende em alto grau da habilidade e competência do entrevistador. Comportamento expressivo: Na maioria das vezes, o modo pelo qual as pessoas fazem as coisas é mais informativo do que o que fazem. São interessantes para investigar alguns aspectos da personalidade, como a extroversão, mas são altamente influenciados por fatores culturais. Este método também é muito utilizado por pseudociências que buscam “adivinhar” elementos da personalidade. Analise de documentos e histórias de vida: É difícil averiguar sua validade, mas é uma das poucas maneiras de se conseguir uma avaliação mais abrangente de um indivíduo ao longo do tempo. Este é o principal recurso de grande biógrafos, ainda que notadamente registros autobiográficos não possam ser considerados indícios totalmente honestos de pensamentos e sentimentos. A análise de documentos é particularmente útil quando o objetivo é compreender a grandeza psicológica da vida de determinado indivíduo e tornam-se mais interessantes quando podem ser comprovadas por outras fontes. Testes projetivos: Uma técnica de avaliação geralmente usada para avaliação dos efeitos traumáticos em criança é pedir para desenhar uma figura ou uma série de figuras. A ideia subjacente é de que a criança (ou o adulto) pode transpor para uma figura determinadas coisas cuja discussão é muito desconfortável. Ou acredita-se que as figuras podem, às vezes, revelar coisas que estão até mesmo fora do âmbito da consciência, como as motivações inconscientes. Se uma criança desenhar a figura do pai com um pênis extremamente grande, sem os traços faciais ou circundado por serpentes, o desenho pode ser o indicador de algum problema. São técnicas subjetivas e dependerão sobretudo da habilidade do aplicador, pois os resultados serão fundamentados pela interpretação da reação aos estímulos. As interpretações pessoais do examinador podem nos oferecer algumas informações elucidativas e interessantes, mas não há tanta confiabilidade. Ou seja, examinadores diferentes, ou ate o mesmo examinador em diferentes ocasiões, podem chegar a interpretações diferentes (problema de classificação). Resumo de medidas de avaliação Auto-relato: Pode ser diretamente padronizado, é fácil de administrar, confiável e captura bem pontos de vista sobre o self; porém, é limitado em termos de riqueza de informações; é fácil de ser falsificado e depende do autoconhecimento. Q-Sort (Classificação Q): É mais dinâmico (há maior envolvimento do respondente) que os questionários, pode produzir uma classificação de características e itens idênticos e pode ser usado para classificar diferentes objetivos; porém, tem as mesmas limitações que os testes de auto- relato. Apreciações alheias: Oferecem um ponto de vista isento da tendenciosidade dos auto- relatos dos indivíduos e sem dúvida revelam traços "visíveis"; podem ser usadas para classificar crianças (ou animais); contudo, mas estão vulneráveis à parcialidade dos observadores. Biológico: Pode revelar reações individuais sem se valer de auto-relatos ou da avaliação do classificador; entretanto, sua aplicação pode ser difícil e cara. As relações entre substratos biológicos e padrões de comportamento podem se mostrar bastante complexos. Observações comportamentais: Capturam o que o indivíduo de fato faz; porém, no que tange à personalidade, podem ser difíceis de interpretar ou não ser representativas de todos os comportamentos de uma pessoa. Entrevistas: Podem fazer uma sondagem profunda e usar perguntas de acompanhamento e são muito flexíveis; contudo, estão sujeitas à tendenciosidade do entrevistador ou do respondente, são caras e consomem tempo. Comportamento expressivo: Captura o estilo comportamental real e peculiar, bem como sutilezas e emoções; entretanto, sua apreensão, codificação e interpretação tendem a ser difíceis. Análise de documentos: Pode ser usada para avaliar um indivíduo ao longo do tempo (se houver continuidade no acesso aos escritos), ser detalhada e objetiva e ser usada mesmo para pessoas falecidas; contudo, talvez mostre apenas determinados aspectos da pessoa, não seja totalmente honesta e inaplicável a épocas e eventos importantes. Testes projetivos: Uma das poucas maneiras de aprofundar e avaliar aspectos que a pessoa talvez não esteja apta a revelar, os testes projetivos podem oferecer informações elucidativas para estudos posteriores; porém, na maioria das vezes, apresentam sérios problemas de confiabilidade e validade, pois dependem da qualificação e habilidade do aplicador. Demográfico e de estilo de vida: Mostra a estrutura e a disposição na qual e segundo a qual o indivíduo atua (idade, gênero, ocupação, cultural); entretanto, sozinho, pode ser pouco informativosobre a pessoa como indivíduo. Há algum método de avaliação melhor? “A resposta depende da pessoa, do avaliador e do propósito da avaliação. Por exemplo, se estivermos interessados em observar que aspectos da personalidade predizem doenças coronarianas, devemos empenhar-nos por refinar e utilizar técnicas de avaliação que de fato prognostiquem precisa e proveitosamente doenças cardíacas. Se estivermos interessados nos motivos inconscientes subjacentes a um comportamento, deveremos usar testes projetivos ou observações comportamentais em vez de testes de personalidade de auto-relato. O mais importante é nos mantermos sempre bem focalizados na avaliação da validade. (...) Além disso, é fundamental lembrar que a validade de quase todas as técnicas de avaliação da personalidade são desafiadas pelo fenômeno da supergeneralização – a tendência de indivíduos e clínicos de aceitar prontamente descrições vagas da personalidade como se fossem válidas e específicas (Cash, Mikulka & Brown, 1989; Prince & Guastello, 1990). Uma avaliação de valor mostra o que é peculiar ou diferente na pessoa que está sendo avaliada” (pag. 56). Como não testar a personalidade A astrologia, estudo da personalidade segundo os astros, não é formalmente considerada ciência. Métodos que empregam a mensuração do corpo, como a frenologia. A quiromancia e a numerologia também são exemplos de falsas mensurações da personalidade, bem como a análise do cabelo, a interpretação da voz e as técnicas de avaliação que englobam aspectos da forma de expressão, como a grafologia. O plano de pesquisa Formas de estudo para a construção do conhecimento acerca da personalidade. O processo de pesquisa se dá fundamentalmente através de: estudos de caso, estudos correlacionais e estudos experimentais. Estudos de caso: estudo flexível e profundo que investiga diversos aspectos de uma pessoa, mas não podem ser facilmente generalizados. Estudos correlacionais: estudo onde se avalia o grau de afinidade entre duas variáveis e, em seguida, entre mais variáveis. Reúnem uma série de associações entre as variáveis e avaliam quais delas estão associadas (ou não estão associadas) umas com as outras. Estudos experimentais: a maneira mais direta de chegar a uma inferência causal válida é projetar um experimento verdadeiro (Campbell & Stanley, 1965). Em um projeto experimental verdadeiro, as pessoas são encaminhadas aleatoriamente a um grupo de tratamento e a um grupo de controle e, em seguida, ambos os grupos são comparados. Existe uma série de limitações e fatores de interferência sobre esses estudos, como: 1) não sabemos se o resultado pode ser generalizado para outras pessoas cujas características são diferentes daquelas que foram estudadas. 2) não sabemos que fatores moderadores podem ser importantes; por exemplo, nossa intervenção pode funcionar bem para pessoas mais velhas, mas não ser adequada para jovens; e 3) pode ter havido problemas (tendenciosidade) nas formas pelas quais o projeto foi conduzido: isto é, o experimentador pode ter cometido erros. Finalmente, de fato não sabemos como outras intervenções funcionariam, nem qual delas é a melhor, contudo, embora um experimento real tenha essas várias limitações, as conclusões extraídas são superiores àquelas baseadas apenas em estudos de caso ou correlações, em particular se forem fundamentadas em estudos correlacionais. A ética na avaliação da personalidade “Sempre há o risco de os resultados de um teste serem incorretos em decorrência de inúmeras limitações, os testes imprecisos serão um sério problema se a avaliação consequentemente discriminar pessoas menos ‘dignas’. Nesse caso, um erro ou tendenciosidade é particularmente trágico. Da mesma maneira que os primeiros testes de inteligência foram rapidamente deturpados no sentido de identificar ‘débeis mentais’ e ‘idiotas’, hoje, a avaliação psicológica às vezes é usada para propósitos de discriminação e perseguição. Por exemplo, os testes podem ser legitimamente projetados para fazer a triagem de candidatos a um emprego, porém, um teste desse tipo poderia facilmente ser parcial (de modo intencional ou não) contra pessoas pertencentes a grupos que por tradição são empregados com menor frequência. (...) Em decorrência do mau uso das avaliações, algumas pessoas afirmaram que os testes deveriam ser declarados ilegais, mas essa é uma reação extremista. Isso equivale a dizer que devemos declarar a ciência ilegal porque os avanços científicos foram responsáveis pela criação de armas terríveis. (...) O problema real é que alguns testes de personalidade são inadequadamente elaborados, inapropriadamente usados e erroneamente empregados. A solução é assegurar que pessoas Instruídas tenham a experiência necessária para compreender o que é válido e quais são as limitações graves dos testes de personalidade” (págs. 61-2).
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