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8. Psicologia Social – Milgram 1 PSICOLOGIA SOCIAL OBEDECER A QUALQUER A CUSTO Milgram, S. (1963). Behavioral study of obedience. Journal of Abnormal and Social Psychology, 67, 371-378. Se alguém em uma posição de autoridade mandasse você dar um choque elétrico de 350 volts em outra pessoa porque esta outra pessoa respondeu incorretamente uma questão, você obedeceria? Eu também não. Se você encontrasse uma pessoa disposta a obedecer uma ordem assim, você provavelmente pensaria que ela é cruel ou sádica. Este estudo de Stanley Milgram, da Universidade Yale, pôs-se a examinar a ideia de obediência e produziu alguns resultados chocantes e perturbadores. A pesquisa de Milgram sobre obediência é talvez a mais famosa e amplamente reconhecida em toda a história da psicologia. Ela é incluída em qualquer texto de psicologia geral e em qualquer texto de psicologia social. Se você falar com estudantes de psicologia, um número maior deles conhecerá este estudo do que qualquer outro. Este estudo deu origem a um livro de Milgram (1974) sobre a psicologia da obediência e a um filme sobre a própria pesquisa que é amplamente exibido em classes universitárias. Este experimento é uma referência não apenas para discussões de obediência, mas tem sido também altamente influente em questões de metodologia de pesquisa e da ética no uso de sujeitos humanos em pesquisa psicológica. A ideia de Milgram para este projeto surgiu do desejo de investigar cientificamente como pessoas poderiam ser capazes de causar grandes danos a outros simplesmente por receberem ordens para fazer isto. Milgram referia-se especificamente às horríveis atrocidades cometidas sob ordem durante a Segunda Guerra Mundial e também, de modo mais geral, à desumanidade que têm sido perpetrada através da história por pessoas seguindo ordens de outros. Parecia a Milgram que, em algumas situações, a tendência a obedecer é tão profundamente arraigada e tão poderosa que ela cancela a habilidade da pessoa de se comportar moralmente, eticamente ou mesmo simpaticamente. 8. Psicologia Social – Milgram 2 Quando cientistas comportamentais decidem estudar algum aspecto complexo do comportamento humano, o primeiro passo deles é obter controle sobre a situação comportamental de tal modo que eles possam abordá-la cientificamente. Isto pode ser frequentemente o maior desafio para um pesquisador, uma vez que muitos eventos no mundo real são difíceis de recriar em uma situação de laboratório. Portanto, o problema de Milgram era como fazer com que uma pessoa mandasse outra pessoa ferir uma terceira pessoa, sem que ninguém se machucasse de verdade. PROPOSIÇÕES TEÓRICAS A base teórica primária de Milgram para este estudo era que humanos têm uma tendência a obedecer outras pessoas que estão em uma posição de autoridade sobre eles, mesmo que, ao obedecer, eles violem seus próprios códigos de comportamento moral e ético. Ele acreditava que, por exemplo, muitos indivíduos que nunca causariam um dano físico a alguém iriam infligir dor a uma vítima se recebessem ordem de fazer isto, dada por uma pessoa que fosse percebida como uma poderosa figura de autoridade. MÉTODO Provavelmente a parte mais engenhosa deste estudo é a técnica que foi desenvolvida para testar o poder da obediência no laboratório. Milgram planejou um gerador de choque que parecia bastante assustador: um grande dispositivo eletrônico com 30 interruptores rotulados com níveis de voltagem começando a 30 volts e aumentando até 450 volts, em intervalos de 15 volts. Estes interruptores estavam divididos em grupos identificados por rótulos como “choque leve,” “choque moderado” e “perigo: choque severo.” A idéia era que um sujeito poderia receber ordens para administrar choques elétricos a outra pessoa em níveis cada vez mais fortes. Observe, por favor, antes de concluir que o próprio Milgram era um verdadeiro sádico, que este era um gerador de choque com aparência bastante realista e que ninguém recebeu, de fato, qualquer choque doloroso. Os sujeitos deste estudo foram 40 homens com idades entre 20 a 50 anos. Havia 15 operários qualificados ou não, 16 homens que lidavam com negócios ou comércio e nove profissionais liberais. Eles foram recrutados através de anúncios de jornal e 8. Psicologia Social – Milgram 3 solicitações enviadas diretamente por correio, procurando por sujeitos para serem participantes pagos em estudo sobre memória e aprendizagem na Universidade Yale. Cada sujeito participou do estudo individualmente. A fim de obter um número adequado de sujeitos, cada sujeito recebeu o pagamento de $4,50 (lembre-se, estes eram dólares de 1963). Todos os sujeitos foram avisados claramente de que o pagamento era simplesmente por comparecer ao laboratório e era dado a eles, não importando o que acontecesse depois que eles chegassem. Isto foi feito para assegurar que os sujeitos não iriam se comportar de certas maneiras por estarem temerosos de não receberem pagamento. Além dos sujeitos, havia dois outros participantes chave: um comparsa no experimento (um contador de 47 anos) representando o papel de um outro sujeito e um “ator” (vestido com um avental cinzento de laboratório, parecendo muito oficial) desempenhando o papel de experimentador. Quando um participante chegava ao laboratório de interação social de Yale, ele sentava-se ao lado de outro “sujeito” (o comparsa). Obviamente, o verdadeiro propósito do experimento não era revelado aos sujeitos, uma vez que isto alteraria completamente o comportamento deles. Portanto, uma “história” era contada pelo experimentador, que explicava aos sujeitos que este era um estudo sobre o efeito da punição sobre a aprendizagem. Os sujeitos então faziam um sorteio com pedacinhos de papel tirados de dentro de um chapéu para determinar quem seria o professor e quem deveria ser o aprendiz. Este sorteio era arranjado de modo que o verdadeiro sujeito sempre se tornava o professor e o comparsa sempre era o aprendiz. Não se esqueça de que o “aprendiz” era um comparsa no experimento, como era também a pessoa que desempenhava o papel do “experimentador”. O aprendiz era então levado para a sala ao lado e era, com o sujeito observando, preso a uma cadeira e conectado a eletrodos (sendo passada uma pasta de eletrodo para “evitar quaisquer bolhas ou queimaduras”) ligados ao gerador de choque na sala adjacente. O aprendiz, embora tivesse os braços presos, podia alcançar quatro botões marcados a, b, c e d, a fim de responder a questões feitas pelo professor na sala ao lado. A tarefa de aprendizagem era detalhadamente explicada ao professor e ao aprendiz. Em síntese, ela envolvia o aprendiz memorizar conexões entre vários pares de 8. Psicologia Social – Milgram 4 palavras. Era uma lista bastante extensa e não era uma tarefa fácil de memorização. O professor-sujeito lia a lista de pares de palavras e então testava a lembrança que o aprendiz tinha deles. O professor era instruído pelo experimentador a administrar um choque elétrico cada vez que o aprendiz respondia incorretamente. Mais importante, para cada resposta incorreta, o professor devia subir um nível no gerador de choque. Tudo isto era simulado tão realisticamente que nenhum sujeito suspeitava de que nenhum choque estava sendo dado de verdade. As respostas do aprendiz-comparsa eram pre-programadas para serem corretas ou incorretas na mesma sequência para todos os sujeitos. Além disto, à medida que o nível da voltagem aumentava com as respostas incorretas, o aprendiz começava a gritar seu desconforto (em expressões pre-arranjadas, pre-gravadas, incluíndo o fato de que o coraçãodele o estava incomodando), e ao nível de 300 volts ele esmurrava a parede e exigia que o soltassem. Depois de 300 volts ele ficava em silencio completo e não mais respondia a questões. O professor era instruído a tratar esta ausência de resposta como resposta incorreta e continuar com o procedimento. A maioria dos sujeitos, em algum ponto, virava-se para o experimentador solicitando orientação sobre se deveriam continuar com os choques. Quando isto acontecia, o experimentador mandava que os sujeitos continuassem, em uma série de ordens que aumentavam em severidade à medida que mais instigação se tornava necessária: Ordem 1: Por favor, continue. Ordem 2: O experimento requer que você continue. Ordem 3: É absolutamente essencial que você continue. Ordem 4: Você não tem escolha, você deve prosseguir. Uma medida de obediência foi obtida simplesmente através do registro do nível de choque no qual cada sujeito recusou-se a continuar. Uma vez que havia 30 interruptores no gerador, cada sujeito podia receber um escore de 0 a 30. Os sujeitos que prosseguiram até o final da escala foram denominados “sujeitos obedientes” e os que 8. Psicologia Social – Milgram 5 interromperam o procedimento em algum ponto inferior foram denominados “sujeitos desafiadores”. RESULTADOS Será que os sujeitos obedeceriam às ordens do experimentador? A que ponto da escala de voltagem eles chegaram? Que previsão você poderia fazer? Pense no que você mesmo faria ou seus amigos, ou as pessoas em geral. Qual a porcentagem deles que você acha que continuariam a dar choques até o final dos 30 níveis: chegando a 450 volts – “perigo: choque severo”? Bem, antes de discutir os resultados reais do estudo, Milgram pediu a um grupo de alunos do último ano de graduação em psicologia da Universidade Yale, assim como a vários colegas, para fazer tal previsão. As estimativas variaram de 0 por cento a 3 por cento, com uma estimativa média de 1,2%. Ou seja, foi previsto que não mais do que 3 pessoas em 100 chegariam a dar os choques de intensidade máxima. A Tabela 1 sumaria os resultados chocantes. Sob ordens do experimentador, cada sujeito continuou pelo menos até o nível de 300 volts, que foi quando o comparsa esmurrou a parede para ser solto e parou de responder. Porém, mais surpreendente é o número de sujeitos que obedeceu às ordens para continuar até o topo da escala. Embora 14 sujeitos tenham desafiado as ordens e interrompido o procedimento antes de chegar à voltagem máxima, 26 dos 40 sujeitos, 65 por cento, seguiu as ordens do experimentador e prosseguiu até o topo da escala de choque. Isto não quer dizer que os sujeitos estivessem tranquilos ou felizes com o que estavam fazendo. Muitos exibiram sinais de extremo estresse e preocupação com o homem que recebia os choques e mesmo ficaram com raiva do experimentador. Mesmo assim, eles obedeceram. Houve preocupação de que alguns sujeitos poderiam sofrer desconforto psicológico por terem passado pela experiência penosa de dar choques em outra pessoa, especialmente depois que o aprendiz cessou de responder na última terça parte do experimento. Para ajudar a aliviar esta ansiedade, depois que os sujeitos terminaram o experimento, eles receberam uma explicação completa (uma entrevista final, que em inglês é denominada debriefing: a troca de informações após uma missão) sobre o verdadeiro propósito do estudo e de todos os procedimentos, incluindo a mentira que havia sido usada. Além disto, os sujeitos foram entrevistados sobre os sentimentos e 8. Psicologia Social – Milgram 6 pensamentos deles durante o procedimento e o comparsa “aprendiz” foi trazido para uma reconciliação amigável com cada sujeito. DISCUSSÃO A discussão que Milgram fez dos resultados focalizou dois pontos principais. O primeiro foi a força surpreendente da tendência dos sujeitos a obedecer. Estes eram pessoas médias, normais, que concordaram em participar de um experimento sobre aprendizagem, e não indivíduos cruéis ou sádicos. Milgram observa que desde a infância estes sujeitos haviam aprendido que é imoral machucar outros contra a vontade deles. Então, porque eles fizeram isto? O experimentador era uma pessoa em uma posição de autoridade, mas se você pensar a respeito, quanta autoridade ele realmente tinha? Ele não tinha poder para obrigar outros a cumprir as ordens dele e os sujeitos não perderiam nada se recusando a cumprir ordens. Claramente a situação tinha sua própria força que, de algum modo, tornava a obediência significativamente maior do que o esperado. A segunda observação chave feita durante o curso do estudo foi a extrema tensão e ansiedade manifesta pelos sujeitos à medida que eles obedeciam às ordens do experimentador. Novamente, seria possível esperar que este desconforto pudesse ser aliviado simplesmente recusando-se a prosseguir, mas isto não foi o que aconteceu. Milgram cita um observador (que observou um sujeito através de um espelho de visão unidirecional): Eu observo um homem de negócios maduro e inicialmente equilibrado entrar no laboratório, sorridente e confiante. Dentro de 20 minutos ele havia se reduzido a uma ruína que tremia, gaguejava e estava se aproximando rapidamente de um ponto de colapso nervoso… Num dado momento ele empurrou a testa com o punho e murmurou, “Meu Deus! Vamos parar com isso.” E no entanto ele continuou a responder a cada palavra do experimentador e obedeceu até o fim. (p. 377) No final do seu artigo Milgram listou vários pontos para tentar explicar porque esta situação particular produziu um grau tão alto de obediência. Os sujeitos teriam tido o 8. Psicologia Social – Milgram 7 seguinte ponto de vista, conforme sumariado por Milgram: (1) se está sendo promovido por Yale, deve estar em boas mãos, e quem sou eu para questionar uma instituição tão importante; (2) as metas do experimentador parecem ser importantes e, portanto, uma vez que eu me apresentei como voluntário, farei minha parte para ajudar a atingir estas metas; (3) o aprendiz, afinal, também veio aqui voluntariamente e tem uma obrigação com o projeto também; (4) foi só por acaso que eu fiquei como professor e ele como aprendiz – nós sorteamos e poderia muito bem ter sido o contrário; (5) eles estão me pagando para fazer isto, é melhor que eu faça o meu trabalho; (6) eu não sei o bastante a respeito dos direitos de um psicólogo e seus sujeitos, portanto, eu vou confiar na decisão dele sobre isto; e (7) eles disseram que os choques são dolorosos, mas não perigosos. TABELA 1 Nível de Choques Dados pelos Sujeitos. NÚMERO DE VOLTS A SEREM DADOS NÚMERO DE SUJEITOS QUE SE RECUSARAM A CONTINUAR NESTE NÍVEL Choque leve 15 0 30 0 45 0 60 0 Choque moderado 75 0 90 0 105 0 120 0 Choque forte 135 0 150 0 165 0 180 0 Choque muito forte 195 0 210 0 225 0 240 0 Choque intenso 255 0 270 0 285 0 300 5 8. Psicologia Social – Milgram 8 Choque de extrema intensidade 315 4 330 2 345 1 360 1 Perigo: choque severo 375 1 390 0 405 0 420 0 XXX -- -- -- 435 0 450 26 (extraído de Milgram, 1963, p. 376) SIGNIFICADO DOS RESULTADOS As descobertas de Milgram têm se sustentado muito bem nos cerca de 30 anos desde que o artigo foi publicado. O próprio Milgram repetiu o procedimento com sujeitos similares for a do ambiente de Yale, com estudantes universitários que não recebiam pagamento e se apresentaram como voluntários e também com mulheres como sujeitos, e encontrou os mesmos resultados em cada uma destas vezes. Além disto, ele expandiu ainda mais suas descobertasdeste estudo, conduzindo uma série de experimentos relacionados, planejados para revelar as condições que promovem ou limitam a obediência (ver Milgram, 1974). Ele descobriu que a distância física e, portanto, emocional, entre a vítima e o professor alterava a quantidade de obediência. O nível mais alto de obediência (93 por cento indo até o topo da escala de voltagem) ocorria quando o aprendiz ia para uma outra sala e não podia ser visto ou ouvido). Quando o aprendiz e o sujeito estavam na mesma sala e o sujeito tinha que forçar a mão do aprendiz até uma placa de choque, a taxa de obediência caiu para 30 por cento. Milgram ainda descobriu que a distância física da figura de autoridade também influenciava a obediência. Em uma condição, o experimentador ficava for a da sala e passava suas ordens ao sujeito por telefone. Neste caso, a obediência caiu para apenas 21 por cento. 8. Psicologia Social – Milgram 9 Finalmente, em um tom mais positivo, quando permitia-se aos sujeitos que punissem o aprendiz usando qualquer nível de choque que eles quisessem, nenhum sujeito pressionou qualquer interruptor acima do No. 2, ou seja, 45 volts. CRÍTICAS A pesquisa de Milgram tem sido extremamente influente na nossa compreensão da obediência, mas teve também efeitos de longo alcance na área do tratamento ético de sujeitos humanos. Embora ninguém tenha recebido qualquer choque, como você supõe que você iria se sentir, ao saber que você esteve disposto a dar choques em alguém (possivelmente até a morte) simplesmente porque uma pessoa em um avental de laboratório disse para você fazer isto? Críticos dos métodos de Milgram (e.g., Baumrind, 1964; Miller, 1986) afirmam que foram criados níveis inaceitáveis de estresse nos sujeitos durante as sessões experimentais. Além disto, eles argumentaram que existiu o potencial para efeitos duradouros. Quando a mentira é revelada aos sujeitos ao final das provações deles, eles podem se sentir usados, embaraçados e possivelmente, na vida futura deles, sem confiança em psicólogos ou em figuras legítimas de autoridade. Outra linha de crítica focalizou a validade das descobertas de Milgram. A base para esta crítica era que, uma vez que os sujeitos tinham uma relação de confiança e bastante dependente em relação ao experimentador, e sendo o laboratório um ambiente não familiar, a obediência lá encontrada não representa a obediência na vida real. Portanto, argumentam os críticos, os resultados dos estudos de Milgram foram Não apenas inválidos mas, por causa desta ausência de validade, o tratamento a que os sujeitos foram expostos não poderia ser justificado. Milgram respondeu às críticas fazendo um acompanhamento dos sujeitos depois que eles participaram. Ele encontrou que 84 por cento dos participantes mostraram-se satisfeitos por terem participado e apenas cerca de um por cento lamentou a experiência. Além disso, um psiquiatra entrevistou 40 dos sujeitos que foram considerados como tendo ficado mais desconfortáveis no laboratório e concluiu que nenhum deles sofreu quaisquer efeitos duradouros. Quanto à crítica de que suas descobertas de laboratório não refletiam a vida real, Milgram disse: “Uma pessoa que vêm para o laboratório é um 8. Psicologia Social – Milgram 10 adulto ativo e exercendo escolhas, capaz de aceitar ou rejeitar as prescrições para ação ditadas a ele” (Milgram, 1964, p. 852). Os estudos de Milgram relatados aqui têm sido um ponto focal no contínuo debate sobre a ética envolvendo sujeitos humanos. De fato, pode-se discutir se esta pesquisa tem sido mais influente na área da psicologia social e obediência ou na formação de políticas sobre o tratamento ético de sujeitos na pesquisa psicológica. APLICAÇÕES RECENTES A extensão da influência que o projeto de Milgram sobre obediência continua exercer sobre a pesquisa atual pode ser melhor apreciada através de uma breve seleção comentada de estudos recentes que foram motivados primariamente pelos métodos e resultados iniciais de Milgram. Como tem acontecido todo ano desde o início dos anos 60, quando Milgram conduziu suas pesquisas, estes estudos são divididos entre tentativas de elaboção e refinamento sobre as tendências das pessoas a obedecer figuras de autoridade e o debate onipresente sobre a ética do uso de mentira em pesquisa envolvendo sujeitos humanos. Dois artigos examinaram, a partir de uma perspectiva histórica, o uso da mentira em experimentos psicológicos. Um destes artigos focalizou o nível de preocupação com questões éticas que os pesquisadores das ciências sociais revelam nos seus relatos publicados de pesquisas (McGaha & Korn, 1995). Estes autores encontraram, ao rever estudos em periódicos relacionados com psicologia, que, historicamente, o interesse na ética em pesquisa era bastante baixo até meados dos anos 70, quando começou a haver um aumento significativo no número de artigos relacionados a preocupações éticas. Eles argumentam que esta mudança está enraizada na “emergência de um interesse ético em termos do clima social de preocupação com os direitos humanos nos anos 60 e 70, a revisão dos princípios éticos da Associação Americana de Psicologia feita em 1973 (ver prefácio deste livro para uma discussão e uma atualização mais recente destes princípios) e o desenvolvimento de uma regulação pesquisa com participantes humanos pelo governo federal norte-americano” (p. 147; material entre parênteses acrescentado). Outra visão interessante desta discussão ética pode ser encontrada em um artigo recente de Herrera (1997). Herrera escreve que, historicamente, o uso da mentira em experimentos de 8. Psicologia Social – Milgram 11 psicologia tem sido frequentemente posto como uma parte necessária de certos estudos. Contudo, ele argumenta que, na realidade, tais mentiras podem ter sido devidas muito mais a uma escolha consciente feita pelos pesquisadores com base no valor que eles davam às pessoas em relação à investigação científica. Ele prossegue fazendo a seguinte sugestão provocativa: “Comentaristas frequentemente citam o trabalho de Stanley Milgram nos anos 60 como o precursor de uma mudança de atitudes em relação à mentira, e sugerem que os psicólogos de hoje se pautam por princípios éticos mais esclarecidos. É difícil encontrar evidência para apoiar este retrato” (p. 23, itálicos adicionados). Então o que deveria ser feito, se é que há algo a ser feito, para proteger os sujeitos de práticas enganosas irresponsáveis na pesquisa psicológica, permitindo, ao mesmo tempo, algum nível de engano quando absolutamente necessário para o avanço científico? Um terceiro estudo (Wendler, 1996) busca responder a esta questão propondo que os sujeitos em estudos envolvendo engano recebam um nível aumentado de “consentimento informado” (ver a discussão deste conceito no prefácio deste livro). Isto significaria que, antes que você concordasse em ser um sujeito em um experimento utilizando mentira, você seria informado da intenção do estudo de usar a mentira. “Este abordagem em termos de ‘consentimento de segunda ordem’ para a aceitabilidade da mentira,” argumenta Wendler, “Representa nossa melhor chance de reconciliar respeito pelos sujeitos com a necessidade científica ocasional por pesquisa enganosa” (p. 87). Tentativas recentes de refinar e fortalecer as descobertas de Milgram pode ser vistas melhor em um número especial do Journal of Social Issues, que foi dedicado a artigos relacionados aos estudos de Milgram sobre obediência. Exemplos da amplitude de artigos publicados neste número especial incluem um estudo de John Darley (cuja pesquisa é ilustrada no texto anterior) comparando aobediência “construtiva” com a “destrutiva” (o estudo de Milgram representava o segundo tipo); um exame transcultural da obediência nociva no ambiente de trabalho (denominada “crimes de obediência”) comparando sujeitos em Washington, Moscou e Tóquio; e um estudo fascinante mostrando como a obediência pode produzir discriminação racial em práticas de contratação (Brief, Buttram, Elliot, Reizenstein, & McCline, 1995; Darley, 1995; Hamilton & Sanders, 1995). 8. Psicologia Social – Milgram 12 Finalmente, um estudo que nos retorna de fato ao ponto de partida de Milgram: o Holocausto (Blass, 1993). Blass adota a perspectiva de que a pesquisa influente de Milgram pode ter deixado a impressão de que a pressão situacional supera completamente os fatores de personalidade na determinação da obediência e que esta impressão não é totalmente acurada. Blass propõe que variáveis disposicionais tais como características de personalidade e sistemas duradouros de crenças também podem predizer a obediência. Ele sugere que um quadro mais acurado do processo de obediência à autoridade deve considerar a interação de influências externas e internas. REFERÊNCIAS Baumrind, D. (1964). Some thoughts on the ethics of research: After reading Milgram’s “Behavioral Study of Obedience.” American Psychologist, 19, 421-423. Blass, T. (1993). Psychological perspectives on the perpetrators of the Holocaust, the role of situational pressures, personal dispositions and their interactions. Holocaust and Genocide Studies, 7, 30-50. Brief, A., Buttram, R., Elliot, J., Reizenstein, R., & McCline, R. (1995). Releasing the beast: A study of compliance with orders to use race as a selection criterion. Journal of Social Issues, 51(3), 177-193. Darley, J. (1995). Constructive and destructive obedience: A taxonomy of principal-agent relationships. Journal of Social Issues, 51(3), 67-88. Hamilton, V., & Sanders, J. (1995). Crimes of obedience in the workplace: Surveys of Americans, Russians, and Japanese. Journal of Social Issues, 51(3), 67-88. Herrera, C. (1995). A historical interpretation of deceptive experiments in American Psychology. History of the Human Sciences, 10(1), 23-36. McGaha, A., & Korn, J. (1995). The emergence of interest in the ethics of psychological research with humans. Ethics and Behavior, 5(2), 147-159. Milgram, S. (1964). Issues in the study of obedience: A reply to baumrind. American Psychologist, 19, 448-452. Milgram, S. (1974). Obedience to authority. New York: Harper & Row. 8. Psicologia Social – Milgram 13 Miller, A. G. (1986). The obedience studies: A case study of controversy in social science. New York: Praeger. Wendler, D. (1996). Deception in medical and behavioral research: Is it ever acceptable? Milbank Quarterly, 74(1), 87.
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