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Acoes preventivas na linguagem

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AÇÕES PREVENTIVAS NA LINGUAGEM 
 
Brasília Maria Chiari 
 
 
 
 
 
Abordar o tema “Prevenção” no acontecimento “linguagem” não 
constitui tarefa fácil e, ao repensá-lo, dois fatos me chamam a atenção. Se por um lado 
a preocupação atual dos profissionais da área de saúde, com o processo de aquisição 
e desenvolvimento da linguagem revela um maior cuidado com o ser em 
desenvolvimento, por outro lado me preocupam as dificuldades que esses mesmos 
profissionais enfrentam a nível de sua própria formação. O desconhecimento que 
evidenciam da “normalidade” quando abordam o sujeito como um todo, e não apenas 
como um “ser falante” e o descuido com sua própria linguagem enquanto profissionais 
da área. Muitas vezes deixando passar a oportunidade de uma intervenção adequada. 
Entre outros, são fatos que merecem especial atenção. 
Temos em vista essas constatações, minha intenção desenvolvendo 
este tema, é discorrer resumidamente sobre alguns pressupostos que julgo relevantes, 
quando se pretende agir preventivamente na linguagem. 
O primeiro deles diz respeito ao referencial teórico que se adota quanto 
ao que sejam: comunicação, linguagem, língua e fala. 
 
Comunicação: processo de troca que permite ao homem o “compreender” e o ser 
“compreendido”. 
O homem partilha 
Linguagem: processo simbólico de comunicação, pensamento e formulação, que 
permite ao ser humano comunicar-se consigo mesmo e com seus semelhantes, por 
meio de estruturas com conteúdo criativo-lingüistico. (QUIROS, 1985) 
O homem cria processo inventivo 
Língua: conjunto sistemático de alguns lingüisticos, elementos que viabilizam as trocas 
comunicativas, possibilitando as enunciações verbais que configuram o discurso. 
O homem descobre 
Fala: canal que viabiliza a expressão da linguagem, mediada pelo código/língua, nas 
trocas comunicativas. 
O homem manifesta 
 
O segundo pressuposto a considerar diz respeito ao conhecimento de 
alguns indicadores comportamentais, passíveis de serem observados no 
desenvolvimento normal da linguagem. Estes se constituem em parâmetros importantes 
para julgarmos da adequação ou não do processo de linguagem emergente. 
 
Características do Desenvolvimento Normal da Linguagem 
 
 O desenvolvimento normal da linguagem é um processo complexo, que 
depende de pressupostos biológicos, determinados geneticamente e fisiológicos de 
aprendizagem, decorrentes da interação do indivíduo com o meio. 
 Esse desenvolvimento costuma ser dividido em etapas, tendo como 
critério as diferentes faixas etárias. Essa divisão tem caráter apenas didático, pois 
embora cada uma das etapas mantenha características particulares, na realidade 
constituem um processo contínuo. 
 Podemos distinguir três etapas no decorrer do processo de aquisição e 
desenvolvimento normais da linguagem: 
 
1ª Etapa da Comunicação – Nível Pré-Lingüistico 
 Essa etapa corresponde ao primeiro ano de vida e se caracteriza, 
inicialmente, pela presença de atividades fisiológicas inatas – a sucção, a deglutição e o 
choro – de grande importância para o desenvolvimento posterior da fala. 
 Por volta dos dois meses de idade, a essas atividades reflexas agrega-
se grande variedade de produções vocais, ainda sem características lingüisticas bem 
definidas. A criança produz sons com variações de entoação e de altura. Esta fase 
costuma ser denominada “jogo vocal”. 
 Dos sete aos doze meses, a audição assume um papel muito 
importante no processo de aquisição e desenvolvimento de linguagem. É nessa época 
que a criança inicia o aprendizado da língua falada em seu meio. É nela também que os 
sons falados no ambiente são recriados através da audição, enquanto aqueles menos 
utilizados são inibidos. 
 Surgem as primeiras sílabas, utilizadas para fins comunicativos. 
Exemplos: “ma” e “pa”. É a fase dos monossílabos. 
 A ligação entre os segmentos da fala utilizados e o objeto real é 
bastante presente e necessitamos do contexto para compreendê-las. Exemplo: com o 
“ma”, a criança pode estar se referindo à mãe presente, à mamadeira, etc. 
 Posteriormente essas sílabas formam sínteses maiores, às quais se 
agregam significados, dando origem às primeiras palavras. Exemplos: “mama”, “aua”, 
com entonações diferentes para diferentes situações, dando ênfase e expressividade 
ao seu falar. 
 
2ª Etapa da Comunicação – 1º Nível Lingüistico 
 Essa etapa se estende do primeiro ano de vida até os cinco anos, 
aproximadamente. O início desta etapa é caracterizado pelo surgimento das primeiras 
palavras, que, embora foneticamente distorcidas, já se assemelham às seqüências 
pertinentes à língua falada em seu meio. São palavras utilizadas com valor de um 
enunciado completo, palavras-frases. 
 Posteriormente, surgem as palavras justapostas, constituindo frases 
simples, das quais já constam elementos gramaticais como artigos, pronomes 
possessivos, preposições e conjunções coordenativas, além do sujeito e do verbo. Por 
volta dos três anos, configura-se a primeira gramática infantil, e tem início o processo 
de interiorização da linguagem, com o surgimento do monólogo, nas atividades lúdicas. 
 A partir daí, tendo maior disponibilidade de recursos lingüisticos – 
aumento do vocabulário e maior domínio dos sons da língua falada em seu meio – já é 
capaz de narrar pequenas histórias e fazer uso da linguagem para fins comunicativos. 
 Aos cinco anos mais ou menos, a criança já apresenta uma fala 
inteligível, seqüência os fatos de maneira ordenada e á capaz de produzir todos os 
sons da língua. 
 É importante ressaltarmos que, antes dos cinco anos, não se adquire a 
totalidade dos fonemas e que esse processo segue uma série de regularidades em seu 
acontecer. Assim sendo, observamos inicialmente o surgimento de fonemas 
consonantais oclusivos anteriores: “p”, “b”, “m” (bilabiais), “t”, “d”, “r” (linguodentais). 
Seguem-se os oclusivos posteriores: “r”, “s”, “lh” e “nh” (palatais). 
 Posteriormente, observamos o surgimento dos fonemas fricativos 
anteriores “f”, “v”, “s” “z” e os fricativos posteriores: “ch” e “j”. Seguem-se, no decorrer do 
processo, o domínio do “rr” múltiplo e, como uma das últimas aquisições, os fonemas “l” 
e “r” simples, nos grupos consonantais. 
 É esses sons combinam-se vogais, inicialmente o “a”, a seguir o “i” ou o 
“e” e finalmente “o” e “u”. 
 
3ª Etapa de Comunicação – 2º Nível Lingüistico 
 Essa etapa, que se estende dos cinco anos aos doze anos, 
aproximadamente, coincide com o inicio da formalização do ensino da escrita, o que 
configura a aquisição de um segundo código – o gráfico. 
 Com a aquisição de novos recursos lingüisticos, agora de uso mais 
complexo e mais definido, com as conjunções subordinativas, as preposições que 
envolvem referências de tempo e de espaço; as conjunções verbais, etc., surgem as 
formas discursivas do pensamento, sendo possível ao indivíduo o uso cada vez mais 
aprimorado da linguagem, agora já interiorizada. 
 O terceiro pressuposto que gostaria de abordar se refere ao tópico 
“estimulação da linguagem” – o que estimular. 
 Podemos considerar três períodos na aquisição e desenvolvimento da 
linguagem: 
1 – de predomínio corporal e de ação motora, cuja estimulação deve prever a 
oportunidade de experimentar e de vivenciar situações do cotidiano. 
 
2 – de predomínio perceptual, momento em que se organizam as diferentes vivências 
do mundo – aqui os órgãos do sentido são muito importantes. São pontos importantes 
de estimulação, o trabalho com os aspectos cognitivos da linguagem, traços 
perceptuais dos objetos (cor, forma, tamanho, etc.), noções especiais, de corporalidade 
lateralidade, etc. 
 
3 – simbólico verbal – que revela a transformaçãolíngua/linguagem. Aqui a utilização 
da “palavra” como possibilidade de representar o mundo experimentado/vivido e o 
ponto de maior relevância. A palavra se converte em matriz multisensorial, em unidade 
de processamento do código, que possibilita ao indivíduo falar das coisas. 
 
 Para finalizar, gostaria de colocar como quarto pressuposto um tópico 
muito discutido mas pouco explorado em nosso meio, que é a linguagem daqueles que 
trabalham linguagem. 
 Segundo SLOBIN (1980), linguagem humana plenamente desenvolvida 
deve ser retoricamente flexível, semanticamente expressiva e clara e prontamente 
decifrável. 
 Assim sendo, alguns princípios básicos deveriam presidir nossa 
atuação como profissionais da linguagem que somos, propiciando-nos, antes de mais 
nada, um refletir sobre nossa ação precipua, voltada para nós mesmos, em sendo 
artífices de nossa linguagem. 
 Se analisarmos a citação de SLOBIN, é desejável que: 
- nosso comunicar seja efetivo e funcional, propiciamos um interagir mais adequado e 
conseqüente transmitir de conteúdos; 
- sempre que possível, comuniquemos significados básicos, para que a língua 
realmente converta-se num mediador entre o “pensado” e o “falado”; 
- possamos ser simples, rápidos e naturais, para que nossos interlocutores não 
percam “as pistas” mais significativas das mensagens; 
- nossas mensagens sejam prontamente decifráveis, isto é, que as relações 
semânticas possam ser assinaladas aberta e claramente, uma vez que sentidos 
implícitos, muito distanciados do manifesto, dificultam a comunicação; 
- através do nosso agir, permeado pela linguagem, possamos nos relacionar, estando 
com nossos semelhantes, buscando o aprimoramento do nosso falar; 
- a partir do instrumental lingüistico de que dispomos, possamos nos tornar indivíduos 
“bem-falantes”; 
- possamos sempre nos expressar como um “todo – comunicante”. 
 Acreditamos que o falar não substitui o viver e o experimentar, e sim 
que possa dizer que é através do falar que, na maioria das vezes, nos comprometemos 
num construir conjunto com nossos semelhantes, que efetuamos nossas trocas 
comunicativas, que nos colocamos diante da realidade. E, é durante esse acontecer 
que a linguagem vai se constituir ora como nosso instrumento de trabalho, ora como o 
produto que buscamos. 
 É essa linguagem que, permeando toda a nossa ação no mundo, 
possibilita-nos a transmissão de nossos valores, de nossa cultura, o nosso 
relacionamento interpessoal. Assim sendo, todo o processo de aquisição e 
desenvolvimento da linguagem normal assume papel preponderante em nossas vidas, 
propiciando nosso agir no mundo de maneira ordenada, harmônica e de forma 
equilibrada, conferindo-nos um estado de bem-estar sócio – político - cultural, condição 
sine-qua-non para o suceder de nosso processo evolutivo, em estando no mundo com 
nossos semelhantes. 
 
BIBLIOGRAFIA 
1. AZCOAGA, J. B. et alii. Los Retardos Del Languaje er. El Nific. 
 Buenos Aires, Paidos, 1977. 
 
2. LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral. Rio de Janeiro, Civilização 
 Brasileira, 1979. 
 
3. SCHRAGER, O. L. et alii. Lengua, Lenguaje y escolaridade 
 Buenos Aires, ed. Med. Panamericana, 1985. 
4. SLOBIN, O. I. Psicolinguistica. São Paulo, EDUSP/Nacional, 1980.

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