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Resenha A CRIMINALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - Carolina S.B. Lima & vera Malaguti

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A CRIMINALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS (Carolina da S. B. Lima)
A constituição de 1988 foi um marco no campo dos Diretos Humanos (DH); ela marcou a transição do regime autoritário para o regime democrático e inovou com a introdução do conceito de Estado Democrático de Direito. Outra inovação da Constituição de 1988 foi a possibilidade que abriu para a assimilação de acordos internacionais na área de DH com o status de lei.
Todavia a autora entende que no Brasil há uma contradição marcada pela coexistência, no ordenamento jurídico brasileiro, de regras programáticas de exceção com regras programáticas de democracia e Direitos Humanos (DH). Desta forma, numa sociedade democrática persistem elementos opostos ao seu discurso, conforme o princípio de Zaffaroni (2003).
A autora também critica o currículo dos cursos de formação em direito no Brasil, que confere aos profissionais uma formação positivista e focada nos aspectos formais da lei. Ainda segundo a autora, no Brasil, apesar de vivermos num Estado Democrático de Direito, o ideário neoliberal faz com que a legislação penal assuma o caráter de instrumento de controle social, de forma que, em virtude disso, a legislação está a serviço do mercado. Dessa forma, a política criminal criminaliza toda conduta que ameace a ordem neoliberal. 
Através da mídia alimentam o medo, para dar como resposta uma política repressiva, adotando práticas de exceção. A criminalização dos DH é um desses mecanismos. A legislação penal, com o apoio da mídia, vai construindo uma nova forma de autoritarismo. Como resposta o Estado legitima e aumenta o seu poder repressivo. 
A conjuntura brasileira de exclusão e o movimento democrático (de exceção)
Apoiado na concepção de Salo de Carvalho, a autora critica o modelo juridico institucional brasileiro, baseado na premissa de que “a missão do direito penal sempre foi afirmada como a tutela de bens jurídicos, de modo que se torna guardião da propriedade”. Nesse sentido, a implantação dos princípios de DH não passa de uma mistificação, tendo em vista o modelo de segurança nacional e a escandalosa distancia social entre ricos e pobres, conforme salienta Helena Fragoso em recente artigo. 
Nazareth cerqueira afirma que a criminologia se frustra ao estudar os presos na tentativa de descobrir aos causas dos crimes, sem perceber que ricos e sadios cometem crimes. Nesse sentido, observa que o combate ao crime deve ser combatido por medidas políticas.
Resumo da conjuntura brasileira
A autora ratifica a concepção de João Ricardo Dornelles, segundo a qual “a violência, o arbítrio e a desigualdade são elementos constitutivos da realidade social brasileira”. Segundo a autora essa característica da nossa sociedade deriva-se da nossa herança colonial, marcada pelo escravismo e marginalização de grandes contingentes populacionais.
Com a chegada independência do Brasil e a Constituição de 1824 criaram-se as primeiras leis penais genuinamente brasileiras. Embora a Constituições previsse garantias individuais baseados na Reserva Lega, havia uma grande margem de ação para os policiais, delegados e outras autoridades para efetuarem prisões, multas e internações em oficinas públicas no caso de suspeitas de crimes. 
A grande contradição, todavia, consistia na existência de uma constituição liberal numa sociedade escravocrata. As autoridades e chefes de polícia não coibiam e até prescreviam a prática do açoite e outras formas de agressão, de modo que compatibilizavam a contradição entre escravismo e regime liberal. A constituição de 1824 contemplava os cidadãos, deixando de lado grandes contingentes da população, como escravos, índios, brancos pobres, etc. 
A influência francesa no Código Criminal de 1830 é alvo de debates contraditórios, embora haja passagens que remetam ao Code francês, como a escolha de penas cominadas e dos critérios para cálculo das penas. Constata-se também a influência de J. Bentham e E. Livingston entre os parlamentares que elaboraram o Código Penal de 1830, especialmente no que diz respeito ao conceito de cúmplices e aderentes e ao cardápio de penas proposto. Também pode ter sofrido influência de Pascoal José de Melo Freire, “mestre em Coimbra”, e também do Código bávaro, elaborado por Feuerbach. Se a Constituição de 1824 contemplava apenas os “cidadãos”, já o Código Penal de 1834 abrangia a indivíduos de todos os segmentos sociais. 
O código penal de 1834 já estabelecia diferença de penalidade de acordo com a qualidade das do delinquente, privilegiando os portadores de diplomas, caracterizados pela referência intelectual e adjetivados como elite, em detrimentos dos caracterizados pelo trabalho braçal. 
O Código penal de 1890 já se fez sob um outro aspecto, na transição do império para a república, em um momento que se instalava a industrialização no país. Constata-se um apelo ao controle social e a penalização de práticas relacionadas a determinados “lugares sociais”, como o crime de capoeiragem e vadiagem.
Já o Código Penal de 1940 teve forte influência da criminologia positivista, que tinha forte prestígio na época. Caracterizou o período o desejo de organização e centralização do país, enquadramento numa ordem econômica e repressão política.
Durante a ditadura militar o medo da polícia atormentou todas as classes sociais, sendo estabelecido um estado de exceção que, supostamente, atendia ao interesse público; serviu como instrumento de controle político. 
Em 1977 e 1984 praticaram-se reformas no Código penal. Em ambos os casos observa-se uma mudança no discurso com relação à função da pena, deixando de assumir caráter de punição para assumir caráter de prevenção. Esse novo discurso adéqua-se bem ao momento de transição do regime militar para o modelo neoliberal, visto que se adéqua ao discurso de manutenção da ordem. 
Cabe ressaltar que, segundo a autora, nesse período a classe média e a classe alta passaram a “consolidar direitos e a exercer sua cidadania”. A Constituição de 1988 se afirmou como a inauguração de uma nova ordem, Um Estado democrático de Direito, contudo trouxe em seu bojo uma contradição, ao permitir a existência de uma “pauta criminalizante, determinadora de políticas criminais”. 
É neste sentido que a autora a autora entende que no Brasil há uma contradição marcada pela coexistência, no seu ordenamento jurídico, de regras programáticas de exceção com regras programáticas de democracia e Direitos Humanos (DH). Desta forma, numa sociedade democrática persistem elementos opostos ao seu discurso, conforme o princípio de Zaffaroni. 
A realidade e o discurso da democracia (de exceção) brasileira
No Brasil a política neoliberal restringe a ação do Estado às áreas estritamente indispensáveis, de educação, segurança, saúde e saneamento básico; por outro lado, a legislação penal serve como instrumento de controle social e às leis de mercado.
Tal como afirma Bauman, “a democracia liberal é um dos discursos utópicos”. No Brasil, a realidade democrática é cheia de contradições, apresentando uma conjuntura de discurso democrático, mas conservando elementos opostos a ela. Nesse sentido, o discurso de manutenção da ordem implica em eleger elementos de determinados grupos privilegiados que decidem que ordem deve ser mantida. E essa “ordem” que serve ao interesse dos grupos privilegiados normalmente se faz com o sacrifício dos Direitos humanos (DH). E são os mais pobres e vulneráveis que sofrem as arbitrariedades e ilegalidades praticadas em nome dessa “ordem” eleitas pelos privilegiados. É nesse sentido que Zaffaroni observa que “o exercício de poder dos sistemas penais é incompatível com a ideologia dos direitos humanos”.
E é nesse sentido que a política criminal combate os direitos fundamentais; através de uma política de segurança que se baseia ainda na antiga Doutrina de Segurança nacional, do período autoritário. Criminaliza-se toda conduta que contenha qualquer ameaça à ordem.
Essa política repressora se evidencia na prática estatal de premiar policiais em ações que resultam em estatísticas criminais
que culminam em registros de ocorrências sentenças penais condenatórias. Esse modelo prima pela efetividade, disciplina e manutenção da ordem, que acaba por ser dirigido contra uma determinada classe mais vulnerável da sociedade, criminalizando-a, conforme destaca Tavares (1997, p.45). 
Segundo Bauman “tudo Isso se encaixa dentro do modelo de globalização” (1999), e “da fragilidade dos laços humanos” (2004 “Sociedades líquidas”), em que “o medo e o individualismo determinam as regras de convivência”. Assim, segundo a autora, não é a globalização que gera essa política criminal, mas todo sistema de exclusão adotado de determinada categoria de vulneráveis, que deixam de serem incluídos na categoria de protegidos, sendo incluídos na dos que devem ser temidos e controlados em nome da ordem. Disso resulta a contradição entre o reconhecimento de direitos e liberdades formais, por um lado, e uma soberania de exceção dentro de uma democracia, segundo V. Malaguti (in Batista, 2002).
A criminalização dos DH é uma dessas práticas de exceção, adotadas como instrumentos de manutenção de supostas democracias, hoje colapsadas. Se, na ditadura, criminalizava-se a liberdade de expressão, informação e reunião, hoje isso permanece na esfera do Direito penal, que agora criminaliza direitos.
No Brasil, pensar num sistema penal de não discriminação esbarra aindanos problemas de sua formação histórica, advindos da escravidão, da discriminação e das crenças fundamentadas na interpretação positivista de controle do crime. o próprio ensino, inclusive o ensino jurídico e universitário, demonstra uma total desconsideração pelos DH. É nesse sentido que a autora lembra que o ensino jurídico tem servindo como instrumento de controle social. É nesse contexto que a legislação penal acaba sendo usado como solução para todos os males.
É nesse sentido que Zaffaroni chama a atenção para o surgimento de um novo e singular tipo de autoritarismo, no seio de sociedades supostamente democráticas. Alimentado pelo medo disseminado pela TV, mídias e jornais, daqueles que reclamam maiores penas, aumentado a autoridade e o poder punitivo do Estado sobre o indivíduo.
A autora destaca a percepção de V. Malaguti (Os difíceis ganhos fáceis, 1998), que alerta acerca do caráter criminalizante das programações de TV, que influencia na criação de demandas de criminalização, através de enredos maniqueístas, baseados em vingadores, justiceiros, que desrespeitam os Direitos Humanos, de forma que esse tipo de programação cria um “sentimento de indignação moral” em todas as classes sociais, de que aproveita o estado para aumentar o caráter repressivo de sua política de segurança, conforme concebe Zaffaroni.
Importa destacar que, segundo a autora, o modelo neoliberal não se orienta por normas penais de conteúdo proibitivo, mas essencialmente mandamental, determinando qual conduta deve o cidadão tomar para gerir a sua própria vida, conforme a ordem a ser respeitada. 
Citando a concepção de Silvio Luiz Maciel, em Ocupações Urbanas e Direito Penal (2002), a autora destaca, ainda, outra forma de criminalização dos DH, associada à legislação penal aplicada aos casos de ocupação de imóveis urbanos por pessoas em situação de vulnerabilidade que buscam abrigo em imóveis desabitados. Nesse sentido o autor reivindica que certos tipos penais sejam interpretados de modo a não criminalizar aqueles que buscam abrigo nesses locais. Nesses casos, o autor defende que a atuação estatal faça-se no sentido de diminuir as desigualdades. 
Por fim, a autora observa que o Direito Penal como instrumento de controle social somente pode tender à eliminação do diferente, que por sua vez é a classe vulnerável, aquele que causa o medo, aquele capaz de impedir a ordem. 
E, nesse contexto, os DH servem como um programa de liberdade e igualdade. Porém, igualdade no sentido do igual tratamento e não no sentido isonômico, ao qual se refere Aristóteles, em igualdade para os iguais e desigualdade para os desiguais na medida de sua desigualdade. 
Finalmente, a autora ressalta que o sistema penal não pode (nem deve) funcionar como um limitador dos DH, em contradição com o discurso de uma sociedade democrática, pois, conforme afirma Nilo batista, “o Estado é o maior autor de delitos, de crimes”. 
Em suma, a autora conclui que “O Estado brasileiro se afirma democrático, mas contraditoriamente prevê em sua Constituição um programa de eliminação de pobreza e discriminação”.

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