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1 Rousseau e a soberania popular Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) nasceu em Genebra e viveu a partir de 1792 em Paris, onde fervilhavam as ideias liberais que culminariam na Revolução Francesa (1789). Foi leitor de Locke, desenvolvendo uma concepção teórica muito similar para explicar a origem da sociedade com base em um contrato. Suas principais obras foram “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens” (1775), “Emílio” (1762), em que trata dos princípios básicos da educação do indivíduo, o “Contrato Social” (1762) e as suas “Confissões” (1764-70), na qual se propõe a refletir sobre sua vida. Rousseau colaborou ainda com a “Enciclopédia”. O ponto de partida de sua filosofia é uma concepção de natureza humana representada pela famosa ideia segundo a qual “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”, que está cristalizada no seu Contrato Social. A essa ideia ele acrescenta outra: “o homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentado”. Com essas assertivas, Rousseau não pretende condenar toda e qualquer sociedade, mas sim aquelas que acorrentam e aprisionam o homem, chegando a adotar como modelo de sociedade justa e virtuosa a Roma republicana do período anterior aos Césares. A grande questão para Rousseau consiste em saber como preservar a liberdade natural do homem por meio da criação de um corpo político que o governe, legitimado pelo contrato, mas que ao mesmo tempo lhe garanta segurança e bem-estar na vida em sociedade. Rousseau procura resolver essa questão da legitimidade do poder fundado no contrato social de forma inovadora, na medida em que reestrutura os conceitos de soberano e de governo, instituindo ao povo uma soberania inalienável, antes atribuída, de forma absoluta, ao governante. Na sua obra “Discurso sobre a origem da desigualdade”, Rousseau cria a hipótese dos homens em estado de natureza, vivendo sadios, bons e felizes enquanto cuidavam de sua própria sobrevivência, até o 2 momento em que é criada a propriedade e uns passam a trabalhar para os outros, gerando escravidão e miséria. Rousseau parece demonstrar uma extrema nostalgia desse estado feliz em que vivia o “bom selvagem”, antes de ser introduzida a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo e a predominância da lei do mais forte, com a passagem para a sociedade civil. O contrato social, para ser legítimo, deve originar-se de um consentimento necessariamente unânime. Cada membro associado a esse pacto precisa abdicar sem reservas de todos os seus direitos em favor do Estado a ser criado, ao qual se subordinará. Mas como todos abdicam igualmente, na verdade, ninguém perde, pois, como explica Rousseau, é um ato de associação que produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia e que, por esse mesmo ato, ganha a sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Em outras palavras, pelo pacto o homem abdica de sua liberdade, mas sendo ele próprio parte integrante e ativa do todo social, ao obedecer à lei, estará obedecendo a si mesmo e, portanto, será livre. A obediência à lei que se impõe a si mesmo é a liberdade. Por conseguinte, o contrato não faz o povo perder a soberania, pois não é criado um Estado separado dele. Em suma, para Rousseau, soberano é o corpo coletivo que expressa, através da lei, uma vontade geral. 3 A soberania do povo, manifesta pelo legislativo, é inalienável, ou seja, não pode ser representada. A democracia concebida por Rousseau considera que toda a lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Nesse sentido, não há um superior, já que os depositários do poder não são senhores do povo, mas seus oficiais, podendo ser eleitos ou destituídos conforme a conveniência. Os magistrados que constituem o governo estão subordinados ao poder de decisão do soberano e apenas executam as leis, devendo haver, inclusive, boa rotatividade na ocupação dos cargos. Rousseau preconiza, portanto, a democracia direta ou participativa, mantida por meio de assembleias frequentes de todos os cidadãos. Enquanto soberano, o povo é ativo e considerado cidadão. Mas há também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto súdito. Então, o mesmo homem, enquanto faz a lei, será um cidadão e, enquanto a ela obedece e se submete, será um súdito. Além de inalienável, a soberania é também indivisível, pois não pode tomar os poderes separadamente. Para melhor compreender-se o núcleo do pensamento político de Rousseau, é fundamental o entendimento do conceito de vontade geral, pois é através dessa vontade geral que se expressa a lei. Antes, é pertinente distinguir a atuação da pessoa pública frente à da pessoa privada, dentro da concepção de Rousseau. A pessoa privada tem uma vontade individual que geralmente visa ao interesse egoísta e à gestão dos bens particulares. Se somarmos as decisões baseadas nos benefícios individuais, se terá a chamada “vontade de todos”. Mas cada homem particular também pertence a um espaço público, ou seja, é parte de um corpo coletivo com interesses comuns, os quais são expressos por uma “vontade geral”. Nem sempre o interesse de um coincide com o interesse do outro, pois muitas vezes o que beneficia a pessoa privada pode ser prejudicial ao coletivo. Por isso, também não se pode confundir a vontade de todos com a vontade geral, pois a somatória dos interesses privados pode ter outra natureza que o interesse comum. Para que fique mais claro, o interesse comum não é o interesse de todos, no sentido de uma confluência dos interesses particulares, mas o interesse de todos e de cada um enquanto componentes do corpo coletivo e explicitamente nesta qualidade. Daí o perigo de predominar o interesse da maioria, pois se é sempre possível conseguir-se a 4 concordância dos interesses privados de um grande número, nem por isso se estará atendendo ao interesse comum. Para Rousseau, o homem é livre na medida em que dá o livre consentimento à lei, e consente por considerá-la válida e necessária. Segundo a sua teoria do contrato social, a soberania política pertence ao conjunto dos membros da sociedade e o fundamento dessa soberania é a vontade geral que não resulta apenas da soma da vontade de cada um, mas de uma consciência coletiva do que é melhor para a maioria.
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