Buscar

A urbanização do Rio de Janeiro. Resenha do Texto "Cidades, olhares e trajetórias"

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

Resenha do Texto "Cidades, olhares e trajetórias"
RODRIGUES, Antonio Edmilson M. História da Urbanização do Rio de Janeiro. A cidade: capital do século XX no Brasil. In CARNEIRO, S. de Sá e SANT’ANNA, M. J. G. Cidades, olhares e trajetórias. Rio de Janeiro, Geramond, 2009, pp 85-120.
O autor traz como discussão central o significado da entrada da cidade do Rio de Janeiro na modernidade frisando que esta passagem se deu envolta em uma atmosfera de permanências.
Segundo Rodrigues (2009), na passagem do século XIX para o século XX o Rio de Janeiro, diferentemente das capitais europeias, entrou em um processo de adaptação caracterizado por: pressões externas e internas no setor da economia, uma crescente complexificação da população resultante de migrações, imigrações e da libertação dos escravos e do aumento do mercado de trabalho devido à ampliação das funções urbanas. Porém, este cenário não representará grandes alterações políticas e econômicas.
A economia vê na modernização uma maneira de manter sua dinâmica, e o Rio de Janeiro passa a exercer “funções de centro aglutinador dos mecanismos de superação das crises e de depositária da confiança no progresso da ‘civilização brasileira”. Neste sentido, o Estado não permite o desenvolvimento das representações políticas assumindo a não-inclusão como forma de dominação evitando pressões e radicalismos e mantendo, portanto, a direção conservadora ao não incluir as demandas dos trabalhadores urbanos numa tentativa de “restringir a ação desses setores através de um controle e disciplinamento de seu cotidiano”.
Devido à expansão demográfica e o crescimento industrial, iniciam-se, na década de 1870, modificações no espaço urbano carioca que alteram as formas de relacionamento social, fazendo surgir novos hábitos e “ampliando a diversidade social e as tensões resultantes do pouco espaço de participação política” (pp.88). Dentro desta lógica, aumentam, também, a violência e o índice de criminalidade, que vão acentuar a visão da autoridade pública enquanto agente de manutenção da segurança e da ordem.
Quando os conflitos atingem a dimensão da habitação, a ação da polícia amplia sua importância, acentuando o traço conservador do nosso processo de modernização. Neste caso, a polícia tem um papel socializador fundamental para a ação de limpeza do Estado, pois reforça a identidade com a modernidade demarcando áreas boas ou más, separando o sujo do limpo, assumindo a função de representante da ordem e de agente civilizador, embasado pela não construção de representação política e cidadania. Não existia discussão sobre miséria e pobreza. A autoridade pública considerava que tudo em relação à cidade e seus habitantes era público, não havendo diferenças sociais, por isso, a limpeza da cidade incluía afastar as “classes perigosas”, aqueles que a enfeiavam e provocavam tumultos.
Para que a dimensão civilizadora se tornasse aparente era preciso “um plano urbanístico que definisse sua vocação de futuro em confronto com o passado colonial” (pp.89).
Em 1870, a dimensão privada é atacada pela municipalidade através do estabelecimento de parâmetros em relação à higiene das habitações, o que desperta uma série de conflitos que serão solucionados através da intervenção policial. Neste mesmo ano o serviço de esgoto é estabelecido em alguns bairros.
Em 1872 é a vez da iluminação à gás e do abastecimento de água, primeiramente nas áreas nobres, sendo este último ampliado, mais tarde, para toda a cidade. Para tais obras muitos terrenos foram desapropriados causando uma mobilização. Esta pressão popular foi interpretada pelas autoridades como uma negação ao progresso e, portanto, um obstáculo à sua concretização.
A imprensa possuía uma clara vinculação aos valores modernos, sendo aliada importante nas manifestações populares através das críticas, mas demarcando certo compromisso com a publicização das medidas governamentais.
Todas essas modificações expandem a cidade e excluem o que não pode conviver com a modernidade, mas não configuram um plano organizado de reformas, não alteram os padrões econômicos nem os níveis de riqueza dos habitantes, pois não passam de melhorias necessárias que apresentam a cidade como centro político e cultural do Brasil.
O Rio de Janeiro passa por um movimento cultural que transforma livrarias em locais de discussão. A cidade encontra-se num momento de indefinição. Crescem casas de instrumentos musicais, confeitarias, cafés, jardins, as companhias de viação urbana, aumentando a visibilidade da cidade, cada vez mais europeizada, ao passo que se assiste ao aumento de vendedores ambulantes e de ofícios menos prestigiosos.
Essa complexa estrutura social que dá ao centro a marca do trabalho, tornando-o local do barulho e da multidão, aproxima o Rio das cidades árabes, numa confusão social que reforça a necessidade da ação policial. Porém, as mudanças transformaram a cidade na capital do trabalho, o que para as elites era incompatível com o viver aristocrático, pois poderia esboçar uma questão social na medida em que produzisse reivindicações sobre o espaço urbano e a direção do progresso.
A não diferenciação entre áreas residencial e comercial “acarretou uma forte pressão nas áreas tradicionais da cidade em busca de moradias” (pp.93) e casarões coloniais foram se transformando em habitações coletivas (surgimento dos cortiços). Bairros vão se formando na periferia dos antigos numa tentativa de regeneração da cidade e as classes mais abastadas começam a tentar diferenciar lugar de trabalho e lugar de lazer, aproximando-se do modelo europeu com casas cada vez mais amplas e de arquitetura sofisticada.
“O homem urbano, habitante da cidade cosmopolita, começa a se perceber como alguém que, mesmo sem ter espaço para existir politicamente, pode substituir a ação política pela ação de acumular riquezas. Para ele, a riqueza abre todas as portas e o identifica socialmente” (pp.93)
Toda essa movimentação aumenta o consumo e a necessidade de abastecimento, mas o centro não tem mais esta função, pois a ideia de urbanidade está associada a sossego e tranquilidade, não admitindo a agitação, confusão e gritaria. O embelezamento é concebido como único elemento da modernidade, apontando para a falta de competência das elites para dar conta do movimento.
Com a expansão, surgem novos caminhos (Botafogo e Humaitá) e bairros (de trabalho) que buscam distanciar os abastados dos miseráveis, com entendimentos diferenciados da cidade. Contudo, o centro continua sendo o local de confronto das diversas perspectivas sobre a cidade.
Um exemplo de confusão e desordem citado pelo autor é a presença dos “quiosques”. Estes, explorados por portugueses, traduziam a pressa pelo progresso, funcionando como locais de consumo popular, constituindo a base de sustentação dos operários das reformas. Isto traduzia a dificuldade da cidade de entender a necessidade de diferenciação dos espaços e funções.
A chave para a modernização era “Conceber a renovação como se ela estivesse sendo gerada por todos e conduzi-la através de valores e direções que só se identificavam com as elites empreendedoras” (pp.96). Isto controlaria o movimento e “produziria efeitos populistas”.
Embora a estrutura social denunciasse a não criação de vínculos da população com a cidade, verifica-se uma intensa mobilização no sentido de tornar o Rio uma cidade ilustrada.
De 1880 em diante, uma série de medidas são tomadas em direção à modernização, e a absorção da população negra, agora liberta, produzindo uma euforia que legitima o caminho das reformas e acentua o cosmopolitismo, definindo a cidade enquanto “vitrine do trabalho”. Porém, esta complexificação da cidade não era a ideia que as elites empreendedoras buscavam de uma civilização representada pela ilustração cultural, artística e administrativa.
Na tentativa de manter a direção conservadora da modernização, o Estado procurou adaptar valores definindo ordem como condição para o progresso, mas o tumulto do centro indicava mudanças e o governo começavaa se acomodar.
Repercussões transpareciam e as elites tradicionais se manifestavam contra o novo mundo. Mediante isto, a República retoma o caminho conservador buscando valores que não desenvolvessem ideias de libertação e participação. A moral e os bons costumes são difundidos como pilares para uma nova legislação civil e penal. Essa integração da cidade para sua adequação aos padrões do capital internacional traz maior consistência às finanças e aumenta a expansão imobiliária, demarcando “espaços nobres”, definindo o centro como área de consumo entre casa e trabalho, que devem estar distanciados.
O resultado é o embelezamento da cidade com a contenção da ampliação das habitações coletivas que produziam uma “irregularidade arquitetônica”, além de sintetizarem a falta de higiene e o crime. A ação contra os cortiços passa a ser um dos elementos centrais na administração de Barata Ribeiro após a autonomia municipal conquistada em 1892. O sentido disto era limpar a cidade de tudo o que representava a lógica colonial, afastando, principalmente, os pobres do centro, principal medida de todos os governos municipais até Pereira Passos.
No início do século XX, o Rio de Janeiro era o centro de todas as questões, lugar da vida política, afetada por qualquer pressão que o Estado sofresse. Mas este século foi o momento de definição institucional e cultural que apontou a vocação de “grande capital europeia”, agora num caminho de renovação politizado, idealizado enquanto plano racional.
A cidade cresce economicamente de forma contida, expandindo serviços e mantendo as funções financeira e comercial, mas tensões no bloco dominante tiram a pacificidade desta expansão, pois não rompem com elementos coloniais.
“A modernização veste a cidade com outra roupa, mas o corpo permanece o mesmo, tendo, quase sempre, dificuldades de andar de salto alto”. (pp.104)
Dois marcos iniciais importantes dessa regeneração da cidade são: a inauguração da Av. Central e a lei da vacina obrigatória, fatos relevantes que impactaram e geraram resultados no comportamento urbano.
Devemos considerar alguns itens que vão permitir a “reforma urbana” com pouca resistência da sociedade: o conservadorismo da regeneração, economia exportadora vinculada à economia internacional sem que elementos do modelo burguês estejam contidos na modernização, processo de modernização direcionado pelo Estado (afastamento entre sociedade e governo) - intenso processo de ideologização, ideia de regeneração desde 1870 e que o século XX apresenta condições apropriadas para o movimento.
Obviamente ocorreram algumas exceções com fundo político, mas a tendência era reduzir a resistência e a cidade passar a totalizar as esperanças e expectativas de todos num reconhecimento de civilização, disseminando a ideia de futuro da nação através do futuro da cidade.
Outro aspecto importante é a atuação policial na função de agente da ordem e legitimadora do progresso, sendo a construção dessa nova ordem fundamental para o avanço da instituição da polícia que passará por profundas reformas para sua modernização.
É preciso, também, avaliar os comportamentos sociais para entender a totalização da vida em torno da cidade. Os excluídos do centro encontram novos bairros onde se afirmam política e socialmente em direção a uma homogeneidade social criando relações de poder que direcionam para a construção da comunidade, um ordenamento e um controle através da padronização comportamental que estabelece um equilíbrio. Surgem os bairros residenciais e as favelas na periferia do centro.
O processo de ideologização traz uma nova ética e uma nova moral que são construídos através da tendência higienizadora, visando a inclusão no mundo civilizado – “são pobres sim, mas limpos” – ordenando as pessoas de acordo com os padrões vigentes e valores tradicionais, fragilizando o movimento popular e criando uma perspectiva corporativa, efetivando, assim, a dominação do Estado. E como não há politização, a resistência diminui.
Com o afastamento dos setores da produção do centro da cidade outros setores ocupam-no dando novos sentidos para ele. A cidade adquire uma vida cultural e artística intensa aproximando-se das grandes cidades europeias, mas com uma mentalidade política e expressões sociais que traduzem sua indefinição e a contradizem, demonstrando que essa mudança superficial apenas acentua a miséria e a pobreza.
Os empresários vão modificando sua relação com os operários, construindo habitações coletivas mais próximas ao trabalho, oferecendo festas de confraternização, escolas primárias, controlando através de normas que estabelecem a obrigatoriedade de ir à escola, introduzindo cartilhas modernas que além de ensinar operações básicas e o “bom português”, também ensinavam como “ser um bom operário e cidadão zeloso” (pp.110).
“Preguiça e ócio eram combatidos através do trabalho constante, da pontualidade e do respeito” (pp.110).
Em 1903, Pereira Passos é indicado prefeito e ganha plena autonomia para realizar mudanças, mas a imprensa polemiza e as mudanças passam a ter que incorporar argumentos científicos para ganhar legitimidade. Os laudos científicos ganham importância e três instituições respaldam o progresso como avaliadoras das reformas: O Clube de Engenharia (a “elite técnica” representada por Paulo de Frontin, Francisco Bicalho e Lauro Muller), a Saúde Pública (que define critérios de civilidade, por intermédio de Oswaldo Cruz, controlando a vida social e estabelecendo padrões mínimos de higiene e saneamento) e a polícia (que cria condições para a defesa dos padrões de educação burgueses e garante a renovação).
As reformas aconteciam longe do entendimento da população e a estrutura urbana não se adaptava à expansão mercantil provocando tumultos e influenciando negativamente os estrangeiros. Então, Pereira Passos inicia o “bota-abaixo”, construindo a Av. Central para criar condições de comunicação do centro comercial com o porto, integrando a Beira-Mar para facilitar o fluxo de ricos e estrangeiros que moravam e se hospedavam na zona sul. Essas reformas representam não só modificações na cultura urbana, mas indicam uma tensão entre razão técnica e razão cultural que apresentam modos diferentes de ver a modernidade.
A razão técnica (grupo liderado por Lauro Miller) apontava as reformas como facilitadoras do fluxo de integração ao capital estrangeiro, enquanto a razão cultural (liderada por Pereira Passos) entendia que a reforma deveria estar voltada para a cidade. A vitória da razão técnica torna a Av. Central o ícone da modernidade do Rio de Janeiro, mas as obras do porto também são fundamentais para acelerar a integração da cidade à modernidade.
O perfil da cidade modifica-se com a intensificação do “bota-abaixo”: pequenas ruas dão lugar a grandes avenidas, prédios coloniais dão lugar às casas da nova geração de ricos, mais amplas, ventiladas e bem divididas, casas comerciais ganham novas formas e diversificam os negócios. A cidade, agora renovada, diferencia quem deve ou não estar no centro.
A mobilização pelas mudanças continuava junto com as contradições cada vez mais latentes, contrastando com a ideia de modernidade na medida em que a civilidade do centro e a miséria da periferia cresciam proporcionalmente. E o resultado disto são crises e movimentos populares sucessivos e o desenvolvimento de formas de entendimento do progresso que vão afetar os setores pobres e do trabalho.
“O Cosmopolitismo, sem tradição, exclui da modernidade não os homens, mas as formas de transformá-los” (pp.116)
O que existe é, na verdade, a construção de um movimento artificial dentro de um espaço controlado que resulta num mundanismo. Isto provocará uma agitação intelectual e o desenvolvimento da imprensa e de uma “boemia dourada” que vão agitar a vida intelectual da cidade.
Por Clarisse Feitosa

Outros materiais