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Aula 2 Intervencao do Estado na Propriedade (1)

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INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE
 
Fundamentos:
 Estado possui a prerrogativa de impor restrições e condicionamentos razoá­veis à propriedade alheia para atender o interesse público.
 O direito de propriedade não possui caráter absoluto  ainda que atenda função social, é possí­vel a intervenção estatal para restringi-la ou condicioná-la de modo a satisfazer o interesse público.
 a propriedade que atende a função social tem status de direito fundamental  o descumprimento da função social acarreta a aplicação de sanções ao particular, admitindo-se, inclusive, a retirada forçada da propriedade por meio da desapropriação. 
Ex.: desapropriação de imóvel urbano não edificado (art. 182, § 4.°, III, CF); desapropriação do imóvel rural improdutivo (art. 184 da CF); expropriação de glebas de terras com cultivo de plantas psicotrópicas ilegais (art. 243 da CF).
 Pode-se afirmar que a intervenção estatal na propriedade é fruto do exercício do poder de polícia do Estado e é justificada por dois argumentos:
a) cumprimento da função social da propriedade (arts. 5.°, XXIII, e 170, III, da CF); e
b) satisfação do interesse público.
 
MODALIDADES: INTERVENÇÕES RESTRITIVAS E SUPRESSIVAS
 
As intervenções do Estado na propriedade alheia podem ser divididas em dois grupos:
a) intervenções restritivas ou brandas: o Estado impõe restrições e condições à propriedade, sem retirá-la do seu titular  espécies de intervenção restritiva: servidão, requisição, ocupação temporária, limitações e tombamento;
b) intervenções supressivas ou drásticas: o Estado retira a propriedade do seu titular originário, transferindo-a para o seu patrimônio, com o objetivo de atender o interesse público. As intervenções supressivas são efetivadas por meio das diferentes espécies de desapropriações.
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
 A servidão administrativa é o direito real público que permite a utilização da propriedade alheia pelo Estado ou por seus delegatários com o objetivo de atender o interesse público. 
Ex.: servidão de passagem instituída sobre imóvel particular para permitir a passagem de ambulâncias de determinado hospital público; servidão para passagem de oleodutos ou aquedutos; servidão para instalação de placas informativas (nomes de ruas etc.); passagem de fios elétricos por propriedade alheia.
Os traços característicos essenciais da servidão administrativa são basicamente os mesmos encontrados nas servidões privadas reguladas pelo art. 1378 do CC.
 Nas servidões (administrativa ou privada), existem dois prédios pertencentes a donos diversos: prédio dominante (beneficiário da servidão) e prédio serviente (aquele que sofre a restrição). 
 O prédio serviente deve se sujeitar à restrição estipulada em favor do prédio dominante  Além da obrigação de tolerância ou de não fazer, o pro­prietário do prédio serviente tem, eventualmente, obrigações positivas (ex.: limpar o terreno, podar árvores etc.).
 em determinados casos, a servidão administrativa não depende necessariamente da existência do prédio dominante  pois a restrição imposta ao prédio serviente pode ser justificada exclusivamente pela necessidade de prestação de serviços de utilidade pública (ex.: instalação de torres na propriedade privada para passagem de fios condutores de eletricidade)  o essencial é que a servidão seja justificada pela necessidade de atendimento do interesse público.
 a servidão administrativa se distingue da ser­vidão privada por duas razões:
a) fundamentos: enquanto a servidão administrativa fundamenta-se no inte­resse público, a servidão privada atende interesses privados; e
b) regime jurídico: as servidões administrativas são reguladas, primordial­mente, por normas de direito público e as servidões privadas são regidas por normas de direito privado.
 A servidão administrativa pode ser instituída pelo Poder Público ou por seus delegatários  os delegatários dependem de autorização legal ou negocial para promover os atos necessários à efetivação da servidão e serão respon­sáveis pelas respectivas e eventuais indenizações.
Fontes normativas
As servidões administrativas são citadas em diversos diplomas legais.
Exemplos: art. 40 do Decreto-lei 3.365/1941 (fundamento genérico para as servidões administrativas); art. 151, "c", do Decreto 24.643/1934 - Código de Águas (servidões permanentes ou temporárias exigidas para as obras hidráulicas e para o transporte e distribuição da energia elétrica); arts. 117 a 138 do Decreto 24.643/1934 - Código de Águas (servidões de aquedutos); arts. 29, IX, e 31, VI da Lei 8.987/1995 (após a declaração de necessidade ou utilidade pública, as concessionárias podem instituir as servidões, desde que autorizadas pelo edital e pelo contrato de concessão, caso em que serão responsáveis pelas indenizações devidas); art. 10 da Lei 9.074/1995 (a ANEEL, agência reguladora, tem a prerrogativa de instituir servidão administrativa para implantação de instalações de concessioná­rios, permissionários e autorizados de energia elétrica); art. 100 da Lei 9.472/1997 (instituição de servidões para prestação de serviços de telecomunicações, cabendo à concessionária a implementação da medida e o pagamento da indenização e das demais despesas envolvidas); art. 2.°, § 1.°, II, da Lei 11.107/2005 (os consórcios públicos podem instituir servidões), entre outros.
Objeto
 As servidões administrativas incidem apenas sobre bens imóveis  Os imóveis (prédio dominante e prédio serviente) devem ser vizinhos, mas não precisam ser contíguos. 
 não há servidão sobre bens móveis ou direitos.
Instituição
 
As servidões administrativas podem ser instituídas por meio das seguintes formas:
a) acordo: após declaração de utilidade pública, as partes concordam com a instituição da servidão  o acordo, formalizado por escritura pública, será registrado no Registro de Imóveis  Súmula 415 do STF  reconhece o direito à proteção possessória às servidões de trânsito aparentes, mesmo inexistindo o respectivo título e registro;
b) sentença judicial: quando não houver acordo entre as partes, o Poder Público deverá propor ação judicial para constituir a servidão  procedimento utilizado deve ser análogo ao procedimento exigido para a desapropriação (art. 40 do Decreto-lei 3.365/1941);
c) usucapião: a instituição da servidão por usucapião é prevista no art. 1.379 do CC.
Há divergência doutrinária sobre a possibilidade de instituição de servidão por meio de lei.
Primeira posição: a servidão somente pode ser instituída por acordo ou sentença judicial, precedida do decreto de utilidade pública, não sendo possível a instituição por meio de lei. Nesse sentido: José dos Santos Carvalho Filho e Marcai Justen Filho.
Segunda posição: é possível a instituição de servidão por meio de lei. Exemplos: servidão sobre as margens dos rios navegáveis, servidão ao redor de aeroportos. Nesse sentido: Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Hely Lopes Meirelles.
 A controvérsia doutrinária, nesse caso, passa pela distinção entre servidões e limitações administrativas  os que não admitem a instituição de servidões diretamente pela lei, distinguem as servidões e as limitações a partir do critério de instituição dessas intervenções: enquanto as servidões são instituídas por atos que individualizam o seu objeto (acordo ou sentença judicial), as limitações adminis­trativas, em virtude do seu caráter genérico, são instituídas por lei ou ato normativo.
 Os que admitem a utilização da lei para instituição de servidões e de limitações utilizam outro critério de distinção: a limitação é instituída para satisfazer o interesse público genérico e abstrato (ex.: proteção do meio ambiente), a servidão, por sua vez, pressupõe a existência de interesse público específico em favor do prédio dominante que deve ser satisfeito.
Extinção
 
 As servidões são consideradas, em regra, perpétuas, não havendo prazo de duração estipulado pelas partes, pois as servidões são justificadas pelo interesse que deve ser
satisfeito, e não pela qualidade das partes. 
 significa que a servidão deve perdurar enquanto houver a necessidade de satisfação do interesse público que justificou a sua instituição.
Desse modo, é possível apontar algumas hipóteses de extinção da servidão:
a) desaparecimento do bem gravado (ex.: inundação permanente do imóvel objeto da servidão de trânsito);
b) incorporação do bem serviente ao patrimônio público (a servidão pressupõe necessariamente dois prédios titularizados por pessoas diferentes);
c) desafetação do bem dominante (ex.: desafetação do imóvel que era utilizado como hospital público).
Indenização
 art. 40 do Decreto-lei 3.365/1941  o Poder Público pode ins­tituir servidões, mediante indenização.
 Todavia, a indenização somente será devida se houver comprovação do dano pelo particular  Não seria razoável impor dever de indenizar o proprietário que não comprova qualquer prejuízo, sob pena de se admitir o seu enriquecimento sem causa (ex.: colocação de placas com nomes de ruas na propriedade privada).
 O prazo prescricional para propositura da ação indenizatória é de cinco anos, na forma do art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941.
REQUISIÇÃO ADMINSTRATIVA
 
 requisição administrativa é a intervenção autoexecutória na qual o Estado utiliza-se de bens imóveis, móveis e de serviços particulares no caso de iminente perigo público.
Ex.: requisição de hospitais privados, serviços médicos e de ambulâncias, em razão de epidemia para tratamento dos doentes; requisição de barcos e de ginásios privados na hipótese de inundação para salvamento e alojamento dos desabrigados;
Fontes normativas
 art. 5.°, XXV, da CF: "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".
 Atenção: Não se deve confundir a competência para implementar requisições com a competência para legislar sobre o instituto  todos os Entes federados realizar requisições administrativas, mas a competência legislativa é exclusivamente reconhecida à União (art. 22, III, CF).
 Alguns diplomas legais que tratam das requisições administra­tivas: Decreto-lei 4.812/1942 (requisições civis e militares necessárias à defesa e à segurança nacional); Lei Delegada 4/1962 (intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo); art. 15, III, da Lei 8.080/1990 (Lei do SUS).
Objeto
 
 As requisições administrativas incidem sobre bens imóveis, móveis e serviços particulares.
 art. 5.°, XXV, da CF  apenas a propriedade "particular" pode ser objeto da requisição administrativa.
 a requisição pode ser instituída sobre bens e serviços públicos? CF  requisição de bens e serviços públicos durante o Estado de Defesa (art. 136, § 1.°, II, da CRFB) e o Estado de Sítio (art. 139, VI e VII).
 O STF, ao analisar a requisição federal de hospitais públicos municipais, entendeu que a requisição administrativa tem por objeto, em regra, os bens e os serviços privados (art. 5.°, XXV, da CF)  a requisição de bens e serviços públicos possui caráter excepcional e somente pode ser efetivada após a observância do procedimento constitucional para declaração formal do Estado de Defesa e do Estado de Sítio.
 Então!! Não é possível a requisição de bens públicos em situação de normalidade institucional.
Instituição e extinção
 
 Em razão do estado de necessidade pública, o Poder Público possui a prerro­gativa de requisitar bens e serviços para afastar o iminente perigo público, indepen­dentemente de processo administrativo prévio. 
 A emergência da situação justifica a autoexecutoriedade da medida.
 Enquanto perdurar o perigo iminente, a requisição permanecerá válida  considera-se, portanto, extinta a requisição quando desaparecer a situação de perigo.
Indenização
O art. 5.°, XXV, da CF, ao tratar da requisição, assegura ao proprietário do bem requisitado "indenização ulterior, se houver dano”.
 a indenização apresenta duas características:
a) é eventual: está condicionada à efetiva comprovação do dano; e
b) somente será efetivada ulteriormente, ou seja, após a requisição do bem.
 Após a utilização do bem será possível averiguar a existência e a amplitude do prejuízo eventualmente causado, sendo certo que a indenização não poderá acarretar enriquecimento sem causa.
 O prazo prescricional para propositura da ação indenizatória é de cinco anos  art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941.
OCUPAÇÃO TEMPORÁRIA
 
 A ocupação temporária é a intervenção branda por meio da qual o Estado ocupa, por prazo determinado e em situação de normalidade, a propriedade privada para execução de obra pública ou a prestação de serviços públicos. 
Ex.: ocupação tempo­rária de terreno privado para alojamento de operários e alocação de máquinas com o objetivo de realizar a pavimentação de estradas; utilização de escolas privadas para alocação de urnas de votação e de pessoal (mesários etc.) em época de eleições.
 Atenção: enquanto a requisição pressupõe perigo público iminente (estado de necessidade), a ocupação pode ser utilizada regularmente pelo Poder Público.
Fontes normativas
 
 previsão: art. 36 do Decreto-lei 3.365/1941, que autoriza a "ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização". 
 Outras normas fazem referência à ocupação temporária, por exemplo:
 art. 13, parágrafo único, da Lei 3.924/1961 (ocupação temporária de propriedade particular para escavações e pesquisas no interesse da arqueologia e da pré-história); art. 58, V, da Lei 8.666/1993 (nos serviços essenciais, o Poder Público contratante pode ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato admi­nistrativo); art. 35, § 3.°, da Lei 8.987/1995 (ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis, com o objetivo de garantir a continuidade do serviço público).
Objeto
 
 A ocupação temporária tem por objeto, como regra, o bem imóvel do parti­cular, necessário para execução de obra pública ou a prestação de serviços públicos. 
 Existe controvérsia em relação à possibilidade de ocupação temporária de bens móveis e de serviços.
Primeira posição: somente o bem imóvel pode ser ocupado temporaria­mente, tendo em vista que o art. 36 do Decreto-lei 3.365/1941 utilizou a expressão "terrenos não edificados". Nesse sentido: José dos Santos Carvalho Filho, Diógenes Gasparini.
Segunda posição: a ocupação temporária tem por objeto bens imóveis, móveis e serviços. Nesse sentido: Marcal Justen Filho.
 Não obstante a regra seja a ocupação temporária de bens imóveis, se tem entendido que, a partir da interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente, o objeto da ocupação pode abranger os bens móveis e os serviços (ex.: art. 58, V, da Lei 8.666/1993).
Instituição e extinção
 
A legislação não estabeleceu regras específicas sobre a instituição da ocupação temporária, razão pela qual parte da doutrina afirma o seu caráter autoexecutável.
Outros autores entendem que as formalidades para instituição da ocupação tempo­rária dependem da modalidade de ocupação:
a) ocupação temporária vinculada à desapropriação: é imprescindível ato for­mal de instituição (decreto), especialmente pela maior duração da ocupação e pelo dever de indenizar o proprietário; e
b) ocupação temporária desvinculada da desapropriação: a ocupação é autoexecutória e dispensa ato formal.
c) ocupação temporária, em qualquer caso, depende da edição prévia de decreto, bem como do acordo com o proprietário ou sentença judicial  A autoexecutoriedade é justificada na requisição em razão do iminente perigo
público, mas a ocupação temporária é efetivada em situação de normalidade institucional, então, caso não haja acordo, o Poder Público deverá propor ação judicial para formalização da ocupação.
Indenização
 
 art. 36 do Decreto-lei 3.365/1941  dispõe que a ocupação temporária será indenizada por ação própria.
 Parcela da doutrina sustenta que a indenização será sempre devida se a ocupa­ção temporária estiver vinculada ao processo de desapropriação, tendo em vista a norma acima citada.
 Todavia, em relação às ocupações temporárias desvinculadas da desapropriação, a indenização somente será devida se houver efetiva comprovação do prejuízo pelo particular.
 Outra parte sustenta que a indenização depende neces­sariamente da comprovação do dano pelo proprietário do bem ocupado, sob pena de se admitir o pagamento de indenização sem a ocorrência do efetivo prejuízo, o que acarretaria enriquecimento sem causa do proprietário do bem ocupado.
 O prazo prescricional para propositura da ação indenizatória é de cinco anos  art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941.
LIMITAÇÕES ADMINISTRATIVAS 
 
As limitações administrativas são restrições estatais impostas por atos norma­tivos à propriedade, que acarretam obrigações negativas e positivas aos respectivos proprietários, com o objetivo de atender a função social da propriedade. 
Ex.: limites de altura para os prédios (gabarito de prédios); obrigação de permitir o ingresso de agentes da fiscalização tributária e da vigilância sanitária; obrigação de instalar extintores de incêndio nos prédios; parcelamento e edificação compulsórios de terrenos para atender a função social delimitada no Plano Diretor.
As limitações delimitam o perfil do direito de propriedade, pois a propriedade somente será considerada direito fundamental se atender à função social (art. 5,°, XXII e XXIII, da CF), que será estabelecida por meio de atos normativos. 
Quando efetivada após a aquisição da propriedade, a limitação é considerada modalidade de intervenção branda.
 
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Fontes normativas
 
 As limitações administrativas, assim como as demais modalidades de inter­venção estatal na propriedade, fundamentam-se na necessidade de cumprimento da função social (arts. 5.°, XXIII, e 170, III, da CF) e na satisfação do interesse público.
 Trata-se do exercício regular do poder de polícia estatal, com a estipulação de restrições e condicionantes à propriedade alheia.
 
Objeto
 
As limitações administrativas, conforme já assinalado, impõem obrigações positivas e negativas aos proprietários. 
O objeto das limitações administrativas é amplo, englobando os bens (móveis e imóveis) e os serviços. 
 as limitações decorrem do exercício do poder de polícia, razão pela qual as limitações incidem sobre as propriedades e as atividades privadas.
Instituição e extinção
 
As limitações administrativas são impostas, primariamente, por lei e, secun­dariamente, por atos administrativos normativos.
A extinção das limitações ocorre com a revogação da legislação ou dos atos normativos.
 
Indenização
 
As limitações administrativas não geram, em regra, o dever de indenizar, pois as restrições à propriedade são fixadas de maneira genérica e abstrata. 
Os destinatários sofrem ônus e bônus proporcionais  a mesma lógica da irresponsabilidade civil do Estado por atos normativos.
 as limitações administrativas serão, excepcionalmente, indenizáveis quando:
a) acarretarem danos desproporcionais ao particular ou grupo de particulares: o fundamento da indenização é a teoria da repartição dos encargos sociais, segundo a qual a sociedade, que se beneficia com a atuação estatal, deve ter o ônus de compensar o particular que sofreu prejuízos desproporcionais (ex.: limitação que determina o fechamento de ruas para tráfego de veículos, causando prejuízo desproporcional ao proprietário de um posto de gasolina ou edifício-garagem); e
b) configurarem verdadeira desapropriação indireta: as limitações podem, em certos casos, impor restrições tão fortes que retirarão as faculdades inerentes do direito de propriedade de alguns particulares (ex.: criação de reserva ambiental que, na prática, inviabiliza o direito de propriedade de determinados proprietários).
 É importante notar que, se as limitações administrativas precedem à aquisição da propriedade, não cabe indenização ao novo proprietário, pois, nessa hipótese, o imóvel já foi adquirido com a respectiva limitação legal.
 a desapropriação indireta pode ser verificada em toda e qualquer intervenção do Estado na propriedade (servidão, requisição, ocupa­ção temporária, limitações ou tombamento) quando a restrição significar para um ou alguns particulares a retirada das prerrogativas substanciais da propriedade.
 O prazo prescricional para propositura da ação indenizatória fundada em limitações administrativas é de cinco anos, na forma do art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941.
 A Súmula 119 do STJ fixou o prazo da ação de desapropriação indireta em 20 anos (atualmente, o prazo seria de 15 anos, na forma do art. 1.238 do CC), pois a pretensão indeniza­tória apenas seria extinta com a aquisição da propriedade pelo Poder Público. 
TOMBAMENTO
 
 tombamento é a intervenção estatal restritiva que tem por objetivo proteger o patrimônio cultural brasileiro. 
Exemplos de bens tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional): Centro Histórico de Salvador; con­junto arquitetônico e paisagístico da Pampulha e de Ouro Preto (Minas Gerais); Casa de Gilberto Freyre (Recife); Estação da Luz (São Paulo); Corcovado, Estádio do Maracanã, Morro do Pão de Açúcar e conjunto arquitetônico e paisagístico de Parati (Rio de Janeiro).
 art. 216 da CF  o patrimônio cultural brasileiro é consti­tuído por "bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira". 
 exem­plos: as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico etc.
 art. 1° do Decreto-lei 25/1937, trata do tombamento  dispõe que o patri­mônio histórico e artístico nacional é constituído pelo conjunto dos bens móveis e imóveis considerados relevantes para o interesse público, seja por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, seja por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
 O tombamento é instituído por meio de processo administrativo (alguns entendem como sendo um ato administrativo, como José dos S. C. Filho) com a oitiva do proprietário, e se consuma com a inscrição do bem no Livro do Tombo.
 art. 4º do Decreto-lei 25/1937 prevê quatro Livros:
a) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;
b) Livro do Tombo Histórico;
c) Livro do Tombo das Belas Artes; e
d) Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
 Bens imateriais de valor cultural (Decreto 3.551/2000 )  proteção realizada através de um procedimento denominado de Registro (o objetivo é o mesmo (proteção da cultura), a entidade responsável pela proteção é a mesma (em âmbito federal: IPHAN) e a proteção ocorre por meio de procedimentos semelhantes (inscrição do bem em Livro específico).
 Não há consenso a respeito da natureza do tombamento:
 Alguns autores sus­tentam que o tombamento é uma espécie de servidão administrativa (Celso Antônio Bandeira de Melo, Diógenes Gasparine)
 Outros entendem que o tombamento é espécie autônoma de intervenção estatal restritiva na propriedade (José dos Santos Carvalho Filho, Maria Silvia Zanella Di Pietro)  Posição mais aceita. 
 o tombamento incide sobre qualquer bem que tenha valor cultural, artístico, histórico arqueológico ou paisagístico.
 existem outras formas de proteção do patrimônio cultural, por exemplo, a desapropriação, o exercício regular do poder de polícia, a propositura de ações judiciais coletivas (ação popular, ação civil pública) etc. 
 art. 216 § 1° da CF  o Poder Público, com o auxílio da comunidade, "promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acaute­lamento e preservação".
Fontes normativas
 
 art. 216 da CF
 Decreto-lei 25/1937  contém as regras básicas do tombamento (Lei do Tombamento).
 Todos os entes federados possuem competência para promover o tombamento. 
 art. 23, III, da CF  afirma que é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a proteção dos documentos, das obras e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural, dos monumentos, das paisagens naturais notáveis e dos sítios arqueológicos.
 competência legislativa  art. 24, VII, CF  prevê a com­petência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislarem sobre "proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico". A União, nesse caso, deve elaborar as normas gerais (art. 24, § 1.°, da CRFB).
 Questão controvertida refere-se à competência legislativa dos Municípios em matéria de tombamento.
Primeira posição: os Municípios não possuem competência para legislarem sobre tombamento, pois a Constituição reconheceu apenas a competência legisla­tiva concorrente aos demais Entes federados (art. 24, VII, da CF). Nesse sentido: Diógenes Gasparini e Maria Sylvia Zanella Di Pietro
Segunda posição: há competência legislativa dos Municípios em matéria de tombamento, pois o art. 24, VII, deve ser interpretado em consonância com os arts. 23, III, e 30,I, II e IX, da CF. 
Os Municípios podem legislar sobre tombamento levando em consideração o interesse local ou, em caráter suplementar, a legislação federal e estadual. Nesse sentido: José dos Santos Carvalho Filho, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Tércio Sampaio Ferraz Júnior.
 Deve ser reconhecida a competên­cia legislativa dos Municípios no tocante ao tombamento a partir da interpretação sistemática do texto constitucional (arts. 23, III, e 30,I, II e IX). 
 Ao se reconhecer a competência municipal para legislar sobre assunto de interesse predominantemente local, admite-se a possibilidade de promulgação de leis locais que protegem o res­pectivo patrimônio cultural.
 Em âmbito federal, o IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura, exerce as atribuições rela­cionadas ao tombamento.
Objeto
 
O objeto do tombamento é o mais amplo possível, incluindo os bens imóveis (ex.: igreja secular) e móveis (ex.: quadro histórico).
O tombamento pode incidir, inclusive, em relação aos bens públicos. Trata-se do tombamento de ofício previsto no art. 5.° do Decreto-lei 25/1937.
 Há controvérsia, no entanto, em relação ao tombamento de bens públicos "de baixo para cima" (tombamento de bens federais por Estados e tombamento de bens federais e estaduais por Municípios).
Primeira posição: impossibilidade do tombamento dos bens públicos dos Entes "maiores" pelos Entes menores. O tombamento deve seguir a lógica da supremacia do interesse: o interesse nacional (bens federais) prevalece sobre o interesse regional (bens estaduais) que, por sua vez, se sobrepõe ao interesse local (bens municipais). Aplica-se, por analogia, o art. 2.°, § 2.°, do Decreto-lei 3.365/1941, que consagra a hierarquia desses interesses na desapropriação. Nesse sentido: José dos Santos Carvalho Filho.
Segunda posição: os Municípios podem tombar bens públicos estaduais e fede­rais, assim como os Estados podem tombar bens públicos federais. Nesse sentido: STJ
 Existem bons argumentos para a admissão do tombamento de bens públicos federais pelos Estados e Municípios e de bens públicos estaduais, pelos Municípios:
a) o art. 2.°, § 2.°, do Decreto-lei 3.365/1941, além de consagrar hierarquia de duvidosa constitucionalidade entre os interesses tutelados pelos Entes federados, deve ser interpretado restritivamente, pois se trata de norma excepcional (a desa­propriação é uma exceção ao direito fundamental de propriedade); e
b) deve ser realizado o processo de ponderação entre as normas constitucionais em conflito no caso: de um lado, o princípio federativo (art. 18 da CF) e, de outro lado, a proteção do patrimônio cultural (art. 216, § 1.°, da CF).
 a legislação veda o tombamento de determinados bens (vedações jurídicas de tombamento)  art. 3.° do Decreto-lei 25/1937  exclui do patrimônio histórico e artístico nacional as obras de origem estrangeira das repre­sentações diplomáticas ou consulares acreditadas no País; que adornem quaisquer veículos de empresas estrangeiras, que façam carreira no País; que sejam trazidas para exposições comemorativas, educativas ou comerciais; que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos, entre outras. Essas obras, ao serem excluídas do conceito de património histórico e artístico nacional, não são passíveis de tombamento.
Classificações
 
 primeira classificação: leva em consideração o procedimento necessário para realização do tombamento. De acordo com essa classificação, o tombamento pode ser classificado em três espécies:
a) tombamento de ofício (art. 5.° do Decreto-lei 25/1937): é o tombamento de bens públicos que se instrumentaliza de ofício pelo Ente federado que deve enviar notificação à entidade proprietária do bem;
b) tombamento voluntário (art. 7.° do Decreto-lei 25/1937): é realizado mediante consentimento, expresso ou implícito, do proprietário. O tombamento voluntário pode ser efetivado: 
b.1) por requerimento do próprio proprietário, hipó­tese em que o órgão ou entidade técnica verificará se o bem tem relevância para o patrimônio histórico e cultural; ou
b.2) por iniciativa do Poder Público, quando o particular, após a notificação para manifestação no prazo de 15 dias, deixa de impugnar ou concorda expressamente a intenção do tombamento;
c) tombamento compulsório (arts. 8.° e 9.° do Decreto-lei 25/1937): é aquele realizado contra a vontade do proprietário. Após ser notificado, o proprietário apresenta impugnação, dentro do prazo de 15 dias, no processo de tombamento. 
 Nessa hipótese, o órgão ou entidade técnica apresentará nova manifestação, devendo o Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional proferir decisão. A decisão do IPHAN no sentido do tombamento depende de homologação do Ministro da Cultura, na forma do art. 1.° da Lei 6.292/1975.
 Em todos os casos (tombamento de ofício, voluntário e compulsório), o tombamento é consumado com a inscrição do bem no Livro do Tombo (art. 10 do Decreto-lei 2571937).
 segunda classificação: art. 10 do Decreto-lei 25/1937, fun­damenta-se na produção de efeitos e divide o tombamento em duas modalidades:
a) tombamento provisório: após a notificação do proprietário e antes de ultimado o processo com a inscrição do bem no Livro do Tombo, o bem considera-se provisoriamente tombado. Os efeitos do tombamento são antecipados para se proteger o bem durante o processo administrativo;
b) tombamento definitivo: é aquele verificado após a conclusão do processo de tombamento, com a inscrição do bem no Livro do Tombo.
 terceira classificação: tem por fundamento a amplitude ou abrangência do tombamento:
a) tombamento individual: refere-se a bem determinado.
b) tombamento geral: tem por objeto todos os bens situados em um bairro ou cidade (ex.: tombamento de Brasília e da cidade de Tiradentes).
 quarta classificação: leva em conta o alcance do tombamento sobre determinado bem:
a) tombamento total: quando a totalidade do bem é tombamento;
b) tombamento parcial: quando apenas parte do bem é tombado (ex.: tomba­mento da
fachada de uma casa histórica).
Instituição e cancelamento
 o tombamento é instituído, após regular processo administrativo, com respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, com a inscrição do bem no Livro do Tombo.
 a instituição depende de processo específico para cada bem que apresente valor cultural, artístico, histórico arqueológico ou paisagístico (O STJ, ao tratar do tombamento da cidade de Tiradentes (MG), afirmou que o tombamento geral não depende da individualização de todos os bens no ato do tombamento, bem como não exige a prévia notificação de cada proprietário. No caso específico, o IPHAN havia notificado o chefe da Administração Pública local (STJ, 2ª Turma, REsp 1.098.640/MG).
 O fato de ser instituído por atos do Poder Executivo não impede o tombamento geral de um bairro ou cidade, desde que seja dada publicidade suficiente ao processo de tombamento, oportunizando o conhecimento de todos os proprietários afetados.
Exceção  tombamento legal  CF instituiu tombamento de "todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos anti­gos quilombos" (art. 216, § 5.°, da CF)  ressalvada essa hipótese, o tombamento somente será instituído por meio de atos administrativos.
 o rito processual varia de acordo com o tipo de tombamento (de ofício, voluntário ou compulsório). 
 em cada processo, o proprietário terá a oportunidade de apresentar a sua concordância ou discordância com a intenção do tombamento  a discordância levará em consideração irregularidades do processo administrativo ou deverá ser necessariamente acompanhada de razões técnicas hábeis a refutar o parecer técnico do órgão ou entidade competente.
 O tombamento realizado pelo IPHAN pode ser cancelado ("destombamento"), de ofício ou mediante recurso, pelo Presidente da República, tendo em vista razões de interesse público (Decreto 3.866/1941). 
 Isto não significa que o chefe do Executivo possa discordar da conclusão do IPHAN, inserindo-se na discricionariedade técnica atribuída àquela autarquia  o Chefe do Executivo pode cancelar o tombamento com fundamento em outro interesse público que, mediante o processo de ponderação, deva prevalecer sobre a proteção do patrimônio cultural. 
Ex.: o Presidente poderia cancelar o tombamento e o Ministério da Cultura deixar de instituí-lo quando o bem estivesse localizado em área que seria inundada para instalação de usina hidrelétrica.
Efeitos
 
 O tombamento produz efeitos para o proprietário do bem tombado, para o Poder Público e para terceiros (arts. 11 a 22 do Decreto-lei 25/1937)  esses efeitos são provisoriamente observados desde a notificação do particular no curso do processo de tombamento.
a) efeitos para o proprietário:
a.1) dever de proteger o bem tombado, impedindo a sua destruição, demolição ou mutilação do bem; 
a.2) dever de conservação do bem, exigindo-se a autorização do órgão ou entidade competente para sua reparação, pintura ou restauração, sob pena de multa; 
a.3) caso não possua recursos para conservar o bem, o proprietário deve notificar o órgão ou entidade competente para realização das obras necessárias (nesse caso, a solução prática, seria a desapropriação do bem, com o intuito de transferir a propriedade ao Poder Público, que passaria a fazer a conservação regular do bem e o utilizaria para o atendimento do interesse público);
a.4) o bem móvel tombado não pode deixar o País, salvo quando houver autorização expressa do órgão ou entidade responsável e por prazo determinado;
a.5) notificação do Poder Público no caso de furto ou extravio do bem tombado, sob pena de multa; 
a.6) oportunizar o direito de preferência do Poder Público na hipótese de alienação onerosa do bem, sob pena de nulidade da transferência;
b) efeitos para o Poder Público: 
b.1) vigilância permanente do bem tombado, podendo inspecioná-lo quando julgar conveniente; 
b.2) necessidade de manutenção do bem, quando o proprietário não tiver recursos para realização de obras;
b.3) direito de preferência na aquisição do bem.
c) efeitos para terceiros: os proprietários dos imóveis vizinhos ao bem tombado não poderão, sem prévia autorização do órgão ou entidade competente, realizar construções que impeçam ou reduzam a visibilidade do bem tombado, nem pode­rão afixar anúncios ou cartazes (art. 18). 
A dificuldade, no caso, é definir o âmbito de incidência dessa restrição ("vizinhança"). 
 em âmbito federal, compete ao IPHAN delimitar de maneira objetiva a expressão vizinhança e informar ao respectivo Município, responsável pela concessão das licenças para construir.
 O particular de boa-fé, que executa obras apoiadas em licenças legítimas, não pode ser prejudicado, sendo certo que, em caso de ordem de demolição da construção, deverá ser reconhecido direito à indenização perante o IPHAN, em caso de ausência de comunicação do Poder Público Municipal, ou perante o Município, quando, ciente da abrangência da vizinhança do bem tombado, concedeu a licença para construir, criando expectativa legítima no particular.
Indenização
 
 A indenização ao proprietário do bem tombado depende, necessariamente, da comprovação do respectivo prejuízo, sob pena de enriquecimento sem causa do proprietário do bem ocupado.
 O prazo prescricional para propositura da ação indenizatória é de cinco anos, na forma do art. 10, parágrafo único, do Decreto-lei 3.365/1941.

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