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Tomás de Aquino e os argumentos para provar a existência de Deus (ou sobre as cinco vias)

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Tomás de Aquino e os argumentos para provar a 
existência de Deus (ou sobre as cinco vias) 
 
Frank Wyllys Cabral Lira1 
 
Resumo 
A Suma Teológica é possivelmente a obra mais famosa e estudada do filósofo Santo 
Tomás de Aquino. Entretanto, na questão dois do primeiro livro (no início da Prima Pars 
para ser mais exato) temos como título para o capítulo a seguinte pergunta: Deus existe? 
Para não somente responder o capítulo como tentar responder a pergunta que o filósofo 
nos apresenta “cinco vias” para provar a existência de Deus. Portanto, este trabalho dará 
foco a apresentação e explanação dessas cinco vias argumentativas. 
Palavras-chave: Santo Tomás de Aquino, argumentos, cinco vias, Deus. 
 
Chegando as cinco vias 
Antes mesmo de apresentar e explanar os argumentos do Santo Tomás de Aquino 
para provar a existência de Deus, será feito uma rápida menção a sua história de vida e a 
obra na qual está presente tais argumentos. Filho do conde Landolfo de Aquino e de 
Teodora, Tomás nasceu no castelo de Aquino, em Roccasecca, entre o ano de 
1224/1225. De 1230 à 1239 é educado na abadia de Monte Cassino. De 1239 à 1244 ele 
estuda Artes Liberais na Universidade de Nápoles. Em 1244, Tomás entra para à ordem 
mendicante dos frades dominicanos de Nápoles (mesmo a família sendo contra essa 
entrada). Vai para Paris para fazer seu noviciado na Universidade de Paris, tendo como 
 
1 Licenciando do curso de fi losofia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 
mestre Alberto Magno e recebendo sua ordenação sacerdotal entre 1250/1251. Inicia a 
escrita da Suma Teológica em 1268, terminando-a em 12732. 
A Suma teológica é a sua obra mais conhecida e utilizada. O título de cada capítulo 
é um questionamento, sendo desenvolvido nele mesmo a resposta para esse. Toda a sua 
obra segue uma minuciosa estrutura argumentativa devido a influência de Aristóteles no 
pensamento do filósofo – e isso será facilmente percebido quando explanarmos as cinco 
vias argumentativas de Tomás. A Suma se dividirá em três grandes partes – pois é assim 
que a obra é habitualmente apresentada: Prima Pars, Secunda Pars – a segunda parte se 
apresenta dividida em mais duas partes e por isso a Suma contém habitualmente quatro 
volumes - e Tertia Pars. Os argumentos de Tomás de Aquino a favor da existência de 
Deus está na Prima Pars, pois nela é que se trata de Deus. Querendo em primeiro lugar 
tratar Deus segundo o que Ele é em si mesmo, conseguimos observar na Prima Pars duas 
subdivisões: o que se relaciona à essência divina e o que pertence à distinção entre 
pessoas. Entretanto, devido Deus ser o princípio e fim de todas as coisas, fala -se 
igualmente da forma pela qual as criaturas procedem de Deus. É nesse ponto que entra 
as cinco vias. 
 
Conhecendo as cinco vias 
Segundo o pensamento Tomista abordado na Suma Teológica, o problema central 
da filosofia é a de responder os questionamentos sobre Deus – se Ele existe ou não por 
exemplo - enquanto que o principal intuito da Doutrina Sagrada é o de transmitir o 
conhecimento de Deus. Segundo Tomás, a própria estrutura do ser humano exige que o 
conhecimento comece pelos seus sentidos, elevando-se a partir deles ao mundo 
suprassensível, a Deus. A Suma Teológica retoma a metafísica aristotélica através de 
uma interpretação cristã afim de poder fundamentar as provas para a existência de 
Deus. 
Por fim, a questão número dois do primeiro livro da Suma trata do seguinte 
problema filosófico: Deus existe? Para Tomás de Aquino, sim, mas a existência dEle não 
 
2 CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As Provas da Existência de Deus em Tomás de Aquino. P. 10. Disponível em: 
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_Aquino.pdf. Acesso 
em: 15 de Fevereiro de 2014. 
é assim algo evidente a ponto de somente haver feito a apreensão de seu termo ou 
definição para efetivamente saber que existe – e aqui está a crítica de Tomás ao 
argumento ontológico. Tomás expõe inicialmente na questão de número dois 
argumentos contra a existência de Deus – o primeiro argumento apresentado, por 
exemplo, é sobre o problema do mal -, mostrando neles sua falta de cogência. 
Entretanto não são somente apresentados argumentos a favor da inexistência de 
Deus: para Tomás de Aquino é possível provar a existência de Deus através de “cinco 
vias”, cinco argumentos. Todas as cinco vias necessitam de uma causa transcendente, 
pois sem tal ela não poderia existir. São essas vias, no final, formas de chegar a um único 
lugar - pois o efeito existe, portanto, deve existir uma causa. Uma única prova – que no 
caso é Deus - fundamentada por cinco caminhos diferentes. 
As cinco vias são as seguintes: 
1. Via do movimento/primeiro motor; 
2. Via da causa eficiente; 
3. Via do contingente e do necessário; 
4. Via do graus de perfeição; 
5. Via do governo das coisas/da finalidade ser. 
Via do movimento/primeiro motor 
A primeira via fala de um fato do mundo: o movimento. Conseguimos facilmente 
perceber o movimento das coisas através de nosso sentidos. Proposicionalmente 
falando3, a primeira via pode ser assim apresentada: 
(1) No mundo, algumas coisas são movidas. 
(2) Tudo o que é movido é movido por outro. 
(3) Não se pode preceder até ao infinito nos moventes e movidos. 
(4) Logo, é necessário um primeiro motor, que é Deus. 
Primeiro, consideremos aqui movimento toda e qualquer transformação, 
mutação ou mudança. Conseguimos perceber no mundo o movimento de algumas coisas 
(1), sendo esta premissa facilmente constatável pela nossa sensibilidade. Com relação a 
 
3 Farei a partir de agora a apresentação de todas as cinco vias através da lógica proposicional, pois além da 
facil idade em observar o argumento de forma completa e enxuta, fica mais fácil referenciar determinada parte 
dele apenas fazendo menção ao número associado a determinada premissa/conclusão durante o texto. 
premissa seguinte será necessário apresentar duas palavras: potência e ato. Para Tomás 
de Aquino a palavra potência significa aquilo que é movido ou aquilo que recebe o 
movimento. Ato significa aquilo que move ou que inicia o movimento. O que está sendo 
movido está sempre em potência para o movente, enquanto que o movente está sempre 
em ato para o movido (2) – ou seja: o ato antecede a potência assim como o movente 
antecede o movido. Devido a essa relação ato-potência, não é possível fazer uma 
regressão ao infinito entre moventes e movidos (3) porque nunca acharemos o primeiro 
movente (e como a relação ato-potência se dá através de ações em cadeia, nada seria 
movido). Logo, devido constatarmos através de nossa sensibilidade a relaçã o ato-
potência no mundo, é preciso admitirmos um primeiro motor, que é Deus. 
Via da causa eficiente 
Na segunda via é defendida a existência de uma causa primeira para conseguir 
explicar a cadeia de causas que acontecem no mundo. Proposicionalmente falando, a 
segunda via pode ser assim apresentada: 
(1) No mundo todas as coisas tem uma causa eficiente. 
(2) Nada pode ser a causa eficiente de si mesmo. 
(3) Não é possível que se proceda até o infinito nas causas eficientes. 
(4) Logo, existe uma causa primeira eficiente, que é Deus. 
Causa eficiente tem por definição algo produzir outro algo – e no mundo 
conseguimos observar uma ordem de causas eficientes e seus efeitos como bem aponta a 
premissa (1). E se o último algo produzir um terceiro algo e assim o ciclo continuar 
sucessivamente, assim teremos uma ordem de causas eficientes. Se, por exemplo,X 
produz Y, X é a causa eficiente de Y. Y não pode ser a causa eficiente de si mesmo, mas 
apenas efeito de uma causa eficiente (2) – que no caso é X. Portanto, como observamos 
os efeitos, fazer um regresso ao infinito para chegar a causa eficiente primeira torna -se 
impossível, pois assim como na primeira via, caso não assumíssemos uma causa 
eficiente primeira, não haveria qualquer efeito posterior (3). Por fim, se existem efeitos 
no mundo, é preciso que exista uma causa eficiente primeira, sendo ela Deus (4). 
Via do contingente e do necessário 
Na terceira via é defendida a existência de um ser necessário na qual dependem 
todos os seres contingentes. Proposicionalmente falando, a terceira via pode ser assim 
apresentada: 
(1) No mundo, há coisas contingentes que existem mas poderiam não existir. 
(2) Mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas. 
(3) Não é possível que se proceda ao infinito nas coisas necessárias. 
(4) Logo, existe um primeiro necessário, que é Deus. 
No mundo podemos constatar as coisas contingentes, pois elas poderiam ser ou 
não ser/existir ou não existir. Computadores por exemplo não existiam no passado, mas 
agora existem. O ser humano pode facilmente estar dentro da categoria dos 
contingentes: uma hora existimos e numa outra hora não mais (1). Se toda sorte de coisa 
é contingente, então em algum momento essas deixarão de existir. Devido ao absurdo 
dessa consideração, é preciso de alguma coisa que seja necessária para dar origem aos 
contingentes (2). Entretanto, regredir ao infinito nas coisas necessárias é impossível, 
pois será preciso um necessário por si que seja a causa de outros necessários (3). Essa 
primeira coisa necessária causadora de outras coisas é Deus (4). 
Via dos graus de perfeição 
A quarta via fala sobre a existência de um ser máximo na qual todos os seres 
presentes no mundo participam no mesmo com Ele em diferentes graus de perfeição. 
Proposicionalmente falando, a quarta via pode ser assim apresentada: 
(1) No mundo, as coisas têm diferentes graus de perfeição. 
(2) Os graus de perfeição atribuem-se em relação à proximidade do grau máximo. 
(3) O grau máximo de um gênero é a causa de todas as coisas desse gênero. 
(4) Logo, há algo que é a causa da existência para todas as coisas, que é Deus. 
É facilmente observável que, no mundo, as coisas que chegam a nosso 
entendimento através de nossos sentidos contém determinado grau de perfeição – seja 
esse grau para mais ou para menos e segundo também nosso julgamento diante de tais 
coisas (1). Estando esses graus presentes desde os objetos mais comuns até os 
sentimentos mais obscuros ou nobres, julgamos sobre tais grais de tais coisas tendo 
como referência alguma coisa de grau máximo (2). Mas esses graus máximos que temos 
como referência para determinada coisa é o que da existência de todos do seu gênero 
(3). Ainda mais: se para cada coisa existente existe um grau máximo, portanto, deve 
existir um Ser que contém todos os atributos e coisas possíveis em seus graus de 
perfeição no máximo – e que seria geradora de todas as coisas em grau de perfeição 
menos (4). Esse Ser é Deus. 
 Não somente Deus pode ter algo em seu grau de perfeição máximo como todo e 
qualquer ser pode assim ter esse grau máximo, bastando participar da Suma Perfeição. 
Ou seja: uma coisa ou ser somente consegue chegar a seu grau máximo de perfeição caso 
participe da perfeição do Ser mais perfeito – pois Deus é fonte de toda coisa ou ser, 
transcendendo a ordem natural do mundo devido a sua perfeição. 
Via do governo das coisas/da finalidade do ser 
Na quinta e última via Tomás de Aquino argumenta sobre a existência de 
arquiteto inteligente que governa, coordena ou dá uma finalidade a todas as coisas no 
mundo. Proposicionalmente falando, a quinta via pode ser assim apresentada: 
(1) No mundo, algumas coisas operam por causa de um fim. 
(2) Estas coisas não atingem o fim por acaso. 
(3) Estas coisas não tendem para um fim a não ser que estejam sendo dirigidas 
por algo inteligente. 
(4) Logo, existe algo inteligente, que é Deus, que dirige as coisas a um fim. 
Tomás aqui faz referência a finalidade das coisas do mundo. Existem certas coisas 
que não tem inteligência e que, regidas pelas leis da natureza, são ordenadas e contém a 
finalidade certa (1). Assim como a flecha, em sua finalidade única, é direcionada para seu 
alvo pelo arqueiro, as coisas não recebem uma finalidade arbitrária (2). Devido ao 
tamanho e a diversidade de coisas presentes no mundo, não é possível observar a 
harmonia e ordem do mundo e a finalidade específica presente em cada coisa carente de 
inteligência - ou até mesmo não a contendo - sem pensar na possibilidade de haver uma 
inteligência por trás de tudo (3). Como existem essas coisas ou seres de pouca ou 
nenhuma inteligência realizando seus atos com finalidade específica e de forma 
harmoniosa com o outro que preenche o mundo, deve haver sim um ser inteligente que 
governa, coordena e atribui as devidas finalidades a esses. Por fim, o Ser inteligente é 
Deus (4). 
 
Uma pequena reflexão sobre as cinco vias 
Ressalto aqui que, reunindo as informações presentes nas cinco vias, podemos 
montar um singelo quadro onde comparamos Deus e suas Criaturas – pois como ele é o 
início e fim de todas as coisas, também devemos perceber como as criaturas voltam-se 
para Ele: 
Deus Criaturas 
Ser necessário Ser contingente 
Ato puro Ato e potência 
(transformação) 
Imutável Mutável 
Infinito Finito 
Causa de sua própria 
existência 
Sua existência depende de 
algo externo 
Sua Essência é Existência Ser que possui existência 
(concreto) e possui uma 
essência (abstrato) 
 
Com essa leitura explanada dos cinco argumentos propostos por Tomás de 
Aquino para provar a existência de Deus – e assim cumprindo com o problema central 
da filosofia que segundo o filósofo deve se assegurar de resolver os questionamentos 
sobre Ele -, fica nítida a influência que Aristóteles exerceu através de seus escritos nesse 
filósofo medieval - principalmente na parte metafísica e lógica. Contribuindo com a 
tradição medieval de conciliar a fé com a razão, Tomás de Aquino abre mais uma porta 
para aqueles que desejam chegar a Deus (pois a primeira teve origem em Santo 
Agostinho através da ontologia, valendo observar a influência que Platão teve nele). É 
observável também a influência do uso da empiria, pois, diferente do acesso a Deus por 
via da gnosiologia inata, temos Tomás de Aquino fazendo uso da empiria de Aristóteles. 
Ou seja: é no mundo que vemos as provas da existência de Deus, pois todas as vias 
partem de uma realidade verificável e concreta, tendo Tomás suas racionais 
demonstrações a posteriori. Perceba que Tomás de Aquino não pretendeu dizer o que 
era Deus, mas apenas provar sua existência. 
 
Referências 
CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As Provas da Existência de Deus em Tomás de Aquino. 
Disponível em: 
http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de
_Aquino.pdf. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014. 
TORREL, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino: Sua pessoa e sua obra. Trad. 
Luiz Paulo Rouanet. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999. P. 174-176. 
FARIA, Domingos. Deus existe? Cinco argumentos de Tomás de Aquino. Disponível em: 
http://blog.domingosfaria.net/2013/01/deus-existe-cinco-argumentos-de-tomas.html. 
Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014. 
NASCIMENTO, Rosemberg do Carmo; ROSA, Jhonatas Tadeu da Costa. A concepção de 
Deus na filosofia medieval em São Tomás de Aquino, Santo Anselmo e Santo Agostinho . 
Disponível em: http://pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2012/02/08/a-
concepcao-de-deus-na-filosofia-medieval-em-sao-tomas-de-aquino-santo-anselmo-e-santo-agostinho/. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014. 
WIKIPÉDIA. Existência de Deus: As cinco provas de Tomás de Aquino. Disponível em: 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Exist%C3%AAncia_de_Deus#As_cinco_provas_de_Tom.C3.
A1s_de_Aquino. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014.

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