Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1- LESÕES PIGMENTADAS COM MANIFESTAÇÃO NA CAVIDADE ORAL O termo “lesões pigmentadas da cavidade oral” pode ser aplicado a uma ampla gama de entidades causadas pelo acumulo de um ou mais pigmentos capazes de produzir uma mudança na coloração normal dos tecidos. No entanto, lesões com mudança de coloração não associada com o acumulo de pigmento (como os grânulos de Fordyce que são lesões de coloração amarela), são lesões pigmentadas da cavidade oral são reconhecidos: 1) lesões pigmentadas associadas à melanina e 2) lesões pigmentadas não associadas à melanina. As lesões que compõem estes dois grupos são bastante comuns e podem constituir um sinal de doença sistêmica ou genética, podem ser conseqüentes ao uso de determinados medicamentos, provocadas por fatores locais ou representarem condições fisiológicas e patológicas. As pigmentações não associadas à melanina podem ainda ter origem a partir de fatores endógenos e/ou exógenos e o seu diagnóstico diferencial é muito amplo. A coloração adquirida pela mucosa pode variar de marrom para azul ao preto, dependendo da profundidade do pigmento na mucosa; tal efeito é conhecido como efeito Tyndall (Meleti et.al., 2008; Müller, 2010). 1. Lesões pigmentadas associadas à melanina 1.1. Pigmentação racial ou fisiológica A pigmentação fisiológica da mucosa bucal é a alteração mais comum e resulta da atividade aumentada dos melanócitos. Não parece existir uma predileção por sexo e pode ocorrer em qualquer idade. A pigmentação ocorre normalmente de forma difusa e a gengiva inserida é sito mais comumente afetado. Sua coloração pode variar do castanho ao quase negro e a intensidade pode ser influenciada pelo fumo, hormônios e medicamentos sistêmicos. A raça negra é mais comumente afetada. É uma condição adquirida geneticamente, sendo a quantidade e distribuição dos grânulos determinadas por vários genes. Não há necessidade de tratamento, a não ser por razões exclusivamente estéticas. 1.2. Mácula melanótica oral (Melanose focal) É uma pigmentação produzida pelo aumento localizado na deposição de melanina e, possivelmente do número de melanócitos. A causa ainda não foi esclarecida e não parece ser dependente da exposição ao sol. Pode ocorrer em qualquer idade, sem predileção pelo sexo e a localização mais comum é a zona de vermelhão de lábio inferior (33%), seguida pela mucosa jugal, gengiva e palato. A apresentação típica é como uma mácula oval ou redonda, assintomática, uniformemente amarelo-acastanhado (ocasionalmente azuis ou negras) ou marrom-escura, bem demarcada e normalmente solitária com diâmetro máximo menor que 10mm. A mácula melanótica intra-oral não tem potencial de transformação maligna, porém um melanoma em fase inicial de desenvolvimento pode ter aparência clínica semelhante. Por esta razão, todas as máculas pigmentadas recentes na boca, grandes, com pigmentação irregular, tempo de duração desconhecido ou aumento recente, devem ser submetidas ao exame microscópico. 1.3. Nevo melanocítico oral Os nevos melanocíticos intra-orais são tumores melanocíticos benignos distintamente incomuns, afetando principalmente mulheres com idade média de 35 anos e a maioria surgindo no palato ou na gengiva. A etiologia deste tumor é mal compreendida e provavelmente muitos nevos melanocíticos da mucosa oral são adquiridos, apesar de alguns casos de nevo congênito já terem sido anteriormente reportados (Buchner e Hansen, 1987). Assim como os nevos de pele, a contraparte intra-oral evolui através de 3 estágios clínicos, que tendem a correlacionar aos seus aspectos histopatológicos: 1) apresentação inicial de uma mácula marrom ou negra, fortemente demarcada e com menos de 6mm de diâmentro (nevo juncional); 2) evolução para uma pápula mole, de superfície relativamente lisa com grau de pigmentação menor que pode variar desde o amarela-acastanhada ao marrom-clara (nevo composto); e 3) posteriormente mais de um em cinco nevos intra-orais perdem clinicamente a sua pigmentação (nevo intradérmico). Além disso, alguns subtipos menos comuns podem ocorrer e incluem o nevo azul e nevo de Spitz. Nenhum tratamento é indicado para o nevo melanocítico oral, no entanto, pelas mesmas razões aplicadas para a mácula melanótica oral, é aconselhável que se faça a biópsia em todas as lesões pigmentadas intra-orais inexplicáveis. 1.4. Melanoacantoma oral Pigmentação adquirida benigna incomum da mucosa oral que parece ser um processo reacional. Esta lesão é observada quase que exclusivamente em negros, com predileção pelo sexo feminino e maios freqüência na terceira e quarta décadas de vida. A mucosa oral é a localização mais comum desta lesão que aparece como uma pigmentação lisa, plana ou ligeiramente elevada, de cor marrom-escura a negra. A característica clínica mais marcante desta lesão é o rápido crescimento de tamanho que ocasionalmente alcança um grande diâmetro em poucas semanas. Justamente por causa deste crescimento alarmante a biópsia incisional costuma ser indicada para descartar a possibilidade de melanoma. Após estabelecer o diagnóstico histopatológico não há necessidade de tratamento posterior e muitos casos sofrem resolução espontânea. 1.5. Melanose do fumante (Pigmentação melânica associada ao tabaco) A melanose do fumante é um fenômeno de aumento da pigmentação melânica visto em fumantes inveterados, mas comumente fumantes de cigarros e a intensidade da pigmentação é relacionada com o número de cigarros consumidos. Tal condição parece ser decorrente da exposição ao calor e substâncias nocivas presentes no fumo, os quais são responsáveis por estimular a produção de melanina. Alguns autores acreditam que o aumento da produção de melanina parece exercer um efeito protetor contra as aminas policíclicas como a nicotina e benzopirenos. Curiosamente uma freqüência aumentada desta lesão é vista em mulheres, sugerindo que o estrogênio pode exercer um papel sinérgico quando combinado com o fumo. A localização mais comum é a gengiva vestibular anterior, embora qualquer superfície da mucosa oral possa ser afetada. Em contraste, os fumantes de cachimbo exibem pigmentação localizada na mucosa jugal e comissura; enquanto os fumantes reversos mostram alterações no palato duro. Usualmente ocorre como uma pigmentação difusa marrom-escuro. A o diagnóstico é clínico e baseado na história de uso do fumo. Não requer tratamento e normalmente desaparece quando da interrupção do uso do fumo. 1.6. Tumor neuroectodérmico melanótico da infância É um neoplasma benigno pigmentado raro, que ocorre geralmente durante o primeiro ano de vida e provavelmente tenha origem na crista neural. A lesão é mais comum na região anterior da maxila, onde classicamente apresenta-se como uma massa azul ou preta que se expande rapidamente. O crescimento tumoral é rápido e pode promover destruição de osso subjacente e deslocar os dentes em desenvolvimento. Este tumor também pode ocorrer em áreas extramaxilare e não demonstra predileção por sexo. Em algumas ocasiões a lesão pode apresentar um padrão radiográfico de “raios de sol” que pode ser confundido com um osteossarcoma. Freqüentemente os pacientes apresentam níveis urinários elevados de ácido vanililmandélico, um subproduto da conversão de hormônios (norepinefrina) normalmente secretados por tumores com origem a partir da crista neural. A lesão é mais bem tratada pela remoção cirúrgica com curetagem, visto que a recidiva e transformação maligna são raras. No entanto, alguns clínicos defendem que o tecido deva ser removido com margem de 5mm. Após a ressecção do tumor os níveis de ácido vanililmadélico podem retornar ao normal. 1.7. Melanoma oral O melanoma oral é um tumor maligno agressivocom origem a partir de melanócitos ou seus precursores, representando menos de 1% de todos os melanomas e aproximadamente 0,5% de todas as malignidades orais. Esta neoplasia oral é mais comum no Japão e África do que em países do oeste. Sua etiologia é desconhecida e possui uma tendência mais agressiva que a sua contraparte cutânea. Muitos casos de melanoma oral surgem de novo de mucosa aparentemente normal, enquanto 1/3 dos casos são precedidos por máculas pigmentadas benignas. O melanoma oral é conhecido pelo seu comportamento agressivo e prognóstico extremamente pobre, provavelmente decorrente de um diagnóstico tardio. Este tipo de câncer deve sempre ser considerado em casos de lesões orais pigmentadas. As localizações mais comuns são palato duro e a mucosa alveolar da maxila. O melanoma oral não está subdivisão dentro das clássicas categorias clinicopatológica de melanoma cutâneo, que incluem: 1) melanoma superficial disseminante, 2)nodular, 3) lentiginoso maligno e 4) lentiginoso das extremidades. No entanto, existem algumas similaridades entre o melanoma oral e as formas de melanoma cutâneo nodular e lentiginoso das extremidades. Usualmente o melanoma oral é assintomático em estágio inicial e apresenta-se como uma lesão pigmentada plana ou como massa de crescimento rápido. A lesão pode ser uniformemente marrom ou negra ou pode mostrar variação de coloração (preto, marrom, cinza, azul, branco e tons de vermelho). Nos casos de melanoma amelanótico a pigmentação é ausente devido a pobre diferenciação celular dos melanócitos neoplásicos. Devido às semelhanças clínicas entre o melanoma oral e outras lesões pigmentadas benignas, foi desenvolvido um sistema “ABCD” de avaliação para ajudar a fazer a distinção clínica destas lesões. As características clínicas consideradas no sistema “ABCD” são: A – assimetria, B – bordas irregulares, C – coloração variada e D – diâmetro maior que 6mm. O prognóstico para este tipo de tumor correlaciona-se com a avaliação histopatológica da profundidade de invasão do melanoma. Para tal avaliação podem ser utilizados os sistemas de classificação de Clark e de Breslow. Entretanto, o sistema de Breslow, mais recente, parece mostrar uma correlação mais exata com o prognóstico de casos de melanoma oral. A base do tratamento para o melanoma oral é a excisão cirúrgica. No entanto, margens livres de lesão nem sempre são possíveis por causa das considerações anatômicas e funcionais da região. A dissecção profilática dos linfonodos regionais é bastante indicada por causa das altas taxas de metástase. A radioterapia não tem impacto significativo na sobrevida do paciente, porém a quimioterapia e a imunoterapia associadas mostram resultados promissores. O prognóstico é extremamente pobre e os pacientes geralmente morrem por disseminação hematogênica precoce, afetando mais freqüentemente os pulmões, cérebro, fígado e ossos. 1.8. Síndrome de Peutz-Jeghers e outras síndromes A síndrome de Peutz-Jeghers consiste em máculas mucocutâneas, pólipos intestinais (normalmente crescimentos hamartomatosos) e risco aumentado de carcinomas no trato gastrointestinal (adenocarcinomas em 2% a 3%), pâncreas, mama e tireóide. A doença é associada com uma mutação no gene LKB1, localizado no braço curto do cromossomo 19. Mas manifestações orais incluem múltiplas lesões escuras tipicamente localizadas no lábio inferior e na região perioral, semelhantes às sardas. Estas pigmentações podem ocorrer em outras regiões cutâneas ou da mucosa e tanto o número de lesões como a extensão do envolvimento podem variar significativamente de paciente para paciente. A atenuação ou desaparecimento das machas pode ser observado nos pacientes mais velhos, embora as lesões periorais tenham uma tendência a persistir. Os pacientes com síndrome de Peutz-Jeghers devem ser monitorados para controle do desenvolvimento de obstrução intestinal ou formação de tumores, sendo o aconselhamento genético extremamente valioso. Outras síndromes como as chamadas “síndromes de múltiplos hamartomas relacionados ao gene PTEN”, McCune- Albright e Neurofibromatose, podem mostrar pigmentações por melanina e devem ser sempre consideradas no diagnóstico diferencial de lesões pigmentas da cavidade oral. 1.9. Doença de Addison e outras desordens A doença de Addison ou hipoadrenocorticismo primário é causada por destruição auto-imune, infecções (como tuberculose e doença fúngica profunda, particularmente em paciente com AIDS) ou raramente malignidades (tumores metastáticos, sarcoidose, amiloidose ou hemocromatose). Esta desordem endócrina é caracterizada pela produção deficiente de hormônios do córtex adrenal que leva ao aumento da produção de ACTH, o qual é capaz de estimular os melanócitos a produzindo uma hiperpigmentação escura e generalizada da pele e mucosa oral. As pigmentações na cavidade oral podem ser difusas ou localizadas e usualmente precedem as manifestações em pele. Outros sinais e sintomas da doença de Addison incluem anorexia, náusea, hipotensão postural, perda de peso, fraqueza, irritabilidade e um peculiar desejo de sal. Pigmentações difusas e discretas em lábio e mucosa oral podem ocorrer em outras desordens endócrinas como o hipertiroidismo ou na hiperpigmentação adquirida conhecida como síndrome de Laugier-Hunziker e devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. As pigmentações orais associadas a alguma desordem sistêmica não requerem tratamento e normalmente o tratamento da doença subjacente implica no desaparecimento das lesões orais. 2. Lesões pigmentadas não associadas à melanina 2.1. Lesões causadas por pigmento endógeno Extravasamento de sangue em hematomas, petéquias, púrpura e equimoses podem provocar pigmentações devido ao acúmulo e degradação de hemoglobina para bilirrubina e beliverdina. Eventos traumáticos na cavidade oral geralmente são os responsáveis por este tipo de pigmentação e a coloração pode variar do vermelho ao preto. 2.2. Lesões causadas por pigmento exógeno (pigmentações metálicas) 2.2.1. Tatuagem por amálgama Numerosos materiais pigmentados podem ser implantados no interior da mucosa oral, resultando em pigmentação clinicamente evidente. A tatuagem por amálgama é a forma mais comum e facilmente reconhecida, geralmente esta localizada próxima a áreas onde foram realizadas restaurações em amálgama. Geralmente produz uma pigmentação preto-azulada, bem localizada e circunscrita, mais comumente em mucosa gengival e alveolar. Na maioria dos casos um único sítio é afetado, embora múltiplos sítios também possam estar presentes. Radiografias da região afetada podem auxiliar no diagnóstico diferencial. Nenhum tratamento é recomendado após o estabelecimento do diagnóstico para tatuagem por amálgama. No entanto, em caso de dúvida quanto ao diagnóstico, uma biópsia pode ser indicada. 2.2.2. Intoxicação metálica sistêmica A ingestão ou exposição a qualquer um dos vários metais pesados pode causar anormalidades orais e sistêmicas significativas. As alterações orais relacionadas a metais pesados como chumbo, mercúrio, prata, ouro, zinco, ferro e outros são raras e quando ocorrem normalmente se manifestam com uma estomatite ulcerativa, pigmentação ao longo da gengiva marginal ou difusa da mucosa oral, gosto metálico na boca, doença periodontal avançado e/ou salivação excessiva. O tratamento da intoxicação por metais pesados envolve o afastamento de exposições adicionais ao agente, tratamento de suporte e o uso de agentes quelantes. 2.2.3. Outras pigmentações exógenas localizadas Existe ainda a tatuagem intencional realizada com fins estéticos ou culturais que podem ser encontradas em 25% da população. Além disto,uma condição conhecida como língua pilosa apresenta papilas alongas comumente castanhas, amarelas ou negras, como resultado do crescimento de bactérias cromogênicas, pigmentos do tabaco ou alimentos. A língua pilosa é uma condição benigna, sem seqüelas importantes e a orientação quanto à eliminação de fatores predisponentes e adequada higienização da língua são a conduta mais adequada. 3. Pigmentações da mucosa oral relacionadas às drogas O uso crescente de drogas tem sido relacionado com a hiperpigmentação da mucosa oral. Embora muitos destes medicamentos estimulem a produção de melanina, outras substâncias podem se depositar diretamente sobre a mucosa oral alterando a coloração tecidual. Diversos medicamentos podem produzir este tipo de pigmentação incluindo os antimaláricos, antiretrovirais (AZT), minociclinas, Cetoconazol, antineoplásicos, fenolftaleína (laxante), estrogênio (contraceptivos orais) e psiquiátricos (Clorpromazina). As manifestações clínicas são bastante variáveis, porém algumas drogas podem produzir um padrão clínico único. As drogas antimaláricas (ex. cloroquina, hidrocloroquina, quinidina e a quinacrina) ou tranqüilizantes (ex. clorpromazina) normalmente produzem uma pigmentação negro-azulada limitada ao palato duro. Além disso, os antimaláricos podem produzir uma melanose marrom mais difusa da mucosa oral e da pele. A minociclina resulta geralmente em pigmentação dos ossos e dentes em desenvolvimento, que quando vista através da mucosa revela uma coloração cinza-azulada envolvendo difusamente o palato e revelando uma banda linear acima da gengiva inserida vestibular. Não existe a necessidade de tratamento e na maioria dos casos, a interrupção da medicação implica em desaparecimento gradual das áreas de hiperpigmentação. Referência 1. Meleti M, Vescovi P, Mooi WJ, van der Waal I. Pigmented lesions of the oral mucosa and perioral tissues: a flow-chart for the diagnosis and some recommendations for the management. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2008 May;105(5):606-16. Epub 2008 Feb 21. Review. PubMed PMID: 18206403. 2. Buchner A, Hansen LS. Pigmented nevi of the oral mucosa: a clinicopathologic study of 36 new cases and review of 155 cases from the literature. Part II: analysis of 191 cases. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 1987;63:676-82. 3. Neville BW et al. Patologia Oral & Maxilofacial.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2ª Ed.2004. 4. REGEZI, J. A. e SCIUBA, J. J. Patologia Bucal: Correlações Clinicopatológicas. 3a ed. Editora: Guanabara Koogan, 2000.
Compartilhar