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1 A CASA E O MUNDO Pandit Nehru está no seu melhor quando ele não está preso aos detalhes. Economic Weekly, 28 de julho de 1951 I NÃO MUITO APÓS as eleições de 1952, o escritor indiano Nirad C. Chaudhuri escreveu um ensaio sobre Jawaharlal Nehru para uma revista popular. Nessa época, o escritor era moderadamente conhecido, mas o seu assunto continuava dominando não só a ele como todos a sua volta. A liderança de Nehru, observou Chaudhurim “é mais importante força moral por trás da unidade da Índia”. Ele era “o líder não de um partido, mas do povo indiano, coletivamente, o legítimo sucesso de Gandhiji”. Como disse, Nehru está mantendo a máquina governamental e o povo unidos, e sem esse elo a Índia provavelmente seria privada de um governo estável nesse período crucial. Ele não apenas garantiu uma cooperação entre ambos, mas é provável que também tenha realmente impedido conflitos culturais, econômicos e políticos. Não só a liderança de Mahatmaji continuou, mas teria sido bastante parecida com ela. Se, dentro do país, Nehru é a vital ligação entre os governantes da classe- média e o povo soberano, ele não menos o vínculo entre a Índia e o mundo. [Ele serve como] O representante da Índia para as grandes democracias ocidentais, e, devo acrescentar, o representante deles na Índia. As nações ocidentais certamente o consideram como tal e esperam dele a garantia de que a Índia os apoie, razão pela qual eles tanto se decepcionam quando Nehru adota uma política neutra ou anti-ocidental. Eles se sentem traídos por um dos seus. Através de seu longo mandato como primeiro-ministro, Nehru foi simultaneamente Ministro das Relações Exteriores da Índia. O que era natural, pois 2 entre as lideranças do Congresso, ele tinha uma perspectiva genuinamente internacionalista. Que Gandhi tinha sido universal é uma perspectiva estranha, mas ele quase não viajou ao exterior. Outros líderes do Congresso como Vallabhbhai Patel, eram determinadamente voltados para causas internas. Por outro lado, Nehru,, “sempre foi fascinado pelos movimentos e tendências mundiais”. No período entreguerras, Nehru permaneceu como um observador próximo e, ocasionalmente, um participante nos debates europeus. Em 1927, ele visitou a Rússia soviética, e na década seguida viajou muito pelo continente. Na década de 1930, ele exerceu um papel ativo em apoio à causa republicana na Espanha. Tornou-se um pilar da esquerda progressista, frequentemente falando sobre as plataformas públicas na Inglaterra e França. A respeito disso, seu nome e fama foram ajudados pela publicação e do sucesso comercial de sua autobiografia, que apareceu em Londres em 1936. Representante das ideias de Nehru é um discurso que ele fez sobre “Paz e Império” na Friends House, em Euston, em julho de 1938. Tudo começou falando sobre “a agressão fascista”, mas acabou por ver que o fascismo é apenas mais uma variante do imperialismo. No Reino Unido, a tendência era distinguir um do outro. Mas na mente de Nehru, era claro: aqueles que “buscam a liberdade para os mais diversos povos do mundo” tinham que se opor tanto ao fascismo como ao imperialismo. A crise dos tempos, disse Nehru, tinha promovido uma “solidariedade crescente entre os mais variados povos” e um “sentimento de camaradagem e companheirismo internacional”. Sua própria fala foi largamente disseminada ao redor do mundo. Ele foi da Espanha, da Abissínia, da China, da Palestina e, mais sensivelmente, da África. O "povo da África merece nossa consideração especial", ressaltou ele, pois “provavelmente nenhum outro povo no mundo sofreu tanto e foi tão explorado”. Ao final do verão de 1939, Nehru planejou uma viagem ao grande vizinho asiático da Índia, a China. Ele amigavelmente correspondia com Chiang Kaishek, pois, como disse a um colega, “cada vez mais penso na Índia e China caminhando juntas no futuro”. Ele esperava ir de avião a Chungking, passar lá três semanas viajando pelo interior do país, e voltar para casa pela estrada da Birmânia. Infelizmente, a guerra na Europa pôs um fim ao passeio. Nehru foi preso pela sua participação no movimento Quit India em 1942. Quando foi liberto em julho de 1942, dedicou suas energias a finalizar o jogo do 3 império. Porém, ficou claro que a Índia seria logo libertada, e seus pensamentos se voltaram então a causas externas. Em uma transmissão de rádio de setembro de 1946, ele destacou os Estados Unidos, a União Soviética e a China como sendo os três países mais relevantes para o futuro da Índia. No ano seguinte, ele falou na Assembleia Constituinte sobre como a Índia seria uma boa amiga para tanto para os EUA como para a URSS, em vez de se tornar uma mera seguidora de um só lado com a “esperança de que algumas migalhas caíssem em sua mesa”. Como disse, “nós mesmos nos lideramos”. Uma articulação precoce do que veio a ser conhecido como “não-alinhamento” está contida em uma carta escrita por Nehru a K. P. S. Menon em janeiro de 1947, como os últimos preparos para assumir sua missão como o primeiro embaixador da Índia na China. Nossa política geral é evitar confusões no poder, e não nos unir a nenhuma potência contra outra. Os dois principais grupos hoje são o bloco russo e o bloco anglo-americano. Nós precisamos ser amigáveis com ambos, mas ainda assim não nos juntarmos a eles. Tanto a América como a Rússia são extraordinariamente suspeitas a respeito uma da outra, mas também sobre outros países. Isso dificulta nosso caminho e é provável que também suspeitem que estejamos inclinados para este ou aquele lado. Isso não pode ser resolvido. Nehru viu a independência da Índia como parte de um amplo ressurgimento asiático. Passados séculos de pertencimento à Europa, ou aos brancos em geral, mas já era tempo dos povos não brancos e anteriormente subordinados seguirem seus próprios caminhos. Uma iniciativa notável a esse respeito foi Conferência das Relações Asiáticas, realizada em Nova Deli na última semana de março de 1947. Vinte e oito países enviaram representantes - estes incluem vizinhos próximos da Índia (Afeganistão, Birmânia, Ceilão britânico e Nepal), as nações ainda colonizadas do Sudeste Asiático (como Malaya, Indonésia e Vietnã), China e Tibete (cada qual enviando uma delegação separada), as sete "repúblicas" asiáticas da União Soviética e da Coréia. A Liga Árabe também estava representada e havia uma delegação judaica da Palestina. Como um jornalista ocidental, que cobria o evento, observou, por uma semana a cidade de Deli 4 “foi preenchida com a mais complexa variedade de pessoas, curiosos nos trajes e semblantes: brocas do sudeste asiático, calças estilo boca de sino vindas das repúblicas soviéticas orientais, cabelos trançados e vestes acolchoadas do Tibete (...) dezenas de línguas curiosas e títulos polissilábicos. De uma forma ou de outra, enquanto nos lembramos um do outro, essa multidão representava quase metade da população mundial”. A conferência foi realizada no Purana Qila, estrutura de pedra larga, um tanto precária, mas ainda assim majestosa, construída por Sher Shah Suri no século XVI. As sessões de abertura e encerramento foram abertas ao público, e atraíram multidões imensas – cerca de 20.000 pessoas. A língua oficial era o inglês, mas foram providenciados intérpretes para as delegações. Os palestrantes falaram em um pódio; atrás deles fora montado um mapa enorme do continente, com “ASIA” escrito no topo em luzes neon. As frases inaugurais foram ditas por Nehru: “Surgindo para a grande aclamação pública”, ele falou sobre como “depois de um longo período de quietude” a Ásia “subitamentese tornou importante nas pautas mundiais”. Seus países já “não poderiam ser usados pelos outros como meros peões”. No entanto, como lembrou jornalista G. H. Jansen, o discurso de Nehru “não era direta ou fortemente anti- colonial”. “Os antigos imperialismos estão desaparecendo”, ele disse. Com um movimento quase desdenhoso, ele fez algo pior que atacá-los, ele pronunciou uma um discurso de despedida. Depois da fala de Nehru, cada país participante, em ordem alfabética, enviou um palestrante ao pódio. Isso levou dois dias inteiros, depois dos quais a reunião foi finalizada com mesas redondas temáticas. Havia duas sessões separadas: “movimentos nacionais pela liberdade”, “problemas raciais e migração inter-asiática”, “desenvolvimento econômico e serviços sociais”, “problemas culturais”, e “situação das mulheres e movimentos femininos”. A conferência foi concluída com uma fala de Mahatma Gandhi. Ele lamentou que a conferência não tenha acontecido na “Índia real das aldeias, mas nas cidades que são influenciadas pelo ocidente”. A “mensagem da Ásia”, Gandhi insistiu, era “não ser ensinado por meio dos espetáculos ocidentais ou imitando a bomba atômica (...) quero que vocês voltem para casa tendo em mente que a Ásia precisa conquista o mundo através do amor e da verdade”. 5 Gandhi apareceu, mas esse espetáculo pertencia a Nehru. Seus admiradores o viram como uma confirmação de seu status, da autêntica voz de uma Ásia ressurgente. Seus críticos foram menos generosos. Em seu relato da conferência, o jornal da Liga Muçulmana, Dawn, reclamou da “forma habilidosa com a qual ele [Nehru] desenvolveu um tipo de liderança asiática. Isso era o que ele ambicioso líder hindu tinha pretendido fazer – jogar-se sobre as nações asiáticas como seu líder e, através dessa conquista desse prestígio e fama, promover projetos expansionistas do hinduísmo indiano”. II Nehru ia frequentemente à Europa antes da Independência. Sua primeira viagem aos Estados Unidos, contudo, aconteceu dois anos após assumir o cargo de primeiro- ministro. A imaginação política de Nehru não tinha muita consideração pelos EUA. Seus Glimpses of World History, por exemplo, dedicou muito menos espaço a isso que à China ou à Rússia. E o que ele diz nem sempre é elogioso. O capitalismo ao estilo americano tinha levado à escravidão, ao gangsterismo, e ao extremo massivo de riqueza e pobreza. O financista norte-americano J. Pierpont Morgan adquiriu um iate avaliado em 6 milhões de euros, e ainda assim Nova York era conhecida como a “cidade faminta”. Nehru admirava as tentativas de Roosevelt de regular a economia, mas ele não estava muito esperançoso de que o plano FDR seria bem sucedido. Pois “o American Big Business pode ser considerado o mais poderoso investimento do mundo moderno, e ele não vai desistir de seu poder e privilégios unicamente pela vontade do presidente Roosevelt”. Antes da viagem de Nehru para a América no final de 1949, um repórter empreendedor passou por seus escritos na revista Time. O exercício revelou que ele “simplesmente nunca havia dado muita importância ao assunto [os Estados Unidos]. Como homem de uma universidade britânica, talvez ele tenha olhado para as deficiências culturais norte-americanas de forma esnobe. Como um socialista sentimental, riscou os EUA da lista como incomparável tecnologicamente, mas predatório em seu capitalismo.” 6 Os sentimentos de Nehru foram amplamente compartilhados. Como os aristocratas britânicos, a elite indiana tendia a pensar nos Estados Unidos e nos norte- americanos como grosseiros sem cultura. Representando esses pensamentos, as opiniões de P. P. Kumaramangalam, descendente de uma família ilustre do sul da Índia. Seu pai, o Dr. P. Subbaroyan, foi um rico senhor de terras e um político influente – que mais tarde trabalhou no gabinete de Nehru. O filho estudou em Sandhurst – seus irmãos em Oxford e Cambridge. Destes, um irmão chamado Mohan e uma irmã chamada Parvathi, tornaram-se uma luz para o Partido Comunista da índia. Isso os predispôs a serem avessos aos Estados Unidos. Mas, a respeito disso, o irmão que era oficial do exército os superou. Após a independência indiana, ele foi enviado para treinar para a escola de artilharia em Fort Sill, em Oklahoma. Daqui ele escreveu para um mentor de Chennai sobre como Esse país não é o lugar no qual eu algum dia vou me encontrar. Eu não tenho um conceito muito alto sobre eles. As pessoas com as quais eu lido são sempre gentis, hospitaleiras, e sempre foram muito boas para nós dois. Mas de alguma forma sinto que há um traço de artificialidade nisso e também o resultado de certo esforço para impressionar. Penso que eles têm muita inveja do velho mundo, de suas experiências e cultura e isso resulta em um agressivo complexo de inferioridade. Quanto à moralidade, não há nenhuma. As pessoas parecem se deliciar tentando superar umas as outras de todas as formas, principalmente as desonestas. Os políticos são corruptos e os grandes negócios controlam tudo no país com mão de ferro. Penso que o pequeno comerciante e o grande fazendeiro têm suas mãos atadas pelos grandes homens. Espero que nosso país avance com cautela e não fique totalmente sob a influência dos Estados [Unidos]. Os norte-americanos, por sua vez, tinham os seus próprios preconceitos sobre a índia. Eles admiravam Gandhi e sua luta pela independência nacional, mas seus conhecimentos sobre o país em si eram escassos. Como Harold Isaac apontou uma vez, para os americanos do pós-guerra, estes eram: 1) os indianos fabulosos, os maharajas e mágicos acompanhados de animais exóticos como tigres e elefantes; 2) os indianos 7 místicos, pessoas que “intensas, contemplativas, tranquilas, profundas”... 3) os indianos ignorantes, que adoravam aos animais e ao deuses de muitas canecas, vivendo em um país que conseguia ser mais pagão que a China; e 4) os indianos patéticos, atormentados pela pobreza e paralisados pela doença – “crianças cercadas por moscas, com estômagos inchados, crianças morrendo nas ruas, rios repletos de corpos...”. Destas imagens talvez as duas últimas fossem as predominantes. Não por acaso o livro mais conhecido sobre o subcontinente fosse Mother India de Katherine Mayo, um livro que Gandhi havia descrito como “o relatório de um inspetor de drenagem”. Nehru, em partes, compartilhava os preconceitos sobre os indianos, e era sensível aos dos norte-americanos. Mas este primeiro encontro de alto-nível entre os mais jovens e os mais ricos era para deixá-los em espera. Em agosto de 1949, como havia planejado para sua viagem, Nehru estava estranhamente nervoso. “Com que humor devo me dirigir aos Estados Unidos?”, perguntou à sua irmã Vijayalakshmi. “Como devo abordar as pessoas? Como devo lidar com o governo e empresários de lá? Qual faceta de mim devo colocar diante do público norte-americano? O indiano, o europeu... Eu quero ser amigável com os norte-americanos, mas sempre deixando claro o que defendemos.” Nehru passou três semanas nos Estados Unidos, discursando uma vez ao dia para públicos tão diversos quanto o congresso dos Estados Unidos e uma congregação na capela de Chicago. Foi premiado com um doutorado honorário pela Universidade da Columbia e ouvido por uma multidão de 10.000 pessoas na Universidade da Califórnia e Berkeley. Revelou um lado comum, sendo fotografado com um motorista de táxi em Boston, mas também deixou claro sua pertença à aristocracia intelectual, como em uma visita amplamente divulgada a Albert Einstein em Princeton. Dirigindo-se ao Congresso, Nehru falou respeitosamente sobre os fundadores da América,mas então os contrapôs a um grande homem de seu próprio país. Este era Gandhi, cuja mensagem de paz e verdade inspirara a política externa da Índia independente. Mahatma, contudo, “foi muito bom para as fronteiras circunscritas de qualquer país, e a mensagem que passou pode nos ajudar a respeito dos mais amplos problemas do mundo”. Pois das coisas que mais faltam no mundo, disse Nehru, estão a “compreensão e entendimento entre as nações e povos”. 8 Isso foi colocado diplomaticamente, mas em outros lugares Nehru foi mais direto em seus discursos. Na Universidade de Columbia, Nehru lamentou o desejo de “direcionar o mundo a dois campos de batalha hostis”. A Índia, ele disse, não se alinharia a nenhum, mas procuraria “uma abordagem independente para questão controversa ou muito contestada”. Na sua opinião, a principal causa da guerra era a persistência do racialismo e do colonialismo. Paz e liberdade só seriam asseguradas se a dominação de um país ou uma raça sobre a outra chegasse ao fim. A imprensa norte-americana ficou impressionada com o primeiro-ministro. A Chicago Sun Times chegou a dizer que “de muitas maneiras Nehru é o mais próximo que essa geração tem de um Thomas Jefferson no modo como dá voz às aspirações universais pela paz dos povos em todos os lugares” A Christian Science Monitor o descreveu como um “titã do mundo”. Quando ele foi embora, um colunista no St. Louis Post-Dispatch observou que “Nehru se foi, e deixou para trás nuvens de mulheres com olhos marejados”. Até mesmo a revista time admitiu que, enquanto os norte-americanos não estivesse certos da posição de Nehru, “eles podiam sentir nele, se não uma verdade rara, um coração raro”. Contudo, havia um conjunto de pessoas que não se empolgaram com o visitante indiano – os mandarins do Departamento Estadual. Nehru teve várias discussões longas com o secretário de Estado, Dean Acheson, mas estas não foram a lugar algum. Em seus memórias, Acheson escreveu desdenhosamente e com certo desespero sobre a vista de Nehru. Em suas conversas, ele o encontrou “espinhoso”, arrogante (“ele falou comigo... mas como se fosse uma reunião pública”) e também pronto para colocar a culpa nos outros (notavelmente os colonialistas franceses e holandeses) sem reconhecer a sua própria. Quando Acheson abordou a questão da Caxemira, ele curiosamente combinou um discurso público, momentos de raiva, e um profundo desgosto pelos seus oponentes. Ao todo, ele encontrou em Nehru “um dos homens mais difíceis com os quais já teve que lidar”. Outras autoridades americanas foram mais simpáticas com Nehru. Um deles foi Chester Bowles, que foi embaixador em Nova Déli de 1951 a 1953. Testemunhando o trabalho de Nehru em seu ambiente próprio, Bowles ficou visivelmente impressionado com seu compromisso com a democracia e procedimentos democráticos e com o direito das minorias. Dean Acheson e muitos outros americanos, dividiam o mundo em duas categorias: amigos e inimigos. Essa não era uma leitura que Bowles endossaria. Ele 9 insistia que “para nós [americanos] é imaturo e ridículo concluir que por ele [Nehru] não ser 100% a nosso favor, que deve ser contra nós”. Durante o mandato de Bowles, a Índia e os Estados Unidos se aproximaram. Os EUA enviaram especialistas e equipamentos para ajudar com programas indianos de desenvolvimento agrícola. Mas a desconfiança popular persistiu. Um escritor de Delaware, visitando o subcontinente no início dos anos cinquenta, encontrou muitos indianos educados para quem os Estados Unidos eram um país “isolado por falhas grosseiras, seguindo sozinhos nos pecados impensáveis do materialismo, ambições imperialistas, guerra, corrupção política, pobreza cultural e espiritual, discriminação racial e injustiça”. A mútua desconfiança se aprofundou após 1953, quando os republicanos se encontraram de volta ao poder depois de vinte anos longe dele. No final daquele ano, William F. Knowland, o líder republicano no senado, realizou uma turnê de seis semanas. Ao retornar, disse ao US News e ao World Report que Jawaharlal Nehru não representava todas as nações ou povos da Ásia. O senador Knowland disse, enfaticamente: "Certamente Nehru não fala pela República da Coréia, pelo Japão, pela China livre ou Formosa, pela Tailândia, Vietnã, Laos ou Camboja. Ele certamente não fala pelo Paquistão. Os únicos países com os quais ele estaria apto a falar com alguma autoridade, ou pelo menos representar seus pontos de vista, seriam a própria Índia, a Indonésia, que também tem uma perspectiva neutra e talvez a Birmânia...” Esses pontos de vista eram compartilhados pelo novo secretário de estado, John Foster Dulles. Dulles era o mais frio dos guerreiros da Guerra Fria, cuja política externa era dominada pela sua obsessão com o comunismo. Na batalha contra a União Soviética, Dulles estava preparado para ignorar os sistemas políticos internos de outras nações. De modo geral, ditadores que diziam que preferiam as linhas americanas a democratas que não o faziam: “Se ele é um bastardo, que pelo menos seja o nosso bastardo, como ele deveria ter dito”. Dulles e Nehru não se gostavam desde o começo. O norte-americano dizia que “o conceito de neutralidade é obsoleto, imoral e de uma visão limitada. Aqueles que o professam são, de fato, cripto-comunistas”. Nehru, naturalmente, não aceitou essa interpretação gentilmente. Como o diplomata australiano Walter Crocker escreveu, o primeiro-ministro indiano não deixou escapar a ironia que 10 no que diz respeito à santidade do Mundo Livre e da Vida Livre proclamada por Dulles, ele, condenado por Dulles, estava carregando a Índia através de um enorme esforço em direção a uma democracia parlamentarista, sob a lei, liberdade e igualdade para todas as religiões, reformas sociais e econômicas, enquanto, entre os países elogiados e subsidiados por Dulles, por estarem “dispostos a se levantar e serem considerados” como anti-comunistas, eram exauridos perseguindo tiranias, oligarquias ou teocracias, e às vezes eram também corruptas e retrógradas. Dulles ofendeu ainda mais as sensibilidade indiana quando sugeriu que Portugal – um aliado confiável dos Estados Unidos – poderia manter sua colônia em Goa tanto quanto quisesse. Contudo, a contribuição decisiva do secretário para destruir as relações indo-americanas foi o pacto militar por ele assinado com o Paquistão em fevereiro de 1954, Como um historiador observou, “O senhor Dulles queria alianças. O Paquistão queria armas e dinheiro”. Quase na época da independência, o Reino Unido viu o Paquistão como um potencial aliado na Guerra Fria; de fato, como um “forte bastião contra o comunismo”. Ao contrário disso, a Índia era vista como sendo muito flexível aos soviéticos. O próprio Winston Churchill ficou muito impressionado com o argumento de que o Paquistão poderia ser manipulado para permanecer firme no flanco oriental da Rússia, tanto quanto o confiável cliente do Ocidente, a Turquia, permaneceu firme no oeste. O jovem e brilhante professor de Harvard, Henry Kissinger endossou tal ideia – em sua opinião, a “defesa do Afeganistão [dos soviéticos de theb] depende da força do Paquistão”. Para republicanos como Dulles, a luta contra o comunismo era primordial. Consequentemente, a virada em direção ao Paquistão, o qual ele via como um dos membros-chave do círculo defensivo em torno da União Soviética. Das bases no Paquistão, aviões norte-americanos poderiam penetrar profundamente a Ásia central soviética. A visão de Dulles era apoiada pelo vice-presidente Richard Nixon e seus esforços combinados finalmente prevaleceram sobre o presidente Eisenhower,que 11 estava preocupado com a queda na Índia, na sequência de qualquer aliança formal com o Paquistão. O apoio militar norte-americano para o Paquistão girou em torno de 80 milhões de dólares por ano. Os EUA também encorajaram os paquistaneses a integrar forças militares antissoviéticas no centro e sudeste da Ásia conhecidos como CENTO e SEATO. Dois meses antes de Dulles assinar seu pacto com o Paquistão, um missionário americano que havia trabalhado por anos no subcontinente os alertou que “puxar militarmente o Paquistão contra a Índia iria aliená-la”. Isso certamente aconteceu, embora também existissem outras tensões nas relações indo-americanas. Nos conflitos em curso da Guerra Fria – como na Coréia e na Indochina – a Índia era vista como sendo, de longe, neutra demais. As vigorosas apurações de Nehru sobre o reconhecimento da República Popular da China, e sua insistência para que fosse dado um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU, então ocupado por Taiwan, também não foi bem interpretado por Washington. Havia um crescente número de americanos que sentiam que Nehru tinha “adentrado a área da política mundial como um campeão desafiando a sabedoria americana”. E talvez ele tenha mesmo. Pois, como Nehru escreveu ao industrial G. D. Birla em maio de 1954, “não acho que existam muitos exemplos na história, de uma sucessão de políticas equivocadas que são seguidas por um país como é o caso dos Estados Unidos e o Extremo Oriente durante os últimos cinco ou seis anos. Eles deram um passo errado atrás do outro... Pensam que podem resolver qualquer problema com dinheiro e armas. Esquecem o elemento humano. Esquecem as necessidades nacionalistas do povo. Esquecem o forte ressentimento das pessoas na Ásia contra essas imposições”. O próprio industrial se interessava muito mais em forjar melhores relações entre os dois países. Em outubro de 1954, Birla visitou os Estados Unidos e falou para uma série de pessoas influentes. Ele até teve meia hora com John Foster Dulles, que reclamou sobre a Índia “mal representá-los como guerreiros e assim por diante”. Em fevereiro de 1956, Birla fez uma nova visita aos Estados Unidos na ocasião da construção de uma ponte. Pediu um conselho a Nehru, mas recebeu um sermão. “A declaração de Dulles sobre Goa irritou a todos nós”, disse o primeiro-ministro. “As relações indo-americanas são muito mais afetadas por esse tipo de coisa que pela ajuda que poderiam dar. Depois, há o apoio militar ao Paquistão, que é uma ameaça constante 12 e crescente para todos nós e, de fato, aumenta muito mais o nosso fardo do que nos ajuda”. No mês seguinte, John Foster Dulles foi corajoso a ponto de visitar Nova Déli. O registro de suas conversas co m o governo indiano ainda é secreto, mas temos os trabalhos de uma conferência de imprensa dirigida por ele. Nela, o secretário de estado esteve sujeito a uma série de perguntas hostis. Ele foi pergunto acerca do motivo pelo qual disse que Goa era parte de Portugal. Dulles não o negou, mas esclareceu que ele era a favor de uma “solução pacífica” para essa controvérsia. Então, a conversa se voltou para o apoio militar ao Paquistão, e a possibilidade disso gerar um agravamento no conflito da Caxemira. Dulles respondeu defensivamente que “o fornecimento de armas aos paquistaneses não significa, de forma alguma, uma ameaça à Índia”. Diante da persistência do questionador, Dulles observou raivosamente que “nós não acreditamos que, por causa da disputa da Caxemira, o Paquistão precisa ser desarmado, porque assim ele não seria capaz de resistir à agressão comunista dos soviéticos”. O secretário de estado ameaçou ir embora se fizessem mais alguma pergunta sobre Goa ou Caxemira. Índia e Estados Unidos não pareciam ter muito em comum – a forma democrática de viver, o compromisso com a pluralidade cultural e (não menos importante) o mito de origem nacionalista que foi ressaltado pela luta contra a opressão britânica. Mas, em questão de política internacional, eles eram resolutamente diferentes. A América pensava que a Índia era amena em relação ao comunismo, a Índia pensava que a América era amena em relação ao colonialismo. No final, o que os separava parecia oprimir o que os unia; em partes pela química pessoal – ou, melhor, pela falta dela - entre os principais jogadores de cada lado. III Jawaharlal Nehru visitou a União Soviética duas décadas depois de ter visitado a América do Norte. Chegando de trem, via Berlim, ele alcançou a fronteira russa em 7 de novembro de 1927, o décimo aniversário da tomada do poder pelos bolcheviques. O "culto a Lênin" era exposto abundantemente. Havia bandeiras vermelhas e bustos do 13 herói bolchevique em todos os lugares. Nehru foi para Moscou, uma cidade que o impressionou tanto pela sua grandeza física quanto pelo seu aparente nivelamento social. "Os contrastes entre luxo extremo e pobreza não são visíveis, nem se pode perceber hierarquias de classe ou castas”. Nehru escreveu um diário sobre sua viagem; seu tom era incansável, seja falando sobre os coletivos camponeses, a constituição da URSS, a tolerância das minorias ou o progresso econômico. Uma visita ao túmulo de Lênin o levou a um devaneio sobre o homem e a sua missão, terminando com um respaldo da afirmação de Romain Rolland de que o líder bolchevique era o “o maior e mais ativo dos homens do nosso século e ao mesmo tempo o mais generoso”. Ele foi levado a um modelo de prisão, que considerou uma ilustração da “melhor ordem social e do direito penal humano” do sistema socialista. Em comparação com os países burgueses, concluiu Nehru, a União Soviética trata melhor seus trabalhadores e camponeses, suas mulheres e crianças, e até mesmo seus prisioneiros. A credulidade da narrativa é completada por uma epígrafe ao seu diário de viagem – palavras de Wordsworth sobre Revolução Francesa: “Ventura, em tal alvorecer, era estar vivo / mas ser jovem era o paraíso.” O biógrafo de Nehru observa que ele visitou "a União Soviética nos últimos dias de seu primeiro período de falecimento”. Se sua reação fosse idealista, era em parte porque ainda havia algum idealismo no ar. Isso é verdade, depois de um modismo, pois ainda um brilho sobre Lênin (cuja própria intolerância ainda não era amplamente conhecida fora da Rússia). Enquanto o fim dos gulags e dos campos de extermínio da Sibéria ficavam para o futuro. E, claro, houve outros endossos fornecidos pelos companheiros de viagem na década de 1920. Como eles, Nehru tinha vindo a fim de ficar impressionado; e ele ficou. Era, sobretudo, o sistema econômico soviético que mais atraía Nehru. Como intelectual progressista, ele preferia a propriedade estatal a privada, o planejamento estadual ao mercado. Seus Glimpses of World History contém um admirável relato de cinco anos de planos soviéticos. Ainda assim, em nenhum momento ele foi atraído pelo modelo bolchevique de revolução armada ou pelo Estado de partido único. Seu treinamento com Gandhi o predispôs à política de não violência, e sua exposição ao 14 liberalismo ocidental tornou-o entusiasta da democracia eleitoral e de uma imprensa livre. Após a independência, as relações com a União Soviética foram instantaneamente congeladas. Isso aconteceu porque o Partido Comunista da Índia, com a benção de Moscou, tentou derrubar o Estado. Mas a insurreição falhou, e os soviéticos também derreteram. Agora, eles procuravam cortejá-la, para afastar a Índia do campo ocidental. Em 1951, enquanto o Congresso norte-americano debatia a respeito de um pedido da Índia de auxilio alimentar, os soviéticos – livres de procedimentosdemocráticos – ofereceram 50 mil toneladas de trigo de uma só vez. Os esforços indianos em mediar o conflito coreano também eram apreciados por Moscou. Anteriormente, os estados asiáticos eram julgados pela sua adequação ao comunismo... Mas (tal qual a América de Dulles) a Guerra Fria tornou a ideologia mais flexível. Não mais importava se o país era socialista, o crucial era saber de que lado estava. A consumação desta mudança foi a recepção dada a Jawaharlal Nehru quando ele visitou a União Soviética em 1955. "Na União Soviética, onde quer que Nehru fosse", escreveu um observador, "havia grandes multidões para cumprimentá-lo. Em todas as fábricas, os trabalhadores se reuniram aos montes para vislumbrá-lo”. "Na Universidade de Moscou, os alunos deixaram as salas de aula para aclamá-lo”. (Um dos alunos era Mikhail Gorbachev, que anos mais tarde recordaria em suas memórias o impacto que Nehru causou nele e em sua ideia de uma política moral). No seu último dia ali, o primeiro-ministro indiano estava convencido a falar em uma reunião pública no parque Gorky. Mas a multidão se mostrou muito maior que o esperado e assim o local foi transferido para o estádio do time de futebol Dínamo de Moscou. Seis meses depois, os líderes soviéticos Bulganin e Khrushchov vieram visitá-lo. Os indianos, por sua vez, fizeram de tudo para que a visita fosse bem sucedida. Antes que os visitantes chegassem em Déli, alto-falantes estimulavam o público a vir aos montes, em uma grata resposta à recepção que os russos deram a Nehru. No evento, houve aglomerações espetaculares em todas as cidades que a dupla visitou. Havia vários motivos para esse entusiasmo: a curiosidade pelo exótico e o estrangeiro, o amor indiano por um bom show e, não menos importante, o sentimento anti-ocidental profundo em suas veias, o qual assumiu um orgulho indireto no desafio da Rússia aos Estados Unidos. As maiores aglomerações se deram na radical e anti-imperialista Calcutá, onde os estudantes e os trabalhadores das fábricas constituíam uma boa parcela 15 do meio milhão que saudava os líderes soviéticos. Mesmo Nova Déli se iluminou. “Delhi Stock Exchange, brilhantemente iluminada, competia com o escritório do Partido Comunista em um desafio de luzes festivas”. Em suas três semanas na Índia, Bulganin e Khrushchov vistaram usinas siderúrgicas e hidrelétricas, falaram em reuniões públicas e em não menos de sete capitais. Sem dúvidas, a mais significativa destas foi a capital de Jammu e o estado da Caxemira. Foi ali que deixaram claro que aceitaram o Vale como sendo parte do Domínio da Índia e a Caxemira como sendo um dos “povos talentosos e industriosos da Índia”. Nada poderia soar mais doce aos ouvidos indianos. IV Na véspera da partida de Nehru para Moscou em 1955, um crítico indiano se preocupou com a possibilidade de Nehru fosse mantido em Moscou pelos seus hospedeiros. Pois, como para muitas outras naturezas sensíveis, acostumadas no final dos anos 1920 e 1930 a considerar a União Soviética como verdadeiramente progressista, o primeiro-ministro nunca pareceu ter superado a visão daqueles dias. Apesar de tudo o que aconteceu desde então, a União [Soviética] ainda conserva uma parte desse encanto. Para suas virtudes ele continua sendo muito gentil, e para seus vícios e crueldades, ele é quase cego. O escritor era A. D. Gorwala, um liberal influenciado pelo ocidente. Havia outros como ele, indianos que acreditavam que a Índia deveria se aliar mais fortemente às democracias na Guerra Fria. Mas esses foram superados em número e certamente ultrapassados por aqueles indianos que suspeitavam dos Estados Unidos em favor da União Soviética. Uma razão para tal era que enquanto os americanos não queriam pedir aos seus aliados europeus que dissolvessem seus impérios na Ásia e na África, os russos falavam frequentemente sobre os males do racismo e do colonialismo. No começo, Nehru evitou tomar partido na Guerra Fria. Mas, como ele costumava dizer, esse não-alinhamento não era uma mera evasão, isso tinha uma carga positiva. Um terceiro bloco poderia vir a atuar como um saudável efeito moderador na arrogância das superpotências. Já falamos das Conferências de Relações Asiáticas em 16 1947. Outro esforço desse tipo, foi a Conferência Afro-Asiática, realizada na cidade de Bandung na Indonésia em 1955. Apenas os países de governos independentes eram convidados para Bandung. Vinte e nove delegações foram enviadas, incluindo a Índia e a China. Quase nações africanas foram representadas (as outras ainda estavam sob o laço do colonialismo), e as delegações do Irã, Iraque, Arábia Saudita e Síria vieram. A reunião discutiu métodos de cooperação econômica e cultural, e se compromissou firmemente a colocar um fim ao domínio colonial. Pois, como o presidente Sukarno da Indonésia observou, “como podemos dizer que o colonialismo está morto se áreas tão vastas na Ásia e África não estão livres?” Nehru considerou a Conferência de Bandung uma “grande conquista”: ela “anunciou emergência política em questões de mais da metade da população mundial. [Mas] ela não apresentou nenhum desafio pouco amigável ou hostilidade a ninguém...”. Como disse ao Parlamento indiano em seu retorno, os laços históricos entre países asiáticos e africanos foram separados pelo colonialismo. Agora, à medida que a liberdade surgiu, eles podem ser revividos e reafirmados. Este último protesto foi em resposta à acusação de que Bandung e similares eram, na essência, anti-ocidentais. Como o “não-alinhado” era, de fato, não estava alinhado? Na índia, seus ideais foram severamente testados no segundo semestre de 1956. Em julho daquele ano, Gamal Abdel Nasser nacionalizou a empresa que gerenciava o Canal de Suez. A Grã-Bretanha (cujos interesses estratégicos foram mais ameaçados pela ação) reagiu pedindo o controle internacional sobre o Canal. Nehru, que conhecia muito bem ambas as partes, fez o máximo para mediar o conflito. Mas ele falhou e, finalmente, no final de outro, os britânicos em conluio com os franceses e israelenses, empreenderam uma invasão militar no Egito. Esse ato de agressão neocolonial foi condenado mundialmente. Por fim, sob pressão americana, a aliança anglo-francesa foi forçada a se retirar. Ao fim da invasão do Egito, os tanques soviéticos entraram em Budapeste. Isso foi seguido de uma revolta popular que derrubou o Estado cliente soviético favorecendo um governo mais representativo. Moscou reagiu de forma brutal para restaurar seu antigo status quo. Suas ações, como a dos britânicos e franceses no Oriente Médio, foram vistas como uma inaceitável violação da soberania nacional. 17 Os comentaristas indianos viram as invasões do Egito e da Hungria como perfeitamente comparáveis. Ambas foram “atos de depredação internacional por poderes que possuíam assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU” – ambos “espalharam uma onde de cinismo em todo o mundo”. Como um jornal de Chennai observou, enquanto a independência do Egito ameaçava os recursos petrolíferos da Grã-Bretanha e da França, “a independência da Hungria não só ameaçaria o fornecimento de urânio tão essencial para manter o Exército Vermelho em forma, como também abriria uma perigosa brecha no império soviético. Londres não podia admitir o primeiro e Moscou não toleraria o último. Daí os seus atos de pura agressão, as quais equivalem a uma exibição selvagem de um instinto animal predatório”. Nehru criticou a intervenção anglo-francesa assim que ela aconteceu. Mas agora, quando as Nações Unidas se reuniram para discutir uma resolução, convidando a União Soviética a “rapidamenteretirar todas as forças do território húngaro”, a Índia representada por V. K. Krishna Menon se absteve. Isso provocou um grande ressentimento no mundo ocidental, expôs o governo indiano à acusação de manter um padrões duplos. Havia também muito criticismo doméstico a respeito da posição da Índia. ouve um debate furioso no Parlamento, e as seções da imprensa lamentaram “nosso vergonhoso sicofantismo aos governantes soviéticos...”. “Ao aceitar a Rússia, abdicamos nossas pretensões morais", escreveu um jornalista. Foi especulado que o governo pode ter sido influenciado pela sua incerta retenção da Caxemira, desde que uma das resoluções da ONU se absteve de pedir um plebiscito internacionalmente supervisionado na Hungria. Pesquisas posteriores revelaram que Nehru estava, na verdade, profundamente infeliz a respeito da invasão soviética. Ele tinha enviado inúmeras mensagens privadas para Moscou, incentivando a retirada de suas tropas. Mais tarde, a índia também falou em público, mas o mal estava feito. Tinha sido combinado quando Nehru apoiou a abstenção original de Krishna Menon, baseado no fato de que não havia informações suficientes naquele momento. O fiasco sobre a Hungria prejudicou a credibilidade internacional de Nehru. O "não-alinhamento" foi visto por alguns como "uma condenação feroz do bloco ocidental 18 quando suas ações dão errado”, mas “uma linguagem ambígua quando é o bloco soviético quem saí dos trilhos”. O episódio também expôs o primeiro-ministro à acusação de colocar sua lealdade pessoal acima dos propósitos nacionais. Mas, por enquanto, ele lamentava em privado o que Krishna Menon havia feito, e o apoiava em público. Krishna Menon era um velho amigo de Nehru e, a seu modo, um homem notável. Formado pela London School of Economics, foi também o primeiro editor de uma impressão de não-ficção da Penguin e Pelican Books. Na década de 1930, ele trabalhou incansavelmente na busca do apoio britânico à independência indiana. Mas ele também encontrou tempo para atuar como um porta-voz não oficial e agente literário de Nehru. Foi recompensado com um trabalho no alto comissariado de Londres após a Independência. Aqui ele trabalhou muito, mas também fez inimigos por conta de sua arrogância e por frequentemente anunciar sua amizade com o primeiro-ministro. Após retornar de Londres, Krishna Menon foi nomeado ministro do gabinete1. Ele se tornou uma espécie de embaixador itinerante, representando a Índia na ONU e em reuniões de desarmamento em Genebra. Ele se tornou uma espécie de embaixador itinerante, representando a Índia na ONU e em reuniões de desarmamento em Genebra. Um homem de opiniões fortes, ele era controverso tanto em sua terra natal como fora dela. “A “lucidez do seu intelecto”, escreveu um jornalista que o conhecia bem, "às vezes está “coberta por paixões e ressentimentos”. Uma vez que seus “gostos e desgostos eram mais fortes do que seria seguro para um homem em sua posição”, parecia “estranho que um homem tão tempestuoso fosse responsável por missões diplomáticas delicadas”. Mesmo antes da Hungria, houve um comentário desfavorável a respeito da confiança do primeiro-ministro em Krishna Menon. Dentro do Congresso, havia muitos que estavam desconfortáveis com suas inclinações pró-comunistas. E a imprensa ocidental cordialmente o odiava: um jornal de Nova York falava sobre sua “falta de amabilidade” em seu “ainda menor tato de diplomata”. 1 N. d. T.: No original, Cabinet Minister without portfolio. Cargo cujas responsabilidades incluem contribuir para a política governamental e tomar decisões, entre outros. Fonte: GOV.UK. Minister without portfólio. Disponível em: < https://www.gov.uk/government/ministers/minister-without-portfolio >. Acesso em 10 Mai. 2017. 19 Mas Nehru ainda ficaria ao lado de Menon. Já em 1953, estava sendo noticiado que em Deli o primeiro-ministro se “chateava quando alguém criticava seu diplomático bicho de estimação, o senhor Krishna Menon”. Sua cegueira lhe custara muito caro a respeito da Hungria em 1956, mas ainda assim ele não o descartava. Por quê? Uma resposta útil é fornecida por Alva Myrdal, que na época era embaixadora da Suécia na Índia e conhecia bem a Nehru. “O primeiro-ministro”, concluiu Myrdal, "conhecia as deficiências de Menon, mas continuava a ouvi-lo por causa do seu brilho. Menon era o único papel intelectual genuíno que Nehru tinha no governo ", o único homem com quem ele poderia discutir Marx e Mill, Dickens e Dostoiévski”. V Voltemo-nos à relação da índia com sua maior e ainda mais populosa vizinha, a China. As duas civilizações por muito tempo foram ligadas pelos laços do comércio e da cultura. Mais recentemente, uma observou a luta da outra contra a dominação europeia. O Congresso, e Nehru, tiveram uma consideração particular pelo lider do Kuomintang, Chiang Kai-shek, que havia impulsionado os americanos, por sua vez, a pedir aos britânicos que concedessem a independência aos indianos. Em 1949, no entanto, os Kuomintang foram derrubados pelos comunistas. Como seriam as relações agora? Para indicar continuidade, a Índia manteve seus embaixadores em Pequim, que era o historiador K. M. Pannikar. Em maio de 1950, foi concedida a Pannikar uma entrevista com Mao Zedong, que ficou muito impressionado. O rosto de Mao, como mais tarde ele se lembraria, era “benevolente e agradável e seu olhar era gentil”. Não “havia crueldade ou dureza nem em seus olhos nem em sua boca. De fato, ele me deu a impressão de uma mente filosófica, um pouco sonhadora, mas absolutamente segura de si. O líder chinês tinha “experimentado muitas dificuldades e suportou sofrimentos tremendos”, mas ainda assim “seu rosto não mostrava nenhum sinal de amargura, crueldade ou tristeza”. Mao lembrava a Pannikar seu próprio chefe, Nehru, pois “ambos são homens de ação com temperamentos idealistas e sonhadores” e tanto um quanto o outro “podem ser considerados humanistas no sentido mais amplo do termo”. Isso seria risível se não fosse tão sério. Os intelectuais sempre tiveram um fascínio curioso por um homem poderoso; George Bernard Shaw escreveu sobre Lênin 20 quase da mesma forma. No entanto, Shaw era um escritor não-oficial, responsável apenas por si próprio. Pannikar era o representante oficial de seu governo. O que ele disse e acreditava carregava um peso considerável. E aqui ele estava representando um dos mais implacáveis ditadores da história como um tipo poético, suave e sonhador. Em outubro de 1950, não muito depois de Mao ter encontrado Pannikar, a China invadiu o Tibete anexado. Há muito eles reivindicavam suserania sobre aquele paios, e no passado exerceram controle sobre ele. Mas também houve períodos em que o Tibete foi genuinamente independente, como nas como nas quatro décadas anteriores à invasão comunista. Depois de tudo, Tibete e China enviaram delegações separadas para a Conferência de Relações Asiáticas em 1947. Nehru estava agora em uma posição absolutamente não invejável. A índia mantinha relações próximas com o Tibete, tanto econômicas quanto culturais. Mas uma Índia recém-livre e ainda vulnerável dificilmente poderia ir à guerra em nome do Tibete. Falando no Parlamento algumas semanas após a ação chinesa, Nehru esperava que a questão fosse resolvida de forma pacífica. Ele esclareceu que ele acreditava que, embora a China historicamente exercesse algum tipo de "suserania” sobre o Tibete, isso não equivalia a “soberania”. Ele também acrescentou que não via como o Tibete poderia representar uma “ameaça” à China naquele momento. Em particular,Nehru pensou que "os chineses agiam duma forma bastante tola” ao anexar o Tibete. Havia "um forte sentimento aqui [na Índia] de ser decepcionado por eles". Ainda assim, pensou o primeiro-ministro, "temos que ter cuidado para não exagerar" nas críticas feitas a um país vizinho que também estava emergindo das sombras da dominação europeia. Outros membros do governo pediram uma linha mais forte. No caso, Vallabhbhai Patel, estava convencido de que os chineses enganaram Pannikar. Eles o acalmaram com um “falso senso de confiança” que levou o embaixador a ignorar completamente os planos para a invasão. Mas agora que a ação foi feita, a Índia está mais atenta. Escrevendo para Nehru em 7 de novembro, Patel alertou que "a China não está mais dividida. É unida e forte”. “A história recente e amarga” disse o ministro da Casa, 21 também nos diz que o comunismo não é um escudo contra o imperialismo e que as áreas comunistas boas ou imperialistas ruins são como quaisquer outras. As ambições chinesas a esse respeito não apenas cobrem as encostas do Himalaia do nosso lado, como também incluem partes importantes do Assam. O irredentismo chinês e o imperialismo comunista são diferentes do expansionismo ou imperialismo das potências ocidentais. O primeiro tem um manto de ideologia que o torna dez vezes mais perigoso. Sob a forma de expansão ideológica, mentiras escondem reivindicações raciais, nacionais ou históricos. Patel impulsionou Nehru a se “alertar para o novo perigo” da China, e fazer da Índia “forte defensivamente”. Ele então delineou uma série de etapas para melhorar a segurança. Pensou que, em vista da “rejeição sobre o Tibete, a Índia não deveria mais apoiar a questão da entrada da China na ONU”. Finalmente, ele argumentou que esses últimos desenvolvimentos precisam levar a uma nova reconsideração da “nossa relação com a China, Rússia, América, Grã-Bretanha e a Birmânia”. Patel parecia aqui insinuar que a Índia deveria reconsiderar sua política de não alinhamento em favor de uma aliança com o ocidente. Esta última mudança foi defendida de forma mais vigorosa pelo jornalista D. F. Karaka. Como Patel, Karaka ficou consternado com o descuido de Pannikar. (Aparentemente, o embaixador não ouviu sobre a invasão chinesa até que foi anunciado na Rádio All-India.) A anexação do Tibete mostrou que o Himalaia já não era invencível. E o exército indiano precisava de equipamento ou treinamente para dar conta de um inimigo determinado e focado. Assim, concluiu Karaka, “qualquer que seja nossas infelizes relações passadas com a Grã-Bretanha, por mais que tenhamos medo que o imperialismo americano se espalhe pela Ásia, nós precisamos decidir agora se vamos continuar com essa política de neutralidade, colocando em perigo nossas fronteiras, ou se assumiremos um risco menor fazendo um pacto militar com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha”. Nehru não se dignou a tomar conhecimento de jornalistas como Karaka. Mas ele respondeu a Patel, em uma nota sobre o assunto distribuída ao Gabinete. Ele achou uma pena que o Tibete não pudesse ser “salvo”. Ainda assim, ele considerava “extremamente 22 improvável” que a Índia agora enfrentasse um ataque da China. Era “inconcebível” que eles "empreendessem uma aventura selvagem pelo Himalaia”. Pensava que "a ideia de que o comunismo inevitavelmente significa expansão e guerra, ou, mais precisamente, que o comunismo chinês significa inevitavelmente uma expansão em relação à Índia, é bastante ingênua”. Independentemente dos acontecimentos no Tibete, a Índia ainda deveria procurar "algum tipo de entendimento" com Pequim, pois "a Índia e a China em paz um com o outro fariam uma grande diferença para toda a configuração mundial e seu equilíbrio”. Um mês depois Patel morreu. Agora já não existia oposição alguma à política de “compreensão” com a China. Os dois países compartilhavam longas fronteiras – milhares de quilômetros, em sua maioria de territórios não explorados. No oeste da índia, a fronteira percorria o distrito dominado por budistas de Ladakh em Jammu e o estado da Caxemira, o qual tocava às províncias chinesas do Tibete e do Sinkiang. Ao leste, a fronteira foi definida pela linha McMahon, desenhada na crista do Himalaia, como resultado de um tratado assinado pelos britânicos e pelo Tibete em 1914. Ao meio, ambos os países se tocavam próximo à bacia do rio Ganges, que dividiu o Tibete do estado indiano de Uttar Pradesh. A fronteira no centro era relativamente certa, enquanto nos dois extremos a situação era mais problemática. Os chineses consideram que a linha de McMahon, em particular, significava uma imposição imperialista. No momento em que deixaram o assunto passar, e focaram em obter a boa vontade da Índia, foi necessário construir uma ponte com o mundo ocidental. No verão de 1952, uma delegação governamental liderada pela Sra. Vijayalakshmi Pandit visitou Pequim. A Sra. Pandit serviu como embaixadora da Índia em Moscou e, mais que isso, era a adorada irmã mais nova de Nehru. Ela se encontrou com Mao uma vez e duas vezes com Chou Em-lai, e ficou profundamente impressionada com ambos. Mao, escreveu a Sra. Pandit ao seu irmão, era “quieto, [e] preciso”, com “um grande senso de humor”. Suas aparições em público traziam a mente a figura de Gandhi. Assim como com Mahatma, “o público não apenas o aplaudiam, como o veneravam. Havia tanto amor como adoração nos olhares direcionados para ele. E ele ficava emocionado ao percebê-lo”. Sobre Chou Em-lai, ele “era um grande estadista e possuía uma charme e vitalidade abundantes. Ele era polido, e tinha um senso de humor terrivelmente contagiante. Era preciso se juntar a suas 23 risadas – e ele ria muito frequentemente. Em um instante ele fazia alguém se sentir em casa, e a conversa em nada perdia com a tradução”. A carta também tinha uma nota ambivalente e estranha “Nós jantamos e bebemos”, escreveu a Sra. Pandit, “e falamos de amizade e cultura e paz até que me cansei”. E ela não sabia ao certo se o grande Helmsman a lembrava mais Gandhi ou Stalin. Pois enquanto “Mao passava a impressão de ser gentil e tolerante e sábio”, a “parte tolerante me parece ser uma pose, pois é uma reminiscência dos líderes russos, particularmente Stalin. Ele usa o mesmo gesto de saudação e tem a mesma técnica com o público. Ainda assim, o que se destacou foi "a grande vitalidade das pessoas e a maneira dedicada em que eles estão trabalhando. A opressão que se sente em Moscou está ausente aqui. Todo mundo parece feliz e determinado a tornar o país próspero”. A Sra. Pandit parece ter reagido à China em 1952, assim como seu irmão reagiu à Rússia em 1927. Talvez esse amanhecer não se torne falso depois de tudo. Então, Nehru estava inclinado a considerá-lo também. Em breve, o romanticismo teve que ser reforçado pela realpolitik. Os Estados Unidos começaram a se marcadamente se inclinar sobre o Paquistão, dando a Nova Déli uma razão a mais para ser amiga de Pequim. Em um amplo acordo assinado em abril de 1954, a Índia reconheceu oficialmente o Tibete como parte da China. A declaração conjunta delineou cinco princípios de coexistência pacífica (panch sheel), que incluíam não-agressão mútua e respeito mútuo pela integridade territorial um do outro. Alguém que não recebeu esse acordo de bom grado foi o ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Sir Girija Shankar Bajpai. Escrevendo a um colega, Bajpai advertiu que a China comunista não era "diferente do comunismo russo em seus objetivos expansionistas...”. O que se pensava em Nova Déli era “a naturalidade da continuidade indefinida da paz e daamizade entre nós e a China”. Bajpai temia que "aqueles em quem o P[rimeiro]-M[inistro] agora confiava para pedir conselhos, pudessem completa e veementemente rejeitar qualquer possibilidade de uma mudança no que parece ser a atual política de paz da China com seus vizinhos asiáticos”. 24 É improvável que esse aviso tenha alcançado Nehru e mesmo que o tivesse, ele provavelmente o teria desconsiderado. Próximo ao fim de 1954, ele visitou a China pela primeira vez. Como na Rússia seis meses antes, multidões enormes se mobilizaram para saudar o visitante. Que apreciou essa “retorno extremamente afetivo do povo chinês”. Nehru discutiu com Chou En-lai acerca da questão das fronteiras e com Mao sobre a situação mundial. Ele também pressionou o caso da autonomia tibetana, os chineses assegurando-lhe na presença do Dalai Lama que o estado budista gozaria de um status que "nenhuma outra província desfrutava na República Popular da China". Ao retornar da China, Nehru dirigiu-se a uma gigantesca reunião pública em Maidan (Calcutá). Um milhão de pessoas o ouviram afirmar que "o povo da China não quer guerra"; Eles estavam muito ocupados unindo seu país e se livrando da pobreza. Ele falou com admiração do espírito de unidade na China, a ausência dos interesses provinciais e sectários que prejudicaram a Índia. Quanto à "grande recepção” que recebeu na República Popular, isso não foi "porque eu sou Jawaharlal com qualquer habilidade especial, mas porque eu sou o primeiro-ministro da Índia para o qual o povo chinês estima em seus corações com o maior amor e com o qual querem manter relações amigáveis”. Dois anos mais tarde, devolveram o elogio quando Chou En-lai visitou a índia. Com ele estavam os Dalai e Panchen Lamas, que tinham sido convidados como parte das celebrações do 2500º aniversário de nascimento do Buda. Em um passeio pelo campo, o Dalai Lama escapou de seus guardas chineses e viajou com Nehru. Uma revolta estava se preparando no Tibete contra os ocupantes, ele disse; Ele próprio estava fortemente tentado a buscar asilo na Índia. Se isso não fosse possível, pelo menos a Índia poderia enviar um cônsul a Lhasa, que não era pró-chinês ou pró-comunista. Quando Nehru perguntou a Chou sobre a situação no Tibete, o líder chinês admitiu que havia "incidentes infelizes" lá e prometeu pensar sobre isso. Então, lá o assunto descansou. O Dalai Lama voltou para Lhasa, e a Índia e a China continuaram a ser irmãos de armas, e como dizia o slogan da época: Hindi-Chini bhai-bhai. O principal responsável por isso foi o charmoso Chou. Ele impressionou Nehru, é claro, mas de longe era também um homem mais cínico, o político veterano C. Rajagopalachari. "Rajaji" almoçou com o primeiro-ministro chinês e depois escreveu a um amigo que, "francamente, minha impressão foi muito favorável. Além do 25 descongelamento geral de todos os comunistas, o primeiro-ministro chinês é, creio eu, um bom homem digno de confiança”. Em público, Índia e China expressaram amizade eterna, mas no fundo cada um estava trabalhando para proteger seus interesses estratégicos. A Índia estava mais preocupada com o setor oriental; China com o ocidente. Os britânicos tinham desenhado a linha de Mcmahon para proteger os prósperos patrimônios do chá de Assam de uma invasão do Himalaia. Havia uma “linha interna ao pés das colinas, além da qual ninguém podia se aventurar sem uma autorização Entre esta e a fronteira havia cerca de 50.000 milhas quadradas de um território densamente arborizado, habitado por muitas tribos autônomas e auto administradas, as quais eram pequeno demais para formar um estado separado, e remotas demais para ser subordinado a qualquer um existente. Algumas das tribos eram budistas, e também havia um antigo mosteiro budista em Tawang. Esta era uma homenagem às autoridades tibetanas e foi uma matéria “eclesiástica” para Lhasa. Sob o tratado de 1914, os britânicos persuadiram os tibetanos a abandonar o controle sobre Tawang. Pois, como afirmou um dos oficiais coloniais, era necessário obter este "território indubitavelmente tibetano" na Índia britânica, "caso contrário, Tibete e Assam se juntariam e, se o Tibete voltasse ao controle chinês, esta seria uma posição perigosa para nós”. Outras tribos que viviam entre as Linhas Interna e Externa estavam além da influência tibetana. Estes, como os budistas, naturalmente se tornaram cidadãos indianos em agosto de 1947, quando o novo governo herdou as fronteiras legadas pelos britânicos. Lentamente, Nova Deli mudou-se para preencher o vácuo administrativo que os britânicos deixaram para trás. Em fevereiro de 1951, uma pequena força acompanhada por um político visitou Tawang e instruiu os lamas que eles já não precisavam pagar tributos a Lhasa. Os funcionários também começaram a se destacar para o que agora era chamado North East Frontier Agency, ou NEFA. Foi formado um Serviço Administrativo de Fronteira da Índia (IFAS), cujos recrutas foram treinados sobre a melhor maneira de lidar com as tribos às vezes truculentas segundo o antropólogo britânico Verrier Elwin, que agora era um cidadão indiano e um confidente de Nehru. 26 Os chineses, por sua vez, concentraram-se na expansão da pegada no setor ocidental. Aqui, também, o território indiano adjacente, conhecido como Ladakh, era budista em sua coloração religiosa. No entanto, tinha sido um estado independente já no século X. E, nos últimos 150 anos, fazia parte do principado da Caxemira, cujas próprias lealdades eram todas para o lado indiano da fronteira. Entre o nordeste de Ladakh e Sinkiang, do lado chinês, havia uma terra alta chamada Aksai Chin, "absolutamente nua" na maior parte, com manchas ocasionais de "escassas plantas”. No passado, os pastores de Ladakh haviam usado Aksai Chin para pastagem e coleta de sal. Por um acordo de 1842, essa área foi identificada como sendo parte da Caxemira. Isso foi confirmado pelos britânicos, que estavam preocupados com o fato dos russos, seus adversários no “Grande Jogo”, poderem usar o platô para para avançar a artilharia pesada sobre a Índia britânica. Isso não aconteceu, mas, depois de 1950, os chineses viram no mesmo terreno plano uma rota para a problemática província do Tibete da cidade de Sinkiang, Yarkand. Peking enviou topógrafos para explorar a terra e, em 1956, começou a construir o caminho em Aksai Chin. Em outubro de 1957, a estrada estava pronta, equipada para transportar caminhões militares de 10 toneladas com armas e pessoal de Yarkand para Lhasa. Devemos essa informação às contas prestadas muito mais tarde. Na época, no entanto, as atividades chinesas no oeste, e as atividades indianas no leste, eram levadas para longe do olhar um do outro. Para o mundo em geral, e para seus próprios cidadãos, os dois vizinhos asiáticos estavam vinculados por uma relação exemplar de amizade e cooperação. VI “Se já houve dois países onde cada um prometesse compreensão e amizade fraternalmente”, escreveu um jornal de Mumbai em janeiro de 1952, “estes eram a Índia e o Paquistão. Todo os tipos possíveis de laço existe entre ambos; laços raciais, linguísticos, geográficos, econômicos e culturais.” No entanto, as relações da Índia com o Paquistão foram envenenadas desde o início. O país havia sido dividido sob cenário violento. E a suspeita e hostilidade mútua 27 persistiram. No inverno de 1949/50 houve uma onda de manifestações comunais no leste do Paquistão. Várias centenas de hindus atravessaram a fronteira para a Índia. Nehru então sugeria a Liaqat Ali Khan, que eles juntos visitassem as áreas afetadas para promover a paz. Sua oferta foirecusada; Mas Khan concordou em vir a Deli e assinar um acordo que liga ambos os países a um tratamento humano a suas respectivas minorias. Porém, o pacto "Nehru Liaqat" não conseguiu conter a onda de refugiados. Havia uma fúria enorme entre os hindus em Bengala Ocidental, alguns dos quais queriam que o governo fosse à guerra com o Paquistão a seu favor. Os dois conflitos principais eram, contudo, a respeito aquelas necessidades humanas elementares: terra e água. O primeiro, ao qual este livro já aludiu e ao qual retornará, relacionado à situação não resolvida com a Caxemira. O segundo pertencia ao uso justo do Indus e seus cinco afluentes principais. Esses rios corriam de leste a oeste, isto é, da Índia para o Paquistão. O Indus e o Jhelum entraram no Paquistão antes que qualquer grande extração fosse possível, mas os outros quatro rios correram por muitas milhas no território indiano. Isso permitiu que a Índia regulasse seu fluxo e contivesse a água antes que os rios chegassem ao outro país. Após a Partição, os governos do Punjab Ocidental e Oriental assinaram um "Acordo Permanente" pelo qual a água continuou a fluir ininterruptamente. Quando este expirou, em abril de 1948, a Índia parou as águas do Ravi e os Sutlej fluíam para o oeste. Eles alegaram que nenhum novo acordo havia sido assinado, mas acreditava-se amplamente que a ação era uma vingança pela invasão da Caxemira, com o apoio do Paquistão. De qualquer forma, a secagem de seus canais criou pânico entre os agricultores. Dentro de um mês, um novo acordo foi assinado e o abastecimento de água restaurado. No entanto, a construção da barragem de Bhakra-Nangal, no lado indiano do rio Sutlej, provocou novos protestos pelo Paquistão. Ambos os lados agora buscavam uma solução permanente para o problema. O Paquistão pediu que o assunto fosse encaminhado à arbitragem internacional, que a Índia instantaneamente recusou. O Banco Mundial entrou para desempenhar o papel de pacificador. Conhecendo a teimosia de ambos os lados, o Banco ofereceu uma solução cirúrgica - as águas de três rios iriam para o Paquistão, as águas dos outros três rios para a Índia. Esta proposta foi apresentada em fevereiro de 1954. Levou cerca de seis anos para ambos os lados assinassem. 28 Com o Indus, tal como a Caxemira ou qualquer outro assunto sob o sol subcontinental, o acordo tornou-se mais difícil pela política interna. Um chefe de governo indiano ou paquistanês que promovesse o diálogo era inevitavelmente acusado de se vender para o outro lado. Um exemplo mais antigo disso foi a guerra comercial de 1949-51, provocada pela desvalorização da rupia indiana. Paquistão parou o embarque de juta em protesto; A Índia retaliou por se recusar a fornecer cobalto. O conflito foi resolvido apenas quando, em fevereiro de 1951, Nehru concordou em reconhecer o valor nominal da rupia paquistanesa. Sua decisão foi bem recebida pelas câmaras de comércio, mas amargamente rejeitadas por políticos de todos os tipos. O consenso geral em Nova Deli foi que "a Índia foi completamente derrotada". Um membro do Congresso informou que o sentimento no partido era que "tal humilhação não poderia ter sido possível se o Sardar Patel estivesse vivo". Um líder de refugiados observou: "A verdadeira questão a ser considerada agora é descobrir a próxima questão sobre a qual Jawaharlal se renderá ao Paquistão - Caxemira, ou mais provavelmente a Propriedade Evacuada”. Um porta-voz do Mahasabha hindu disse: "Para se tornar um líder mundial, Nehru pode entregar toda a Índia ao Paquistão”. E um organizador do RSS afirmou: "Isso mostra o que virá a seguir. Mais apaziguamento e entrega se as massas não ficarem atentas a Nehru”. Do lado paquistanês, qualquer concessão à Índia era vista pelos opositores políticos como apaziguamento do inimigo. No nível popular, no entanto, os sentimentos sobre o outro lado foram claramente misturados. A ideologia nacionalista os separou; Mas a cultura das massas mexiam com eles novamente. Não era só comer a mesma comida e viver sob o mesmo teto. Eles também tinham o mesmo senso de diversão. As estrelas de cinema indianas ficaram imensamente admiradas com o Paquistão, e os paquistaneses também provaram dessa recepção a respeito da Índia. Essa ambivalência é registrada em uma troca impressa pelo jornal Karachi Dawn em 1955. Uma senhora que havia recentemente visitado seus parentes na Índia, escreveu suas experiências enquanto viajava de trem de Amritsar para Ambala. Quando então ouviu que era do Paquistão, ela foi atacada por passageiros que eram refugiados de Sidh e de Punjab ocidental. Aparentemente, "alguns dos passageiros hindus não-refugiados foram repreendidos, mas os hindus e os sikhs refugiados escaparam, dizendo que os não-refugiados não conseguiam perceber o sofrimento dos refugiados do Paquistão". Este relato da animosidade indiana provocou várias cartas contando a hospitalidade do 29 outro lado da fronteira. Um homem aconselhou qualquer futuro viajante na Índia a "entrar em Amroods and Pans que estão no seu melhor destes dias, em vez de se entregar a tais conversas que tendem a ferir o desenvolvimento do Acordo indo- paquistanês. Uma mulher correspondente reclamara que tais declarações equivocadas criavam amargura e impediam a amizade entre Índia e Paquistão. Esse último ideal fora endossado pelo escritor original das cartas, o qual dizia: “Desejo, contudo, que como um paquistanês, o que suponho que ela seja, ela tenha a delicadeza de dizer ‘Paquistão e Índia’ em vez de ‘Índia e Paquistão’”. VII A política externa indiana se opunha à continuação do domínio colonial em qualquer lugar. Isso, naturalmente, significava recuperar as outras partes da pátria que ainda estavam sob o controle de estrangeiros. Quando os britânicos partiram em 1947, os portugueses permaneceram em Goa em seus outros domínios na Índia, enquanto os franceses continuaram controlando três fragmentos de terra ao sul – o mais importante era o porto de Pondicherry – bem como o enclave oriental de Chandernagore. Em junho de 1949, a população de Chandernagore votou por uma maioria excessivamente abrupta para se fundir com a Índia. A eleição tinha testemunhado uma ressonante demonstração de patriotismo, com cartazes que representavam uma mãe em vestido indiano que buscava reivindicar uma criança vestida de vestuário ocidental. Um ano depois, o território foi transferido. Mas os franceses continuaram. Na primavera de 1954, a situação tornou-se "cada vez mais tensa"; Houve um vigoroso movimento pró-fusão em Pondicherry e manifestações diárias em frente ao consulado francês em Chennai. Em 1 de novembro, os franceses finalmente entregaram seus territórios, que os indianos celebraram com uma exibição espetacular de fogos de artifício. Ao dar as boas-vindas a esses fragmentos, Jawaharlal Nehru elogiou os governos dos dois países por sua "tolerância, bom senso e sabedoria", assim resolvendo o problema da Índia francesa "com graça e boa vontade". Essas observações foram destinadas, acima de tudo, aos portugueses, que, no entanto, não estavam ouvindo. Eles estavam determinados a se manter em Goa o tempo que pudessem. À medida que a transferência de Pondicherry estava sendo finalizada, o ditador português Antonio de Oliveira Salazar falou na rádio nacional de suas colônias indianas como pertencentes à "Nação Portuguesa por injunção da História e da força da Lei”. "Goa constitui uma 30 comunidade portuguesa na Índia", ele insistiu: "Goa representa a queda do Ocidente em terras do Oriente. Deve ser mantido, para que possa continuar a ser o memorial das descobertas portuguesas e um pequeno coraçãodo espírito do Ocidente no Oriente”. Além de Goa, os portugueses também mantinham inúmeros pequenos territórios até a costa de Konkan. Um era Daman. Isso aproximava a província indiana de Mumbai. Havia agora um comércio florescente no contrabando de licor. Os indianos mais conscientes politicamente ficaram indignados com a atitude portuguesa em relação a suas colônias. Nehru, em princípio, se movia devagar, esperando que o assunto pudesse ser resolvido por meio do diálogo, mas estava sendo forçado a agir pelo Partido Socialista. Em julho de 1954, um grupo de ativistas de Mumbai, confiscou o minúsculo enclave de Dadra, um enclave um tanto maior de Nagar-Haveli também caiu sem resistência. Então, 1.000 voluntários tentaram atravessar Daman no Dia da Independência. Eles foram detidos pela polícia indiana e com isso pediram apoio do primeiro-ministro. Nehru voltou a dizer que confronto não ajudava à causa. Os socialistas só foram temporariamente dissuadidos. Um ano depois, um grupo liderados por N. G. Goray se integrou aos gritos de Goa. Caminharam várias milhas até o território antes de ser atacado pela polícia. Vários manifestantes foram feridos. Durante esses protestos em 1954 e 1955, os portugueses prenderam mais de 2 mil pessoas. VIII Para Jawaharlal Nehru, política externa significava um meio de fazer a presença da Índia ser sentida no mundo. Depois da Independência, ele pessoalmente supervisionou a criação do Serviço de Relações Internacionais da Índia (IFS), transferindo seus oficiais do ICS e fazendo novas seleções. Um trabalho no IFS tinha uma combinação quase original de idealização e glamour; Também ofereceu a possibilidade de contato pessoal com o primeiro-ministro. Um oficial da IFS lembrou que, no início de 1948, Nehru o chamou para o quarto dele e mostrou-lhe um mapa do mundo. Os olhos do primeiro ministro atravessaram o globo e seus dedos apontaram para lugares do norte, sul, leste e oeste. "Teremos quarenta embaixadas!", Exclamou. "Teremos quarenta missões!” Cinco anos depois, quando a Índia teve quarenta missões, Nehru escreveu-lhes uma carta parabenizando-os. O "prestígio da Índia aumentou muito 31 desde a Independência, disse ele", “nós sempre evitamos desempenhar um papel chamativo nos assuntos internacionais... Gradualmente, uma apreciação cresceu em outros países a respeito de nossa própria sinceridade. Embora tenha havido algum desentendimento. Ele pediu a todos aqueles que representam a Índia no exterior – do chefe ao empregado mais humilde – que trabalhe e se sinta como uma família feliz, cooperando uns com os outros... Nós somos todos companheiros em uma ótima aventura, e todos parceiros da mesma empresa”. Embora tivesse se apresentado como se fosse uma empresa coletiva, essa aventura particular “criada pelo primeiro-ministro” foi estampa por toda parte. Em 1950, um dos mais inteligentes e menos humildes ministros do gabinete falou de como Nehru estava se tornando "o homem mais poderoso do mundo, superando os dos EUA, do Reino Unido e todos os outros”. Através de seu líder, um país "sem material, homens ou dinheiro - os três meios de poder - foi" agora rápido, vindo a ser reconhecido como o maior poder moral no mundo civilizado... Suas palavras foram ouvidas respeitosamente pelos conselhos dos grandes. Mesmo os políticos da oposição apreciaram o que Nehru fez pela posição internacional da Índia. O não-alinhamento pareceu-lhes ser uma aplicação criativa dos princípios gandhianos nos assuntos mundiais. A confiança na sua viabilidade foi reforçada quando a Índia foi chamada a desempenhar um importante papel mediador nos conflitos e guerras civis da época. Estrangeiros inteligentes também elogiaram o não alinhamento de Nehru. Quando a agora grande editora, Feltrinelli de Milão, começou a operar em 1955, um dos dois primeiros livros que publicou foi a autobiografia de Nehru, que celebrou tanto pelo seu "anti-fascismo consistente e coerente" como por ser “uma autêntica voz dos países que emergiram da dominação colonial (...) para assumir o seu lugar com força no sistema político global”, e partir de seu cargo na embaixada sueca de Nova Deli, Alva Myrdal escreveu ao seu marido Gunnar como Nehru estava “naturalmente desempenhando um papel autoritário, para não dizer histórico mundial, sem A menor tendência ao Cesarismo. E não é que ele talvez seja a única pessoa que vimos alcançar uma posição elevada e poderosa sem assumir se deixar consumir pelo ego?” Assim como era a posição de Nehru entre os povos dos Estados que se mantinham na linha de frente durante a Guerra Fria, aqueles estavam entre os Estados Unidos e a União Soviética. Em 1955, o não-alinhamento ainda tinha um brilho e uma aura moral sobre isso. No ano seguinte, foi o fiasco da Hungria, e o começo da 32 desilusão ocidental com Nehru. Levou mais tempo para que ele perdesse o apoio apaixonado de seus compatriotas.
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