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Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal FACULDADE DE DIREITO Direito Penal III MATERIAL 09 Prof.º Rone Miller Roma Caiapônia-GO DOS CRIMES CONTRA A HONRA (Continuação) ARTS. 141 A 145 – APONTAMENTOS COMUNS AOS CRIMES CONTRA A HONRA Sujeito ativo Calúnia, difamação e injúria são crimes comuns ou gerais. Podem ser praticados por qualquer pessoa. Algumas pessoas, todavia, são imunes aos crimes contra a honra. Não os praticam, ainda que ofendam a honra alheia, pois o ordenamento jurídico afasta tais pessoas da incidência do Direito Penal. Essas imunidades são as seguintes: a) Imunidades parlamentares Nos termos do art. 53, caput, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda Constitucional 35/2001: “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É a chamada imunidade material. A imunidade material protege o parlamentar em suas opiniões, palavras e votos, desde que relacionadas às suas funções, não abrangendo manifestações desarrazoadas e desprovidas de conexão com seus deveres constitucionais. Não se faz necessário, contudo, que o parlamentar se manifeste no recinto do Congresso Nacional para incidência da inviolabilidade. A imunidade material abrange os deputados federais e senadores. E, de acordo com o art. 27, § 1.º, da Constituição Federal, aos deputados estaduais serão aplicadas as mesmas regras sobre imunidades relativas aos deputados federais e senadores. Portanto, é assegurada a imunidade material dos deputados estaduais, que são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. No tocante ao Poder Legislativo Municipal, dispõe o art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal que os municípios serão regidos por lei orgânica, que deverá obedecer, entre outras regras, a da inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato e na circunscrição do Município. b) Advogados De acordo com o art. 7.º, § 2.º, da Lei 8.906/1994 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, “o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”. A imunidade, como se sabe, não autoriza excessos inoportunos e desnecessários, pelos quais responde o advogado, mas não seu cliente. Com efeito, a proclamação constitucional da inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, traduz Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal significativa garantia do exercício pleno dos relevantes encargos cometidos, pela ordem jurídica, a esse indispensável operador do direito. A garantia da intangibilidade profissional do advogado não se reveste de valor absoluto, eis que a cláusula assecuratória dessa especial prerrogativa jurídica encontra limites na lei, consoante dispõe o próprio art. 133 da Constituição da República. A invocação da imunidade constitucional pressupõe, necessariamente, o exercício regular e legítimo da advocacia. Essa prerrogativa jurídico-constitucional, no entanto, revela-se incompatível com práticas abusivas ou atentatórias à dignidade da profissão ou às normas ético-jurídicas que lhe regem o exercício. Sujeito passivo Pode ser qualquer pessoa física. Vale ressaltar que os crimes contra a honra supõem, em sua configuração estrutural e típica, a existência de um sujeito passivo determinado e conhecido. Não é imprescindível, contudo, que a pessoa moralmente ofendida seja objeto de expressa referência nominal. Basta, para efeito de caracterização típica dos delitos contra a honra, que o ofendido seja designado de maneira tal que se torne possível a sua identificação, ainda que na limitada esfera de suas relações pessoais, profissionais ou sociais. Os desonrados também podem figurar como vítimas dos crimes contra a honra, pois, por pior que seja o indivíduo, sempre possui em sua integridade moral, ainda que ínfima, uma parcela ainda não afetada pela desonra e digna de proteção penal. Os doentes mentais e menores de 18 anos também podem ser vítimas de todos os crimes contra a honra. Nada impede serem ofendidos pela calúnia. Crime, em um conceito formal ou analítico, é o fato típico e ilícito. A culpabilidade não é seu elemento, pois funciona como pressuposto de aplicação da pena. Destarte, ainda que tais pessoas, inimputáveis, não sejam culpáveis, podem praticar crimes. Logo, é possível que um delito seja a eles falsamente imputado, tipificando a calúnia. Quanto à difamação, não há dúvida alguma. Doentes mentais e menores de 18 anos têm uma reputação a zelar perante a sociedade. Podem, portanto, ser difamados mediante a atribuição de um fato ofensivo à honra objetiva. Finalmente, os doentes mentais e os menores de 18 anos são suscetíveis de ser atacados pela injúria, desde que, evidentemente, tenham capacidade de assimilar a expressão ou atitude ofensiva. Nesse sentido, há crime impossível por impropriedade absoluta do objeto material quando alguém busca ofender uma criança recém-nascida, chamando-a de “desonesta” e “preguiçosa”. A pessoa jurídica pode ser vítima de calúnia e difamação, mas nunca de injúria. Não há calúnia contra pessoa jurídica quando a ela se imputa falsamente a prática de crime comum. É risível falar-se neste crime contra a honra quando se atribui a uma empresa a responsabilidade por um homicídio, por um estupro etc. Nada obstante, admite-se atualmente a prática de crimes ambientais por pessoas jurídicas (CF, art. 225, § 3.º, e Lei 9.605/1998, arts. 3.º e 21 a 24), e tais delitos podem, consequentemente, ser falsamente imputados a uma pessoa jurídica. Exemplo: É calúnia afirmar, ciente da falsidade da atribuição, que uma fábrica de papel poluiu, em data determinada, um riacho que passa em seus fundos. É fácil concluir, por outro lado, que a pessoa jurídica pode ser vítima de difamação. De fato, ela tem uma reputação a zelar, pois os demais integrantes da coletividade têm opinião formada sobre determinada empresa no que concerne aos seus atributos morais. Difama-se uma pessoa jurídica, exemplificativamente, quando a ela se imputa a má qualidade dos seus serviços, ou então o não pagamento de suas contas nos prazos estabelecidos com seus fornecedores. Os mortos, por não serem titulares de direitos, estão excluídos da proteção penal. Não podem ser sujeitos passivos dos crimes contra a honra. Recorde-se que, nada obstante estabeleça o art. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal 138, § 2.º, do Código Penal a punibilidade da calúnia contra os mortos, a lei protege a honra dos falecidos relativamente à memória da boa reputação, bem como o interesse dos familiares em preservar sua dignidade. Vítimas do crime, portanto, são o cônjuge e os familiares do morto. Inexiste regra semelhante para os crimes de difamação e de injúria. Meios de execução Calúnia, difamação e injúria são crimes de forma livre. Admitem quaisquer meios de execução, tais como palavras, escritos, gestos ou meios simbólicos, desde que compreensíveis, e, inclusive, a veiculação da ofensa pela internet. Tais crimes encontram adequação típica nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal mesmo se praticados por intermédio da imprensa. Com efeito, a Lei 5.250/1967 – Lei de Imprensa, editada durante o regime militar e com nítido conteúdo ditatorial e impeditivo da liberdade de informação, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual atualmente seaplicam os dispositivos inerentes aos crimes contra a honra definidos pelo Código Penal aos fatos cometidos mediante o uso de jornais, revistas, rádio, televisão e outros meios análogos. Elemento subjetivo Em regra é o dolo, direto ou eventual. No subtipo de calúnia, definido pelo art. 138, § 1.º, do Código Penal, admite-se exclusivamente o dolo direto, pois consta a expressão “sabendo falsa a imputação”. Não há crime culposo contra a honra. É unânime a doutrina ao afirmar que não basta praticar a conduta descrita pelo tipo penal de cada um dos crimes contra a honra. É necessário, além do dolo, um especial fim de agir (teoria finalista = elemento subjetivo do tipo ou elemento subjetivo do injusto; teoria clássica = dolo específico), consistente na intenção de macular a honra alheia. É o que se convencionou chamar de animus diffamandi vel injuriandi. Deve haver seriedade na conduta do agente consistente em imputar a outrem falsamente a prática de um fato previsto como crime (calúnia) ou simplesmente ofensivo à reputação, verdadeiro ou falso (difamação), ou então de atribuir à vítima uma qualidade negativa (injúria). Por essa razão, a intenção de brincar (animus jocandi), desacompanhada da vontade de ofender, afasta os crimes contra a honra. Também não há crime contra a honra quando: a) a intenção do agente limita-se a narrar um fato (animus narrandi), descrevendo objetivamente aquilo que viu ou ouviu. É o que ocorre, por exemplo, com as testemunhas; b) a vontade do sujeito se dirige à crítica honesta e merecida, com o propósito de auxiliar o criticado (animus criticandi). Exemplo: crítica científica; c) o sujeito busca apenas se defender (animus defendendi). Não há crime, em face da legítima defesa; d) o agente deseja unicamente corrigir (animus corrigendi), tal como se dá na admoestação verbal de pais aos seus filhos. Inexiste crime, em decorrência do exercício regular de direito; e e) o indivíduo quer somente aconselhar a outra pessoa (animus consulendi). Anote-se, ainda, que a honra é bem jurídico disponível. Portanto, o consentimento do ofendido, se prévio, emanado de pessoa capaz e livre de qualquer tipo de coação ou fraude, exclui o crime. O consentimento posterior, por outro lado, pode ensejar a renúncia ou o perdão, Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal extinguindo a punibilidade, pois os crimes contra a honra, em regra, somente procedem-se mediante queixa. Mas o consentimento prestado pelo representante legal de um menor de idade ou incapaz não afasta o crime, pois a honra não lhe pertence, e a ninguém é dado dispor validamente de direito alheio. Classificação doutrinária Os crimes contra a honra são comuns (podem ser praticados por qualquer pessoa); de forma livre (admitem qualquer meio de execução); unissubsistentes ou plurissubsistentes; instantâneos (consumam-se no instante em que terceira pessoa toma conhecimento da ofensa, na calúnia e na difamação, ou quando a vítima fica ciente da atribuição contra si de qualidade negativa, na injúria); unissubjetivos, unilaterais ou de concurso eventual (cometidos em regra por uma única pessoa, mas admitem o concurso); comissivos (calúnia, difamação e injúria), ou omissivo (unicamente na injúria); de dano (o agente quer afetar negativamente a honra da vítima); e, finalmente, formais, de consumação antecipada ou de resultado cortado (a honra da vítima pode ser lesionada, mas não é fundamental, para fins de consumação, que isso realmente ocorra). DISPOSIÇÕES COMUNS: ART. 141 O art. 141 do Código Penal contempla cinco causas de aumento da pena aplicáveis a todos os crimes contra a honra. Vejamos cada uma delas. a) contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro: inciso I A pena é aumentada de um terço, em razão da importância das funções desempenhadas pelo Presidente da República e pelo chefe de governo estrangeiro. A conduta criminosa, além de atentar contra a honra de uma pessoa, ofende também os interesses da nação. Tratando-se, porém, de calúnia ou de difamação contra o Presidente da República, e se presentes motivação e objetivos políticos e lesão real ou potencial aos bens jurídicos inerentes à Segurança Nacional, estará caracterizado crime contra a Segurança Nacional (Lei 7.170/1983, arts. 1.º, 2.º e 26). No tocante à injúria contra o Chefe do Poder Executivo Federal, com ou sem motivação política, o crime será sempre o previsto no Código Penal, com o aumento da pena. O ataque à honra de chefe de governo estrangeiro, com ou sem motivação política, caracteriza crime comum, com aumento da pena. b) contra funcionário público, em razão de suas funções: inciso II Fundamenta-se o aumento da pena em um terço no interesse supremo da Administração Pública, ofendida pelo ataque à honra dos seus agentes. É imprescindível a relação de causalidade entre a ofensa e o exercício da função pública. Pouco importa seja o crime cometido quando o funcionário público estava em serviço ou não: incide o aumento desde que o fato se relacione ao exercício de suas funções. Não se aplica o aumento da pena quando a conduta se refere à vida privada do funcionário público. De igual modo, a pena também não pode ser elevada na hipótese em que a ofensa é lançada em época na qual a vítima não é mais funcionário público, nada obstante se relacione à função anteriormente exercida. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal c) na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria: inciso III Essas causas de aumento da pena em um terço baseiam-se no meio de execução do crime, capaz de provocar maior prejuízo à honra da vítima. Na primeira parte do inciso III (“na presença de várias pessoas”), devem existir no mínimo três pessoas. Com efeito, sempre que o Código Penal fala em “várias pessoas”, exige ao menos três, porque quando se contenta com duas pessoas, ou então precisa de quatro pessoas, ele o faz expressamente, tal como no furto qualificado (CP, art. 155, § 4.º, inc. IV) e no constrangimento ilegal (art. 146, § 1.º). Não se incluem nesse número a vítima, o autor da conduta criminosa, nem eventuais coautores ou partícipes. Também não são computadas as pessoas que por qualquer motivo não tenham capacidade de compreender a ofensa à honra do sujeito passivo, tais como crianças de pouca idade, doentes mentais, surdos (quando o crime é cometido verbalmente e não desfrutam da técnica de leitura labial), cegos (na hipótese de crime praticado mediante gestos ou símbolos) etc. A parte final do dispositivo legal em estudo (“ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”) diz respeito a instrumentos e objetos que facilitem a propagação da ofensa, ainda que não se esteja na presença de várias pessoas. Exemplos: alto- falante, outdoors, panfletos, pichação de palavras ofensivas na frente da casa da vítima, imprensa (rádio, televisão, jornais e revistas), etc. Perceba-se que, com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130-7/DF, decidindo pela não recepção da Lei 5.250/1967 – Lei de Imprensa, pela Constituição Federal de 1988, aos crimes contra a honra praticados por meio da imprensa (oral ou escrita) incidirão as disposições previstas nos arts. 138 a 145 do Código Penal. Consequentemente, se a calúnia, difamação ou injúria for cometida com a utilização da imprensa, incidirá, obrigatoriamente, a causa de aumento de pena prevista no art. 141, inciso III, in fine, do Código Penal, pois não há dúvida de que o meio de execução escolhido pelo agente éapto a facilitar a divulgação da ofensa, ensejando maiores prejuízos à honra da vítima. d) contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria: inciso IV Esse inciso foi inserido no Código Penal pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso, e somente se aplica quando o sujeito tinha conhecimento da idade ou da peculiar condição da vítima. O aumento também é de um terço. A ressalva final – “exceto no caso de injúria” – visa evitar o bis in idem. De fato, a utilização na injúria de elementos referentes à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência qualifica o delito (CP, art. 140, § 3.º), razão pela qual a qualidade da vítima não pode também aumentar a pena. e) crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa: parágrafo único No parágrafo único do art. 141 do Código Penal a pena é aplicada em dobro para qualquer crime contra a honra praticado mediante paga ou promessa de recompensa. Paga e promessa de recompensa caracterizam o crime mercenário ou crime por mandato remunerado, motivado pela cupidez, isto é, pela ambição desmedida, pelo desejo imoderado de riquezas. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Na paga o recebimento é prévio. O executor recebe a vantagem e depois pratica o crime contra a honra. Incide a causa de aumento de pena se o sujeito recebe somente parte do valor acertado com o mandante. Já na promessa de recompensa o pagamento é convencionado para momento posterior à execução do delito. Nesse caso, não é necessário que o sujeito efetivamente receba a recompensa. É suficiente a sua promessa. E também não se exige tenha sido a recompensa previamente definida, podendo ficar à escolha do mandante. O pagamento, em ambos os casos, pode ser em dinheiro ou qualquer outra espécie de bem, tal como uma joia ou um automóvel. E, por se tratar de crime contra a honra, e não contra o patrimônio, a vantagem não precisa obrigatoriamente ser econômica, como é o caso da prestação de favores sexuais, promessa de casamento etc. Cuida-se de crime plurissubjetivo ou de concurso necessário. Devem existir pelo menos duas pessoas: o mandante (quem paga ou promete a recompensa) e o executor. Aplica-se a causa de aumento de pena, imediatamente, ao executor, pois é ele quem atua movido pela paga ou pela promessa de recompensa. Mas não incide a majorante ao mandante. Por se tratar de circunstância manifestamente subjetiva, não se comunica ao partícipe (como o mandante) nem a eventual coautor. É o que se extrai do art. 30 do Código Penal. EXCLUSÃO DO CRIME: ART. 142 O art. 142 do Código Penal contém causas especiais de exclusão da ilicitude, incidentes no tocante à injúria e à difamação. Não se caracterizam tais crimes contra a honra por ausência de ilicitude, nada obstante o fato seja típico. Esse dispositivo não se aplica ao crime de calúnia por dois motivos: 1) ausência de amparo legal, uma vez que diz expressamente: “não constituem injúria ou difamação punível”; e 2) há, nesse delito, o interesse do Estado e da sociedade em apurar a prática de crimes, identificando e punindo seus responsáveis. Hipóteses de exclusão da ilicitude a) a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador: inciso I Trata-se da imunidade judiciária, que alcança tanto a ofensa oral (exemplos: alegações em audiência, debates no plenário do júri etc.) como também a ofensa escrita (exemplos: petições em geral, memoriais, razões e contrarrazões de recursos etc.). A expressão “ofensa irrogada em juízo” reclama uma relação processual instaurada, ligada ao exercício da jurisdição, inerente ao Poder Judiciário, afastando-se as demais espécies de processos e procedimentos, tais como os policiais e administrativos. Há, todavia, opiniões em contrário, no sentido de que a expressão “discussão da causa” abrange qualquer tipo de “causa”, inclusive as notificações. Deve existir, ainda, relação de causalidade entre a ofensa proferida e o exercício da defesa de um direito em juízo. Há crime na hipótese de ofensa gratuita. Partes são o autor e o réu, bem como seus assistentes e as demais pessoas admitidas de qualquer modo na relação processual, tais como o chamado à autoria e o terceiro prejudicado que recorre. Procuradores, por sua vez, são os advogados, constituídos ou dativos. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Subsiste a excludente da ilicitude, contudo, quando a ofensa for proferida contra terceiro (exemplo: uma testemunha), e não necessariamente contra uma das partes ou seus procuradores, desde que relacionada à discussão da causa. Prevalece o entendimento de que não se aplica a excludente da ilicitude àquele que ofende o magistrado. O julgador não é parte, e sua imparcialidade exclui qualquer interesse no resultado da demanda. Qualquer ato contra sua honra, portanto, deve ser punido. b) a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar: inciso II Esse dispositivo tem em vista defender o elevado interesse da cultura, que é resguardar a liberdade de crítica em relação às ciências, artes e letras, indispensável ao aperfeiçoamento dessas manifestações superiores do espírito e à segurança do julgamento histórico sobre elas. O Código Penal tolera a análise crítica, por mais rígida que seja, não só de determinada obra, mas da produção em geral e da capacidade do seu autor, com o emprego dos termos e expressões necessários para exteriorizar o pensamento de quem julga. A crítica honesta e moderada de cunho literário, artístico ou científico é lícita, pois se coaduna com a liberdade de expressão, direito fundamental assegurado pelo art. 5.º, inciso IV, da Constituição Federal. Caracteriza, todavia, o crime de injúria ou de difamação quando evidente a intenção de ofender a honra alheia. c) o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento do dever de ofício: inciso III Cuida-se de modalidade especial de estrito cumprimento de dever legal. O conceito legal de funcionário público é fornecido pelo art. 327 do Código Penal: “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”. E seu § 1.º apresenta o funcionário público por equiparação: “Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. Essa causa de exclusão da ilicitude é necessária para assegurar a independência e tranquilidade dos servidores públicos, para o perfeito desempenho das suas funções, no interesse da coisa pública. Com efeito, os funcionários públicos, em suas manifestações, muitas vezes podem ser conduzidos ao emprego de termos ou expressões de sentido ofensivo, mas que são imprescindíveis para a fiel exposição dos fatos ou argumentos.171 Exemplo: Delegado de Polícia que, ao relatar o inquérito, refere-se ao indiciado como sujeito “perigoso, covarde e impiedoso”. Nada obstante, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade (CP, art. 142, p. único). RETRATAÇÃO Trata-se de causa de extinção da punibilidade. Como se extrai do art. 107, inciso VI, do Código Penal: “Extingue-se a punibilidade: (...) pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite”. O art. 143 do Código Penal é um desses casos admitidos em lei. É cabível unicamente na calúnia e na difamação, pois nesses delitos há, pelo ofensor, a imputaçãode um fato ao ofendido, que pode ser definido como crime (calúnia) ou ofensivo à Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal sua reputação (difamação). Consequentemente, interessa à vítima que o sujeito se retrate, negando ter ela praticado o fato imputado. Na injúria, por sua vez, a retratação do agente não leva à extinção da punibilidade, por dois motivos: 1) a lei não a admite; e 2) não há imputação de fato, mas atribuição de qualidade negativa e atentatória à honra subjetiva da vítima, razão pela qual pouco importa dizer que errou, pois tal conduta pode denegrir ainda mais a honra do ofendido. Observe-se, também, que a retratação somente é possível nos crimes de calúnia e de difamação de ação penal privada. Diz o art. 143 do Código Penal: “O querelado que...”. Não extingue a punibilidade nos crimes de calúnia e de difamação de ação penal pública (exemplo: contra funcionário público). Trata-se, finalmente, de causa extintiva da punibilidade de natureza subjetiva. Não se comunica aos demais querelados que não se retrataram. E, na hipótese de concurso de crimes de calúnia e de difamação, a retração somente aproveita ao delito a que expressamente se refere. Observações Retratar-se significa retirar o que foi dito, desdizer-se, assumir que errou. Não se confunde com a confissão do crime. A retratação deve ser total e incondicional, ou, como prefere o art. 143 do Código Penal, cabal, em decorrência de funcionar como condição restritiva da pena. Precisa abranger tudo o que foi dito pelo criminoso. É ato unilateral, razão pela qual prescinde de aceitação do ofendido. Por último, a retratação há de ser anterior à sentença de primeira instância na ação penal (“antes da sentença”). Ainda que tal sentença não tenha transitado em julgado, a retratação posterior é ineficaz. Nos crimes de competência originária dos Tribunais, a retratação deve preceder o acórdão. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES: ART. 144 Inferência é o processo lógico de raciocínio baseado em uma dedução. Parte-se de um argumento para se chegar a uma conclusão. No campo dos crimes contra a honra, tem lugar quando uma pessoa se vale de uma frase equívoca, pela qual, mediante uma dedução, pode-se concluir que se trata de uma ofensa a alguém. Mas não há certeza sobre o ânimo de atacar a honra alheia, ou, ainda que, presente essa certeza, não se sabe exatamente qual pessoa foi atacada. Exemplo: No horário de café, um funcionário de uma empresa em recuperação judicial diz: “o maior ladrão desse estabelecimento tem lugar de destaque na diretoria”. Para afastar a dúvida sobre eventual ofensa, o art. 144 do Código Penal permite, àquele que se sentir prejudicado, pedir explicações em juízo, previamente ao oferecimento da ação penal. Mas não é cabível o pedido de explicações em juízo: Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal 1) quando o fato imputado à vítima, ou então a qualidade negativa a ela atribuída, encontrar-se acobertado por causa de exclusão da ilicitude (CP, art. 142) ou de extinção da punibilidade (exemplos: prescrição e decadência, entre outros); 2) quando manifestamente não há ofensa; e 3) quando a frase proferida pelo sujeito é clara e de fácil compreensão, não ensejando dúvida acerca do seu caráter ofensivo. O pedido de explicações em juízo é dotado das seguintes características: a) É medida facultativa, pois a pessoa ofendida não precisa dele se valer para o oferecimento da ação penal; b) Somente pode ser utilizado antes do ajuizamento da ação penal; c) Não há procedimento específico. Obedece, portanto, ao rito das notificações avulsas: o ofendido formula o pedido em juízo, em seguida o magistrado determina a notificação do autor do suposto crime contra a honra para se manifestar sobre a imputação de fato (calúnia ou difamação) ou atribuição de qualidade negativa (injúria), e, finalmente, com ou sem resposta, os autos são entregues ao requerente. O requerido não pode ser compelido a prestar as informações solicitadas, razão pela qual à sua omissão veda-se a imposição de qualquer espécie de sanção. d) O magistrado não julga o pedido de explicações. De fato, se posteriormente a vítima ajuizar a ação penal, o juiz levará em conta as explicações prestadas para receber ou rejeitar a inicial acusatória. e) Estabelece a parte final do art. 144 do Código Penal: “Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa”. A rápida leitura desse dispositivo legal conduz a uma conclusão precipitada. Fica a impressão de que, se o requerido recusar-se a prestar as informações, ou prestá-las insatisfatoriamente, será condenado pela ofensa. Mas não é essa a finalidade da lei. Com efeito, após o recebimento da inicial acusatória, o ofensor exercerá sua ampla defesa, com respeito ao contraditório e ao devido processo legal. Terá à sua disposição todos os meios em direito admitidos para provar sua inocência, não podendo se falar em condenação automática e baseada unicamente no pedido de explicações. Ressalte-se que a recusa em prestar informações não caracteriza novo crime contra a honra. f) O pedido de explicações não interrompe nem suspende prescrição nem a decadência. Contudo, torna prevento o juízo para futura ação penal. AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A HONRA Espécies de ação penal O art. 145 do Código Penal revela que nos crimes contra a honra a ação penal pode ser privada (regra) ou pública, incondicionada ou condicionada (exceções). A regra geral está na primeira parte do caput: a ação penal é privada, pois “somente se procede mediante queixa”. Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal Mas há três exceções: a) Ação penal pública incondicionada: Na injúria real, se da violência resulta lesão corporal (art. 145, caput, parte final). De acordo com o texto legal, a ação penal será pública incondicionada qualquer que seja a lesão corporal: leve, grave ou gravíssima. No entanto, há posições doutrinárias sustentando que, em face do art. 88 da Lei 9.099/1995, a lesão corporal leve passou a ser crime de ação penal pública condicionada à representação. Consequentemente, se da violência empregada como meio de execução advém lesão leve, a ação penal na injúria real será pública condicionada, subsistindo a ação penal pública incondicionada somente para as hipóteses em que resultar lesão grave ou gravíssima. Mas há também quem entenda que, por se tratar a injúria real de crime complexo, integrado por um misto de injúria e lesão corporal, a ação penal continua pública incondicionada, qualquer que seja a natureza da lesão corporal. Isso porque a lesão corporal perde sua autonomia, não sendo alcançada pela exigência de representação prevista no art. 88 da Lei 9.099/1995. A injúria real praticada com emprego de vias de fato é crime de ação penal privada. Como não há ressalva expressa, segue a regra geral prevista na primeira parte do caput do art. 145 do Código Penal. b) Ação pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça: Crime contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro (CP, art. 145, p. único, 1.ª parte). A requisição do Ministro da Justiça, nada obstante receba tal denominação, indicativa de ordem ou mandamento, não vincula a atuação do membro do Ministério Público. Extrai-se essa conclusão do princípio da independência funcional dos integrantes do Parquet, consagrado pelo art. 127, § 1.º, da Constituição Federal. Além disso, enquanto instituição, o Ministério Público é também dotado de autonomia funcional (CF, art. 127, § 2.º). A palavra requisição deve ser atualmente compreendida como representação, pois assimfoi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Mas por que o Código Penal utiliza o termo “requisição”? A razão é histórica. Com efeito, o Código Penal é de 1940. Naquela época, estava em vigor a Constituição Federal de 1937 (apelidada de “polaca”, em decorrência de ter se inspirado na Constituição polonesa), a qual situava o Ministério Público como órgão do Poder Executivo, sem as garantias e prerrogativas hoje existentes. Consequentemente, o Parquet se subordinava ao Ministério da Justiça, legitimando sua “requisição” pelo Ministro de Estado sempre que necessário. c) Ação penal pública condicionada à representação do ofendido: 1) calúnia, difamação ou injúria contra funcionário público, em razão de suas funções (CP, art. 145, p. único, 2.ª figura); e 2) injúria qualificada pela utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, na forma do art. 140, § 3.º, do Código Penal (CP, art. 145, p. único, in fine, com redação dada pela Lei 12.033/2009). Prof. Rone Miller Roma – Especialista em Direito Penal No tocante ao crime contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções, é conveniente tecer algumas considerações. Vejamos. Se não há relação entre o delito contra a honra e o exercício das funções públicas, a ação penal é privada. Também é privada a ação penal quando a ofensa se dirige a pessoa que já deixou a função pública. Note-se o teor da Súmula 714 do Supremo Tribunal Federal: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções”. O fundamento da súmula é simples. O Código Penal previu a ação penal pública condicionada para não onerar o funcionário público ofendido em razão de suas funções. Não seria correto impor a ele a custosa tarefa de constituir um advogado para tutelar sua honra, injustamente atacada quando desempenhava alguma atividade de interesse público. Mas, se ele quiser arcar com o encargo do ajuizamento de queixa-crime, pode recusar o benefício que lhe é assegurado e ingressar com ação penal privada.
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