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CIDADANIA POLÍTICA: EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL SILVA, Alex Rogério1 RESUMO Trata-se de um artigo de revisão de literatura para analisar a evolução do conceito de cidadania política, bem como o de participação e representação política. O objetivo deste trabalho é analisar como foi concebida e como evoluiu o conceito de cidadania política ao longo da história do Brasil. Para tanto, realizou-se o levantamento de diversas referências históricas que tratam do tema, num contexto cronológico desde o Brasil colônia ao momento pós-redemocratização de 1988, associado a uma análise crítica de diversos autores. O resultado é que a participação e a representação política sempre seguiu movimentos tendenciosos, visto que é alvo de grandes interesses pois a política, ao longo da história, alvo de pessoas interessadas em conseguir vantagens. Assim, conclui-se que a representação e participação política vem associado a um conceito de restrição, já que não é interessante torná-la acessível ao povo. Palavras-chaves: cidadania, participação, política, representação, limitação. ABSTRACT It is a literature review article to analyze the evolution of the concept of political citizenship, as well as political participation and representation. The objective of this work is to analyze how the concept of political citizenship was conceived and how it evolved throughout the history of Brazil. In order to do so, it was carried out the survey of several historical references that deal with the theme, in a chronological context from Brazil colony to the post- re-democratization of 1988, associated to a critical analysis of several authors. The result is that participation and political representation have always followed biased movements, since it is the subject of great interest because politics, throughout history, has been targeted by people interested in gaining advantages. Thus, it is concluded that political representation and participation is associated with a concept of restriction, since it is not interesting to make it accessible to the people. Key-words: citizenship, participation, politics, representation, limitation. 1 Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Amapá no Ano de 2016. Formação em Enfermagem pela Universidade Federal do Amapá. INTRODUÇÃO O conceito de cidadania é muito expansivo e diversificado. Ganha grande destaque em sociedades democráticas, visto que é a força motriz de seu andamento político. Um dos ramos dessa definição é a cidadania política, repesentada pela participação e representação política. Participar e se sentir representado sempre foi um grande anseio das pessoas ao longo da história. Participar politicamente significa integrar-se e envolver-se nos processos de tomadas de decisões que influenciam na sua vida cívica. Participar também gera um efeito de responsabilidade, no qual o titular toma a frente de seu propósito e consequentemente deve assumir as consequencias de seus atos políticos. A representação política enseja um processo de delegação de atividade decisória, entretanto permanece-se a titularidade. Dentro de um contexto social no qual muitas demandas são decididas, necessita-se de representação que, entretanto, projetem o anseio dos que o delegou tal função. A sensação de representatividade significa que as necessidades do titular do poder foram atendidas pelos representantes assim designados. O cidadania política chama a atenção, nesse conceito de representação, devido aos interesses escusos na busca pelo poder. No Brasil, desde o período colonial, existiu a participação e representação dentro de vários contextos e cenários sociais e políticos dos momentos históricos. O que se questiona é o que se os representantes de fato reproduzem as demandas dos titulares. REFERENCIAL TEÓRICO 1 - PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 1.1 – DEFINIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA Participar, politicamente, seria a realização do ato dos cidadãos buscarem, de modo mais ou menos direto, influenciar a seleção dos funcionários governamentais e/ou as ações que eles tomam. Ou seja, trata-se de uma atividade realizada por cidadãos privados com o objetivo de influenciar a tomada de decisão do governo. Participar é uma forma de exercer direitos políticos e sociais garantidos pela Constituição. Especificamente, a participação política caracteriza-se pelas ações coletivas ou individuais, de apoio ou de pressão, que são direcionadas a selecionar governos e a influenciar as decisões tomadas por eles. Trata-se de uma participação ativa dos cidadãos nos processos políticos, sociais e comunitários e tem como objetivo influenciar as decisões que contemplem os interesses coletivos e o exercício da cidadania. (GROSSELLI; MAZZAROBA, 2011, p. 7131) A participação política, apesar de parecer um conceito limitado, visto que, pelo senso comum só se observa a participação política eleitoral, mas o termo é mais abrangente. Esta participação implica um reconhecimento de identidade e exercício da cidadania. Em vários contextos históricos, a participação ativa na política promoveu a mudanças de grandes paradigmas e foi engrenagem de vários processos revolucionários. 1.2 – DEFINIÇÃO DE REPRESENTAÇÃO POLÍTICA A representação política, em termos conceituais, advém de uma série de significados e sentidos. Dependendo da perspectiva, do momento histórico, cultural e filosófico, a representação política pode assumir diferentes roupagens. Para Kinzo, A representação política possui vários sentidos dados por políticos e teóricos políticos. O primeiro modo de se entender o conceito de representação foi dada pela visão de Hobbes, numa concepção centrada na ideia de autoridade. O Segundo enfoque é aquele que desenvolve a ideia da representação como reflexo de alguma coisa ou alguém. E a terceira centraliza a discussão na própria atividade de representar. (KINZO, 1980, p. 21). Dentro de um contexto de cidadania, a representação política vem como uma forma de refletir os anseios de uma determinada população. Ao longo da história, e até nos dias de hoje, os modelos de representação não têm alcançado os anseios da população e, por vezes, não representam(ou representavam) a população majoritária e sim um segmento social muito limitado. Questiona-se a legitimidade - sob perspectiva material – dessa representação política. 2 - PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL COLÔNIA O Brasil colonial, antes da independência, realizava suas eleições somente em escala municipal, tentavam com isso criar um governo municipal que fosse um exemplo do autoritarismo imperial na localidade. Diante disso, são dois os caracteres dessas eleições que definem a política brasileira da época: os requisitos socioeconômicos que eram utilizados e também o caráter burocrático para qualificação dos eleitores. Os então funcionários dessas câmaras municipais gerenciavam os negócios sem a distinção entre os poderes judicial, legislativo e executivo. Cabendo ainda salientar que o voto tinha como natureza ser censitário e indireto. Segundo Ferreira (2001, p. 335), A primeira eleição em solo brasileiro, de que se tem notícia, foi realizada no dia 23 de janeiro de 1532 para eleger o Conselho da Vila de São Vicente/SP, primeira vila fundada pelos portugueses no Brasil. Nesse período, todos votavam, inclusive os analfabetos, contudo, só podiam eleger-se os homens bons. Havia um determinado regimento, o de 10 de maio de 1640, que determinava quaiseram as pessoas que seriam autorizadas a votar. Elas eram então registradas em cadernos, nos quais suas qualidades seriam anotadas ao lado de seus respectivos nomes. Esses livros eram chamados de Livros da Nobreza. Assim como ele incluía quem poderia votar, ele excluía que não poderia, que eram: “os que trabalhavam com as mãos ou cujos pais tivessem feito isso, os banidos, os que pertencessem a ‘sem raça algumas’ (isto é, considerados não branco, inclusive judeus e árabes) e as mulheres. ”(HOLSTON, 2013, p. 123) No entanto, cabe ainda ressaltar que os analfabetos não apareciam nesse Livro da Nobreza, ou seja, não eram excluídos, um ponto importante, visto que eram a maioria da população na época, cerca de 85%. Eram votantes os chamados "homens bons", expressão ampla e ambígua, que designava, de fato, gente qualificada pela linhagem familiar, pela renda e propriedade, bem como pela participação na burocracia civil e militar da época. A expressão "homens bons", posteriormente, passou a designar os vereadores eleitos das Casas de Câmara dos municípios, até cair em desuso. Vale ressaltar que no que diz respeito aos intuitos políticos, o termo estaria ligado a um status textual, ou seja, aquele que era produzido por um texto que fosse burocrático. Algo que o legitima oficialmente. Quando alguém conseguia que seu nome fosse escrito nos Livros, automaticamente seus descentes e ele próprio se inseriam na máquina política e administrativa da Colônia e, consequentemente, do Império. Com isso, havia uma ascensão social dos votantes para quem conseguisse atingir essa “aristocracia por semelhança”. Mas, era a maneira mais crucial de excluir o povo dessa cidadania política assim como assegurar a manipulação das eleições e tornar a política uma representação de uma pequena categoria social. O sufrágio quase que universal masculino veio com as primeiras eleições gerais no Brasil, que datam do ano de 1821. Sendo importante ressaltar que estas eleições derivaram dos conflitos revolucionários do liberalismo político e econômico que agitava a Europa na época. Com a vinda da família real portuguesa, houve drásticas mudanças tanto no aspecto urbano tal como no econômico e político. Diante desse fato, surgiu a Revolução Constitucionalista de Portugal de 1820, que queria o retorno do rei e princípios liberais em seu governo. Convocaram assembleias ou cortes, para preparar uma então Constituição portuguesa. No Brasil houve movimentações que fizeram com que o Rei D. João VI aceitasse as exigências da Assembleia e deixasse seu filho Pedro, no lugar. Isto deu início a uma nova ordem política e de representação. Com uma eleição baseada agora em uma Constituição Espanhola. À vista disso, os seguintes cidadãos eram impedidos de votar: os considerados por ordem judicial física ou moralmente incapacitados; devedores na bancarrota. Devedores do patrimônio público; empregados domésticos; criminosos; e os ociosos, errante e desempregados, [...] homens com menos de 25 (a não ser que fossem casados) e todas as mulheres. (HOLSTON, 2013, p. 125). Tenha-se presente que o decreto brasileiro suspendeu a necessidade de um rendimento anual para eleição para cargos públicos imposta pela Carta Espanhola. Em 1821, a legislação sobre as primeiras eleições nacionais no brasil, permitia que um número bastante significativo de cidadãos do sexo masculino e de diversas classes votassem, incluindo muitos daqueles que não poderiam votar nas eleições municipais. Esse conceito de sufrágio universal, proveniente da Revolução Francesa, se mostrou bem mais universal do que o conceito desta, visto que possuía um eleitorado bem maior e não somente uma determinada fração. Na primeira constituição do Brasil, não havia limitação por ser alfabetizados e Kinzo(2001) Em nenhum dos turnos era necessário ser alfabetizado, até porque se assim o fosse, quase ninguém votaria. Com algumas modificações, este foi o modelo eleitoral estabelecido pela Constituição outorgada de 1824, a primeira constituição brasileira. (KINZO, 1980, p. 321) Pedro, o então futuro imperador do Brasil, junto de seus ministros demostraram que eram avessos a democracia. Visto que se eles não se mostravam a favor de avanços econômicos e socais na sociedade, mas sim em um contexto no qual as vantagens de libre comércio favorecessem as somente as elites agrárias brasileiras. 3 - PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL IMPÉRIO No ano de 1824, a primeira constituição brasileira nascia de cima para baixo, imposta pelo rei ao “povo”, embora devamos entender por “povo” a minoria de brancos e mestiços, que votava e que de algum modo tinha participação na vida política. A Constituição regulou os direitos políticos e, para os padrões da época, era muito liberal, podendo votar quase toda a população masculina. Embora excluindo do voto as mulheres e os escravos, a concessão desses direitos aos analfabetos implicou a consolidação de uma das legislações mais liberais do período. Na prática, contudo, os brasileiros que votavam eram os mesmos que sofreram as amarras da colonização. Em quase sua totalidade, eram analfabetos, incapazes de ler um texto elementar e sem prática alguma de exercício cívico. Com a submissão escravocrata ao senhorio, e com 90% da população vivendo em áreas rurais, não é difícil concluir que o voto não representava o exercício da cidadania, mas, sim, um ato de obediência e de lealdade aos chefes políticos que dele se aproveitavam para conceder apoio e oferecer mercadorias a uma população carente e, sobretudo, sem noção suficiente do significado do direito que “conquistaram” (CARVALHO, 2001, p. 32). Além dessas primeiras exigências, o sistema eleitoral daquela época instituiu o emprego do voto censitário. Nessa modalidade de sistema eleitoral, o cidadão só estaria apto a votar caso comprovasse uma renda mínima anual proveniente de empregos, comércio, indústria e propriedade de terras. Em uma sociedade escravista, observamos que a utilização do voto censitário excluía a grande maioria da população. Assim, o voto se transformava em um instrumento de ação política exclusivo das elites. A mudança mais importante foi modificar a eliminação geral de todos os assalariados ao estabelecer exigências de um rendimento líquido anual para a participação na eleição indireta, em duas etapas, para a Assembleia Nacional: 100 mil-réis para se qualificar como votante nas primárias das freguesias que selecionavam os eleitores e 200 mil-réis para se qualificar como eleitor para selecionar deputados e senadores. (HOLSTON, 2013, p. 128) Ao perceber tal organização, vemos que o nosso processo eleitoral era organizado de forma indireta. Ou seja, os cidadãos eleitores (eleitores de paróquia) elegiam os representantes (eleitores de província) que, por sua vez, escolheriam quem deveria ser eleito para os cargos da Câmara e do Senado. Dessa forma, vemos que os principais cargos legislativos do país eram unicamente alcançados por pessoas que tinham um poder aquisitivo bastante elevado naquela época e nunca poderiam contar com a participação das camadas populares. A natureza restritiva da elegibilidade para o Senado do Império, além desse impedimento pecuniário, assentava também sobre um requisito típico do liberalismo burguês do século XIX, relativo ao saber, à capacidade e às virtudes do candidato, conforme rezava sobre a matéria o texto constitucional de 1824, em seu artigo 45. Inspirava-o o compromisso da filosofia burguesa com os interesses remanescentes das classes feudais. Selava-se, portanto,na esfera das elites o pacto dos liberais vinculados ao contrato social com os conservadores do altar e do trono, afeiçoados à tradição colonial. (ANDRADE; BONAVIDES, 1991, p. 169). O critério de renda não excluía a população pobre do direito do voto. Dados de um município do interior da província de Minas Gerais, de 1876, mostram que os proprietários rurais representavam apenas 24% dos votantes. O restante era composto de trabalhadores rurais, artesãos, empregados públicos e alguns poucos profissionais liberais. As exigências de renda na Inglaterra, na época, eram muito mais altas, mesmo depois da reforma de 1832. A lei brasileira permitia ainda que os analfabetos votassem. Talvez nenhum país europeu da época tivesse legislação tão liberal. O número de pessoas que votavam era grande, se levados em conta os padrões dos países europeus. De acordo com o censo de 1872, 13% da população total, excluídos os escravos, votavam. Segundo cálculos do historiador Richard Graham, antes de 1881 votavam em torno de 50% da população adulta masculina. Para efeito de comparação, observe-se que em torno de 1870 a participação eleitoral na Inglaterra era de 7% da população total; na Itália, de 2%; em Portugal, de 9%; na Holanda, de 2,5%. O sufrágio universal masculino existia apenas na França e na Suíça, onde só foi introduzido em 1848. Participação mais alta havia nos Estados Unidos, onde, por exemplo, 18% da população votou para presidente em 1888. Mas, mesmo neste caso, a diferença não era tão grande. O constitucionalismo do Império introduziu no país uma forma de organização do poder cujas ideologias seguiam os princípios fundamentais da ideologia liberal. No entanto, tentou-se impor um modelo que não refletia a realidade das instituições e estruturas políticas brasileiras nem garantia sua concreta implementação. O próprio Poder Moderador, “chave de toda a organização política”, segundo o texto constitucional, impedia a convivência harmônica entre os três poderes e delegava ao imperador atribuições múltiplas que inibiam a difusão dos preceitos liberais inseridos formalmente. Sob o manto de um Estado liberal, consubstanciado no texto constitucional de 1824, escondia-se um poder público cujas práticas e costumes inviabilizavam o alcance ao povo do real sentido de cidadania como a consciência de subsistir como sujeito de direitos e deveres perante o Estado. Intocável a observação de Laurentino Gomes: Inspirado no modelo europeu, o sistema judicial brasileiro era igualmente exemplar. Pela Constituição, todo cidadão – categoria na qual não estavam incluídos os escravos – tinha direito de recorrer à Justiça para assegurar os seus direitos. O ritual previa amplo direito de defesa dos réus, só passíveis de condenação depois de esgotados todos os recursos. Ninguém podia ser preso sem culpa comprovada. O direito de liberdade de expressão era tão amplo no Brasil quanto nos países mais desenvolvidos. Na prática, a execução da lei dependia mesmo dos chefes locais, que mandavam prender adversários ou soltar aliados de acordo com suas conveniências. ‘O braço da justiça não é nem bastante longo nem bastante forte para abrir as porteiras das fazendas’, escreveu Joaquim Nabuco, ao fazer um retrospecto das instituições imperiais em 1886” (GOMES, 2013, p. 105). 4 – PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DA REPÚBLICA VELHA AO REGIME MILITAR Ao final da década de 1870, o Brasil estava vivendo um momento de grande insatisfação com o sistema eleitoral. E este processo vinha tanto das oligarquias conservadoras quanto dos partidos liberais. Uns insatisfeitos com as custas da manutenção do poder e outros com a falta de representatividade em relação a cidadania nacional. Em 1881 foi promulgada a Lei Saraiva (lei 3029), na qual o voto passou a ser direto, facultativo, com restrição de renda e com critérios de saber “ler e escrever”. Nesse contexto, eleitor e votante se fundiram. Com isso, ao contrário de ampliar a participação popular, houve uma restrição significativa. Vale ressaltar que neste contexto a qualificação do voto dos analfabetos eliminou 85% da população (HOLSTON, 2013, p.142). Os efeitos limitantes da participação política foram muito significantes, visto que Pela lei eleitoral de 1881, a Monarquia estreita as exigências sobre a qualificação da propriedade e exige dos eleitores a obrigatoriedade de saber ler e escrever. Essas exigências, além de excluir grande parte dos eleitores qualificados, tornam praticamente impossível a incorporação de libertos à cidadania. Por essa nova lei, o eleitorado é reduzido de 10% para 1 % da população (CARVALHO, 1998, p. 92). Associado a essa limitação política considerável, ainda vivia-se um contexto de tendências políticas corruptas e eleições confusas, o que tornava as oligarquias regionais mais hegemônicas e assim, até o final do século, a maioria dos cidadãos brasileiros tinha perdido todos os direitos políticos de que dispunham. Nesse contexto fica evidente o que a política estava representando na sociedade. Reconhece-se, atualmente, o grande “passo atrás” que ocorreu no final do século XIX e no inicio da república […] nos cem anos seguintes, de 1881 a 1985, todas as gerações das elites políticas reconfirmaram esse passo atrás: continuaram a diferenciar a cidadania política ao reinterar em constituições federais e em leis eleitorais o principal meio de exclusão do direito ao voto decretado anteriormente pela Lei Saraiva, isto é, a exclusão dos analfabetos.(HOLSTON, 2013, p. 143) A primeira constituição republicana de 1891 eliminou a qualificação por rendimentos, mas manteve a limitação aos analfabetos. Num contexto de um analfabetismo de mais de 85% da população, esta medida não provocou grandes efeitos sobre a participação política da população. Esta medida era só uma roupagem de democracia participativa enrustida de interesses. No caso do direito de voto, considerado o mais importante dos direitos políticos, retira-se a exigência de propriedade, mas mantém- se a exclusão dos analfabetos(TRINDADE, 2004, p 184). Com isso, manteve-se o atraso do Brasil quanto a democracia. O processo democrático europeu teve dificuldades de se consolidar no Brasil devido as fortes barreiras impostas pelas oligarquias que estavam no poder, e isto atrasou o processo de democratização efetiva do voto. Assim, o Brasil foi a última republica da América Latina a permitir o voto dos analfabetos. Não era interessante, para os que estavam no poder, que ampliasse a participação do povo, “dessa forma, durante a maior parte do Século XX a exclusão por capacidade permaneceu como um meio seguro de diferenciar e limitar a cidadania política” (HOLSTON, 2013, p. 143), pelo menos enquanto o analfabetismo se manteve alto. Nos anos de 1930, o eleitorado ainda não tinha se expandido de maneira significativa em relação a primeira, em 1894. Além de que eram poucos os elegíveis neste momento. No entanto, houve uma revolução de 1930 que terminou a “Pax Oligarchica” e iniciou um processo de mudanças no sistema eleitoral. Uma importante reforma eleitoral de 1932 estendeu o voto para as mulheres, reintroduziu o registro obrigatório (em alguns casos, tornando automático), criou um sistema de justiça eleitoral para supervisionar eleições com seus próprios tribunais regionais e federais, reduziu para dezoito anos a idade para votar e ainda garantiu o voto secreto (HOLTSON, 2013, p. 144) Nas eleições de 1933 houve participação de apenas 3,7% dapopulação total para a criação da Assembleia Constituinte (CARVALHO, 1998, p. 98). Não houve muito tempo para a participação destes novos grupos (que ainda assim não eram tão significativos) pois nos próximos 12 anos houve a ditadura de Vargas, que restringiu os direitos políticos até 1945. Com o retorno da república democrática, houve um aumento do eleitorado em mais de 400% devido, entre outros motivos, a exigência, por participação por parte dos cidadãos e um registro mais eficiente de votantes da parte do governo. Ainda assim, o eleitorado não chegava, sequer, a 1/3 dos adultos brasileiros. Além disso, só 1/4 deles compareceram às urnas neste período. A representatividade política deste momento era limitada quanto ao número de eleitores e, após uma longa era de limitação da participação política dos brasileiros, a expectativa por mudanças eram poucas. Uma política que claramente representava o segmento dos grande proprietários de terras torna-a descredibilizada pela massa populacional. O processo histórico a partir deste momento seguiu-se em que na década de 1950, o crescimento da cidadania estagnou devido ao rigoroso e burocrático processo de recadastramento. Os direitos políticos ficaram tão estagnados e permaneceu praticamente o mesmo até a última eleição presidencial antes do golpe militar de 1964 (eleição de 1960). Pouco mais de 1/3 dos adultos possuíam direitos políticos. Nota-se que durante toda a história precisou-se de um mecanismo para diferenciar a participação política da população, nos anos anteriores, o voto apenas dos alfabetizados (talvez porque o índice de analfabetismo era muito alto), no entanto, o que se percebe é que se não fosse esse, seria outro critério de exclusão (renda, gênero, etnia, etc), que é uma tendência política desde primórdios. Isso torna a cidadania política sempre limitada a um grupo que se presupõe legítimo para tomada de decisões. Até meados dos anos de 1960 a grande maioria da população vivia na área rural, o qual predominava tanto o analfabetismo quanto o fato de estes não serem contemplados com o processo legislativo trabalhista dos anos de 1930, o que refletia um processo de trabalho de exploração extrema, um dos motivos do êxodo rural na década de 1950. Por volta dos anos 1970 o país deixou de ser predominantemente agrícola e se tornou urbano. E este contexto urbano exigia, dos novos moradores, maior aperfeiçoamento. Neste novo mundo urbano, o analfabetismo era uma clara desvantagem e por isso diminuiu de forma significativa à medida que as pessoas se condicionavam a ser funcionalmente alfabetizadas. Nos trinta anos seguintes, esses novos residentes urbanos e alfabetizados se tornaram novos cidadãos urbanos insurgentes. (HOLSTON, 2013, p. 145) 5 - PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO REGIME MILITAR O golpe militar de 1964 veio num contexto de incômodo de uma cidadania urbana insurgente em massa que, para a direita, parecia alimentar manipulações populistas e sindicalistas. Mesmo em meio a um regime ditatorial, manteve-se a participação política para alguns cargos, o que configurava uma contradição ao próprio regime. Como resultado, os brasileiros continuavam a participar das eleições dos cargos políticos das eleições proporcionais (deputados e vereadores), no entanto as eleições de cargos de maior representatividade – senadores, governadores, prefeitos e presidente – foram suspensas ou restritas. O grupo militar, tendo assumido o controle do aparelho de Estado, buscou, não a supressão absoluta, mas o confinamento da cidadania política. (SAES, 2001, p. 403) Esta pequena participação política no processo eleitoral ainda não representava os interesses da população, visto que as eleições proporcionais eram manipuladas, tanto no processo de elegibilidade dos candidatos quanto ao direcionamento dos votos para os “não opositores” ao regime militar. Ou seja, a representação política nesse contexto estava limitada ao poder legislativo que, por sua vez era limitada pelo poder executivo ditatorial. Contraditoriamente, em meio a um regime militar, houve uma paior participação política do eleitorado a cada nova eleição. Por volta do final dos anos 1970 a maioria dos adultos finalmente havia adquirido direitos políticos. Vale ressaltar que o movimento participativo da cidadania política tinha, por trás, uma sensação de insatisfação da classe capitalista emergente naquele momento, o que o regime militar o restringia. Ao contrário do que pareça, o regime militar, de forma alguma incentivava a participação política da população. Pelo contrário, um dos argumentos utilizados para a legitimação do golpe militar era de que os militares diziam que o “povo” (referindo-se às pessoas pobres) não sabia votar. Além disso, um anseio e, de certa forma, uma insatisfação em relação às restrições impostas ao voto, o qual o povo não poderia participar da eleição dos “cargos que realmente importavam”, de seu ponto de vista, já que prefeito, governador e presidente ainda não haviam sido contemplados. Esta insatisfação com as eleições provocou muitas revoltas nas eleições que se seguiram e as pessoas utilizavam formas de resistência ao regime, no qual Eles compareciam às urnas e invalidavam seus votos de uma forma ou de outra. Escreviam mensagens nas cédulas (“abaixo a ditadura” era comum), por exemplo, deixavam o voto em branco ou assinavam mais de um candidato(HOLSTON, 2013, p. 148) Após a ditadura militar, na primeira eleição subsequente (1989), a participação eleitoral atingiu um número record, com “91% dos adultos (agora definidos como acima de 16 anos) registrados, 80% votaram e apenas 6,4% tiveram votos brancos ou nulos” (HOLSTON, 2013, p. 149). Esse foi um marco na cidadania política brasileira. Apesar de não considerar, o regime militar, como incentivador do processo de participação política no pais, considera-se três importantes transformações que influenciaram esse crescimento: voto feminino, a democratização e a urbanização, sendo a última mais significativa. A primeira teve incorporação de um número relativamente pequeno de mulheres, visto que predominava-se o analfabetismo entre elas. Atualmente, a participação das mulheres se tornaram significativas e são a maioria dos votantes e não apenas a maioria da população brasileira. 6 – PARTICIPAÇÃO E REPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL EM REDEMOCRATIZAÇÃO O turbulento processo de transição democrática foi iniciado ainda em fins dos anos 1970 e se estendeu por cerca de dez anos, completando-se com a promulgação da Constituição de 1988.(SIMON, Pedro, 2008). No início dos anos 1980 houve ainda grande mobilização que criou uma intensa demanda por participação eleitoral como direito fundamental. Entre 1983 a 1984 milhões de brasileiros tomaram as ruas requerendo eleições diretas para presidente. No entanto, a campanha “Diretas Já” não surtiu o efeito desejado imediatamente, visto que em 1985 não houve voto direto para presidente, no entanto houve o primeiro presidente civil e isso influenciou a formação da Assembléia Nacional Constituinte no ano seguinte. Esta assembléia tinha grande responsabilidade com as mais diversas demandas das campanhas propostas por populares e, a mudança foi tão significativa, que a constituição de 1988 ficou conhecida, na história, como a Constituição Cidadã. "Diretas Já" teve grande importância na redemocratização do Brasil. Suas liderançaspassaram a formar a nova elite política brasileira e o processo de redemocratização culminou com a volta do poder civil em 1985, na aprovação de uma nova Constituição Federal de 1988 e com a realização das eleições diretas para Presidente da República em 1989(Oliveira; Marinho, 2012, p. 132) Já com a nova constituição em vigor, os conflitos não cessaram, mas apenas mudaram de direcionamento. Isso se deu pelo processo de urbanização acelerado dos anos de 1950 a 1980, participação do voto feminino e democratização eleitoral. Houve uma reformulação do conceito de cidadania e, consequentemente, da natureza dos conflitos. Havia um paradoxo no número de analfabetos, 1980, da área urbana para a rural. Enquanto o analfabetismo urbano girava em torno de 25%, o rural era três vezes maior, o que provocou, de certa forma, um isolamento quanto a participação política, mesmo quando estes foram contemplados, e a persistência disso se dava pelos governos oligárquicos (coronelismo) no campo. Nas áreas urbanas houve maior ingresso ao ensino básico, participação mais efetiva no mercado de consumo, maior anseio por participação política. Esse processo de acesso a educação não só reduziu o analfabetismo, visto que já não significava mais restrição, mas também remodelou o conceito de cidadania mais reflexiva e consciente. No início da década de 1980 ocorreram fatos significantes que influenciaram e influienciam a política até hoje. Surgiram células do Partido dos Trabalhadores (PT), onde discutiam interesses locais, se organizavam e mobilizavam-se para a resolução dessas demandas, além de criar campanhas para candidatar políticos do partido. O Partido dos Trabalhadores veio como uma ferramenta política em que, finalmente, as populações mais periféricas conseguiram se sentir representados e os conhecimentos histórico-sociais daquela população estava sendo levado em consideração. A organização e funcionamento interno do PT escapavam aos moldes da LOPP(Lei Orgânica dos Partidos Políticos), introduzindo uma ligação mais estreita com suas organizações de base e dando maior ênfase às lutas sociais, bem como com uma proposta política de orientação ideológica definida que se resumia na inserção dos setores até então marginalizados no sistema político brasileiro. ( MENEGUELLO, 1989, p. 30) Outro momento político importante após o processo de redemocratização de 1988 foi as eleições municipais que ocorreram logo depois. Nesta eleição, pela primeira vez na história, a periferia havia se organizado de forma que elegeram para prefeita da cidade a candidata Luiza Erundina, do PT(oriunda das periferias, mulher, da esquerda, não intelectual e imigrante do Nordeste). Este evento democrático provocou sensação de representação entre a periferia daquele momento que, mesmo com todo o jogo político de “caça-votos” que a direita patrocinava, não foi suficiente para desbancar a força política da periferia. A eleição de Lula, em 2002 também foi muito importante para representação da categoria dos trabalhadores, que, neste momento, adquiriu proporções nacionais. Lula teve grande quantidade de votos das áreas mais pobres, enquanto José Serra, do PSDB, das áreas mais ricas. Devido a distribuição populacional dessas áreas serem desproporcionalmente maiores nas periferias do que nas áreas centrais (divisão espacial), a quantidade de votos também foi maior. A diferença entre esse exemplo e quase todos os outros, contudo, é que as pessoas das periferias transformaram as desvantagens de suas condições de moradia em uma vitória, justamente por exercer seus direitos à cidadania política (HOLSTON, 2013, p. 152) Em relação a representatividade, hoje ainda existe uma grande dificuldade em encontrar políticos que considerem e respeitem as periferias e que, no mínimo, representem seus interesses. O contraditório é que, mesmo não representando devidamente seu eleitorado (periferias), este, por interesses escusos de conquista/permanência do poder, buscam se afirmar “representantes do povo”. Estes novos cidadãos, diferentemente de achar que o Estado foi benevolente em disponibilizar seus direitos políticos, ou por achar que são humanos, por isso, detentores de direitos, estes tinham consciência de que os direitos foram adquiridos de um processo de luta e revolução. O conceito e a participação dos cidadãos tomaram novos rumos nesse novo contexto. A grande mudança no novo conceito de cidadão, hoje com direitos positivados e legítimos, era que, mesmo com toda interferência humana, tinham a possibilidade de participar e serem representados devidamente. A cidadania política tomou conotação universal. A mudança do paradigma político da periferia fez com que, atualmente, a busca pelos votos (pelo poder) tomasse outros rumos. Esse novo direcionamento fez com que a periferia se tornasse o foco, pelo menos no que se refere a votos, dos políticos atuais. A representatividade política dos povos da periferia que, hoje mesmo sendo um grande foco, nota-se que ainda existe uma política oligárquica, patriarcal e desigual. CONCLUSÃO A participação e a representação política, no Brasil, passou por várias facetas ao longo da história e estas repercutem ate os dias de hoje. Uma das características da cidadania política ao longo da história é que, formalmente ou materialmente, esta sempre esteve sob limitação. As restrição a vida política, expressa ou não, sempre provocou um clima de insatisfação ou indiferença nas massas. Mesmo que numa perspectiva objetiva sobre a participação política no Brasil, nota-se que esta fora limitada, antes de 88, a uma pequena categoria da população. Diversas foram as formas de limitação da cidadania política, seja a renda, alfabetização ou através de um golpe militar, propriamente dito, mas sempre existiu. Numa forma mascarada de legitimar esse restrição, houve também essa categorização de “aptos” e “não-aptos” a participar da vida política. Atualmente, com o voto universal e com o pluripartidarismo advindos da constituição federal de 1988, a participação e a representação política tomaram uma nova estampa. Aparentemente, esse sistema político democrático traria a solução para a problemática da restrição sobre o engajamento e da representatividade, entretanto ainda existe o descontetamento social a repeito disso. Isso existe porque, apesar de terem expandido a participação política, os legitimados para representar o povo estão, como ao longo da história, representando apenas seus interesses pessoais ou de uma classe em particular. REFERÊNCIAS ANDRADE, Paes de; BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1991. CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1998. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 2001. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1999 FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2001. GOMES, Laurentino. 1889. Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil. 1. ed. São Paulo: Globo, 2013. GROSSELLI, Grasiela; MEZZAROBA, Orides. 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