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ilu st ra çã o: e du ar do M or ci llo (2 00 8) . I Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas 1. Percepções sobre a velhice Sara Nigri Goldman, Vicente de Paula Faleiros, José Francisco Pinto de Almeida Oliveira e Dalia Elena Romero Montilla Olhe para si mesmo, para seus pais, seus avós, filhos, sobrinhos, vizinhos e amigos. Como você percebe os mais velhos? Responda ao teste que segue e veja como está sua percepção em relação às pessoas idosas. Vale observar que os testes quantitativos são meras aproximações da rea- lidade. Eles servem para tornar claro os estereótipos, que muitas vezes mascaramos e não reconhecemos. Por isso, responda às questões sem receio e analise os resultados sem juízo de valor. Percepções em relação à pessoa idosa Marque, a seguir, as afirmativas segundo sua percepção em relação ao idoso. Quanto mais verdadeira for a afirmação, maior deve ser o número que você marcará na escala de 5 a 0. No final do teste, some os núme- ros marcados e coloque o resultado no quadrado indicado (em caso de dúvida, fale com seu tutor). Em sua opinião, as pessoas idosas: 1. dão muita importância à religião. 5 4 3 2 1 0 2. São mais inquietas que os jovens. 5 4 3 2 1 0 3. vivem de suas lembranças. 5 4 3 2 1 0 4. São mais sensíveis que os outros. 5 4 3 2 1 0 5. esperam que seus filhos se ocupem delas continuamente. 5 4 3 2 1 0 26 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa 6. repetem sempre as mesmas coisas. 5 4 3 2 1 0 7. São capazes de se adaptar à mudança. 5 4 3 2 1 0 8. têm uma saúde frágil. 5 4 3 2 1 0 9. têm medo do futuro. 5 4 3 2 1 0 10. São ricas ou estão bem financeiramente. 5 4 3 2 1 0 11. estão muito mais sujeitas a serem vítimas da criminalidade que o jovem. 5 4 3 2 1 0 12. a aposentadoria provoca nelas problemas de saúde e acelera o processo de morte. 5 4 3 2 1 0 13. passam o tempo jogando cartas, damas, dominó ou bingo. 5 4 3 2 1 0 14. preocupam-se pouco com a aparência. 5 4 3 2 1 0 15. Sofrem de solidão. 5 4 3 2 1 0 16. São teimosas e chatas. 5 4 3 2 1 0 17. representam um peso econômico para as outras gerações. 5 4 3 2 1 0 18. têm tendência a se intrometer nos assuntos alheios. 5 4 3 2 1 0 19. São menos capazes de aprender. 5 4 3 2 1 0 20. não têm interesse ou capacidade para a vida sexual. 5 4 3 2 1 0 Total: Interpretação do resultado Quanto mais elevado for o escore, mais elevada a adesão aos estereóti- pos negativos. Entre 75 e 100, sua adesão aos estereótipos negativos é elevada. Entre 50 e 75, você ainda tem tendência a ver a pessoa idosa de forma estereotipada. Entre 25 e 50, você se mantém no limiar dos estereótipos. De 0 a 25, sua percepção é menos estereotipada da pessoa idosa. Fonte: denise dubé (2006). 27 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Uma reflexão sobre o preconceito O preconceito se caracteriza por atitudes habituais de rejeição para com determinados grupos sociais. É, pois, entendido como um com- portamento de total inflexibilidade e rigidez de tratamento, afastado de qualquer sensatez ou análise racional. Apesar de o preconceito atingir majoritariamente grupos étnicos, seu horizonte é mais vasto e verificado também em outros estratos sociais, como orientação sexual, gênero, religião, pessoas com deficiências e faixas etárias, dentre outros. O caso de nosso estudo abarca os idosos e as fases avançadas do envelhecimento humano. O preconceito consolida-se na discriminação, segregação; manifesta-se sobretudo como estereótipo, que, por sua vez, emerge por meio de con- vicções inflexíveis, de fundo severamente falso, porque não se adéqua nem se harmoniza com a realidade concreta, mesmo que no menor grau. Ao refletirmos, então, sobre os preconceitos que cercam o envelheci- mento humano e são atribuídos aos idosos, observamos que seu con- teúdo é entulhado de imagens que o preconceituoso carrega em sua mente, sem a menor e necessária correspondência com uma avaliação objetiva. Essas imagens constituem um conjunto de simplificações ou generalizações que, por sua vez, distorcem os verdadeiros atributos, no nosso caso, da velhice e servem tão somente a uma errônea economia do conhecimento. O desaguadouro do preconceito, com todo o acervo das reduções rígi- das e mentirosas que o compõe, é, portanto, em larga parte, a margina- lização do grupo ou mesmo a exclusão social. Todavia, pode-se constatar e afirmar que o envelhecimento, como estágio da curva vital da caminhada humana, é um processo gradativo e, como tal, extremamente dinâmico, repelindo qualquer qualificação estática a seu respeito. É genuinamente rico e variado. A pessoa humana nunca pode ser considerada velha em sentido aca- bado e definitivo. É, sim, alguém que envelhece. E sua curva existencial de amadurecimento, que vai pouco a pouco avançando, não significa jamais uma condenação psicobiológica, muito menos afetivo-espiritual. Nem é o idoso um ser que experimenta o fim de sua própria história. Ao contrário, ele vai aprimorando a trajetória de depuração de si mesmo, e, nessa depuração, são decantadas suas riquezas. 28 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Quem tem olhos para ver há de enxergar. Não se trata de simples ques- tão de poesia afirmar que a cabeça envelhecida do idoso encerra um enorme pedaço de mundo e de história que se oferece à nossa visitação. A visão do idoso tem surpreendente alcance. Ele é capaz de realizar peri- pécias com o tempo, como trazer o passado até o presente e aí integrá-lo com grande perfeição, e fazer do futuro uma categoria sustentada pela esperança paciente, silenciosamente sábia, que não aponta só para trans- formações velozes e impetuosas, mas vivencia um formidável retorno para si mesmo e admirável conversão às origens de sua própria história. Como, então, encerrar toda essa riqueza em limitadíssimos e estreitíssi- mos conceitos, os preconceitos? Preconceitos que germinam e ganham força em uma visão viciada do consumismo contemporâneo, que foca tão só uma “sociedade do espetáculo”, da aparência, da utilidade ime- diata, do lucro, da idolatria do corpo, do antienvelhecimento, do mito da eterna juventude? Não! O preconceituoso vê na velhice unicamente sinais de decadên- cia, fragilidade, inatividade, inutilidade. A visão do preconceituoso não consegue alcançar nenhuma capacidade ou mérito no velho. Isso nos leva a refletir que não são, certamente, os olhos do idoso que vão se tornando enevoados – algo que pode ser corrigido por meio de lentes –, mas sim os olhos do preconceituoso que se mantém de modo incurável entorpecidos pela prática da segregação, arrogância e opressão. O preconceito, enfim, é fundamentalmente arbitrário e gera práticas e atitudes também injustas e de forma radical distantes de qualquer princípio ético ou de decência. Caderno de Atividades realize a atividade 1 do Módulo 1. Envelhecimento em questão: algumas reflexões sobre demografia e população A sociedade brasileira vem apresentando mudanças em sua pirâmide etária. Verifica-se, nos últimos anos, a participação crescente da popu- lação idosa. Aqui, apresentamos um texto sobre a questão demográfica. para saber mais sobre o tema, leia o texto “demografia e epidemiologia do envelhecimento”, de dalia romero e ana amélia camarano, postado na biblioteca do curso, no ava. 29 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas O Brasil está atravessando um processo de envelhecimento, e, nessas últimas décadas, a proporção de idosos cresce aceleradamente. Assim, vale a pena refletir sobre o significado e consequência do envelheci- mento como processo populacional. É fundamental partir da premissa que o envelhecimento individual difere do processo demográfico em diversos aspectos, de maneira quese deve evitar fazer equivalência entre os dois processos. Nos parágrafos seguintes, vamos explicar as razões: � O envelhecimento demográfico é um fenômeno coletivo. Portanto, é um evento social que depende da dinâmica de uma coletividade em determinado território. � O envelhecimento demográfico depende da estrutura etária da população. � O envelhecimento demográfico pode ser reversível, ao contrário do envelhecimento individual. � O envelhecimento demográfico, diferente do que muitos pensam, não está determinado pelo aumento da longevidade e da esperança de vida, e sim pela diminuição do número de nascimento por mulher (fecundidade). Em outras palavras, o impacto da diminuição da natalidade é maior que a contribuição da mortalidade para o crescimento da proporção de idosos. � Quando uma população é considerada “população envelhecida”, o ritmo de crescimento demográfico é mais lento. A dinâmica demográfica de uma população tem três componentes: nas- cimentos, óbitos e migração (Figura 1). Chama-se dinâmica porque é um processo continuo, do dia a dia de um território, mas que normalmente observamos por ano ou período. Os nascimentos compõem a natalidade (volume de nascimentos de uma população) e a fecundidade (o volume de nascimentos por mulher), o volume de óbitos compõe a mortalidade populacional, e a relação entre os que entraram no território (imigran- tes) e os que saíram (emigrantes) compõe o volume migratório. 30 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Figura 1 – Dinâmica populacional Fonte: elaborado por dalia romero. Imaginemos quando a Vila Brasil era um território inabitado. Assim como foi o começo em todas as áreas, alguns primeiros habitantes chegaram (os imigrantes) e, passado determinado tempo, tiveram suas primeiras crianças (contribuíram com a natalidade do território). Já a perda de população da Vila Brasil começou quando ocorreram as pri- meiras mortes de seus habitantes ou quando alguns saíram do território 31 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas porque decidiram migrar. Por conseguinte, a Vila Brasil será conside- rada população jovem ou envelhecida na medida em que sua popula- ção seja, em determinado ano, predominantemente de jovens ou de alto percentual de idosos. À semelhança desse processo, é possível lembrar o romance Cem anos de solidão, do escritor colombiano Gabriel Garcia Marques (1970). A história se desenvolve em Macondo, que fora construída por José Arcadio Buendía em sua juventude, quando homens, mulheres, crian- ças e animais atravessaram a serra procurando uma saída para con- quistar o mar. Após 26 meses de luta, desistiram e fundaram a fictícia Macondo. Na leitura desse romance, podemos identificar com clareza o processo demográfico de uma população, os nascimentos, as primeiras mortes, as saídas e entradas populacionais por migração. O método básico para calcular numericamente a contribuição de cada componente demográfico na estrutura por idade e o crescimento popu- lacional é chamado “equação compensadora”. Com essa fórmula, cal- culamos a população em um tempo posterior a uma data comparada. Se separarmos cada fator, veremos qual é o impacto de cada um. Veja- mos a seguir na Figura 2. Figura 2 – Crescimento demográfico na Vila Brasil entre 2012 e 2013 Fonte: elaborado por dalia romero. 32 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Geralmente, não temos informação sobre os migrantes, apenas se con- tam as mortes e os nascimentos. Denominamos assim os fatores do crescimento natural. O crescimento natural da população da Vila Brasil no ano 2012 é de 40 pessoas (nascimentos – óbitos), o que significa um crescimento percentual de 1,2%. Com essa informação, podemos afirmar que Vila Brasil está em fase de envelhecimento, porque o cres- cimento é pequeno comparado ao Brasil nos anos 1960, que crescia quase 4%. Veja que o saldo migratório na Vila Brasil foi negativo, uma vez que emigraram (saíram) mais pessoas que imigraram (entraram). Para refletir por que muda a estrutura etária? por que envelhece a população? Os fatores possíveis de alterar o peso de cada grupo de idade, em com- paração a outro grupo, são os mesmos que podem afetar o volume total da população: mortalidade, natalidade e migração. Mortalidade A redução do número de óbitos de crianças ajuda a aumentar a base da pirâmide da população (rejuvenesce), e a diminuição da mortali- dade dos idosos colabora para ampliar o topo da pirâmide da população (envelhece). Aparentemente, o declínio da mortalidade seria a causa óbvia para explicar mais idosos na população. Na verdade, no âmbito individual, é assim (não morrer determina chegar a envelhecer). Mas, quando se trata o envelhecimento populacional, essa obviedade não pode ser aplicada. É verdade que primeiro a mortalidade reduziu-se em todos os países, e a alta redução dos nascimentos leva ao envelhe- cimento populacional. Somente a partir de meados do século XVIII, a humanidade, em sua totalidade, melhorou de forma substancial suas chances de sobrevi- vência. Até o ano de 1900, a esperança de vida média da população mundial estava abaixo de 30 anos. O que mais reduzia esse número era, principalmente, a alta mortalidade infantil (0 a 1 ano de vida). A popu- lação mundial desconhecia o significado de crescimento demográfico. Apenas se observavam a estabilidade no tamanho da população. 33 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Gráfico 1 – Anos em que a população mundial alcançou aumentos de 1 bilhão Fonte: unFpa (2011). Na história da humanidade, os altos níveis de mortalidade eram simi- lares aos altos níveis de natalidade, porque a população não conseguia crescer. Observe, no gráfico anterior, que foram necessários 123 anos para que a população passasse de um bilhão a dois bilhões de habitan- tes. O seguinte bilhão demorou apenas 32 anos. Quando a mortalidade infantil começou a diminuir não só pelos avan- ços nas condições de saúde na Europa, como também pelas descobertas da medicina (antibióticos, vacinas...), o mundo passou a conhecer o início do crescimento da população. Dados da OMS mostram que, no mundo, a mortalidade infantil caiu de 133 mortes para cada mil nas- cimentos, para 46 por mil entre 1950 a 2005 (UNITED NATIONS, 2010). Já nos países desenvolvidos, a queda foi de 60 por mil, para 6 por mil. A relação entre o número de óbitos em determinado ano e o tamanho da população nesse mesmo ano (chamada taxa bruta de mortalidade, expressa geralmente por mil) fornece uma medida da contribuição da mortalidade no crescimento da população. No mundo, ela passou de 20 por mil, para 8 por mil entre 1950 e 2010 (UNITED NATIONS, 2010). 34 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Natalidade O volume de nascimento tem efeito imediato sobre a estrutura de idade da população. Se for elevada, aumenta automaticamente a proporção de crianças, quer dizer, rejuvenesce a população. Se reduzir, ocorre o efeito oposto. Na verdade, essa última é a principal explicação do rápido envelhecimento da população mundial, iniciado há mais de cem anos nos países mais ricos. O nascimento, como a mortalidade, foi elevado em populações humanas até muito recentemente. No entanto, em pouco mais de um século, os padrões se expandiram para baixa fecundidade, começando na Europa e se estendendo para o resto do mundo. A relação entre o número de nascimentos em determinado ano e o tamanho da população nesse mesmo ano (chamada taxa bruta de nata- lidade, expressa geralmente por mil) fornece uma medida da contribui- ção da mortalidade no crescimento da população. No mundo, a taxa bruta de natalidade passou de 37 por mil para 19 por mil entre 1950 e 2010 (UNITED NATIONS, 2010). Anteriormente, comentamos que, no ano 2010, a taxa bruta de mortalidade era de 8 por mil. Assim, ocresci- mento natural é de 11 por mil habitantes (o mesmo que 1,1%). Migração As migrações influenciam a estrutura por idade da população. Entre- tanto, seu efeito é muito variável, porque depende tanto do saldo migratório como das idades dos migrantes. Por exemplo, o êxodo de europeus, durante e após a Segunda Guerra Mundial, envelheceu o continente europeu, já que a maioria dos migrantes estava em idade reprodutiva e partia com seus filhos. Esse fenômeno pode não ser muito perceptível em grandes unidades geográficas, como continentes ou estados, mas é possível que seja de alto impacto em menor unidade de análise, em áreas pequenas, como os municípios. Menção especial é a migração dos idosos, especialmente aqueles que retornam à cidade natal após sua aposentadoria. Tal fenômeno é rela- tivamente novo. Indicadores de envelhecimento populacional Em 1946, pela primeira vez, a expressão “envelhecimento populacio- nal” chamou a atenção. O fato ocorreu na edição que originou a revista demográfica com grande prestígio internacional: Population. Em sua Saiba mais sobre a origem da expressão “envelhecimento demográfico”, usada pelo autor alfred Sauvy, no endereço http:// apuntesdedemografia. wordpress.com/ envejecimiento-demografico/ que-es/447-2/ 35 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas apresentação, podia se ler que a França, um dos países ocidentais mais avançados, estava “a caminho do envelhecimento que precede à desa- parição da população”. Embora a apresentação não estivesse assinada, atribui-se ao reconhecido demógrafo francês, Alfred Sauvy. A estrutura e volume da população, como observado até nossos dias, é assunto fundamental no planejamento estratégico e nas disputas internacionais relacionadas a poder econômico e social. Caderno de Atividades realize a atividade 2 do Módulo 1. Em demografia, por envelhecimento populacional entende-se o cresci- mento da participação relativa da população considerada idosa, no total da população. São diversos os indicadores para analisar a dimensão do envelhecimento de um grupo populacional, mas, aqui, apresentamos o mais utilizado: a proporção de idosos. � Proporção de idosos: percentual de pessoas com 60 e mais anos na população total residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. número de pessoas residentes de 60 e mais anos população total residente, excluída a de idade ignorada. x 100 Gráfico 2 – Proporção de pessoas com 60 anos e mais (1950-2010) Fonte: united nations (2013). 36 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa O aumento da proporção de idosos é uma tendência mundial. Os paí- ses considerados mais avançados aumentaram de 30% a mais de 60% entre 1950 e 2010. Em outras palavras, nesse grupo de países, 62 de cada 100 pessoas eram idosas em 2010. Envelhecimento demográfico no Brasil Depois da breve apresentação sobre os determinantes da dinâmica demográfica, vejamos a informação sobre o envelhecimento demográ- fico no Brasil. A partir da segunda metade do século XX, a população brasileira sofreu diversas transformações. As primeiras mudanças referem-se ao des- censo dos níveis de mortalidade, com a queda das taxas de mortalidade infantil e o aumento da esperança de vida ao nascer (VASCONCELOS; GOMES, 2012). Nas décadas de 1950 e 1960, o descenso da mortalidade combinado com a manutenção de níveis elevados de natalidade e de fecundidade, acima de 40 nascimentos por mil habitantes, e mais de 6 filhos por mulher ao final da vida reprodutiva, resultaram nas taxas de cresci- mento populacional mais elevadas na história do país: 3,1 e 2,9% ao ano, respectivamente. Gráfico 3 – Taxas brutas de natalidade e taxas brutas de mortalidade no Brasil de 1950 a 2030 Fonte: adaptado por dalia romero. 37 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Tabela 1 – Indicadores demográficos de 1950 a 2010 Indicador 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 população 51.941.767 70.070.457 93.139.067 119.002.706 146.825.475 169.799.170 190.755.799 idade Mediana 18 18 19 20 22 25 27 <15 41,8% 42,6% 41,7% 38,2% 34,8% 29,6% 24,1% 15-59 53,9% 52,6% 53,1% 55,7% 58,0% 61,8% 65,1% 60 + 4,3% 4,8% 5,2% 6,1% 7,3% 8,6% 10,8% indice de envelhecimento 10,3% 11,2% 12,4% 15,9% 20,9% 28,9% 44,8% razão de dependência (rd) 85,5% 90,0% 88,3% 79,5% 72,5% 61,7% 53,6% rd jovem 77,6% 81,0% 78,6% 68,6% 60,0% 47,9% 37,0% rd idosos 8,0% 9,0% 9,7% 10,9% 12,5% 13,8% 16,6% tFt (1) 6,2 6,3 5,8 4,4 2,9 2,4 1,9 tbn (2) 43,5 44,0 37,7 31,8 23,7 21,1 16,0 tbM (3) 19,7 15,0 9,4 8,9 7,3 6,9 6,1 tMi (4) 135,0 124,0 115,0 82,8 45,2 27,4 16,2 e0 45,5 51,6 53,5 62,8 65,8 70,4 73,5 1950-1960 1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-2000 2000-2010 taxa de crescimento anual (%) 3,0 2,9 2,5 1,9 1,6 1,2 (1)TFT – Taxa de fecundidade total (2)TBN – Taxa bruta de natalidade (3)TBM – Taxa bruta de mortalidade (4)TMI – Taxa de mortalidade infantil Fonte: vasconcelos e Gomes (2012). Nas primeiras décadas do século XX, a estrutura etária era muito jovem, com idade mediana de apenas 18 anos. O peso da dependência era sobretudo juvenil (81,0%), e a proporção de idosos (pessoas com 60 anos ou mais) ainda era muito pequena (4,0 a 5,0%). Já em meados da década de 1960, considerada a segunda etapa da transição demográfica, os indicadores de natalidade e fecundidade começam a mudar, ainda que muito elevados: 37,7 nascimentos por mil habitantes e 5,8 filhos 38 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa por mulher. Como mostrado no Gráfico 3, os níveis de mortalidade continuaram em queda, e observou-se o início do processo de enve- lhecimento populacional: a idade mediana aumentou para 19 anos, e a proporção de idosos superou 5,0%. A verdadeira revolução demográfica do Brasil começou a partir de 1970. Os indicadores de natalidade, fecundidade e mortalidade para 1980 reve- laram essas grandes mudanças: todos eles tiveram seus níveis drastica- mente reduzidos. A taxa de mortalidade infantil declinou para 83 óbitos por cada mil nascidos vivos, e a esperança de vida ultrapassou o limite de 60 anos. O número de filhos por mulher reduziu-se para 4,4, e a taxa bruta de natalidade para 31,7 nascidos vivos por mil habitantes. Na década de 1980, as tendências de queda da natalidade e da morta- lidade foram ainda mais acentuadas que na década anterior. Em 1991, a taxa bruta de natalidade caiu para apenas 23,7 nascimentos por mil habitantes, e o número médio de filhos por mulher para 2,9. A espe- rança de vida ao nascer do brasileiro aumentou ainda mais, alcançando 65,8 anos. Entre 1991 e 2010, os níveis de mortalidade e natalidade reduziram-se ainda mais. A taxa de mortalidade infantil caiu para 16,2 óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos, e a esperança de vida ao nascer ultrapassou 70 anos, chegando a 73,5 anos em 2010. Entretanto, ainda devem ser esperadas amplas reduções desses indicadores, já que, em países desenvolvidos, a mortalidade infantil é ao redor de 5 por mil nascidos vivos, e a esperança de vida de aproximadamente 80 anos. A transição demográfica no Brasil, assim como na maioria dos países latino-americanos, ocorreu em período muito curto (aproximadamente 30 anos). Já nos países como a França e a Inglaterra, as mudanças acon- teceram em um século. O envelhecimento demográfico no Brasil é consequência principal- mente da queda da fecundidade. Em 2010, apenas 25% tinham idade inferior a 15 anos, e 10,8% tinham 60 anos ou mais. O índice de enve- lhecimento era de 45 idosos para cada 100 jovens. Cada vez mais aumenta a proporção de idosos de 80 anos e mais (Tabela 2). Como consequência, maior contingente de pessoas morre em idade mais avançada. Enquanto, em 1980, os idosos de 80 anos e mais eram 8% do total dos idosos, em 2010, correspondiam a 14%.39 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Tabela 2 – População de 60 anos e mais, segundo grupo de idade. Anos 1980 e 2010 Faixa Etária/anos 1980 2010 total 7.226.805 20.590.599 60 a 69 anos 4.470.696 11.349.929 70 a 79 anos 2.165.506 6.305.085 80 anos e mais 590.603 2.935.585 proporção 100 100 60 a 69 anos 61,9 55,1 70 a 79 anos 30,0 30,6 80 anos e mais 8,2 14,3 Fonte: ibGe (2008). Gráfico 5 – Pirâmide etária absoluta. Brasil, 2010 Fonte: ibGe (2008). O processo de envelhecimento não se resume aos aspectos demográfi- cos. Sua complexidade exige que seja estudado por diversas disciplinas e sob múltiplos ângulos. É um fenômeno que percorre toda a história da humanidade, mas apresenta características diferenciadas de acordo com a cultura, o tempo e o espaço. O tema só emerge como fenômeno As pirâmides etárias representam as estruturas etárias da população. Observe (Gráfico 4) que, entre 1950 e 2010, de uma estrutura etária extremamente jovem se passa a uma estrutura mais envelhecida, refle- tida na pirâmide com perfil retangular. Gráfico 4 – Pirâmide etária absoluta. Brasil, 1980 40 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa social de alta relevância no Brasil a partir do século XX, testemunha de maior expectativa de vida e de avanços nas áreas da saúde, saneamento básico, tecnologia e questão ambiental. As condições objetivas de vida da população interferem diretamente sobre o envelhecimento, tanto no aumento quantitativo da expecta- tiva de vida como na qualidade disponível aos que envelhecem por meio de políticas sociais, em especial nas áreas da saúde, previdência e assistência. Nos países em que se instaurou o Estado de Bem-Estar Social, os idosos contaram, do mesmo modo que os outros setores mais frágeis da sociedade, com programas e serviços que lhes garantiam um final de vida amparado, pelo menos do ponto de vista material. Não é, portanto, por acaso serem os países da Europa, os Estados Unidos da América e o Japão os de maior expectativa de vida, além da participa- ção expressiva de pessoas com mais de 60 anos nas pirâmides etárias de suas respectivas regiões. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelece parâmetros dife- renciados para o início do processo de envelhecimento. Entende, desde 1982, que, nos países mais ricos, o patamar começa aos 65 anos, enquanto, nos países em desenvolvimento, se inicia aos 60 anos. O envelhecimento, portanto, embora se refira a determinada faixa etária, tem suas especificidades marcadas pela posição de classe social, pela cultura, condições socioeconômicas e de saúde individuais e/ou coletivas da região. Constata-se que a produção bibliográfica sobre envelhecimento tem expandido nos últimos anos. A temática, antes restrita à medicina e às ciências sociais, amplia seus horizontes para a demografia, estatística, serviço social, filosofia, nutrição, fisioterapia, enfermagem, fonoaudio- logia, educação física, jornalismo, odontologia, ecologia, terapia ocu- pacional, psicologia, direito dentre outras profissões que pesquisam e buscam alternativas de intervenção na população idosa. Ao lado dos esforços desses intelectuais, vive-se uma conjuntura de cri- ses múltiplas. A de maior amplitude resulta da reordenação da economia mundial com a transnacionalização da economia nos moldes neoliberais, que torna o Estado nacional uma unidade do sistema internacional. Evidencia-se que, se as sociedades, sob a lógica do capital, tendem a transformar as pessoas em mercadorias, elas reduzirão os velhos à con- dição de mercadorias descartáveis. 41 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas As condições da sociedade brasileira tornam difícil compreender de que modo é possível atender às demandas sociais em um cenário que, ao mesmo tempo, permite avanços científicos e tecnológicos, porém não resolve problemas básicos de sobrevivência das amplas faixas de excluídos. A complexidade do objeto investigado manifesta-se de imediato sobre a denominação do fenômeno estudado: velhice ou terceira idade? Em rela- ção ao sujeito que envelhece, frequentemente há dúvida quanto ao termo mais adequado: velho, idoso, geronte, gerôntico, velhote ou ancião? As várias designações tentam, sem muito sucesso, suavizar no discurso a estigmatização que os idosos vivem no cotidiano. Importa mais que a rotulação, a superação do estigma a que os idosos são submetidos e a significação que adquire na construção do espaço de cidadania como sujeitos históricos. O drama cotidiano da velhice é denunciado com mais veemência por Simone de Beauvoir. A autora, na introdução de seu livro, A Velhice, escrito no início da década de 1970, denuncia: Para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de se- gredo vergonhoso, do qual é indecente falar [...]. Com relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás dos mitos da expansão e da abun- dância, trata os velhos como párias. (BEAUVOIR, 1990, p. 8) Beauvoir elabora uma investigação exaustiva sobre o destino das pessoas velhas desde as comunidades ditas primitivas até a sociedade contem- porânea, percorrendo assim extensa trajetória histórica. Busca também apreender a velhice encarando-a em sua exterioridade (a forma como se apresenta ao outro) e em sua interioridade (a forma como o sujeito a assume e ultrapassa). A autora exprime com muita clareza o objetivo almejado por meio dessa obra: Exigir que os homens permaneçam homens em sua idade mais avançada implicaria uma transformação radical. Impossível ob- ter esse resultado através de algumas reformas limitadas que deixariam o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, é a atomização da sociedade, é a miséria de uma cultura reserva- da a um mandarinato que conduzem essas velhices desumani- zadas. Elas mostram que é preciso retomar tudo, desde o início. É por isso que a questão passa tão cuidadosamente em silêncio; é por isso que urge quebrar esse silêncio: peço aos meus leitores que me ajudem a fazê-lo. (BEAUVOIR, 1990, p. 14) Segundo nosso entendimento, a velhice não se constitui um fenômeno homogêneo e a-histórico. A posição de classe social torna diferenciada 42 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa a situação dos idosos, reproduzindo-se, nessa faixa etária, as condições de vida que perpassam o cotidiano da população. A conjuntura marca a correlação de forças, e sua análise permite detec- tar formas diferenciadas de poder da população idosa em contextos his- tóricos determinados. A força política dessa população precisa ampliar e conquistar espaço organizando-se, fortalecendo-se e tornando visível sua força política como fenômeno social relevante no Brasil. O aumento da expectativa de vida traz em seu bojo uma contradição que pode ser assim sintetizada: � de um lado, a maior expectativa de vida revela progresso e o alcance de uma meta há muito desejada pelas gerações que nos antecederam. As conquistas médico-sanitárias parecem ser as principais responsáveis pelo aumento da vida média, e estudos geriátricos e gerontológicos se aperfeiçoam a cada dia no sentido de estudar e intervir no processo de envelhecimento; � porém, do outro, a população que chega a alcançar idade mais elevada encontra dificuldades em se adaptar às condições de vida atuais, pois, além das dificuldades físicas, psíquicas, sociais e culturais decorrentes do envelhecimento, sente-se relegada a plano secundário no mercado de trabalho, no seio da família e na sociedade em geral. Essa contradição é agravada por fatores culturais que idolatram o moderno, o novo, o jovem e ridicularizam o antigo e o velho. Assim, o idoso se depara com problemas de rejeição da autoimagem e tende a assumir como verdadeiros os valores da sociedade que o marginaliza. Dessa forma, a marginalizaçãodo idoso se processa ao nível social e é muitas vezes assumida pelo próprio idoso, que, não tendo condições de superar as dificuldades naturais do envelhecimento, deixa-se conduzir por modelos preconceituosos que o colocam à margem da sociedade. a mídia assumiu papel decisivo ao associar o jovem ao que é belo, dinâmico e criativo e relegar ao velho o que é decadente e ridículo. todavia, uma vez que o contingente idoso vem se revelando como uma faixa de consumo rentável, algumas iniciativas em publicidade e nos demais meios de comunicação de massa têm apresentado um enfoque mais respeitoso em relação aos idosos. 43 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas A marginalização dos idosos parece mais gravemente evidenciada no modo de produção capitalista, em sociedades que atingiram certo grau de urbanização e industrialização e requerem contingente de trabalho produtivo, jovem e dinâmico. Outro fator fundamental que se reflete na problemática da população idosa urbana se refere à desagregação da família, basicamente nucleari- zada e compelida a ocupar espaços físicos cada vez mais exíguos. Con- tribuem de maneira direta, mas não de forma exclusiva para isso, uma política habitacional esfacelada e o empobrecimento crônico em razão do modelo concentrador de renda. A desvalorização da aposentadoria e das pensões, os constantes aumentos no custo de vida, que não cos- tumam acompanhar a correção anual dos benefícios previdenciários, colaboram sobremaneira para agravar o problema econômico dos ido- sos, pois a própria sobrevivência lhes parece ameaçada, principalmente se os gastos com a saúde forem muitos vultosos. Embora seja considerada a variedade de composições familiares, verifica-se, ainda, a relevância da família nuclear. A ocupação do solo se torna cada vez mais intensa na medida em que se acelera a con- centração populacional. As cidades são alvo do vasto contingente de migrantes que engrossam, a cada dia, as populações urbanas, já em si bastante problematizadas. Famílias, tanto nativas como migrantes, que antes moravam em casas amplas, veem-se compelidas a ocupar espaços ínfimos, onde mal cabem os elementos da família nuclear. A família nuclear, em alguns casos, tende a alijar o idoso, que, por já ter cumprido sua função produtiva e reprodutiva, é relegado à condição de marginalizado. Como alternativas, resta a ele assumir sua velhice sozinho (ou com os cônjuges, caso tenham) ou apelar para instituições asilares. Mas a questão de classe também interfere na vida dos idosos. Há algu- mas opções para os idosos de maior poder aquisitivo: podem usufruir de apartamentos com serviços (apart-hotéis), serem usuários de casas geriátricas ou ficarem em suas próprias casas, com suporte de pessoal especializado. Essas opções implicam o afastamento da família na con- dução da vida do idoso, fragilizando o aspecto afetivo. como elucida eneida Haddad, “o drama da velhice, vivido por crescentes segmentos da população, constitui a mais contundente denúncia da trajetória de vida imposta pelo reino do capital” (Haddad, 1993, p. 32). Família nuclear é a família constituída por pai, mãe e filhos. Para refletir em sua família, como a geração de crianças, jovens e adultos interage com os idosos? e como os idosos interagem com as demais gerações? 44 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Nas camadas pobres, o idoso tanto pode ser um empecilho para a famí- lia como a única fonte de renda (em forma de aposentadoria, Benefício da Prestação Continuada ou pensão). Há famílias, principalmente nos municípios mais pobres, em que os idosos mantêm as despesas fami- liares e são valorizados como um dos poucos consumidores locais com renda fixa. As desigualdades sociais tornam-se mais visíveis quando os trabalhadores alcançam a etapa da aposentadoria. Os trabalhadores, de forma geral, principalmente os pobres, não conseguem sobreviver com suas aposentadorias, tornando comum o reingresso no mercado de trabalho (formal e/ou principalmente informal), quase sempre sob forma de subemprego. Nossa premissa central reitera que é preciso, contudo, entender o idoso como sujeito histórico que pode intervir, por meio de sua ação, no pro- cesso sociopolítico. Como atores e sujeitos históricos, reivindicaram participar da Cons- tituição de 1988: estavam presentes nas comissões técnicas, faziam sugestões, argumentavam, apresentavam substitutivos, organizavam protestos em diversas capitais, lotavam o plenário do Congresso Nacio- nal atraindo a atenção da mídia, dos parlamentares e da população em geral. Caso exemplar foi a luta empreendida pelos aposentados e pen- sionistas, capitaneados por suas associações e federações, para garantir o usufruto dos 147%. Essa organização surgiu, ao longo do processo histórico, pelas mãos de ex-dirigentes sindicais, hoje velhos e aposentados, com o intuito de informar e orientar os aposentados. A partir da agudização das desi- gualdades, apareceram as federações e, com sua união, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap). A Reforma da Previdência aponta para a criação de Fundos de Pensões Privados, de capital nacional e, principalmente internacional. As con- quistas da população aposentada e pensionista, tão duramente conquis- tadas, parecem ameaçadas, e a mesma situação vem ocorrendo com a classe trabalhadora em sua totalidade. A reforma na Previdência Social, aprovada em novembro de 1998 pelo Congresso Nacional, fortalece o capital e fragiliza a luta dos trabalhadores. É nesse contexto de crise que a correlação de forças de categorias social- mente relegadas a plano secundário, como os aposentados e pensionis- tas, é posta à prova. É um desafio que os aposentados e pensionistas precisam enfrentar, seja por meio dos movimentos sociais organizados ou valendo-se do nível de consciência individual e de responsabilidade. Sugerimos a leitura dos seguintes textos, disponíveis nos sites indicados: • “Benefício da prestação continuada” http://www.mds.gov. br/assistenciasocial/ beneficiosassistenciais/bpc • “Enfrentamento contra a violência” http://www1.direitoshumanos. gov.br/ clientes/sedh/sedh/ pessoa_idosa/id_idoso_enfr • “Anais da 3ª conferência nacional sobre envelhecimento” http://www1.direitoshumanos. gov.br/clientes/sedh/sedh/ pessoa_idosa/3a-conferencia -nacional • “Estatuto do Idoso” http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.741. htm a luta pelos 147% se referia à garantia da irredutibilidade dos benefícios de aposentados e pensionistas ao mesmo nível do poder aquisitivo que tinham na data de sua concessão, amparados legalmente contra a previdência Social e exigindo o cumprimento da constituição. 45 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas A história recente demonstra que a construção de alianças empreen- didas pelos movimentos de aposentados e pensionistas só foi possível mediante a participação organizada e a conscientização do potencial político que tal população apresenta. O projeto neoliberal, que ora se espraia por quase todos os países do mundo e vem se consolidando no Brasil, tende a acirrar os proble- mas sociais, políticos e culturais do contingente excluído da chamada Revolução Técnica e Científica. A população idosa engrossa essa massa excluída, pois, dentre outras causas, tem oportunidades restritas de acompanhar o acelerado ritmo das mudanças tecnológicas. A situação da população idosa é duplamente penosa: no aspecto quan- titativo, na medida em que o aumento desse segmento não foi acom- panhado pelo aumento dos serviços; e no qualitativo, já que o acesso à informação, à informatização e aos avanços tecnológicos tende a ser concedido às faixas mais jovens que se inserem na força de trabalho. Concordamos com Gisálio Cerqueira Filhoquando afirma que a questão da cidadania no Brasil ainda implica a construção dos cidadãos enquanto uma experiência coletiva de participa- ção social e consciência dos direitos e deveres, mas também enquanto construção de canais de aprendizagem que alcan- cem o patamar de cidadão (CERQUEIRA FILHO, 1991, p. 8). Entendemos, portanto, que todos os espaços que atendem idosos, como as Unidades de Saúde, deveriam ter o compromisso social de colaborar com o processo de construção dos cidadãos não apenas jovens, mas também velhos, capacitando-os como sujeitos históricos com potencial para usufruir de seus direitos e deveres. Outro diferencial se refere à posição de classe social que os indivíduos ocupam. Pessoas que vivem em locais com saneamento adequado, em residências limpas, recebem alimentação balanceada, utilizam serviços de saúde eficientes, usufruem de rede de transporte coletivo que atende às demandas da população, desfrutam de rede de ensino competente em todos os graus têm melhores condições de viver e envelhecer bem do que aquelas excluídas dos serviços citados. A pobreza é mais dolorosa entre os idosos, pois lhes faltam as mínimas condições de sobrevivência. Um dado revelador dessa situação se refere aos aposentados e pensionis- tas do INSS, em que 70% recebem um salário mínimo por mês. O preconceito, a rejeição dos familiares e a incompreensão não estão rela- cionados somente aos pobres. Nossa intenção não é caracterizar os idosos 46 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa como vítimas inocentes de um complô social. Entendemos os idosos como sujeitos históricos e, como tal, criadores e criaturas da sociedade da qual fazem parte. E, enquanto vivem, continuam a aprender permanentemente e repassando o que sabem para a sua e as demais gerações. A função social e política dos velhos há de ser conquistada no dia a dia, construída e, sem- pre em processo de dinamismo, compatível com a sociedade. Se a dimensão política é importante nas faixas etárias mais jovens, é crucial na vida dos mais velhos, cuja participação no setor produtivo costuma ser reduzida ou nula. O desencantamento com a política ficou patenteado na pesquisa que empreendemos. Muitos desistem de lutar, e isso é altamente prejudicial, pois espaço de poder não fica vago. Se os idosos não ocuparem seu espaço político, com certeza outros o ocu- parão, trazendo graves repercussões para os direitos sociais tão dura- mente conquistados pelos idosos na Constituição de 1988, na luta vito- riosa pelos 147% e na preservação de direitos do Estatuto do Idoso, no momento com grandes possibilidades de perdas, a começar pela restri- ção da meia-entrada a todos os idosos em qualquer atividade cultural. As condições e contradições da velhice: o que é ser velho aqui e agora? Leia com atenção a seguinte história de vida de d. Joana, na Vila Brasil, no Brasil e no mundo. Dona Joana mora em uma casa na Rua Sergipe n. 10, adquirida com muito esforço. Tem 66 anos, é parda, viúva, trabalhadora autônoma (doceira), com ensino fundamental. O celular é seu instrumento de trabalho para atender clientes. Recebe pensão de um salário mínimo que mal dá para viver. Mora com o filho Tiago, de 24 anos, dependente químico e envolvido com o tráfico de drogas. Em casa, também “está de passagem”, como diz há dois anos, a filha Telma, de 32 anos, mãe sol- teira de uma menina de 7 anos chamada Carla. Telma trabalhava como caixa de banco, ficou desempregada quando aumentaram os caixas eletrônicos. Dona Joana frequenta a igreja todos os domingos, quando encontra várias conhecidas de sua idade e até mais idosas. leia também: • Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, organizado por ricardo antunes (2006). • Os livros O desastre social, de laura tavares (2003), e O nó econômico, de reinaldo Gonçalves (2003), que podem ajudar você a refletir sobre as novas condições sociais do envelhecimento. • O último capítulo do livro A política social do estado capitalista, de vicente de paula Faleiros (2001), que trata do neoliberalismo. Para refletir busque, em sua família e ao seu redor, histórias parecidas com a de d. joana. você pode procurar também entrevistas com idosos em jornais, revistas ou na internet. os contextos e realidades do envelhecimento são idênticos? Seria correto dizer que o envelhecimento é uma realidade única para todos? 47 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Caderno de Atividades realize a atividade 3 do Módulo 1. Envelhecimento, velhice e sua multidimensionalidade No capítulo “Gestão por sujeito/idade”, do livro Desafios do envelhecimento: vez, sentido e voz, Faleiros e Rebouças (2006, p. 111-138) destacam as dife- renças entre envelhecimento passivo e envelhecimento participativo. O envelhecimento passivo, segundo os autores, pode ser observado tanto bio- lógica como socialmente e está centrado na falta ou na perda de adaptação ou capacidade. O envelhecimento biológico foi pontuado como perda de capacidade de adaptação por Leme e Silva (2002) para quem “[...] a velhice carrega con- sigo uma queda geral (sic) da capacidade de adaptação”, seja pela incapacidade de aceitar ou administrar situações de mudanças, ou por catástrofes, como de mudanças de ambiente. Assim, além de se olhar para a improdutividade, olha-se a velhice pelo ângulo da incapacidade ou inadaptação. Do ponto de vista social, Sluzki considera a velhice uma desconstrução da rede social e do interesse em refazê-la: [...] à medida que se envelhece, a rede pessoal social sofre mais perdas ao mesmo tempo que as oportunidades de substituição para estas perdas se reduzem drasticamente. Além disso, os es- forços que se precisa despender para manter uma conduta so- cial ativa são maiores, a dificuldade para se mobilizar e para se mover é maior, e a acuidade sensorial é reduzida, o que diminui as habilidades e, em longo prazo, o interesse em expandir a rede [...] Com o desaparecimento de vínculos com pessoas da mes- ma geração, desaparece boa parte dos apoios da história pessoal [...] Parte da experiência de depressão que parece se instalar em muitos velhos de maneira opressiva emana da solidão e da con- seqüente perda de papéis (SLUZKI, 1997, p. 117-118). 48 EnvElhEcimEnto E SaúdE da PESSoa idoSa Dentro dessa lógica, a velhice traria uma tríplice perda: a do trabalho, da saúde e da rede social, devendo-se tratá-la como gestão das perdas, com compensações para uma pequena renda, um consolo para a falta de renda, medicamentos ou abrigo. Em contraposição ao conceito de velhice como gestão de perdas, propo- mos que a velhice seja entendida como uma relação biopsicossocial que envolve as trajetórias individuais, familiares, sociais e culturais ao longo do tempo de vida, em um entrecruzamento de trabalho/não trabalho; reprodução/infertilidade; normas e papéis de utilidade/inutilidade, defasagem/sabedoria, de isolamento/integração, perdas e ganhos, e de condições de exercício da autonomia/dependência, e de projetos pesso- ais. Assim, a velhice não é uma categoria homogênea para todos e nem um processo de via única, situando-se nas transições contraditórias das mudanças demográfica, social, cultural e epidemiológica de cada povo. A seguir, apresentamos o conceito de velhice em três diferentes óticas. Quadro 1 – Conceito de velhice Sara Goldman (2003, p. 71) no livro Universidade para Terceira Idade: uma lição de cidadania Guita Debert (2007) no texto “Três questões sobre a terceira idade” Simone de Beauvoir (1990, p. 8) em seu livro A Velhice “o envelhecimento como um processo complexo que ocorre em cada pessoa, individualmente, mas condicionado a fatores sociais, culturais e históricos, que vão rebater na sociedade como um todo, envolvendo os idosos e as várias gerações.por seu caráter multifacetado, o envelhecimento abarca múltiplas abordagens: físicas, emocionais, psicológicas, sociais, econômicas, políticas, ideológicas, culturais, históricas, dentre outras. a conjuntura marca as diversas formas de viver e de conhecer o envelhecimento, assim como as determinações culturais tomam formas diferenciadas no tempo e no espaço. outro diferencial se refere à posição de classe social que os indivíduos ocupam.” “a chamada terceira idade e os movimentos que se organizam em torno dela indicam mudanças radicais no envelhecimento, que deixa de ser compreendido como decadência física, perda de papéis sociais e retraimento. o número de programas para a terceira idade no país – como os grupos de convivência, as escolas abertas e as universidades – cresceu de maneira impressionante. neles, as etapas mais avançadas da vida são consideradas momentos propícios para novas conquistas, guiadas pela busca do prazer e da satisfação pessoal. as experiências vividas e os saberes acumulados são ganhos que oferecem oportunidades de realizar projetos abandonados em outras épocas e estabelecer relações mais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos mais velhos. encorajando a busca da auto-expressão e a exploração de identidades de um modo que era exclusivo da juventude, esse movimento está abrindo espaços para que a experiência de envelhecimento possa ser vivida de maneira inovadora. contudo, o nosso entusiasmo com a terceira idade e o sucesso desse movimento não podem impedir o reconhecimento da precariedade dos mecanismos de que a sociedade brasileira dispõe para lidar com a velhice avançada, com as situações de abandono e de dependência, com a perda das habilidades cognitivas, físicas e emocionais que acompanham o avanço da idade.” “para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar [...] com relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. abrigada por trás dos mitos da expansão e da abundância, trata os velhos como párias.” assista ao filme argentino Conversando com mamãe, que trata da relação “delicada” entre pais e filhos no momento atual do neoliberalismo, globalização. na história, quando um filho desempregado tenta que sua mãe lhe ceda o apartamento em que vive, acaba por descobrir quem é, de fato, sua mãe idosa. disponível nas locadoras. 49 Envelhecimento, velhice, sociedade e políticas Para refletir leia e reflita sobre o poema “a vida”, de Mario Quintana (1977), cujos versos iniciais apresentamos a seguir. você pode acessar esse poema na íntegra, no endereço http://www.amoremversoeprosa.com/ imortais/156avida.htm ou no livro Poesias (Quintana, 1977). A vida Mario Quintana a vida são deveres que nós trouxemos pra fazer em casa Quando se vê já são seis horas! Quando se vê, já terminou o ano Quando se vê, passaram-se 50 anos! [...] Fonte: Mario Quintana (1997). Referências antuneS, ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil. São paulo: boitempo, 2006. beauvoir, Simone de. A velhice. rio de janeiro: nova Fronteira, 1990. braSil. lei n. 10.741, de 1 de outubro de 2003. dispõe sobre o estatuto do idoso e dá outras providências. Diário Oficial da União, brasília, dF, 3 out. 2003. braSil. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. brasília, dF, 2006. p. 171. (caderno de atenção básica, 19). braSil. Ministério do desenvolvimento Social e combate a Saúde. Benefício de prestação continuada. brasília, dF, 2012. disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/ beneficiosassistenciais/bpc>. acesso em: 22 fev. 2014. cerQueira FilHo, G. a ideologia do favor & a ignorância simbólica da lei. 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