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A NORMA CONSTITUCIONAL INCONSTITUCIONAL NA VISÃO DE OTTO BACHOF

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A NORMA CONSTITUCIONAL INCONSTITUCIONAL NA VISÃO DE OTTO BACHOF
O professor OTTO BACHOF causou grande polêmica no mundo jurídico ao defender a possibilidade da existência de normas constitucionais inconstitucionais, durante uma aula inaugural, proferida na Universidade de Heidelberg, no início dos anos 50, aula esta que foi transformada em livro, sob o título: Normas Constitucionais Inconstitucionais? (Verfassungswidrige Verfassungsnormen?). Àquela época o pensamento do professor alemão foi muito contestado, mormente pelo fato de que seus escólios encontravam esparsos respaldos jurisprudenciais, especialmente em uma decisão do Verfassungsgerichshof da Baviera, ou Tribunal Constitucional da Baviera, na Alemanha. Ao longo das décadas que se seguiram, as idéias de BACHOF serviram de base para diversos trabalhos acadêmicos, alguns defendendo o seu pensamento, muitos discordando frontalmente deles. Apesar de toda esta produção literária, a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais continua sendo um tema atual, precipuamente pelo fato de que não há consenso na doutrina sobre tal questão. Em sua explanação, o jurista alemão analisa a possibilidade da existência de normas constitucionais inconstitucionais em uma mesma unidade política, ou seja, normas conflitantes dentro de uma mesma Constituição. Enfoca, ainda, a questão da competência dos Tribunais Constitucionais, no julgamento das ações que tenham como fundamento a argüição de inconstitucionalidade acima esposada. Com base em duas decisões, uma do Tribunal Constitucional de WürttembergBaden e no supramencionado decisum do Tribunal da Baviera, BACHOF entende que estaria sendo iniciado um processo de alargamento do conceito de Constituição, pela inclusão de um direito suprapositivo. A decisão do Verfassungsgerichshof da Baviera, entretanto, é considerada mais vanguardista, haja visto que pôs de lado a definição puramente formal da Lei Maior, incluindo o direito suprapositivo como padrão de controle, sustentando, ainda, que não se pode afastar a hipótese de antinomia no âmbito constitucional, pois existem princípios constitucionais que representam a expressão de um direito anterior ao texto da Carta Política, fundamental, e que, se for infringido por uma outra norma, esta pode ser declarada nula. Há, pois, um embasamento da pré-concepção constitucional, verdadeira limitação ao Poder Constituinte Originário, mormente no que tange aos direitos fundamentais, que não podem ser deixados de lado, quando da aprovação da Lei Mãe. A referida limitação é reforçada pelos seguintes dizeres: A nosso ver, há limitações à atividade do constituinte originário. Nesse ponto, há de se admitir que o Poder Constituinte Originário sofre os influxos dos grupos de pressão, sindicatos, associações, organizações não-governamentais, da opinião pública, em derradeira análise. De certa forma, os valores éticos e ideais, a exemplo da justiça e da igualdade, os princípios gerais do direito, enfim, também são limitadores de sua atuação. Isso sem falar na defesa mundial dos direitos humanos e na pujança os tratados internacionais, num mundo globalizado. (...) Sinteticamente, o Poder Constituinte Originário, em ser anterior à positividade constitucional é uma faculdade incondicionada, mas que, por estar vinculado a uma finalidade jurídica, tem limites. Isso sem falar no limite do espaço geográfico, circunspecto à manifestação do poder soberano. Em conclusão, ainda que seja dificultoso objetivar limitações ao Poder Constituinte Originário sob o aspecto formal, materialmente temos que aceitar a derrocada da tese positivista, em especial em sociedades democráticas e na vigência do constitucionalismo. Afinal, a sociedade democrática hodierna é, por essência, consensual. E há inevitável consenso na limitação material do Poder Constituinte Originário quando o enfoque é, por exemplo, a defesa e proteção dos direitos humanos. Na doutrina portuguesa, o professor JORGE MIRANDA também advoga a tese das limitações ao Poder Constituinte Originário: Daqui não decorre, porém, que o poder constituinte equivalha a poder soberano absoluto e que signifique capacidade de emprestar à Constituição todo e qualquer conteúdo, sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. Não é um poder soberano absoluto – tal como o povo não dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição – e isso tanto à luz de uma visão jusnaturalista ou na perspectiva da localização histórica concreta em que se tem de pronunciar o órgão nele investido – aqui trata ele da legitimidade, conforme José Eduardo Faria. O poder constituinte está sujeito a limites. Na mesma esteira de pensar, o professor MARCO AURÉLIO ALVES ADÃO assim se posiciona: Defende-se, outrossim, a necessidade de respeito a certos valores naturais absolutos, como a liberdade, a dignidade humana e a justiça, que estariam acima do constituinte. O constituinte não cria o texto do nada. Encontra ordem pré-positiva. Conjunto de princípios fundamentais aos quais se encontra amarrado. Por fim, corroborando com a tese acima explicitada, preleciona PAULO THADEU GOMES DA SILVA: Assentada por nós a necessidade de fundamentar a legitimação da ordem jurídica num sistema ou complexo de valores, o qual será o marco axiológico de que derivará o motivo da obrigatoriedade daquela ordem – concepção transcendental do direito natural, e também que, conforme agora escrito, a regra tem por finalidade realizar valores, o exercício do pco terá de, ao fazer uma constituição, cumprir, com responsabilidade eleitoral, os valores ínsitos ao consenso, positivando os direitos humanos no respectivo texto: esta é a sua finalidade, que, por isso mesmo, é jurídica. Destarte, infere-se que há a possibilidade de antinomia entre as normas constitucionais originárias, seja em decorrência das limitações materiais ao Poder Constituinte Originário, ou devido ao conflito entre preceitos que possuam hierarquia diferida, no corpo de uma mesma Carta Magna. Ambas as situações são albergadas pelo presente estudo. Sintetizando a questão, tem-se, portanto, que ao admitir-se a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário, são três as hipóteses plausíveis, a saber: a) choque entre normas constitucionais de hierarquia diferente, ou seja, uma norma materialmente constitucional, portanto superior, em conflito com uma norma apenas formalmente constitucional, podendo ser classificada como inferior; b) antinomia entre uma norma constitucional que tenha positivado direito supralegal e uma norma inferior, como no caso de uma norma constitucional que infrinja os direitos e garantias individuais ínsitos em outra norma, mais "forte"; e c) contrapor-se, uma norma constitucional, a um princípio de direito supralegal não inserido no corpo da Constituição, por exemplo, o conflito entre uma norma constitucional e os valores fundamentais da justiça, ou o direito natural, enfim, com o direito material constitucional não-escrito. Em primeiro lugar, portanto, tem-se que as normas oriundas do Poder Constituinte Originário podem ser declaradas inconstitucionais se houver conflito entre preceitos de hierarquia diferente. Uma norma formalmente constitucional, que vá de encontro ao estabelecido por uma norma de cunho materialmente constitucional, por conseguinte, deverá ser declarada sem efeito pelo Tribunal responsável pelo controle de constitucionalidade. Tomando-se como fundamento a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, à guisa de exemplificação, imagine-se a inserção, quando da aprovação do texto supralegal pelo Poder Constituinte Originário, de uma norma que abolisse o voto secreto, quando da realização de eleições para as Câmaras Municipais. Neste caso, estar-se-ia diante de uma antinomia entre tal comando normativo e a cláusula pétrea que garante a imutabilidade do art. 60, §4º, II, pelo que deveria ser expurgada da Carta Magna a hipotética norma. Em segundo lugar, advoga-se a tese deque pode ser declarada a inconstitucionalidade de uma regra constitucional inserida originariamente na Carta Magna, caso esta entre em choque com outro preceito, que contenha em sua essência garantias individuais, como as relativas aos direitos humanos, por exemplo. Seria o caso, explicitando a hipótese acima, de um comando normativo que permitisse a prática da tortura dentro das delegacias de polícia, quando da realização do interrogatório de acusados pelo crime de estupro. Far-se-ia necessário que tal norma fosse declarada sem efeito, em decorrência de sua antinomia para com o art. 5º, III, da Carta Política brasileira. Por fim, também poderia ser declarada inconstitucional uma norma constitucional originária que afrontasse um preceito supralegal, não inserido no corpo da Constituição. Pode-se citar, como exemplo de tal preceito supralegal, o direito à vida, pois se trata de um princípio que, indubitavelmente, é aceito pela imensa maioria da sociedade contemporânea, em todo o mundo. Como exemplo poder-se-ia conceber a hipótese de aprovação, em sede de Poder Constituinte Originário, de uma regra determinando que todas as crianças nascidas com graves distúrbios mentais seriam sacrificadas, em nome da pureza da raça humana. Tal exemplificação pode parecer absurda, mas possuem plausibilidade se cotejados com os ideais nazistas, que defendiam a não miscigenação da raça ariana. São estas, em suma, as hipóteses nas quais se defende a necessidade de controle da constitucionalidade das normas constitucionais emanadas do Poder Constituinte Originário, conforme preleciona o professor OTTO BACHOF e os que pugnam pelas suas idéias. Se há antinomias no texto constitucional originário, e ressalte-se que não se deve afastar de plano esta possibilidade, tais conflitos devem ser expurgados do ordenamento constitucional. E a competência para exercer tal mister é, extreme de dúvidas, do Poder Judiciário, responsável pelo controle de constitucionalidade das emanações legislativas, mormente no caso do Brasil.
http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/salvador/thais_bandeira_oliveira_passos.pdf

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