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Teoria Econômica do Sistema Feudal Witold Kula

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WITOLD KULA 
TEORIA ECONÓMICA DO 
SISTEMA FEUDAL 
E D I T O R I A L P R E S E N Ç A * L I V R A R I A M A R T I N S F O N T E S 
PORTUGAL. BRASIL, 
Título original TEORIA EKONOMICZNA USTROJU FEUDALNEGO 
PROBA MODELU 
(g) Copyright by Pánatwowe Wydawnictwo Naukowe, 
Varsóvia, 1962 
Tradução de MARIA DO CARMO CARY 
Reservados todos os direitos 
para a língua portuguesa ã 
EDITORIAL PRESENÇA, LDA. 
Rua Auguslo Gil, 35-A — LISBOA 
Capítulo I 
A QUE PERGUNTAS DEVE RESPONDER UMA TEORIA 
ECONÓMICA DO FEUDALISMO? 
Diz Engels, no Anti-Duhring, que «quem tentasse redu-
zir a Economia Política da Terra do Fogo às mesmas leis 
que regem hoje a economia da Inglaterra nada conseguiria 
pôr a claro a não ser uns tantos lugares comuns da mais 
vulgar trivialidade» *. 
Pode perguntar-se se esta afirmação não contradiz os 
fundamentos do legado científico de Marx e Engels. Há 
efectivamente na teoria por eles elaborada muitas teses 
que, por um lado, tanto se referem à economia da Terra 
do Fogo como à da Inglaterra dos meados do século XIX, 
e que, por outro lado, não são nem nunca foram lugares 
comuns para os seus criadores ou para o mundo da ciência 
da sua época. Pertence a esta categoria a tese de que as 
relações económicas dependem das forças produtivas e que 
as alterações dessas forças revolucionam aquelas relações, 
a teoria da mutabilidade e da sucessão ordenada das estru-
turas socioeconómicas, a ideia de que essa sucessão é acom-
panhada por uma produtividade crescente do trabalho, e 
muitas outras ainda. Para que a frase de Engels, atrás 
citada, fosse congruente com a essência do legado dos cria-
dores do socialismo científico, teríamos de aceitar que 
todas essas teses de aplicação universal pertenceriam não à 
economia política, mas sim à área correspondente da filo-
sofia (o materialismo histórico). Nesse caso, na economia 
política propriamente dita, caberiam apenas teses válidas 
no máximo para a área de uma única formação socioeconó-
mica. O que implicaria uma concepção partieular dos limites 
da filosofia e uma concepção particular das dependências 
7 
e das relações entre as diferentes disciplinas especializadas 
(neste caso, a economia política) e a filosofia. 
Seja como for que solucionemos,esta dificuldade, é evi-
dente — é mesmo um lugar-comum — que das muitas teses 
que se podem formular sobre a actividade económica huma-
na, não poucas têm graus de aplicação cronológica e geográ-
fica diferentes, e que quanto mais vasto é o campo de aplica-
ção dessas teses, mais restrito é o seu conteúdo. Embora, se-
gundo parece, os criadores da economia clássica não tenham 
relevado esta verdade, os economistas ocidentais dos nossos 
dias conseguiram compreendê-la não só através das suas in-
vestigações sobre a economia dos países socialistas, como 
também na economia contemporânea dos países subdesenvol-
vidos, semifeudais ou dos povos primitivos. A nota específica 
do marxismo no que se refere a esta matéria pode resumir-se 
em duas afirmações: 1) existem relativamente poucas teses 
gerais de aplicação universal, sendo muito mais numerosas 
as teses de aplicação limitada no tempo e no espaço (prin-
cípio que deriva da concepção da mutabilidade absoluta dos 
fenómenos sociais em todas as suas formas, incluindo os 
fenómenos da vida económica) e 2) a limitação no espaço 
e no tempo da maior parte das teses económicas é definida 
pelos limites dos próprios sistemas socioeconómicos (dado 
o carácter integrante destes últimos na vida social). 
Na sua forma extrema, a tese de que as leis económicas 
mudam em simultâneo com a mudança das estruturas socio-
económicas desempenhou, como se sabe, determinada e 
importante função ideológica no período estalinista. Esta 
concepção iria impedir completamente a utilização de leis 
económicas universais (mesmo as de aplicação mais ampla, 
inclusive as marxistas) na análise da sociedade soviética. 
Por isso è que, em nossa opinião, é de grande transcendência 
cientifica e social afirmar que há no marxismo (ao contrário 
do que nos diz a Frase de Engels, atrás citada) toda uma 
série de teses de importância fundamental e nada triviais, 
que são de aplicação universal à actividade económica huma-
na, ainda que convencionalmente as circunscrevamos ao 
campo da economia política ou ao da filosofia. Seria suma-
mente útil para a ciência que se pudesse «codificar» *, em 
certa medida, o alcance dessas teses, seleccionando as que 
resistiram à prova das investigações científicas pós-marxia-
nas e especialmente à prova da experiência histórica pós-
-marxiana; dando-lhes também, para evitar os perigos do 
dogmatismo, a forma de indicações metodológicas, roais do 
que de leis. 
8 
Apesar de tudo o que acabámos de dizer, pareee-nos 
certa, no momento, a tese marxista de que a maior parte 
das leis económicas e justamente as de conteúdo mais rico, 
tem um alcance espacial e temporal limitado, geralmente 
circunscrito a um determinado sistema socioeconómico. 
Neste sentido Marx criou a sua teoria do sistema capitalista, 
enquanto Engels tentou criar uma teoria económica 
do sistema da comunidade primitiva à altura da ciência 
da sua época. No que se refere à formação de uma teoria 
económica do sistema socialista, ela foi impedida por fenó-
menos bem conhecidos que travaram o desenvolvimento do 
pensamento científico marxista, obrigando-o a enveredar 
pela via empírica e pragmática e impondo-lhe o método 
das aproximações sucessivas, que esperavam em vão por 
uma síntese teórica. Só hoje é possível vislumbrar uma vira-
gem neste campo. 
Por outro lado, a teoria do sistema feudal foi a que, 
até agora, menos atraiu a atenção dos investigadores mar-
xistas3. O problema é, no entanto, importante, tanto do 
ponto de visita teórico, como do ponto de vista prático. 
E importante do ponto ae vista teórico, em virtude da uni-
versalidade &ui generis do feudalismo (no sentido mar-
xista do termo). Com efeito, todas as sociedades que ultra-
passaram já a etapa da comunidade primitiva passam por 
uma qualquer forma de feudalismo, enquanto a falta 
de universalidade do regime esclavagista é uma verdade 
comummente admitida pela ciência marxista, depois do triun-
fo alcançado por B. D. Grekov na sua pugna homérica com 
Pokrovski. O capitalismo surgiu de uma maneira «espontâ-
nea», ou seja, sem que se tenha feito sentir a influência 
de algum capitalismo preexistente uma única vez na his-
tória da humanidade. O mesmo se pode dizer do socialismo. 
Conhecemos, porém, no mundo diferentes feudalismos, sur-
gidos em sociedades e épocas diferentes, independentes uns 
dos outros4. 
A teoria do sistema feudal é também importante do 
ponto de vista prático, devido às suas numerosas e fortes 
sobrevivêncías em muitas nações; sobrevivências que pesam 
ainda hoje na economia e no conjunto d"a vida social da 
maioria dos países a que se costuma chamar subdesenvol-
vidos e cujos esforços no sentido de avançar pelo caminho 
do progresso económico transformam, perante os nossos 
olhos, a face do mundo. Daí o interesse despertado pelo 
funcionamento de economias deste tipo tanto entre os inves-
tigadores dos países do Terceiro Mundo fa índia), como 
9 
entre os dos países avançados (E. U- A., Inglaterra, França, 
Alemanha, e tc , e URSS). 
A elaboração de uma teoria económica do sistema feu-
dal tem grande importância para a investigação histórica. 
Por um lado, o historiador do feudalismo — se a reflexão 
metodológica lhe não é totafmente alheia — sente como é 
inadequada a teoria económica do capitalismo ao abordar 
o objecto da sua investigação5; por outro lado, a seu conhe-
cimento dos feudalismos antigos (menos acessíveis embora 
à investigação, devido às muitas lacunas das fontes, mas 
que têjn a vantagem de serem «puros», independentes das 
influências do capitalismo, do imperialismo e do socialismo)permite-lhe dar uma contribuição insubstituível para esta 
tarefa r\ 
Tem-se observado ultimamente, no Ocidente, uma recru-
descência de interesse pela investigação comparada do 
feudalismo. A obra precursora neste aspecto é, sem dúvida, 
«La société féodale» 7 de Marc Bloch, e a «última palavra» 
da ciência nesta matéria é — pelo menos até este momento 
— a obra colectiva dirigida por R. Coulborn8. 
Na União Soviética, o interesse teórico pelo feudalismo 
aumentou muito a partir do momento em que Estaline publi-
cou os seus «Problemas económicos do socialismo na URSS». 
Como é sabido, Estaline formulou nessa obra aquilo a que 
chamou «leis fundamentais» do sistema capitalista e socia-
lista. O que implicava que, entre as muitas leis que é possí-
vel descobrir e que regem o funcionamento da economia de 
cada um dos sistemas, uma e só uma tem «carácter funda-
mental». Não se sabe ao certo o que é que Estaline entendia 
por «carácter fundamental». Tratar^se-ia de um elemento 
de definição do sistema («chamamos capitalismo ou socia-
lismo a um sistema regido por esta ou por aquela lei») ? Ou 
talvez esse «carácter fundamental» assentasse na superio-
ridade desta ou daquela lei relativamente a outras «não 
fundamentais», que derivariam em certa medida dessa lei 
«fundamental» ? 9 Seja como for, os historiadores soviéticos 
(e também os de outros países socialistas) reagiram e puse-
ram-se à procura de uma «lei fundamental do feudalismo». 
A revista «Voprosi Istorii» abriu as suas páginas a uma 
polémica prolixa sobre este tema e, como acontece fre-
quentemente na ciência, apesar do ponto de partida e dos 
objectivos serem falsos, acabaram por aparecer, no decurso 
desse debate, observações e generalizações interessantes e 
acertadas1". O pressuposto em que se baseava a viagem de 
10 
Colombo era falso, mas a América que descobriu era ver-
dadeira ", 
Se quisermos raciocinar sobre a teoria económica feudal, 
teremos de esclarecer primeiro a que perguntas deve res-
ponder uma teoria desta natureza, qual deve ser o seu âmbito 
efectivo, a que perguntas deve responder qualquer teoria 
económica de qualquer sistema; e, finalmente, é preciso 
ver se o carácter específico de cada sistema implica que a 
sua teoria deva responder a certas perguntas também espe-
cificas, inaplicáveis na análise de outros sistemas. 
De tudo o que anteriormente se disse pode depreender -
-se que não é necessário incorporar na teoria económica de 
um determinado sistema teses relativas à teoria geral da 
economia (ou teses do materialismo histórico sobre a acti-
vidade económica humana). Incluímos também nesta cate-
goria a própria definição de sistema (neste caso, o feuda-
lismo) , Dizer, por exemplo, que o feudalismo é um sistema 
assente na grande propriedade rural e em relações de depen-
dência pessoal entre o produtor directo e o proprietário 
latifundista significa dar uma definição de feudalismo, 
mas esta definição pertence à teoria das formações socio-
económicas, ou seja, a um aspecto da ciência geral da acti-
vidade'humana. Além disso, a formulação de proposições 
deste tipo sob a forma de leis científicas («sempre que encon-
tramos o feudalismo, verificamos a existência da grande 
propriedade rural... etc») eonduzir-nos-ia a tautologias 
evidentes. 
Ponhamos portanto de lado todas as afirmações relati-
vas a toda a actividade económica ou a formações antagó-
nicas, numa palavra, todas aquelas teses cuja aplicação 
excederia os limites da época feudal, e procuremos formular 
os problemas essenciais que a teoria económica de qualquer 
sistema, e portanto também a do sistema feudal, deveria, 
em nossa opinião, abordar12. 
A nosso ver, a teoria económica de um determinado 
sistema deveria explicar: 
1) as leis que regem o volume do excedente econó-
mico15 e as modalidades da sua apropriação (por exemplo, 
as leis que regem o emprego de métodos extensivos ou inten-
sivos de produção, as que regem o grau de utilização das 
forças e meios de produção, a teoria do rendimento feudal); 
2) as leis que regem a distribuição das forças e meios 
de produção, e sobretudo a do referido excedente (tncluem-se 
aqui as regras que regem toda a actividade de investimento, 
11 
desde o estabelecimento de colonos até aos investimentos 
feitos na indústria, o problema da utilização produtiva ou 
improdutiva do referido excedente, etc.); 
3) as leis que regem a adaptação da economia às con-
dições sociais em mutação, ou seja, a dinâmica a curto prazo 
(adaptação da produção ao incremento ou à diminuição da 
população, a passagem do estado de guerra ao estado de 
paz, etc.); 
4) as leis da dinâmica a longo prazo, de modo parti-
cular os factores internos de desintegração do sistema em 
questão e da sua transformação noutro sistema. Nenhuma 
teoria estará completa se não contiver este elemento. E 
digno de admiração o facto de Marx ter sabido incluir esta 
problemática na sua teoria do capitalismo, apesar de esta ter 
amadurecido no período da primeira juventude do sistema 
capitalista. 
Forniulando de outra maneira estas mesmas ideias, 
poderíamos dizer que a finalidade da teoria económica de 
qualquer sistema consiste em formular as leis que regem 
o volume do excedente económico e a sua utilização (ponto 1 
e 2), tendo em conta que ambas as questões têm de ser eluci-
dadas na sua dupla dimensão: a curto e a longo prazo 
(pontos 3 e 4). 
Fica ainda por examinar um outro ponto, que consisti-
ria na análise do funcionamento dos fenómenos de mercado 
(interno e internacional) e do seu papel no conjunto da 
vida económica da época feudal. Este problema deveria ser 
abordado com outro critério. Os aspectos nele abrangidos 
estão mais ou menos relacionados (o que depende princi-
palmente da fase do sistema feudal que analisarmos) com 
as questões incluídas nos nossos quatro pontos. A conve-
niência de separar esta problemática deve-se ao facto 
de ela dar origem a muitos mal-entendidos na investi-
gação: muitas vezes não se percebe que os fenómenos de 
mercado na economia pré-capitalista se regem por leis por 
vezes completamente distintas, e sobretudo que é totalmente 
diferente a sua influência sobre o outro sector da economia, 
ou seja, o sector não mercantil, e portanto também sobre a 
totalidade da vida económica. 
Ficam então por determinar: 
o) o funcionamento dos fenómenos do mercado num 
meio não mercantil e não capitalista; 
_b) o mecanismo da influência do sector mercantil sobre 
o não mercantil e vice-versa; 
12 
c) a periodização destes fenómenos de acordo com a 
fase de desenvolvimento do sistema feudal, e especialmente 
em relação com os factores da sua desintegração, presentes 
nos mesmos fenómenos. 
Decidimos no entanto não abordar este tema, já que de 
outro modo o estudo de qualquer dos quatro grupos de pro-
blemas atrás mencionados se tornaria irrealizável. Este pro-
blema poderia também ser posto de outra maneira. O sis-
tema feudal é um sistema em que predominam pequenas 
unidades de produção e uma economia natural. Pois bem, 
imaginemos um caso extremo: uma pequena exploração 
camponesa com uma economia totalmente natural que 
realizasse, quando muito, a reprodução simples e sem outros 
encargos além das prestações pessoais de trabalho ias cor-
veias"). As possibilidades de análise teórica do fenómeno (en-
tre outras razões por falta de fontes) seriam sumamente 
limitadas. O facto é que na prática, à escala social, um caso 
desses raramente se verifica. Só fenómenos como os esforços 
para aumentar o rendimento social, a luta pela sua distribui-
ção, os processos de adaptação a curto e a longo prazo, possi-
bilitam a análise teórica. E todos eles se processam não sem 
relação com os fenómenos de mercado. 
Os objectivos que acabamos de enumerar, que a nosso 
ver são aqueles que toda a teoria de qualquer sistema social 
se deveriapropor, indicam claramente que antes de mais nada 
nos interessam os problemas da produção, o seu volume e 
utilização, a produção para Q consumo imediato e para o 
consumo futuro (os investimentos) e as alterações que, a 
curto e a longo prazo, afectam estes fenómenos. A dificul-
dade está em que a produção que se efectua numa explora-
ção fechada e isolada do mundo dificilmente pode ser investi-
gada. De uma maneira geral, só o contacto entre os sujeitos 
económicos, as relações inter-humanas, que são essencial-
mente relações de troca, possibilitam a análise científica, 
porque só elas criam fontes históricas e, o que é mais impor-
tante, porque só elas permitem comparar os efeitos da acti-
vidade e do comportamento económico dos diferentes grupos 
sociais. Ê por isso que a análise dos fenómenos do mercado 
ocupará um lugar importante no nosso trabalho, mas o seu 
propósito será sempre penetrar nessa zona oculta da vida 
económica de que a fontes quase não falam, mas que é a 
mais importante e decisiva: a produção. 
13 
I 
I 
Capítulo II 
A CONSTRUÇÃO DO MODELO 
A elaboração de uma teoria requer a construção prévia 
de um modelo'. Esta questão gera muitos mal-entendidos 
nas ciências humanas em geral, e na história económica em 
particular. 
A grande maioria dos historiadores não sente qualquer 
necessidade de construir um modelo, e quando um deles o 
constrói, os colegas indignam-se. O mito da história como 
ciência do concreto, como ciência do acontecimento único, 
o mito da história descritiva e narrativa, a que só interessa 
o individual, tem conduzido ao alheamento e até à hosti-
lidade para com a construção de modelos. Não vale a pena 
citar exemplos. Até na-s investigações sobre a história dos 
preços houve autores que consideravam como uma fonte 
histórica utilizável a notícia de que em tal dia fulano tinha 
comprado uma quantidade X de arrobas de centeio a este ou 
àquele preço, enquanto o registo oficial dos preços dos 
cereais (H. Hauser) ou não era considerado como tal, ou 
pelo menos não interessava ao historiador. A concepção ideo-
gráfica da história não implica apenas um método de inter-
pretação dos dados; é uma atitude que determina todos os 
elementos e etapas do trabalho do historiador, a começar 
pela crítica das fontes e pela selecção dos factos. A ciência 
marxista, que em princípio é contrária à história ideográfica, 
na prática identificou-se mais de uma vez com essa atitude 
na investigação de épocas passadas. Concebida dogmatica-
mente, a tese correcta de que «a verdade deve ser concreta» 
impediu muitas vezes a procura de novas leis. 
Por outro lado, encontramos também na história da 
ciência uma atitude que peca por um extremismo de sentido 
15 
contrário. No Congresso de Heidelberga de 1903, Sombart, 
irritado com as críticas mesquinhas à primeira parte (que 
tratava da Idade Média) do seu Der moãerne Kwpitalis-
tnus, exclamou: «Para tornar compreensível a vida econó-
mica contemporânea, criei uma construção chamada «Idade 
Média». 32-me absolutamente indiferente a maneira como as 
coisas se apresentavam realmente nessa época. Querer inva-
lidar as minhas teorias com objecções extraídas de traba-
lhos históricos é absurdo» 2. Não tomemos estas palavras à 
letra, como expressão da atitude metodológica de Sombart, 
mas antes como uma exclamação lançada no fervor da dis-
cussão; constituem, no entanto, uma expressão da atitude 
que referimos. 
Para que a teoria a construir possa ser mais do que um 
jogo intelectual, o sistema de premissas deve corresponder 
a relações realmente existentes nas sociedades que são o 
objecto do nosso interesse. A teoria construída só será 
válida por referência a sociedades (conhecidas ou a deseo-
fcrír no futuro') nas quais apareçam efectivamente os ele-
mentos que introduzimos no nosso modelo. Quanto maior for 
a quantidade de elementos incorporados no modelo, tanlo 
mais rica poderá ser a teoria construída, mas tanto menor 
será também o número de sociedades por ela abrangidas. 
Para os objectivos que pretendemos atingir, devemos 
considerar aqui as possibilidades de construção de modelos 
deste tipo a partir da observação de sociedades nré-capita-
Ustas do passado, e da investigação das sociedades pré-
-industriais atrasadas de hoje, cuja economia apresenta 
um baixo grau de comercialização. 
Nas investigações sobre os países atrasados de hoje, 
o modelo mais generalizado e de maior utilidade (se bem 
que não esteja formalizado) é o de Lewiss. Este modelo 
assenta na delimitação de dois sectores: capitalist e 
de subsistance, segundo a terminologia do autor, que 
correspondem aos conceitos correntes de «sector comer-
cializado» e «sector natural» 4. No modelo de Lewis, todos 
os factores do sector comercializado são mais elevados: o 
capital, o rendimento per capita, a taxa de poupança e a taxa 
de crescimento. O sector «natural» é totalmente estático. 
Há uma série de instituições que têm por função manter 
este estado de desequilíbrio económico entre os dois secto-
res. No sector comercializado, nor exemplo, há instrumentos 
institucionalizados que mantêm os salários a um nível 
superior ao que resulta da oferta de mão-de-obra. O único 
contacto entre os dois sectores é praticamente a oferta 
16 
de trabalho do sector «natural» ao capitalista, oferta excep-
cionalmente elástica: pode recorrer-se, em qualquer momento, 
a massas suplementares de operários, que se podem des-
pedir, quando necessário, com a mesma facilidade, mandan-
do-os de volta para o sector «natural». Todo o processo de 
crescimento deste modelo dá-se no sector comercializado, e 
o sector «natural» vai-se reduzindo simultaneamente até ser 
absorvido por aquele. 
A utilidade do modelo de Lewis para a investigação dos 
países atrasados dos nossos dias é notável, mas em certos 
aspectos limitada. O aspecto que desperta maiores objecções 
é a nítida disjunção entre os dois sectores e a sua extrema 
contraposição5. 
Em primeiro lugar, a divisão em sectores do modelo 
de Lewis coincide com a divisão por tipo de empresa, 
sendo pois incluída no sector comercializado toda a indústria 
e a grande propriedade rural. Se adoptarmos como critério 
de classificação a importância que têm na gestão da empresa 
os seus vínculos com o mercado, a classificação de Lewis 
será correcta. E„ no entanto, evidente que uma empresa 
industrial, e com mais razão ainda uma grande propriedade 
rural, actuam e calculam de maneiras diferentes no meio 
típico de um país atrasado. A divisão em dois sectores, a que 
Lewis atribui muito justamente uma importância primordial, 
não corresponde a uma divisão das empresas, uma vez que, 
na maioria dos casos, a linha divisória passa peio meio de 
cada uma delas. E tanto assim que muitas vezes podemos pôr 
razoavelmente em dúvida se uma grande propriedade rural 
pertence ao sector capitalista ou não. O carácter específico 
do cálculo económico da empresa numa realidade «bissecto-
rial» é aqui o problema mais importante e, sem o 
compreendermos a fundo, não podemos apresentar uma 
explicação dos obstáculos fundamentais que travam o cres-
cimento económico autónomo da maioria dos países subde-
senvolvidos fe particularmente daqueles que incluímos no 
grupo dos países pós-feudais). 
Lewis tem evidentemente razão quando insiste nas possi-
bilidades ilimitadas da oferta de mão-de-obra. Formula no 
entanto este postulado de um modo demasiado abstracto. 
O excesso notório de população do agro que produz essa 
oferta de mão-de-obra, teoricamente ilimitada, é geralmente 
acompanhado por manifestações de extrema imobilidade 
da referida oferta. Para que essa oferta de mão-de-obra, 
teoricamente ilimitada, seja efectiva, é necessário que a 
sociedade camponesa tradicional se encontre num estádio 
17 
relativamente avançado de desintegração. Existiam efecti-
vamentepossibilidades ilimitadas de oferta de mão-de-obra, 
por exemplo, na Polónia, antes da última guerra, mas não 
as há, pelo contrário, no México de hoje °. Além disso, nem 
sempre é certo que essa oferta de mão-de-obra coincida 
com factores institucionais que mantenham oa salários do 
sector comercializado acima do nível determinado, pela oferta. 
Onde essa oferta ilimitada existe efectivamente e não apenas 
em teoria, como, por exemplo, na Polónia de antes da guerra, 
os salários tendem a baixar, embora se mantenham sempre 
acima dos rendimentos médios da pequena exploração agrí-
cola. Por outro lado, os salários mantêm-se a alto nível 
nos países onde factores institucionais e económicos obstam 
à transformação da oferta potencial em oferta efectiva. 
De resto, quando se constrói um modelo, é difícil abstrair 
de um fenómeno tão significativo e tão difundido na econo-
mia dos países subdesenvolvidos como é a enorme ampli-
tude do espectro salarial, que chega ao ponto de se poder 
falar de dois mercados de trabalho. Esta afirmação refere-se 
sobretudo ao trabalho qualificado (geralmente muito caro 
nesses países) e ao trabalho não qualificado (geralmente 
muito barato). Em muitos países, essa divisão é reforçada 
por diferenças étnicas e privilégios institucionais concedidos 
a trabalhadores imigrantes «brancos» em relação aos «indí-
genas». E possível observar certos aspectos desse fenómeno 
na Polónia do século XIX e dos começos do século XX, por 
exemplo, na região de Lodz ou na Alta Silésia, nas condi-
ções respectivas do trabalhador alemão e polaco. Nalguns 
países subdesenvolvidos dos nossos tempos é essa uma das 
manifestações de «economia dualista» T. 
Finalmente, levanta também objecções o postulado de 
que o sector «natural» é totalmente estável8. Se assim 
fosse, a perspectiva do desenvolvimento económico desses 
países seria mais triste do que o é na realidade,, JJáo é" certo 
que a pequena exploração agrícola nunca tenha possi-
bilidades de reprodução alargada, de investimento e dfi. 
aumento da produtividade do trabalho. Na Birmânia, o State 
Agricultural Marketing Bòcurâ, ao garantir aos agricultores 
a venda de qualquer quantidade de arroz a preço fixo (infe-
rior, embora, ao preço mundial), deu origem a um aumento 
da produção da ordem dos 10% no decurso de 4 anos9 . É 
sabido que toda a reforma agrária liberta grandes, possi-
bilidades de crescimento. E também não se pode introduzir 
no modelo o fluxo da mão-de-obra do sector «natural» para 
o comercializado, negando ao mesmo tempo a possibilidade 
18 
de desenvolvimento das pequenas explorações agrícolas; 
justamente quando estas se libertam do lastro dos «braços 
supérfluos», elevam o grau de comercialização e acumulação, 
começam a ter possibilidades de investir e, por conseguinte, 
de aumentar a produtividade do trabalho e da terra; passam 
a constituir um mercado de venda para a indústria, ou seja, 
para o sector comercializado, etc. 
Por último, Lewis considera como um fenómeno positivo 
toda a transferência do sector «natural» para o comerciali-
zado, uma vez que a produtividade marginal do trabalho 
no primeiro — devido ao excesso de população — é igual a 
zero. Dado que esta premissa é impugnável no caso de 
alguns países subdesenvolvidos, também a conclusão nem 
sempre será válida. 
Não se pode afastar «a limine» a existência de factores 
de crescimento no sector minifundista de um país subde-
senvolvido. Esses factores são muitas vezes insignificantes 
e actuam lentamente, é geralmente muito difícil fazer um 
registo estatístico dos mesmos mas, quando actuam em 
escala maciça, desempenham frequentemente um papel 
importante na vida económica do país. 
A história económica, e especialmente a história econó-
mica marxista, compreendeu há muito o papel da capitaliza-
ção, da comercialização e da intensificação da agricultura 
no período de emergência da sociedade industrial. Sabe-
mos alguma coisa quanto a este ponto tanto a respeito da 
Inglaterra, como da Europa Central ou da Rússia. O histo-
riador da economia dá-se perfeitamente conta das dificul-
dades ingentes que o estudo dessa problemática encerra. 
IS por isso que a colaboração entre o investigador da econo-
mia dos países subdesenvolvidos e o historiador da economia 
pode ser mutuamente proveitosa. 
Retenhamos então, do modelo de Lewis, sobretudo a 
divisão em dois sectores, coneebendo-a de uma forma um 
pouco diferente. A nosso ver, essa divisão é o ponto de 
partida da análise económica de qualquer sociedade pré-
-industrial. Retenhamos também da crítica que fizemos a 
Lewis a distinção entre os países em que a desintegração 
da sociedade rural tradicional está avançada, em que a 
oferta efectiva de mão-de-obra é praticamente ilimitada e 
o seu preço é baixo, e os países em que, apesar de haver 
um excesso de população na agricultura, se observa uma 
mobilidade muito fraca da mão-de-obra e os salários são 
muito mais elevados. 
19 
Podemos citar como exemplo da construção de um 
modelo deste tipo, feito, neste caso, por um historiador e com 
finalidades de investigação histórica, a tentativa de F. 
Mauro ,0. O autor constrói o modelo para elaborar uma teoria 
do funcionamento da economia da Europa Ocidental, e parti-
cularmente da Franqa, nos séculos XVI-XVTIT, que, segundo 
ele, constituem o período do capitalismo mercantil, ou seja, 
o período no qual a direcção e os lucros da produção estão 
nas mãos dos comerciantes e no qual — embora, como ê 
natural, nem toda a vida económica se reduza a isso — 
o capital mercantil é o «sector motriz» em torno do qual 
gravita a totalidade da vida económica do país. 
Os trabalhos de Labrousse e dos seus sucessores são, pa-
ra Mauro, a base sobre a qual constrói uma teoria da dinâmica 
económica do capitalismo mercantil à escala macroeconómica. 
Deve-se-lhe seguir uma outra fase, de investigação micro-
económica; estudos sobre a contabilidade das empresas, a 
relação preços-custos, o cálculo dos investimentos, a distri-
buição dos rendimentos, etc. 
Dada a sua aversão às generalizações teóricas, tão difun-
dida entre os historiadores, Mauro julga necessário demons-
trar a justeza dos seus postulados, afirmando que o estabe-
lecimento de correlações eonstantes permitirá ao historiador 
compreender os casos em que não há documentação histó-
rica, ligar os elementos conhecidos num todo coerente e, 
principalmente, estabelecer comparações com as leis que 
actuam no período seguinte (a que dá o nome de capitalismo 
industrial) e compreendê-las, portanto, melhor, uma vez 
que «para compreender a economia do presente é preciso 
compreender a economia do passado. 
Mauro divide as leis económicas em: 
1) leis universalmente válidas, que se aproximam mui-
to das leis da lógica; 
2) leis que se manifestam universalmente num dado 
sistema socioeconómico, v. gr. o mecanismo do lucro como 
elemento inerente ao sistema capitalista; , 
3) mecanismos próprios daquilo a que chamamos uma 
estrutura definida, como por exemplo o «capitalismo mer-
cantil» no sentido atrás referido, ou seja, um sistema de 
relações que se manifesta em mais de um país, mas dentro 
de limites temporais e espaciais muito mais restritos do que 
os dos grandes sistemas socioeconómicos " . 
29 
Segundo Mauro, o método de análise adequado inclui 
três etapas: 1) macroanálíse estática; 2) microanálise; 
3) macroanálíse dinâmica 12. Daqui poderia deduzir-se que 
o elemento impulsionador da economia social reside, segundo 
ele, na actividade de entidades economicamente operantes 
(«empresas»). Mas não é assim, porque no seu esquema a 
microanálise sucede à macroanálíse estática, de maneira 
que é esta última que deve proporcionar o «sistema social 
de referência» apto a explicar a actividade das empresas. 
Mauro constrói o modelo propriamente dito a partir 
dos seguintes elementos:1} predomínio quantitativo da 
agricultura na economia do pais; 2) tendência ,para o 
esgotamento dessa agricultura; 3) elevado grau de comercia-
lização, que proporciona aos comerciantes enormes possibi-
lidades de acção; 4) influência da actividade comercial sobre 
a variação incessante dos factores do cálculo económico das 
empresas agrícolas e industriais, que dependem grande-
mente da comercialização, devido ao significado desta; 5) 
penetração gradual do capital mercantil na produção. Para 
os nossos objectivos, este modelo pode servir apenas como 
«modelo de contraste». 
Dada a falfa, de experiência neste sentido na 
ciência actual, resolvemos encarar a nossa tarefa de 
uma forma relativamente limitada, construindo um esque-
ma de funcionamento da economia a partir do exemplo con-
creto das relações económicas que prevaleciam na Polónia 
nos séculos XVI-XVIII, ou seja- na época em que predo-
minava o sistema do domínio sennorial assente na servi-
dão. Este esquema será aplicável, ao menos parcialmente, 
na análise de outraa entidades históricas? Não está provado 
que o não seja (por exemplo, para o caso da Hungria ou 
da Rússia), mas deixemos esta questão para uma investi-
gação ulterior. 
Do conjunto das relações que prevaleciam na Polónia 
dessa época, incorporaremos no modelo, sob uma forma sim-
plificada, os seguintes elementos: 1) o predomínio avassa-
lador da agricultura na economia; 2) o facto de a terra 
não ser uma mercadoria, principalmente devido ao mono-
pólio da propriedade rústica exercido pela nobreza, mas 
também porque a taxa de juro dos empréstimos em nume-
rário supera a rentabilidade da exploração agrícola; 3) 
distribuição da totalidade das forcas produtivas na agricul-
tura entre a aldeia e a reserva senhorial; 4) barreiras ins-
titucionais eficientes contra a mobilidade social e geográ-
fica, especialmente dos camponeses (servidão da gleba); 
21 
5) a maior parte das prestações do campesinato assume 
a forma de trabalho; 6) produção artesanal e industrial 
integrada quer na grande propriedade rural, quer em orga-
nizações gremiais; 7) ausência de restrições jurídicas que 
limitem a opção económica da nobreza; 8) forte propensão 
da nobreza para o consumo de luxo, determinada por factores 
inerentes ao regime social; 9) existência de países econo-
micamente mais desenvolvidos num raio acessível à comuni-
cação; 10) ausência de intervenção do Estado na vida econó-
mica (nem sequer por intermédio de taxas proteccionistas 
ou medidas semelhantes). 
A selecção e conveniência destes postulados, e sobre-
tudo a sua formulação categórica, poderiam discutir-se inter-
minavelmente. Ê certo que houve na Polónia aldeias perten-
centes à burguesia, mas não só eram muito pouco numerosas, 
como ainda não é certo que o proprietário burguês as admi-
nistrasse de forma diferente do nobre. Por outro lado sabe-
mos com toda a certeza que os elementos de cálculo que 
tanto o burguês como o nobre tinham de ter em conta eram 
os mesmos (flutuação das colheitas, nível e flutuação dos 
preços, custos de transporte, e t c ) . E certo que havia na 
Polónia uma classe, a que se chamava a pequena nobreza, 
que não possuía servos, mas esse fenómeno, sendo embora 
numericamente significativo, só aparecia em regiões bem 
delimitadas e duvido que a sua introdução no modelo pudesse 
alterar alguma coisa, fi certo que houve na Polónia campo-
neses isentos de prestações, mas ninguém poderá afirmar 
que foi um fenómeno típico. Também é certo que havia nas 
cidades artesãos não integrados nas corporações, mas é natu-
ral (se bem que a história da actividade artesanal na Polónia 
esteja pouco desenvolvida) que eles estivessem, por um lado, 
frequentemente sujeitos a uma dependência pessoal, e que, 
por outro, tal como o owíswíer face ao trus% não atentassem, 
até no seu próprio interesse, contra o monopólio das corpora-
ções, aproveitando-se dele para venderem os seus produtos a 
um preço inferior — se bem que não muito inferior — ao 
estabelecido por aquelas. Poderiam multiplicar-se as objec-
ções, mas deixemos ao críticos o ónus -proba-ndi. 
Estes postulados poderiam também ser discutidos do 
ponto de vista da sua limitação geográfica e cronológica. 
Não se aplicam com toda a certeza aos territórios periféri-
cos (Pomerânia, Ucrânia) nem a períodos extremos (pri-
meira metade do século XVI e, possivelmente, segunda me-
tade do XVTEI). O medo da crítica poderia induzir-nos a redu-
22 
zir os limites no tempo e no espaço. Mas onde situá-los 
então? Será talvez preferível não o fazermos, e declararmos 
simplesmente que nos propomos abordar os aspectos domi-
nantes da história económica da Polónia na Idade Moderna. 
A lista de elementos do nosso modelo poderia ser tam-
bém muito mais extensa. Mas nessa altura seria necessário 
investigar se a incorporação dos elementos omitidos altera-
ria os resultados da nossa análise, apontando para um fun-
cionamento diferente do modelo. E ao pormos o problema 
dessa maneira, estou certo de que verificaríamos que os ele-
mentos enumerados eram suficientes. 
Como se processa, neste quadro, a vida económica e 
quais as suas regularidades? Ê o que nos propomos mos-
trar no nosso trabalho. E se o nosso raciocínio tiver de assen-
tar, em mais de um caso, em bases empíricas relativamente 
fracas, isso deve-se ao facto de que o abundante material 
científico relativo à história económica da Polónia nos sécu-
los XVI-XVHI não foi compilado do ponto de vista dos 
numerosos problemas que nos interessam. No caso de inves-
tigações ulteriores invalidarem alguma das nossas hipóteses, 
será para nós motivo de satisfação o termos contribuído para 
esclarecer «como ê que as coisas se passaram na realidade». 
«O gosto do manjar conhece-se ao comer». O mesmo 
acontece na construção de um modelo. Permitam-me pois 
que cozinhe o manjar... e o leitor que aprecie o sabor, e 
que diga se a minha tentativa foi ou não fecunda. 
23 
Capítulo IN 
DINÂMICA DE CURTO PRAZO 
O cálculo económico da empresa feudal 
Afirmações como: «Cada época tem as suas próprias leis 
económicas» ou «Para investigar uma realidade diferente 
são necessários instrumentos de investigação também dife-
rentes» são frequentemente repetidas, sem que se faça uma 
reflexão crítica sobre o seu conteúdo exacto. Estas afirma-
ções são no entanto correctas, e o facto de nem sempre 
se lhes dar a devida atenção tem originado muitos erros. 
Surgem grandes dificuldades, de que às vezes não nos 
damos conta, sobretudo na análise do funcionamento econó-
mico da empresa feudal1. A análise da empresa devia, em 
princípio, proporcionar-nos respostas para as seguintes duas 
perguntas: 
1) Quais são os resultados objectivos da actividade 
da empresa, ou seja, os produtos por ela elaborados repre-
sentam um valop-maior do que a soma dos bens utilizados na 
sua produção? 
2) Quais os motivos e a orientação da actividade do 
sujeito económico observado (e portanto, muito provavel-
mente, também da dos sujeitos análogos) ? Neste sentido, 
a análise de empresa é um método que pode e deve ser 
aplicado a qualquer sistema económico a investigar. Por 
outro lado, não se pode — como o veremos mais adiante — 
aplicar, na análise da empresa feudal, métodos elaborados 
para a análise da empresa capitalista. 
25 
Os métodos de análise da empresa capitalista foram 
frequentemente utilizados na análise de empresas não capi~ 
talistas, tanto na Polónia como noutros países, e tanto em 
relação a material histórico como a países contemporâneos 
economicamente atrasados. O resultado, porém, foi sempre 
uma reãuatio aã ábsurdvm. 
Para explicarmos este ponto, passamos a apresentar os 
dados do balanço económico de uma propriedade senhorial 
média do sul da Polónia, que compreendia três unidades de 
exploração, nos anos de 1786-1798 (em zlotys: 1 zloty 
=30 grosz) \ 
Receitas em dinheiro 13 826,20 7 388,27 6 580,03 
Despesas em dinheiro 3988,14 3 354,22 4373,06 
Lucro em dinheiro 9 838,06 4034,05 2606,27 
Prestações pessoais (corveias) ,.. 12 703,10 7 223,18 4180,24 
Outras prestações dos camponeses 3 533,04 1290,24 330,15 
Soma das prestações dos campo-
neses 16236,14 8514,12 4511,09 
Valor da propriedade -. 160000,— 61000,— 
Lucro em dinheiro em % do valor 6,2% 4,3% 
Taxa de monetarização • 24 % 32% 51 % 
1 zloty gasto anualmente produz 
um lucro anual de 2,5 zl. 1,2 z.I 0,6 zl. 
Gastos do senhor em dinheiro ... 3 988,14 3 354,22 4 373,06 
Contribuição das prestações pes-
soais 12703,10 7223,18 4180.24 
Soma dos custos de produção 
(mínimo) 16691,24 10578,10 8 554 — 
Receitas do senhor em dinheiro 13 826,20 7 388,27 6980,03 
Perdas 2065,04 3189,13 1573,27 
Como vemos, esta empresa é rentável, e em alto grau, 
seja qual for o ponto de vista que presida à elaboração do 
cálculo. 
As duas reservas senhoriais, cujo preço de compra 
conhecemos, rendem anualmente mais de 5%, e se acrescen-
tarmos a esse rendimento as prestações dos camponeses em 
espécie e em dinheiro, mais de 7%. Cada zloty gasto no 
decurso do ano rende quase 1,5 zloty, ou seja' 50% dos 
gastos correntes em dinheiro. O capital circulante é relati-
vamente reduzido (11.716 zlotys 12 grosz por ano, enquanto 
duas das três propriedades custaram 221.000 zlotys!) 
* Relagao percentual entre os gastos em dinheiro e a soma dos 
gastos em dinheiro+valor das prestações pessoais. 
26 
mas produz anualmente um lucro líquido de 16.479 zl. 8 gr. 
Acrescente-se ainda que os gastos em dinheiro no consumo 
pessoal da família do proprietário são reduzidíssimos, uma 
vez que ascendem apenas a 1.948 zl. 2 gr. por ano3. 
A situação apresenta-se, porém, de uma maneira com-
pletamente diferente quando a considerarmos do ponto de 
vista do camponês. Os encargos anuais do camponês equi-
valem a quase o dobro do lucro anual líquido do senhor. Os 
camponeses perdem portanto muito mais do que aquilo 
que o senhor ganha! O que acontece então ao resto? 
Calculando o custo social de produção daquelas três 
propriedades segundo regras capitalistas, teríamos de incluir 
pelo menos os gastos do senhor destinados à produção e o 
valor do trabalho com que os camponeses contribuem. O 
total ascende a 35.824 zl. 4 gr., enquanto as receitas 
totais em dinheiro só representam 28.195 zl. e 20 gr. E certo 
que a propriedade dava também um lucro não monetário, 
sobretudo na forma de consumo próprio do senhor e da 
família, mas, por outro lado, não incluímos nos custos diver-
sos investimentos não monetários realizados tanto pelo 
senhor como — sobretudo — pelos camponeses. 
Do ponto de vista do senhor, a propriedade é muito 
rentável, já que deixa mais de 16.479 zl. 8 gr. de lucro líquido 
(dizemos «mais de», porque não podemos determinar a ordem 
de grandeza dos lucros monetários). Mas se incluirmos o 
custo do trabalho dos camponeses utilizado na produção, o 
balanço acusará uma perda anual de 7.618 zl. 14 gr., que na 
realidade é ainda maior, mas não estamos em condições de de-
terminar o valor dos investimentos não monetários (por exem-
plo, a conservação dos utensílios de trabalho e do gado nas 
explorações camponesas). E finalmente, se incluirmos o valor 
das outras prestações dos camponeses (além do trabalho), 
a perda anual atingirá os 12.782 zl. 27 gr. 
Apesar disso esta «empresa» funciona durante anos e não 
abre falência, nem coisa que se pareça. O seu proprietário 
leva uma vida luxuosa e não limita os seus gastos monetários. 
Tem a arca cheia de dinheiro (nela entram anualmente 
16.478 zl. 8 gr. de lucro líquido em dinheiro, enquanto os 
seus gastos em dinheiro para fins de consumo atingem apenas 
os 1.948 zl. 2 gr.). Nada indica também que a propriedade se 
vá desvalorizando *. Pode naturalmente admitir-se que se 
Verifica uma pauperização das explorações camponesas — 
as fontes nada nos dizem sobre isto —, mas são certamente 
mais frequentes os casos em que ela se não verifica. O senhor 
pode vender a sua propriedade em qualquer momento, e o 
27 
preço que receberá por ela dependerá unicamente do jogo da 
oferta e da procura de propriedades rurais nesse momento. 
Ao procurarmos índices adequados ao carácter especí-
fico da empresa analisada, aplicámos, como se pode ver, 
alguns coeficientes «inusitados»: 
1) Calculámos a relação entre os gastos monetários 
com fins produtivos e o lucro monetário líquido, ou seja, 
calculámos o lucro anual líquido produzido por um zloty 
gasto com fins produtivos; 
2) Calculámos aquilo a que chamámos «taxa de mone-
tarização da produção», ou seja, o índice que nos mostra a im-
portância dos gastos produtivos em dinheiro dentro do 
conjunto dos gastos produtivos, e, como nos era impossível 
calculá-lo com uma exactidão absoluta, considerámos como 
aproximação verosímil a relação entre os gastos monetários 
e a soma destes mais o valor das prestações pessoais. 
O primeiro destes índices é relativamente verídico, uma 
vez que a contabilidade dos nobres — despreocupada em 
matéria de investimentos não monetários — regista escrupu-
losamente as receitas e despesas monetárias. O segundo 
destes índices é com toda a certeza exagerado, uma vez que 
conhecemos com bastante exactidão os gastos monetários, 
enquanto os gastos produtivos globais eram certamente 
maiores do que a soma dos gastos em dinheiro e do valor 
do trabalho prestado pelos camponeses. Dado que havia, 
porém, em todas as propriedades gastos não monetários 
para além do trabalho, este coeficiente mantém o seu valor 
informativo. 
Convém insistir no facto de que os dados apresentados 
sugerem que existe uma relação inversa não só entre o grau 
de monetarização do processo de produção e a rentabilidade 
monetária (o que não é de estranhar, uma vez que tal se 
depreende do próprio pressuposto), como também entre o 
grau de monetarização e a rentabilidade em geral. O coefi-
ciente de monetarização da produção é de 51% em Moczerady, 
mas apenas de 24% em Izdebki, porém um zloty investido 
na produção rende em Izdebki 2,5 zl. de lucro líquido, 
enquanto em Moczerady rende apenas 0,6 zl., e o rendi-
mento produzido pelo capital investido na compra da 
propriedade equivale a 6,2% em Izdebki, enquanto em 
Moczerady é só de 4,3%. Esta importante questão exige, 
evidentemente, uma verificação assente em material mais 
amplo \ 
28 
Voltemos porém ao problema da rentabilidade da em-
prega. No exemplo citado, a empresa mostrou-se altamente 
rentável quando considerámos apenas o aspecto monetário, 
e claramente deficitária quando incluímos no cálculo uma 
avaliação dos custos não monetários. Pode considerar-se este 
um resultado típico*. Ao analisarmos uma empresa feudal, 
obtemos quase sempre resultados semelhantes. 
Este problema, que aparentemente tem a ver com a 
técnica de investigação, é, na realidade, muito mais vasto 
e toca em questões teóricas fundamentais. Por um lado diz 
respeito a todo o tipo de empresas cuja actividade não 
assenta no trabalho assalariado7. Por outro lado, toca 
numa questão de carácter essencial: o cálculo económico e a 
racionalidade das decisões económicas em sistemas que não 
assentem no livre jogo dos fenómenos de mercado. 
Teremos ocasião de, mais adiante, voltar a todas essas 
questões. 
A dificuldade referida não respeita porém apenas ao 
aspecto do trabalho obrigatório; pode aplicar-se a todos os 
elementos da produção não adquiridos no mercado. 
Tomemos o exemplo da madeira. Em 1785 um tal Tor-
zewski publicou, em Berdyczow, um manual polaco de fabri-
co de vidro8. Esse manual, redigido sob a forma de diálogo, 
começa com uma cena em que o Alcaide (símbolo do pro-
prietário fundiário abastado) elogia, perante o senhor Wia-
domski (porta-voz do autor), o modo de administração queintroduziu nas suas propriedades. Menciona como a maior 
vantagem do sistema aplicado, a auto-suficiência das suas 
propriedades (não precisa de comprar quase nada). Dirige-se 
a Wiadomski pedindo-lhe conselho numa única questão: 
como aproveitar os muitos bosques que possui, onde as 
árvores crescem sem qualquer proveito e a madeira se des-
perdiça? Wiadomski apresenta-Ihe então o projecto de cons-
trução de uma fábrica de vidros em cujos fornos poderia apro-
veitar a madeira como combustível. E interessante o facto 
de Wiadomski justificar o seu projecto com o argumento de 
que existe um mercado local para artigos de vidros; por outro 
lado, a maneira como o Alcaide formula o problema indica 
que, nesse período, não havia, nessa região, possibilidade 
de vender madeira em bruto. Para o Alcaide, essa madeira 
é de momento inútil e, portanto, desprovida de valor. Aceita 
com grande alegria o projecto de a queimar numa fábrica de 
vidros. 
Que lição podemos tirar deste breve diálogo, certamente 
realista? A situação descrita nesta cena indica que a decisão 
29 
económica de utilizar a madeira como combustível numa 
fábrica não é uma opção económica, uma vez que o Alcaide 
não tem, ou, pelo menos, não vislumbra nenhuma outra 
possibilidade. A maneira de formular esta tese é evidente-
mente um tanto ou quanto paradoxal. A construção da 
fábrica de vidros pelo Alcaide é, ao fim e ao cabo, uma opção 
económica. O que este diálogo inegavelmente demonstra, 
é que se pretendêssemos fazer o balanço da fábrica de vidros 
atribuindo à madeira nela queimada o preço que o Alcaide 
ou o seu vizinho teriam de pagar para a comprar, obtería-
mos resultados exorbitantes. O proprietário de um bosque 
situado nas margens de um rio navegável, antes de construir, 
por exemplo, uma fábrica de vidros, tem de calcular se ganha 
mais transportando a madeira a flutuar até ao porto ou 
vendendo o vidro obtido mediante a combustão dessa mesma 
madeira (tendo em conta a diferença de outros custos rela-
cionados com ambas as operações). Mas o Alcaide do manual 
de Torzewski não raciocinava nestes termos. Que instru-
mentos de cálculo devemos pois aplicar às suas decisões 
económicas? 
A plena possibilidade de escolha só existe num mer-
cado «perfeito». Mas o mercado «perfeito» é uma abstrac-
ção teórica da qual se afasta em diferentes pontos, inclusive 
a própria realidade capitalista liberal. Aplicar essa abstrac-
ção ao estudo da economia feudal é um anacronismo crasso. 
Mas numa economia pré-capitalista as pessoas também 
fazem cálculos, ainda que à sua maneira. Sombart não tinha 
razão ao considerar a contabilidade como uma invenção 
«do espírito capitalista». Talvez que em épocas pré-capita-
listaa se tenham mais frequentemente em conta motivos 
extraeconõmicos, mas não é certo também que esses motivos 
sejam de todo dispiciendos no capitalismo. Como investi-
gar, então, o cálculo económico pré-capitalista e as leis da 
actividade económica que lhe são próprias? 
Com base no estado actual da ciência, podemos formular 
a suposição de que, se fizéssemos o balanço de uma «empre-
sa» feudal (latifúndio, grandes propriedades, reserva senho-
rial ou manufactura) utilizando os métodos da contabilidade 
capitalista, ou seja, atribuindo um preço a todos os elementos 
que entram na produção e adquiridos no mercado10 (terre-
no, edifícios, matérias-primas, e t c ) , teríamos de concluir, 
quase sempre, que essa empresa funcionava com perdas. 
Se, pelo contrário, fizéssemos esse cálculo sem ter em conta 
esses elementos, o balanço revelaria geralmente lucros 
enormes. 
30 
Daqui poder-se-ia inferir que a diferença entre estas 
duas grandezas poderia ser a medida do desperdício social. 
Afirmar tal coisa seria certamente uma simplificação ex-
cessiva. 
O problema é mais complexo. 
Antes de mais, temos de reconhecer que o primeiro 
desses resultados é completamente absurdo: todas ou quase 
todas as «empresas» de um país não podem funcionar 
durante muito tempo quase constantemente com défice, 
quando, por outro lado, se não observam indícios de uma 
decadência económica catastrófica do país. Mas o segundo 
resultado, no qual todas ou quase todas as empresas apresen-
tam constantemente enormes lucros, sem que se observem 
simultaneamente indícios de um grande progresso da econo-
mia nacional, é igualmente inverosímil. 
No primeiro caso, aplicando o método capitalista de con-
tabilidade, obtemos custos manifestamente exagerados. Na 
economia capitalista é lícito (com certas reservas, por exem-
plo, em relação à economia minifundista) calcular a preço 
de mercado os elementos não comprados que entram 
na produção, uma vez que a fórmula: «se tivessem 
passado pelo mercado, o preço de mercado não teria variado» 
não se afasta muito da realidade. Ou seja, temos razões para 
supor que o proprietário dos ditos elementos (matéria-prima 
ou mão-de-ohra), em vez de os utilizar na produção, poderia 
vendê-los no mercado ao preço corrente. Este raciocínio 
aplicado ao feudalismo é absurdo. Como vimos para o exem-
plo da madeira numa região sem vias de navegação, frequen-
temente não havia qualquer possibilidade de vender deter-
minada matéria-prima no mercado, e essa matéria-prima 
não podia portanto ser efectivamente considerada como uma 
«mercadoria». Suponhamos, por outro lado, que toda a mão-
-de-obra da Polónia do século XV111 passava pelo mercado; 
o seu preço situar-se-ia então muito abaixo dos preços efecti-
vamente pagos na época à parte reduzida dâ massa dos 
trabalhadores que trabalhavam a troco de um salário. 
No segundo caso — ou seja, excluindo do cálculo de 
custos os elementos não adquiridos no mercado — os custos 
ficariam reduzidos ao mínimo, tendendo para o zero em 
casos extremos. Na manufactura de panos dos Radziwill em 
Nieswiez — caso investigado por mim — o único gasto mone-
tário relacionado com a sua fundação foi praticamente a 
compra de corantes em Koenigsberg. Não há dúvida de que 
este cálculo também deforma a realidade. A deformação será 
mais evidente se recordarmos um fenómeno muito conhecido 
31 
na história do latifúndio polaco, a «degradação» da proprie-
dade, tantas vezes motivo de acusações aos admi-
nistradores e aos rendeiros. Traduzida em linguagem 
económica, a «degradação» significa a diminuição da capa-
cidade produtiva que essa propriedade representa potencial-
mente. Como se sabe, os processos por «degradação» eram 
extremamente confusos e era muito difícil provar ou refutar 
a acusação. O que não é de estranhar. A contabilidade de 
então tinha regras elaboradas e uniformes apenas no que se 
referia ao aspecto monetário das receitas e das despesas, 
mas em geral não tomava em conta o valor da propriedade 
ou as mudanças que podiam dar-se nela11. O facto não cons-
titui uma mera expressão da falta de «sentido de cálculo» ou 
de conhecimentos económico-matemáticos. A avaliação de 
todos os bens (móveis ou imóveis) que constituíam a proprie-
dade a preços de mercado correntes teria sido uma operação 
injustificada, inclusive teoricamente, nas condições econó-
micas da época ia. E ainda que se procedesse a uma avalia-
ção desse tipo, seria impossível reduzir a um denominador 
comum as alterações do potencial produtivo da propriedade 
em determinado período económico: edifícios e utensílios, 
número de cabeças de gado, superfície dos bosques, etc. 
Por todas estas razões era objectivamente insolúvel a ques-
tão de saber se a «degradação» se tinha verificado efectiva-
mente e, no caso afirmativo, a determinação das suas dimen-
sões (o que conferia à nobreza polaca, conhecida pelo seu 
gosto pelos processos judiciais, possibilidades verdadeira-
mente fantásticas). 
Na economia de dois sectores (monetário e natural), o 
sector natural é, em princípio, primordial para o camponês 
e o monetário, para o nobre. Tudo o que possa aumen-tar as receitas em dinheiro é visto com agrado pelo nobre. 
Não se pode, no entanto, saber com exactidão, no sis-
tema vigente, se esse acréscimo foi conseguido a expensas do 
património da propriedade. Daí a contradição entre a ânsia 
de aumentar as receitas em dinheiro e o desejo de evitar a 
«degradação». 
De qualquer maneira, se abstraíssemos dos elementos 
não adquiridos e utilizados na produção, poderíamos consi-
derar rentável uma manufactura cujo funcionamento redu-
zisse consideravelmente noutros aspectos o potencial pro-
dutivo da propriedade. Tyzenhaus, administrador dos bens da 
coroa na Lituânia nos anos 1768-1780, construiu manufac-
turas que aumentaram muitíssimo as receitas do rei, mas 
32 
também é verdade que esses domínios sofreram uma grande 
«degradação» durante esse período13. 
O problema complica-se mais em virtude de um elemento 
adicional de difícil avaliação. Suponhamos o caso de uma 
manufactura (como a fábrica de vidro do exemplo anterior) 
que devasta os bosques de uma determinada propriedade. 
A avaliação económica deste fenómeno está dependente do 
facto de haver ou não, nesse lugar e nessa época, outras 
possibilidades de aproveitamento da madeira,, por exemplo, 
enviando-a por flutuação até uma cidade portuária, o que, 
como sabemos, nem sempre era possível. No caso de não 
haver essa possibilidade, a «queima» dos bosques nos fornos 
de uma fundição de ferro ou de uma fábrica de vidros cons-
tituiria a única forma economicamente correcta e, de qual-
quer maneira, rentável de utilizar essa madeira. 
Raciocinando em termos simples de oferta e procura 
à escala da economia nacional, é perfeitamente possível uma 
situação em que a oferta seja superior à procura no conjunto 
da economia, enquanto no sector comercializado se verifica 
o contrário: a procura é superior à oferta. 
Traduzindo esta situação em linguagem gráfica: 
Oferta 
Procura 
A zona riscada representa a oferta e a procura na mercado. 
Era assim que sem dúvida se apresentava nos fins 
do século XVIII o problema do factor mais importante da 
produção, a saber, a mão-de-obra. Por outro lado, temos 
conhecimento de numerosos exemplos de desperdício de 
mão-de-obra camponesa na economia latifundista, e, por 
outro lado, os preços da mão-de-obra livre atingem, no mer-
cado, um nível relativamente alto14. Atendendo a que a 
avassaladora maioria dos braços existentes no país estão 
manietados pela servidão, aparece no mercado de trabalho 
uma parte proporcionalmente insignificante de mão-de-obra; 
comparada com ela, a reduzida procura de trabalho assala-
riado é relativamente considerável. Se avaliarmos então aos 
preços elevados do mercado toda a mão-de-obra empregada na 
reserva, chegaremos forçosamente à conclusão de que 
esta era deficitária e de que não poderia subsistir sem a 
33 
servidão. Aparentemente davam-se situações análogas rela-
tivamente a muitos outros factores económicos. 
A avaliação monetária — a preços de mercado — dos 
elementos que entram no processo de produção sem passa-
rem pelo mercado, ou dos frutos da produção que não são 
oferecidos no mercado, assenta em vários pressupostos que 
pecam inegavelmente por falta de realismo: 
1) Pressupõe-se a existência de um preço de mercado 
relativamente uniforme para cada um destes elementos, 
e em primeiro lugar para a mão-de-ohra; 
2) Pressupõe-se que todos os elementos e todas as cate-
gorias da mão-de-obra possuem um valor económico e um 
preço que permite medir esse valor; 
3) Pressupõe-se que o «empresário», organizador da 
actividade económica e proprietário dos meios de produção, 
tem sempre a possibilidade de escolher entre vender um dado 
artigo no mercado a preço corrente e utilizar esse artigo 
no processo de produção. Além disso pressupõe-se ainda que 
só tomará a decisão definitiva quando tiver razões fundadas 
para esperar um lucro maior da produção. 
Por outras palavras, reconstituir o cálculo económico 
de uma empresa significa, de certa maneira, verificar a racio-
nalidade das decisões do empresário. O cálculo dos custos 
tem por objectivo reconstituir a soma das perdas sofridas 
na produção. Nesse cálculo o valor monetário da madeira 
utilizada na produção, mas não comprada, só pode ser consi-
derado como uma perda se essa madeira pudesse ter sido 
vendida por um dado preço. Mas realmente teria sido 
possível fazê-lo? Incluir nos custos o valor das prestações 
pessoais só teria sentido se, ao renunciar à produção, fosse 
possível vender essas prestações a um determinado preço. 
Mas seria possível fazê-lo? 
Quem seguiu outro processo de investigação, poderá 
apresentar a seguinte objecção. Poderá dizer concretamente 
que, ao incluir-se, no cálculo dos custos, o valor estimado 
dos artigos não provenientes do mercado, procura-se não 
tanto reconstituir o cálculo dos lucros e das perdas do 
empresário, quanto reconstituir os lucros e perdas sociais. 
Mas esta objecção também é susceptível de refutação. Qual-
quer utilização produtiva de uma madeira que se não pode 
vender é rentável do ponto de vista social, uma vez que 
aumenta o rendimento nacional, ainda que em ínfimo grau. 
O único limite perceptível neste ponto será a deterioração da 
34 
propriedade e da sua capacidade produtiva futura. O con-
ceito de «degradação doa bens» desempenhava, e com toda 
a razão, uma função importante no raciocínio económico 
da nobreza polaca15. 
Tem muito interesse neste particular a análise do sis-
tema de contabilidade das reservas senhoriais. Gostomski, 
cuja importância nunca é demais assinalar, dá os seus con-
selhos ao proprietário da reserva também nesta matéria'". 
Ele — segundo o diz Gostomski no ano de 1588 — devia 
abrir uma conta separada para cada um dos elementos mate-
riais e monetários que constituíam a produção e o consumo 
da reserva: para o centeio e as cenouras, as maçãs e o car-
vão, os pregos e os aros de barril, os direitos de peagem 
e as multas cobradas aos camponeses, etc. No total, 156 
contas de valores materiais, todas separadas e, o que é mais, 
irredutíveis a um denominador comum! Se todas essas contas 
derem lucro, a conclusão será irrefutável: a propriedade dá 
lucro. E quem tiver dúvidas quanto a esta interpretação da 
contabilidade recomendada por Gostomski, encontrará no seu 
livro um enunciado que a confirma exp*ressis verbis: «O 
encarregado... deve zelar não só por que não haja qualquer 
falta, mas sobretudo tem de se preocupar por que haja cres-
cimento em- cada. coisa»". Mas como apreciar a activi-
dade da reserva quando aumentam as quantidades de trigo 
armazenadas no celeiro, e diminui simultaneamente a quan-
tidade de maçãs na dispensa? 
A primeira impressão que se colhe da leitura de Gos-
tomski ou de qualquer das numerosas «instruções» da época, 
redigidas pelos grandes proprietários para uso dos admi-
nistradores dos seus bens, ê a de que todos eles defendem 
uma economia multifacetada, ou seja, a policultura. E 
uma impressão superficial. Na realidade trata-se de uma 
policultura ao serviço da monocultura. A maioria dos arti-
gos a produzir não são para vender, mas sim para não ter 
de os comprar'% ou seja, para aproveitar melhor o dinheiro 
obtido pelos únicos produtos que interessam verdadeira-
mente: os produtos exportáveis. Tudo tem de estar subordi-
nado à monocultura do centeio e do trigo, e o dinheiro 
obtido por esse centeio e esse trigo será gasto exclusivamente 
na compra de artigos que não podem ser produzidos na 
reserva sem dispêndio monetário. Neste sentido será rentável 
a produção de qualquer coisa, desde que essa produção se 
faça com o que se tem e sem exigir gastos de dinheiro19. 
Até agora referimo-nos principalmente à análise econó-
mica da reserva. Infelizmente, a falta de fontes impede que 
35 
procedamos a uma análise semelhante da exploração feudal 
camponesa, mastudo indica que o resultado seria análogo. 
Indicam-no-lo antes de mais nada os resultados de investi-
gações levadas a cabo em países economicamente atrasados 
dos nossos dias, principalmente na Índia, onde este ponto 
tem sido objecto de um amplo debate (que lembra, em mais 
do que um aspecto, os debates económicos na Polónia de 
antes da guerra). 
A análise teórica da exploração camponesa pré- ou 
semi-capitalista como tipo de «empresa» reveste-se 
actualmente de grande significado. A grande actualidade 
científica deste problema resulta do facto de se relacionar 
com um problema candente no mundo dos nossos dias, em 
que a maioria da população vive em países subdesenvolvidos, 
e a maioria da população destes vive precisamente em peque-
nas explorações camponesas de tipo familiar, pouco vincu-
ladas ao mercado, que trabalham principalmente para satis-
fazer as suas próprias necessidades de consumo20. A explo-
ração camponesa autárquica (se nos autorizam este termo 
convencional) é sem qualquer sombra de dúvida a forma 
mais difundida de organização da actividade produtiva no 
mundo. Poder-se-â chamar-lhe «empresa»? Poder-se-á utili-
zar na investigação os critérios da análise da actividade 
económica da empresa31? E se não for possível utilizá-los, 
em que plano deveremos então analisá-la? A ciência actual 
está longe de ter encontrado respostas para estas perguntas 
fundamentais. 
Os métodos tradicionais de análise da empresa foram 
aplicados vezes sem conta a este tipo de exploração. Conhe-
cemos já, em termos gerais,, oa resultados que deles pode-
mos esperar. Limítemo-nos a citar um exemplo muito elo-
quente: um estudo de 600 explorações, levado a cabo em 
1937-1938 em 21 aldeias hindus," demonstrou que essas 
explorações produziam, em média, 88 rupias de lucro anual, 
a preços de mercado e sem ter em conta o custo da mão-
-de-obra familiar e a amortização do capital. Incluindo, 
pelo contrário, o custo da mlo-de-obra segundo os salários 
pagos, nesse lugar e nessa época, aos jornaleiros e acrescen-
tando uma percentagem de 3% de amortização do capital, 
as referidas explorações eram altamente deficitárias (90 
rupias de défice anual). 
Lembremos que o Instituto de Pulawy, nas suas inves-
tigações sobre o minifúndio camponês, efectuadas no ano de 
193223, obteve resultados análogos para o campo polaco, 
36 
reduzido ao primitivismo económico numa época de crise 
mundial. 
Lembremos também que obtivemos praticamente o 
mesmo resultado (rentabilidade quando se exclui dos custos 
o valor estimado do trabalho não adquirido, e défice no 
caso contrário) ao analisarmos uma reserva tipica assente 
na servidão e muitas manufacturas feudais. 
Como se pode ver, o problema é de grande importância. 
A ciência tradicional não encontraria dificuldades de 
maior neste ponto. Responderia que o camponês médio não 
contabiliza o custo do trabalho da sua família nem a amor-
tização do capital, por ignorar esses conceitos e por não 
saber fazer cálculos correctos. Responderia ainda que o 
cálculo correcto deve tomar em conta estes dois factores, 
que a única maneira de os avaliar consiste em aplicar os 
preços de mercado do lugar e da época em questão, e que 
essas explorações são na realidade deficitárias, embora os 
seus proprietários o não saibam. 
A conclusão de que metade da humanidade está empe-
nhada numa actividade produtiva deficitária constitui uma 
espécie de reductio aã absurãmn. Seria igualmente absurdo 
afirmar que todas as reservas senhoriais e todas as par-
celas dos camponeses servos da gleba na Polónia foram per-
manentemente deficitárias ao longo dos quatro séculos da 
sua existência. 
Por outro lado, este método não resiste à crítica nem 
sequer do ponto de vista da ciência tradicional. Se para 
iniciar uma actividade produtiva são necessários, por hipó-
tese, A quilos de matéria-prima e B dias de trabalho, e o 
empresário dispõe de A kg de matéria-prima e de B mais 
X dias de trabalho, e ao mesmo tempo não há nenhuma 
outra maneira de aproveitar a mão-de-obra excedente, o 
valor de toda a força de trabalho incorporada na produção 
deve ser contabilizado como equivalente a zero. Neste sen-
tido poderíamos dizer que o camponês-proprietário faz um 
uso correcto da teoria marginalista 2í. 
Porém, é evidente que em certas condições, é perfeita-
mente justificável fazer o balanço económico da exploração 
camponesa seguindo rigorosamente os métodos capitalistas 
(avaliando o trabalho familiar a preços de mercado, incluindo 
a amortização do capital, etc). 
Para o historiador da economia a questão fundamen-
tal é responder à seguinte pergunta: que métodos aplicar 
em determinadas condições sociais (em relação ao nivel de 
desenvolvimento socioeconómico) ? Trata-se, como é óbvio, 
37 
de um tema vastíssimo; aqui não podemos ir além duma 
sugestão. 
Em nossa opinião, poder-se-ia adoptar como critério 
a forma de que se revestem os encargos exteriores da explo-
ração. Referimo-nos às prestações pagas ao Estado (impos-
tos) e ao latifundiário (renda feudal e, por vezes, renda 
capitalista). Podem incluir-se ainda, na mesma categoria, 
as formas de crédito. Quando os impostos, as prestações 
ao senhor e os empréstimos forem pagos em espécie (em 
trabalho ou em produtos), não terá sentido um balanço da 
exploração camponesa feito em obediência a normas capita-
listas e dará quase sempre resultados semelhantes aos que 
atrás descrevemos (défice quando se inclui o custo do traba-
lho não assalariado e a amortização; rentabilidade no caso de 
não serem incluídos). Nesta situação verifica-se: 
1) que o produtor calcula em unidades naturais; 
2) que os preços de mercado não são válidos nem 
para os factores de produção (cujo valor geral-
mente exageram), nem para os produtos; 
3) que o produtor não reage, em princípio, aos estí-
mulos do mercado (aumentos e baixas de preços). 
Sempre que o regime socioeconómico impõe o paga-
mento em dinheiro dos impostos estatais, das prestações 
ao senhor (proprietário da terra) e do crédito, a situação 
sofre uma alteração radical. Aparece então um fenómeno 
a que poderíamos chamar «comercialização forçada». O 
camponês precisa de vender a fim de obter o dinheiro necessá-
rio para satisfazer todas essas obrigações, pois, caso contrá-
rio, arriscasse a perder a sua terra. A sua reacção aos 
estímulos do mercado é contrária às hipóteses da ciência 
económica burguesa. Quando os preços aumentam vende 
menos; e quando os preços descem, tem justamente de vender 
mais. Os encargos que tem de suportar são geralmente 
rígidos, pelo que as quantidades que vende (frequente-
mente a expensas do seu próprio consumo) e o nível do£ 
preços são grandezas inversamente proporcionais. Em mais 
de um caso, o alto nível dos preços ocasiona um regresso 
parcial dessas explorações à economia natural e vice-ver-
sa 2S. iNo comportamento económico do camponês, b sector 
natural prevalece sobre o monetário, e os preços de mercado 
são inadequados para reconstruir as suas modalidades de 
cálculo ou avaliar os resultados da sua actividade produtiva. 
38 
Só quando a exploração camponesa começa a reagir 
positivamente aos estímulos do mercado (maior venda no 
caso de subida,de preços e vice-versa) é que os métodos de 
contabilidade capitalista podem passar a ser aplicados a este 
tipo de «empresa». Por outras palavras, só então a explo-
ração se transforma numa empresa propriamente dita. Esta 
reacção positiva aos estímulos do mercado só aparece quando 
há possibilidades de opção no aproveitamento dos meios de 
produção existentes (sobretudo quando o trabalho utilizado 
na exploração agrícola pode ser vendido no mercado, no 
caso desta ser pouco rentável, e quando a terra pode repre-
sentar um investimento de capital como qualquer outro). 
Em resumo: aplicar uma contabilidade de tipo capita-
lista(ou seja, aquela que avalia a preços de mercado os bens 
e serviços não adquiridos nem vendidos) a relações econó-
micas pré-capitalistas, equivale a proceder anacronicamente. 
Aplicar à totalidade da produção de um país os preços de 
mercado — através do qual passa apenas uma ínfima parte 
dos bens e serviços produzidos — conduz forçosamente ao 
absurdo. Este método é particularmente perigoso quando 
aplicado à mão-de-obra, uma vez que o mercado do trabalho 
no regime feudal é ex ãefinitione extremamente reduzido, 
realmente marginal. Como a parte fundamental da mão-de-
-obra não tem o direito de se oferecer no mercado, é natural 
que o preço da mão-de-obra seja, regra geral, extraordina-
riamente elevado (ainda que possa haver excepções). Se 
nos basearmos, pois, nesse preço para avaliar as prestações 
dos camponeses em favor da reserva, ou o trabalho por eles 
investido nas suas próprias parcelas, não poderemos estra-
nhar o exagero dos resultados quando fazemos os respectivos 
cálculos dos custos. 
A economia do domínio feudal 
Apesar de os estudos históricos sobre o agro polaco 
— tanto antigos, como recentes — poderem apresentar nume-
rosos e indiscutíveis êxitos, não é tarefa fácil proceder a uma 
análise, ainda que aproximada, da economia do domínio 
feudal e, muito menos, da economia camponesa. 
No que diz respeito à reserva, esta afirmação pode 
parecer paradoxal, se se considerar a grande quantidade 
de monografias e de fontes publicadas (e antes de mais nada 
os inventários e as instruções) de que se pode dispor. 
39 
de um tema vastíssimo; aqui não podemos ir além duma 
sugestão. 
Em nossa opinião, poder-se-ia adoptar como critério 
a forma de que se revestem os encargos exteriores da explo-
ração. Referimo-nos às prestações pagas ao Estado (impos-
tos) e ao latifundiário (renda feudal e, por vezes, renda 
capitalista). Podem incluir-se ainda, na mesma categoria, 
as formas de crédito. Quando os impostos, as prestações 
ao senhor e os empréstimos forem pagos em espécie (em 
trabalho ou em produtos), não terá sentido um balanço da 
exploração camponesa feito em obediência a normas capita-
listas e dará quase sempre resultados semelhantes aos que 
atrás descrevemos (défice quando se inclui o custo do traba-
lho não assalariado e a amortização; rentabilidade no caso de 
não serem incluídos). Nesta situação verifica-se: 
1) que o produtor calcula em unidades naturais; 
2) que os preços de mercado não são válidos nem 
para os factores de produção (cujo valor geral-
mente exageram), nem para os produtos; 
3) que o produtor não reage, em princípio, aos estí-
mulos do mercado (aumentos e baixas de preços). 
Sempre que o regime socioeconómico impõe o paga-
mento em dinheiro dos impostos estatais, das prestações 
ao senhor (proprietário da terra) e do crédito, a situação 
sofre uma alteração radical. Aparece então um fenómeno 
a que poderíamos chamar «comercialização forçada». O 
camponês precisa de vender a fim de obter o dinheiro necessá-
rio para satisfazer todas essas obrigações, pois, caso contrá-
rio, arriscasse a perder a sua terra. A sua reacção aos 
estímulos do mercado é contrária às hipóteses da ciência 
económica burguesa. Quando os preços aumentam vende 
menos; e quando os preços descem, tem justamente de vender 
mais. Os encargos que tem de suportar são geralmente 
rígidos, pelo que as quantidades que vende (frequente-
mente a expensas do seu próprio consumo) e o nível do£ 
preços são grandezas inversamente proporcionais. Em mais 
de um caso, o alto nível dos preços ocasiona um regresso 
parcial dessas explorações à economia natural e vice-ver-
sa 2S. iNo comportamento económico do camponês, b sector 
natural prevalece sobre o monetário, e os preços de mercado 
são inadequados para reconstruir as suas modalidades de 
cálculo ou avaliar os resultados da sua actividade produtiva. 
38 
Só quando a exploração camponesa começa a reagir 
positivamente aos estímulos do mercado (maior venda no 
caso de subida,de preços e vice-versa) é que os métodos de 
contabilidade capitalista podem passar a ser aplicados a este 
tipo de «empresa». Por outras palavras, só então a explo-
ração se transforma numa empresa propriamente dita. Esta 
reacção positiva aos estímulos do mercado só aparece quando 
há possibilidades de opção no aproveitamento dos meios de 
produção existentes (sobretudo quando o trabalho utilizado 
na exploração agrícola pode ser vendido no mercado, no 
caso desta ser pouco rentável, e quando a terra pode repre-
sentar um investimento de capital como qualquer outro). 
Em resumo: aplicar uma contabilidade de tipo capita-
lista (ou seja, aquela que avalia a preços de mercado os bens 
e serviços não adquiridos nem vendidos) a relações econó-
micas pré-capitalistas, equivale a proceder anacronicamente. 
Aplicar à totalidade da produção de um país os preços de 
mercado — através do qual passa apenas uma ínfima parte 
dos bens e serviços produzidos — conduz forçosamente ao 
absurdo. Este método é particularmente perigoso quando 
aplicado à mão-de-obra, uma vez que o mercado do trabalho 
no regime feudal é ex ãefinitione extremamente reduzido, 
realmente marginal. Como a parte fundamental da mão-de-
-obra não tem o direito de se oferecer no mercado, é natural 
que o preço da mão-de-obra seja, regra geral, extraordina-
riamente elevado (ainda que possa haver excepções). Se 
nos basearmos, pois, nesse preço para avaliar as prestações 
dos camponeses em favor da reserva, ou o trabalho por eles 
investido nas suas próprias parcelas, não poderemos estra-
nhar o exagero dos resultados quando fazemos os respectivos 
cálculos dos custos. 
A economia do domínio feudal 
Apesar de os estudos históricos sobre o agro polaco 
— tanto antigos, como recentes — poderem apresentar nume-
rosos e indiscutíveis êxitos, não é tarefa fácil proceder a uma 
análise, ainda que aproximada, da economia do domínio 
feudal e, muito menos, da economia camponesa. 
No que diz respeito à reserva, esta afirmação pode 
parecer paradoxal, se se considerar a grande quantidade 
de monografias e de fontes publicadas (e antes de mais nada 
os inventários e as instruções) de que se pode dispor. 
39 
O problema consiste em que essas fontes e os trabalhos 
nelas baseados apresentam sérios inconvenientes, quando se 
pretende investigar este aspecto da economia, que é exacta-
mente o mais importante numa economia especializada: o 
seu funcionamento. 
As antigas investigações sobre a história agrária 
apoiavam-se principalmente em fontes de tipo normativo, 
começando pela legislação histórica e acabando nas instru-
ções aos administradores das grandes propriedades. 
Rutkowski, cujos estudos marcaram uma viragem, descon-
fiava manifestamente desse tipo de fontes. E tinha toda a 
razão. Negava-se a tirar conclusões acerca de «como foi» a 
partir de uma fonte que dizia «como devia ser». Daí que, 
para Rutkowski, o tipo preferido de fontes fossem os inven-
tários (incluindo a categoria especial constituída pelas 
«actas de inspecção»): descrição positiva do estado de 
coisas em cada propriedade num dado momento. 
Dissemos já, noutro trabalho, que Rutkowski não aten-
dia suficientemente à presença de elementos normativos nos 
inventários i. Mas neste momento não é isso que nos 
interessa. O aspecto que aqui nos interessa principalmente 
é o carácter por assim dizer «representativo» das infor-
mações proporcionadas pelo inventário. Se nalguns 
casos é possível reunir um certo número de inventários 
relativos à mesma aldeia e contar por conseguinte com uma 
série de amostras representativas, entre a multiplicação das 
amostras e a compreensão da dinâmica das transformações 
vai uma grande distância s. Ê evidente que a comparação de 
duas amostras nos informa sobre o rumo das alterações; 
mas a interpretação causal ou funcional desse rumo só é 
possível

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