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1 DIREITO PENAL I HENRIQUE SABINO DE OLIVEIRA 2 ÍNDICE 1) Introdução .................................................................... 5 Código Penal Brasileiro (CPB) .............................................................. 5 - Parte Geral .......................................................................................... 5 - Parte Especial ..................................................................................... 5 Legislação Especial (Legislação Extraordinária) .................................. 5 Observações Importantes ..................................................................... 5 2) Mecanismos do controle social .................................. 6 - Instâncias formais ................................................................................ 6 - Instâncias informais .............................................................................. 6 3) Fato Crime .................................................................... 7 - Bem da vida (existencial) ..................................................................... 7 - Bem jurídico ......................................................................................... 7 - Bem jurídico penal ............................................................................... 7 4) Conceito de Direito Penal ........................................... 7 5) Direito Penal no Estado Democrático de Direito ...... 9 Estado tem o monopólio do jus puniendi ............................................... 9 Jurisdição penal (juízo penal) ................................................................. 9 Vedada a vindicta privada ...................................................................... 10 Configuração do jus puniendi hoje ......................................................... 10 - Teoria Maximalista ............................................................................... 10 - Teoria Abolicionista .............................................................................. 10 - Teoria Minimalista ................................................................................ 10 - Subsidiariedade .................................................................................... 10 - Fragmentariedade ................................................................................ 11 - Descriminalização ................................................................................ 11 - Despenalização (desencarcerização) .................................................. 11 6) Teoria do Garantismo Penal ....................................... 12 Aspectos da Teoria do Garantismo Penal ............................................. 12 Teoria Normativa .................................................................................... 12 - Desdobramentos da Legalidade .......................................................... 13 - Anterioridade ........................................................................................ 13 - Irretroatividade ..................................................................................... 13 - Taxatividade ......................................................................................... 14 - Tipicidade ............................................................................................. 14 Teoria Jurídica (validade) ....................................................................... 14 - Princípio da Adequação Social ............................................................. 15 Teoria Política (justificação externa) ....................................................... 15 7) Máximas do Direito Penal ........................................... 15 8) Princípios do Direito Penal ......................................... 17 Princípio da Legalidade .......................................................................... 17 Princípio da Irretroatividade da Lei Penal ............................................... 17 Princípio da Intervenção Mínima ............................................................ 17 Princípio do Respeito Histórico ............................................................... 17 Princípio do Devido Processo Legal ....................................................... 17 Princípio da Ampla Defesa e Contraditório ............................................. 17 Princípio da Presunção da Inocência ..................................................... 17 Princípio da Culpabilidade ...................................................................... 17 Princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos ................................ 18 Princípio da Pessoalidade ou da Intranscendência Penal ...................... 18 Princípio da Proporcionalidade ............................................................... 18 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ........................................... 18 Princípio da Adequação Social ............................................................... 18 3 Princípio da Insignificância (Bagatela) .................................................... 18 Princípio da Lesividade (Ofensividade) .................................................. 20 - Diferença entre crime e contravenções penais .................................... 21 - Diferença entre crime de dano e crime de perigo ................................ 22 Análise de alguns dispositivos legais à luz do princípio da lesividade ... 22 9) Interpretação da Lei Penal .......................................... 24 Métodos de interpretação ....................................................................... 24 Espécies de interpretação ...................................................................... 24 Uso da analogia no Direito Penal ........................................................... 24 - Analogia gravosa .................................................................................. 24 - Analogia não-gravosa ........................................................................... 24 Interpretação Restritiva ........................................................................... 24 Interpretação Extensiva .......................................................................... 25 Interpretação Analógica ou Intra Legem .................................................25 Princípio in dubio pro reo ........................................................................ 25 10) Conflito aparente de normas .................................... 26 Princípio da Subsidiariedade .................................................................. 26 - Subsidiariedade expressa .................................................................... 26 - Subsidiariedade tácita .......................................................................... 27 Princípio da Consunção ou Absorção .................................................... 27 Princípio da Alternatividade .................................................................... 27 11) Teoria do crime .......................................................... 28 - Conceito material de crime ................................................................... 28 - Conceito legal de crime ........................................................................ 28 - Conceito analítico do crime .................................................................. 28 Teorias da ação ...................................................................................... 28 - Causal-naturalista (causalismo) ........................................................... 28 - Neokantiana (neoclássica) ................................................................... 29 - Finalista ................................................................................................30 - Social .................................................................................................... 31 - Significativa .......................................................................................... 31 - Funcionalista ........................................................................................ 31 Relação de causalidade (com base na teoria finalista da ação) ............ 31 Relação de causalidade nos crimes comissivos .................................... 32 Relação de causalidade nos crimes omissivos ...................................... 32 - Crime omissivo próprio ......................................................................... 32 - Crime omissivo impróprio ..................................................................... 32 Garantidores ........................................................................................... 32 Concausas .............................................................................................. 34 Agravação pelo resultado ....................................................................... 36 Crimes Materiais ..................................................................................... 36 Crimes Formais ...................................................................................... 37 Crime de Mera Conduta ......................................................................... 37 Teoria da Imputação Objetiva ................................................................ 37 - Consentimento do ofendido ................................................................. 40 - Auto-colocação em perigo .................................................................... 40 - Principio da confiança .......................................................................... 40 - Translado da responsabilidade ............................................................ 41 - Comportamento alternativo conforme o Direito ................................... 41 Ilicitude ................................................................................................... 41 Conceito formal de ilicitude ..................................................................... 41 Conceito material de ilicitude .................................................................. 42 Relação entre tipicidade e ilicitude ......................................................... 42 Teoria do tipo de injusto ......................................................................... 42 Teoria do tipo total de injusto .................................................................. 43 Legítima defesa ...................................................................................... 43 - Natureza jurídica da legítima defesa .................................................... 43 - Requisitos da legítima defesa .............................................................. 43 - Espécies de legítima defesa ................................................................. 44 Estado de necessidade .......................................................................... 44 - Requisitos do estado de necessidade .................................................. 44 Estado de necessidade .......................................................................... 44 – Requisitos do estado de necessidade ................................................ 44 4 – Espécies de estado de necessidade ................................................... 45 – Estado de necessidade em situação econômica adversa ................... 46 Diferenças entre a legítima defesa e o estado de necessidade ............. 46 Estrito cumprimento do dever legal ........................................................ 46 Exercício regular do direito ..................................................................... 47 Ofendículas ............................................................................................. 47 Culpabilidade .......................................................................................... 47 Teorias .................................................................................................... 47 Conceito .................................................................................................. 47 Elementos da culpabilidade .................................................................... 47 - Imputabilidade ...................................................................................... 47 - Potencial consciência da ilicitude ......................................................... 48 - Exigibilidade de conduta diversa .......................................................... 48 Causas excludentes da culpabilidade .................................................... 48 - Coação irresistível ................................................................................ 48 - Obediência hierárquica ........................................................................ 48 - Inimputabilidade ................................................................................... 49 Situações especiais ................................................................................ 49 - Emoção ou paixão ................................................................................ 49 - Embriaguez .......................................................................................... 49 Teoria do erro ......................................................................................... 51 Erro de tipo (tipicidade) ........................................................................... 51 - Erro de tipo essencial ........................................................................... 51 - Erro de tipo acidental ........................................................................... 52 - Erro sobre o objeto (error in objeto) ..................................................... 52 - Erro sobre a pessoa (error in persona) ................................................ 52 - Erro no curso causal (aberratio causae) .............................................. 52 - Erro sucessivo (dolo geral) .................................................................. 53 - Erro determinado por terceiro .............................................................. 53 - Erro de execução (aberratio ictus) ....................................................... 54 - Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) ........................... 55 Erro de proibição (culpabilidade) ............................................................ 55 Descriminantes putativas ....................................................................... 57 Erro de tipo permissivo (misto – erro sui generis) .................................. 57 - Teoria extremada da culpabilidade ...................................................... 57 - Teoria limitada da culpabilidade ........................................................... 57 - Problemas da teoria limitada ................................................................ 57 - Teoria que remete às conseqüências .................................................. 58 Caminho do crime (iter criminis) ............................................................. 59 - Fase da cogitação ................................................................................ 59 - Atos preparatórios ................................................................................ 59 - Atos executórios ................................................................................... 59 - Consumação ........................................................................................ 60 - Tentativa ............................................................................................... 60 - Observações importantes ..................................................................... 62Anexo ............................................................................... 64 Diferença entre dolo e culpa ................................................................... 64 Lei penal em branco ............................................................................... 67 Responsabilidade penal da pessoa jurídica ........................................... 68 Tipicidade Conglobante (RauI Zaffaroni) ................................................ 70 Funções da pena .................................................................................... 73 5 DIREITO PENAL I Professor Leandro Oliveira Silva 1) Introdução Código Penal Brasileiro (CPB) O Código Penal, elaborado com o decreto-lei 2848/40, é dividido em 361 artigos atualmente. Uma das principais modificações que sofreu foi através da lei 7209/84 (a famosa “Reforma de 84”). Ele é dividido em duas partes: a) Parte Geral Artigos 1º ao 120. – Artigos 1º ao 28: Teoria da Norma e Teoria do Crime. – Artigos 29 ao 120: Teoria da Pena. b) Parte Especial Artigos 121 ao 361. Trata dos crimes em espécie. É dividida em títulos e capítulos. Legislação Especial (Legislação Extraordinária) A legislação especial nada tem a ver com a parte especial. Trata de matéria penal, mas não está no CP. São outros crimes criados pelo legislador, mas não inseridos no CP. Exemplo: crimes contra o consumidor (lei 8078); tráfico de drogas (lei 11343/06); crimes ambientais (lei 9605/98). Observações Importantes A Constituição Federal de 1988, no seu Artigo 22, I, diz o seguinte: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Assim, legislar sobre Direito Penal é competência privativa da União. O estado de Minas Gerais, por exemplo, não pode, através de sua Constituição Estadual, criar crimes. Lei penal é lei de caráter nacional (vale para todas as pessoas, para o país inteiro). De acordo com o Princípio da Legalidade, a matéria penal (criação de crimes, definição de penas) só pode ser objeto de lei ordinária – lei no sentido estrito; aquela espécie normativa que segue os trâmites regulares para ser elaborada. A matéria penal não pode ser objeto, por exemplo, de uma medida provisória, de um decreto, de uma resolução. 6 O CP não é, na sua gênese, uma lei ordinária. Ele é um decreto-lei (ato unilateral do chefe do Poder Executivo). Segundo a ordem constitucional instaurada em 1988, matéria penal só pode ser objeto de lei ordinária. Com a Constituição de 88, houve um fenômeno chamado de recepção (normas anteriores à nova Constituição, se com ela não colidirem, são recepcionadas por ela). Assim, o CP, que na sua origem era um ato exclusivo do Presidente da República (decreto-lei), foi recepcionado na categoria de lei ordinária. Conseqüência prática: o CP só poderá ser alterado por lei de mesma categoria (lei ordinária). Isso aconteceu, por exemplo, com as leis 7209/84 e 9714/98. 2) Mecanismos do controle social Na dinâmica social, da vida organizada em sociedade, temos alguns mecanismos de controle social. Esses mecanismos do controle social podem ser: a) Instâncias formais São aquelas que são ligadas ao Estado enquanto pessoa (pertencem ao ente estatal). O Direito Penal, enquanto um conjunto de normas (ordenamento jurídico penal), é uma instância formal do controle social. Isso porque, pelo Direito Penal, o crime é definido e a pena pode ser aplicada. Ele é um braço do controle estatal. Existe uma jurisdição penal, um juiz penal, um órgão acusador penal, um órgão defensor penal, um sistema penitenciário, penas definidas, crimes definidos, sanções definidas. É um conjunto formal sancionador, e não recomendador. b) Instâncias informais As instâncias informais não pertencem ao Estado, mas também atuam no controle social. A estrutura familiar, por exemplo, é, de algum modo, uma instância informal, assim como os agrupamentos sociais e religiosos, os sindicatos. Normalmente, as pessoas não cometem condutas consideradas criminosas porque determinados valores foram obtidos por instâncias informais de controle social (família, escola, agrupamentos sociais e religiosos, etc.). Em razão disso, pessoas que nunca abriram um código penal têm a consciência do que é ilícito, do que é proibido. Não é uma consciência técnica, jurídica; é uma consciência leiga, profana, obtida nas instâncias informais do controle social. Quanto mais uma sociedade precisa do Direito Penal como instância de controle, maior é a evidência de que as coisas não vão bem nessa sociedade. Na verdade, uma sociedade ideal (embora inexistente) é aquela em que, quanto menos se precisar do Direito Penal como instância de controle, melhor. 7 3) Fato crime O crime é um fato que pertence à dinâmica social. O crime, sendo um fenômeno social, muda no tempo e lugar. Logo, quando o Direito Penal cataloga os fatos que quer considerar como crime, na verdade ele está revelando um catálogo de valores naquela sociedade, naquele tempo, naquele momento histórico. O ordenamento jurídico penal, assim, revela o catálogo de valores/bens de uma dada sociedade num determinado contexto histórico. Fenômeno da abolitio criminis: alguns fatos que eram considerados crimes numa determinada época, hoje já não são. Como, por exemplo, o crime de adultério, que era o artigo 240, CP, revogado em 2006. Isso porque esse bem jurídico (adultério) tem uma nova conformação na sociedade de hoje. Existem também alguns fatos relacionados ao meio ambiente que não configuravam crime em 1940, mas hoje são crimes na lei 9605/98, porque hoje determinados valores relacionados ao meio ambiente têm uma dignidade penal que não tinham em 1940. Usando o mesmo raciocínio, a fidelidade conjugal, em matéria penal, tinha dignidade penal em 1940 e hoje já não tem mais. Concluindo: alguns bens que tinham dignidade penal em uma época podem perdê-la, de mesmo modo que alguns bens que não tinham dignidade penal, podem adquiri-la. Dignidade penal é a qualidade que tem um bem jurídico de merecer a tutela penal. É importante dizer que, se em determinada época um bem jurídico perder a dignidade penal, não significa dizer que este bem deixou de ser um bem jurídico. Ele deixou de ser um bem jurídico penal, que tem dignidade penal, que merece a tutela penal. Ele pode perder a tutela penal, mas continuar sendo protegido por outra esfera do Direito. No caso da fidelidade conjugal, por exemplo, há uma proteção no Direito de Família. Assim, além de um dever moral, a fidelidade conjugal configura um bem jurídico. • Bem da vida (existencial): não possui tutela jurídica. Um desejo, por exemplo, de namorar uma garota. Ela, por sua vez, não tem obrigação jurídica nenhuma de ceder a este desejo. Há, entretanto, alguns bens da vida que são bens jurídicos; • Bem jurídico: possui tutela jurídica, proteção na órbita do Direito. O adultério, por exemplo, é um bem jurídico protegido pelo Direito Civil (Direito de Família); • Bem jurídico penal: possui dignidade penal. Além de ser um bem jurídico, o direito à vida também é um bem jurídico penal, pois há, no Código Penal, o artigo 121 (homicídio), que protege a vida. 4) Conceito de Direito Penal Direito Penal é um conjunto de regras que regula as condutas em uma ordenação coercitiva externa da convivência social, integrando fatos e valores a partir da tipicidade de comportamentos com o que delimita o campo do lícito e do ilícitopenal. Conjunto de regras. Regras são prescrições claras, determinadas. São comandos precisos. No Direito Penal, elas são veiculadas através das leis ordinárias, 8 que são a única espécie normativa que podem veicular uma norma penal, criando um crime e definindo uma pena. OBS: Regras e normas não são sinônimos de lei. As regras e normas são comandos, e podem ser veiculadas através de uma série de espécies normativas (artigo 59, CF): emenda constitucional, medida provisória, lei ordinária, lei delegada, decreto legislativo, lei complementar, resolução. Regula condutas através de uma ordenação coercitiva externa. As regras de Direito Penal não são aconselhadoras, são coercitivas. São externas, pois se manifestam, se revelam, se apresentam à sociedade. Trazem uma sanção penal, que pode ser a pena ou a medida de segurança. Penas podem ser privativas de liberdade (reclusão ou detenção), restritivas de direitos, e de multa. São aplicáveis aos imputáveis (aqueles que têm capacidade penal): maiores de 18 anos e possuidores de rigidez mental, de acordo com o critério biopsicológico. As medidas de segurança são aplicáveis aos inimputáveis por doença mental, ou aos semi-imputáveis por doença mental. As medidas são duas: internação em manicômios ou tratamento ambulatorial. Elas não são penas, e sim sanções penais. Os menores de 18 anos são inimputáveis (não têm capacidade penal) e se submetem às medidas sócio educativas, segundo a lei 8079/90 – ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Essas medidas não são penas nem sanções penais. Integrando fatos e valores. O ordenamento jurídico penal revela o catálogo de valores de uma dada sociedade num dado contexto histórico. Através da tipicidade de comportamentos. O legislador, para nos dizer o que é proibido e o que não é proibido em matéria penal, escolheu a técnica da tipicidade de comportamentos; a técnica de criação dos tipos penais (modelo, padrão, “tatbestand” – palavra em alemão que significa tipo). Tipo penal é um modelo de conduta descrito pelo legislador na lei penal. O Código Penal Brasileiro é o decreto-lei 2848, de 1940, mas que hoje é uma lei ordinária. Essa lei ordinária descreveu, por exemplo, um tipo penal: “Homicídio simples – Artigo 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos” Homicídio simples: nomen juris = nome jurídico (o nome do artigo); não vincula ninguém. O que vincula é o que está descrito no artigo. Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos: a primeira parte da descrição típica, onde está descrita a conduta, chama-se preceito primário. A segunda parte, onde está escrita a pena, chama-se preceito secundário (sanctio juris, ou sanção jurídica). Quando o cidadão mata alguém (o que é um fato), sua conduta encaixa-se no modelo da lei penal. O sujeito fez exatamente o que diz o código. É uma conduta típica, que possui tipicidade. Conduta típica é aquela que se encaixa perfeitamente no modelo descrito na lei penal. Essa tipicidade se chama tipicidade formal (qualidade que tem um fato de se encaixar perfeitamente no modelo descrito na lei penal). Quando a conduta se encaixa ao tipo penal, ela contraria a norma subjacente, implícita ao tipo. Exemplo: João matou Antônio. João praticou uma conduta que se encaixa perfeitamente no modelo descrito pelo Artigo 121, CP. Ele contrariou a norma implícita: não mate. 9 Delimita o campo do lícito e do ilícito penal. Com tudo isso descrito acima, difere-se o campo do lícito e do ilícito penal, ou seja, é olhando sobre a lei e sobre os tipos penais que se sabe o que é e o que não é permitido em matéria penal. Observações: 1) Quando o legislador torna um fato crime, ele, primeiramente, analisa o fato (o bem existencial). Em seguida, ele cria a norma, como por exemplo, “é proibido assediar”. Agora, ele precisa fazer com que essa norma chegue à sociedade, e, para isso, cria um tipo penal. Será comunicada uma lei número “X”, e nessa lei constará o tipo penal: no caso do assédio sexual, é o Artigo 216-A, CP. Nós, ao contrário do legislador, fazemos o raciocínio inverso. Nosso primeiro contato é com o tipo penal. O eixo da interpretação de uma norma penal é o bem jurídico que é tutelado por aquela conduta. Quando se faz qualquer interpretação penal, a primeira coisa a ser descoberta é qual o bem da vida (existencial) que recebeu, através daquela lei, dignidade penal. O bem da vida conforma e dá limites à nossa interpretação. Em cada título, sabemos qual é o bem jurídico que os crimes descritos naquele título estão protegendo. Em cada capítulo têm-se mais detalhes – há uma identificação do bem jurídico protegido. E, às vezes, o próprio artigo (o nomen juris do artigo) dá um indicativo do bem jurídico que está sendo protegido. Exemplo: Parte Especial, CP: Artigo 121. Título 1 – Dos crimes contra a pessoa; Capítulo 1 – Dos crimes contra a vida. Não se quer proteger o meio ambiente, a administração pública. Quer-se proteger a vida da pessoa. 2) Princípio da Tipicidade: todo e qualquer fato, para ser punido na órbita penal, tem que estar, obrigatoriamente, previsto na lei penal através de um tipo penal. Não há exceções. 3) O fenômeno da adequação típica, também chamado de subsunção (encaixe), tem que ser perfeito. O contrário se chama atipicidade. Não existe crime sem tipicidade formal, adequação típica. 5) Direito Penal no Estado Democrático de Direito • Estado tem o monopólio do jus puniendi Somente o Estado pode definir o crime, definir a pena e executar a pena. Ninguém, em hipótese alguma, pode executar a pena em seu próprio nome. Ninguém pode fazer justiça com as próprias mãos. Cabe, somente ao Estado, aplicar a lei penal através da jurisdição penal. • Jurisdição penal (juízo penal) Há alguém, investido pelo poder que lhe foi conferido pelo Estado para, em nome do Estado, aplicar a jurisdição penal (prerrogativa que o Estado tem de dizer o Direito em matéria penal). 10 • Vedada a vindicta privada A vingança privada é inadmissível no Estado de Direito. Não se pode fazer justiça com as próprias mãos. Exemplo: Um sujeito bateu na minha mãe. Eu posso, se quiser, agredir o agressor. Porém, responderei criminalmente pelos meus atos. “Exercício arbitrário das próprias razões Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite” Um cidadão entra na casa de uma pessoa e começa a assaltá-la e agredi-la. Nesse contexto, o Estado não a obriga que ela espere pela ação dele. Assim, tal pessoa pode fazer justiça, autorizada pelo Estado – caso de legítima defesa. • Configuração do jus puniendi hoje Qual é o formato do direito de punir do Estado hoje? a) Teoria Maximalista Os maximalistas são autores que defendem uma intervenção máxima do Direito Penal para a proteção de bens jurídicos. Além disso, são muitos os bens jurídicos que merecem a tutela do Direito Penal para os maximalistas. Defendem, também, o aumento da pena – vêem nisso a solução para a repressão e para a retenção da criminalidade. Defendem o Direito Penal máximo, como prima ratio (primeira instância). Existe um movimento hoje chamado “movimento de lei e ordem”, que é uma cópia do movimento “tolerância zero” dos Estados Unidos, no qual havia uma grande severidade na punição de qualquer tipo de crime. Esse modelo vem sendo reproduzido pela mídia. b) Teoria Abolicionista É a teoria que prega a ausência plena do Direito Penal, que não serviria para resolver o problema da sociedade, sendo uma ilusão, na qual as penas são muito simbólicas. c) Teoria Minimalista Seus defensores pugnam por um Direito Penalde intervenção mínima. Significa dizer que o Direito Penal deve intervir na tutela dos bens jurídicos mais relevantes para o convívio social, ou seja, bens jurídicos que possuam a chamada dignidade penal. O Direito Penal de intervenção mínima possui duas características: subsidiariedade e fragmentariedade. c.1) Subsidiariedade Direito Penal só deve intervir quando outros ramos do Direito não forem capazes de tutelar o bem jurídico. Se outro ramo do Direito for capaz de tutelar um bem jurídico de maneira eficiente, deve-se deixar de lado o Direito Penal – deve-se retirar desse bem a tutela do Direito Penal. Isso porque o Direito Penal não deve inchar, por ser o ramo do poder estatal que mais intervém drasticamente na vida e na 11 liberdade dos homens. Segundo os minimalistas, o Direito Penal é a ultima ratio (última instância). c.2) Fragmentariedade O Direito Penal é fragmentário, cuidando de parcelas do universo dos bens jurídicos; cuida de fragmentos, de bens jurídicos mais relevantes. Quem deve ter a sabedoria para escolher os bens jurídicos que merecem a proteção do Direito Penal é o legislador. Não se pode utilizar o Direito Penal como instrumento de tutela de todos os bens jurídicos. Devem existir limites ao legislador penal. Exemplos: Revogação do crime de adultério; Há outros ramos do Direito que resolvem essa questão, como o Direito de Família. Aqui, a tutela do Direito Penal não é necessária. Esse bem jurídico (adultério) tem uma nova conformação na sociedade de hoje, e por isso não deve possuir dignidade penal. Foi revogado em 2006. Crítica do professor ao crime de assédio sexual; O artigo 216-A é completamente desnecessário. Para o professor, o legislador brasileiro quis copiar os Estados Unidos após o escândalo de Mônica Lewinsky e Bill Clinton. Neste caso, outros ramos poderiam resolver a questão, como o Direito Administrativo e Direito do Trabalho (aplicação de multas, demissão, indenização, rescisão do contrato de trabalho). Nessa linha de Direito Penal Mínimo, existem dois fenômenos muito importantes: descriminalização e despenalização (desencarcerização). Descriminalização: retira-se o caráter criminal da conduta. É uma operação legislativa através da qual o legislador revoga determinados tipos penais, ocorrendo o fenômeno da abolitio criminis. Despenalização (desencarcerização): medida pela qual se impede o encarceramento das pessoas; impede que as pessoas sejam presas, que tenham penas privativas da liberdade. As pessoas sofrem penas restritivas de direito, pagam multas, recebem medidas alternativas, transações, acordos. O fato continua na órbita penal, continua sendo crime, mas, perante determinados requisitos, a pessoa se livra do cárcere. Exemplos: – Juizados Especiais Criminais (lei 9099/95, a partir do art. 61): Determinadas infrações se submetem a julgamento no Juizado Especial Criminal. Ao se submeterem à julgamento, os seus autores estão sujeitos à justiça consensual (justiça negociada, transacional). Os Juizados Especiais Criminais julgam infrações de menor potencial ofensivo. Para elas, há uma desencarcerização; uma intervenção mínima. Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as infrações cuja pena máxima é igual ou inferior a dois anos, cumulada ou não com multa, ou então as chamadas contravenções penais, independentemente da pena (infrações definidas no decreto lei 3688). Agressão física; Lesão corporal – artigo 129 (pena de três meses a um ano). O agressor é conduzido à delegacia, ou até mesmo diretamente ao Fórum. Por ser uma infração de menor potencial ofensivo, ele é encaminhado ao Juizado Especial Criminal. Essa agressão 12 não fica registrada em sua ficha criminal. Entretanto, se a pessoa em questão retornar num intervalo de cinco anos, não contará com essa justiça transacional e responderá pela conduta praticada como crime. Artigo 28 da Lei de Drogas (lei 11343); A pessoa que é pega cometendo as condutas descritas nesse artigo não é presa, em hipótese alguma. Ela é submetida ao procedimento do Juizado Especial Criminal, onde se submete às “penas” alternativas (medidas alternativas, que não vão para a sua ficha criminal), que podem ser: advertência, prestação de serviços à comunidade, participação em cursos. Aqui há um exemplo de Direito Penal de intervenção mínima, em que não haveria solução caso o usuário de drogas fosse preso (é uma medida desencarcerizadora); deve-se dar uma nova chance à pessoa para que ela reerga sua vida. Entretanto, caso, no intervalo de cinco anos, a mesma pessoa seja pega cometendo as mesmas condutas de antes (usando drogas), ela se submeterá à justiça comum, e responderá pelo crime do uso de drogas. As sanções são as mesmas, mas mudam de natureza jurídica, passando a ser penas. Terá este crime em sua ficha criminal e, se cometê-lo novamente (pela terceira vez), será reincidente. A conseqüência de a pessoa ser reincidente é o agravamento da pena – neste caso, varia de cinco para dez meses. 6) Teoria do Garantismo Penal É a teoria inspirada na obra Direito e Razão, de Luigi Ferrajoli. A Teoria do Garantismo Penal é um conjunto de idéias e princípios que visa a imprimir racionalidade, justiça e proporcionalidade à intervenção penal por parte do Estado. São cinco as principais idéias que são trabalhadas por essa teoria: • Estado tem o monopólio do jus puniendi; • Ao aplicar a pena, o Estado tem a função de evitar a vingança privada; • Direito Penal é um instrumento que possibilita a garantia do indivíduo que comete o crime frente o poder punitivo estatal; é um sistema de proteção do indivíduo que comete o crime perante os arbítrios estatais; • Direito Penal não é um instrumento para viabilizar ou materializar a sede da vingança privada; • Direito Penal é um instrumento para a prevenção geral do crime. É um instrumento que “possibilita” que as pessoas não cometam novos crimes; é um instrumento de prevenção, intimidação. Aspectos da Teoria do Garantismo Penal 1) Teoria Normativa O Garantismo se baseia num pressuposto fundamental que é a legalidade; é o pressuposto fundamental de uma intervenção penal garantística. O Direito Penal só intervém nos casos em que há previsão legal de punição. Ele não intervém em nenhuma situação em que não haja uma lei definindo o crime e sua respectiva sanção. Não há analogia nem comparação. O Princípio da Legalidade está definido no artigo 1º, CP e no art. 5º, XXXIX, CF, que diz: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal”. Este princípio garantista está no rol de direitos e garantias individuais, e por isso é cláusula pétrea. Sendo cláusula pétrea, esta regra não pode 13 ser mudada nem pelo constituinte derivado através de seu instrumento mais solene de mudança, que é a emenda constitucional. – Desdobramentos da Legalidade: a) Anterioridade No Estado de Direito, numa intervenção penal garantista, é absolutamente vedada a criação de uma lei de exceção ou lei de encomenda, de modo que, por uma questão de segurança jurídica, todo cidadão conheça o que é crime e qual a sanção correlata. Para uma pessoa ser punida por um determinado fato, este fato já deve estar previsto na lei penal como crime anteriormente, assim como suas respectivas sanções jurídico-penais. Caso isso não ocorra, há uma vulnerabilidade do Estado de Direito e da segurança jurídica. Exemplo: um cidadão A comete um homicídio qualificado (tem mais elementos de crueldade) no ano de 1992. Antes, foi editada a lei 8072/90 (crimes hediondos). Para tais crimes há um rigor penitenciário muito maior do que para os chamados crimes comuns. Quando este cidadão cometeu o crime, o homicídio qualificadonão estava incluído no rol dos crimes hediondos. Portanto, o homicídio qualificado não era considerado um crime hediondo. Em 1998, um cidadão B comete um homicídio qualificado, com exagerada crueldade. Porém, antes desta data, há uma movimentação espetacular na mídia através de familiares de algumas vitimas assassinadas, de modo que a lei 8072/90 foi alterada e o crime de homicídio qualificado passou a ser hediondo, com todos os rigores. Por conta do Principio da Legalidade, os crimes e seus consectários (pena, conseqüência, regime prisional) devem ser anteriormente definidos. Então, o cidadão A continua com sua pena inalterada, ao contrário do cidadão B, que é enquadrado segundo as conseqüências previstas, agora, para um homicídio qualificado (crime hediondo). b) Irretroatividade Está no art. 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (cláusula pétrea). Em regra, a lei é feita pró futuro (vale para frente). Exemplo: a lei do exemplo anterior não atinge o cidadão A por asseverar o regime; por não ser benéfica ao réu. A lei 8072/90 dizia que era vedada a progressão de regime prisional em crimes hediondos, ou seja, uma pessoa condenada por crime hediondo tinha que cumprir a sua pena em regime inteiramente fechado (cadeia). Para os crimes comuns, a progressão é de 1/6, ou seja, passado 1/6 da pena, caso o preso tenha bom comportamento carcerário, passa do regime fechado para o semi-aberto, e, da mesma forma, para o regime aberto. Até o ano de 2007, houve uma discussão ferrenha sobre a constitucionalidade do artigo que vedava a progressão de regime, com base no Principio da Individualização da Pena, que está no art. 5º, XLVI, CF. É o principio segundo o qual a pena deve ser cumprida levando em conta características individuais do condenado. O legislador pode regular a individualização, mas vedar nunca. A individualização deve ser considerada, como próprio nome diz, individualmente, e nunca em grupo – mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos. Assim, este artigo foi declarado inconstitucional, pois feria a Constituição no seu art. 5º, XLVI, de modo que todo e qualquer cidadão que comete todo e qualquer crime não pode ficar impedido de ter a sua pena individualizada. Agora, além da progressão de 1/6 para os crimes comuns, 14 quem comete crimes hediondos pode progredir (se for réu primário, progride com 2/5; se for reincidente, com 3/5). Caso Concreto: • Lei 7210/84: progressão de 1/6; • Lei 8072/90: vedação da progressão para crimes hediondos – artigo 2º, §1º da lei declarado inconstitucional (nulo); • Lei 11464/07: progressão para crimes hediondos – 2/5 (réu primário) e 3/5 (reincidentes). Individuo A, réu primário, cometeu um crime hediondo em 1999 e não lhe foi concedida a progressão por conta do art. 2º, §1º. Em 2007, após a publicação da lei, ele requer a progressão de regime. Pergunta-se: 1) Ele pode progredir? 2) Qual o quantum a ser utilizado? 1/6, 2/5 ou 3/5? Resposta: Ele pode progredir com o quantum de 1/6. Isso porque, sendo declarado o artigo inconstitucional (nulo), a eficácia utilizada é ex tunc (desde sempre), ou seja, o artigo nunca existiu. Assim, o quantum que sempre existiu foi de 1/6, possibilitando a progressão (naquela época, não havia hierarquização dos crimes). c) Taxatividade O legislador, ao criar os tipos penais, deve fazê-lo de maneira precisa, clara e determinada, evitando a utilização exagerada de elementos valorativos ou normativos; elementos para cuja compreensão precisa-se fazer um juízo de valor; elementos que geram uma margem de subjetividade; conceitos de conteúdos com grande fluidez, incompreensíveis pelos dados sensoriais (o que se vê, o que se escuta); conceitos jurídicos indeterminados. Por exemplo, os termos “honesto”, “indevidamente”, “injustamente”. d) Tipicidade O que se veicula na lei penal são tipos penais (modelos de conduta descritos na lei penal). • Tipicidade Formal: é a mera subsunção (adequação) do fato ao tipo penal; • Tipicidade Material: é uma adequação substancial (de conteúdo) que vai, obviamente, para além da tipicidade formal. A Tipicidade Penal engloba a tipicidade formal e a tipicidade material, sendo, portando, a adequação típica do ponto de vista formal e material. 2) Teoria Jurídica (validade) Aqui se faz importante distinguir a mera legalidade, ou legalidade formal, da legalidade estrita, ou legalidade substancial (de conteúdo). Uma norma goza de legalidade formal quando ela, ao ser elaborada, observa todo o procedimento legislativo para sua elaboração. Não possui nenhum vicio de forma. Assim, ela é válida formalmente (está com a “roupagem” correta). O problema pode vir no conteúdo da norma, que pode ser um conteúdo ilegítimo (em síntese, afrontando a Constituição – direitos e garantias individuais), mesmo que ela seja formalmente válida. 15 Uma intervenção penal garantista só se justifica e só se legitima com base em norma válida formal e substancialmente, ou seja, norma que não confronte os direitos individuais. – Princípio da Adequação Social É o princípio segundo o qual toda conduta que se encontra no âmbito da tolerância ou da normalidade social carece de tipicidade material. Um fato, para ser tipo-penalmente, deve ter tipicidade formal e tipicidade material. Exemplo: furar a orelha de um recém nascido (lesão corporal) é um fato tolerável pela sociedade, ou seja, não possui tipicidade material para constituir um tipo penal. Quando o legislador criou o artigo que pune a lesão corporal ele não pensou nessa conduta. Segundo o garantismo penal, o juiz só deve se vincular à normas que sejam legítimas, ou seja, normas válidas formal e materialmente. O juiz não pode ter uma visão contemplativa da norma, não pode ser um mero operador do Direito. Juiz tem que se posicionar de maneira critica, iluminada pelos direitos e garantias fundamentais. O julgador deve, portanto, saber e entender muito bem de princípios. 3) Teoria Política (justificação externa) Essa teoria diz que o Direito Penal (intervenção penal) não é auto-fundante (não se justifica em si mesmo). Existe uma justificativa externa, uma justificativa dada às pessoas. Uma das justificativas se encontra no Contrato Social, de Rousseau, que diz que sem uma entidade que controle a sociedade de maneira punitiva, ela seria um caos. Segundo Rousseau, todos nós abrimos mão de parcela de nossa liberdade, delegando poderes a um ente (Estado), que elaborará leis que serão legitimas. O Direito Penal se justifica basicamente para evitar a vingança privada, para evitar a punição arbitrária do Estado e para prevenir o cometimento de crimes. 7) Máximas do Direito Penal 1) “nulla poena sine crimen” Não há pena sem crime, sem delito: o pressuposto fático da aplicação de uma pena é a ocorrência de um delito (princípio da retributividade); 2) “nullum crimen sine lege” Não há crime sem lei (princípio da legalidade); 3) “nulla lex (poenalis) sine necessitate” Não há intervenção penal sem necessidade: remissão à intervenção mínima, subsidiariedade e fragmentariedade (princípio da necessidade); 4) “nulla necessitas sine injuria” Não há necessidade sem ofensa/lesão: só existe intervenção penal se houver ofensa/lesão – remissão à ofensividade/lesividade (princípio da lesividade); 16 5) “nulla injuria sine actione” Não há ofensa sem ação: a lesão penal só se mostra através de uma ação, que pode ser uma conduta ativa ou omissiva (princípio da materialidade/exterioridade da ação); 6) “nulla actio sine culpa” Não há conduta sem culpa: remissão à culpabilidade (princípio da culpabilidade); 7) “nulla culpasine judicio” Não há culpa sem juízo: a pessoa só pode ser considerada culpada através de um processo judicial (princípio da jurisdicionariedade); 8) “nullum judicium sine accusatione” Não há juízo sem acusação (princípio do acusatório – separação entre juiz e acusação): todo processo judicial penal se deflagra/inicia através de dois atos básicos – denúncia e queixa. A denúncia é uma petição manejada pelo Ministério Público. A queixa é uma petição feita por um advogado, contratado por um particular, para promover um processo penal contra alguém, feita no fórum (não há queixa em delegacia – nela se leva a noticia do crime). O juiz não inicia processo judicial; ele é inerte; se provocado dá impulso ao processo – o nosso sistema processual é o acusatório, apresentando distinção muito clara entre as funções do juiz, do membro do Ministério Público e do advogado. No sistema inquisitivo, uma mesma pessoa julga, acusa e defende, sendo marcado pela interferência do julgador no processo inquisitivo. Em regra geral, a maioria dos crimes se procede mediante denúncia, iniciada por promotores de justiça, pois são crimes de ação pública incondicionada, ou seja, crimes que o Estado tem interesse em apurar e punir. Há casos que são interesses do particular, como, por exemplo, o crime de estupro sem violência real, mediante ameaça (uma arma apontada pra cabeça da mulher). Assim, o advogado apresenta uma queixa mediante o juiz. Há casos em que a vítima não tem condições para contratar um advogado, sendo assim impossibilitada a apresentação de queixa por parte do mesmo. O promotor de justiça, então, faz uma ação publica condicionada à representação da vítima, apresentando uma denúncia no lugar da queixa; 9) “nulla accusatio sine probatione” Não há acusação sem provas: toda acusação deve ser fundamentada na prova, cujo ônus é de quem acusa (princípio do ônus da prova ou da verificação); 10) “nulla probatio sine defensione” Não há formação de prova, sem contraditório e ampla defesa (princípio do contraditório e da ampla defesa). 17 8) Princípios do Direito Penal Princípio da Legalidade É o princípio segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. Princípio da Irretroatividade da Lei Penal Em regra geral, aplica-se a lei vigente quando da realização do fato. Com isso preserva-se o princípio da legalidade da anterioridade da lei penal. Se a lei posterior favorecer o réu, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que estejam decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Princípio da Intervenção Mínima Também conhecido com ultima ratio do sistema, preconiza que o Direito Penal só deve tutelar os bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. Princípio do Respeito Histórico A norma jurídica deve ser interpretada de acordo com o momento histórico e os valores e anseios da sociedade em determinado tempo. Princípio do Devido Processo Legal Princípio segundo o qual ninguém será processado, sentenciado, privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Princípio da Ampla Defesa e Contraditório Princípio segundo o qual aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. Princípio da Presunção da Inocência De acordo com esse princípio, todos devem ser considerados inocentes até o transito em julgado da sentença penal condenatória. Dessa forma, esse princípio impede a execução provisória da sentença penal condenatória pendente de recurso, além de trazer legitimidade ao Direito Penal, uma vez que protege o presumido inocente. Princípio da Culpabilidade É o principio segundo o qual uma pessoa só pode ser responsabilizada penalmente por um fato se ela o causar dolosa ou culposamente. Para responsabilizar uma pessoa, deve-se demonstrar que existe um vínculo subjetivo entre ela e o fato. Assim, no Direito Penal, a única responsabilidade existente é a subjetiva. Apresenta três funções: 18 a) Vedação da responsabilidade penal objetiva. É vedada a responsabilização pela mera produção de resultado. ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível, se não houver obrado com dolo ou culpa. b) Medição da pena (grau de reprovação): quando o juiz vai aplicar a pena, ele mede o grau de reprovação da pessoa através de vários critérios que tem em suas mãos. É por isso que duas pessoas que cometam o mesmo crime podem pegar penas distintas. Impede que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade. c) Fundamento da pena: a pena só se fundamenta na medida em que a pessoa é considerada culpada. Requisitos: capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta. A ausência de qualquer um desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos Remissão à intervenção mínima, subsidiariedade e fragmentariedade. Princípio da Pessoalidade ou da Intranscendência Penal Está no art. 5º, XLV, CF, e diz que a pena não passará da pessoa do condenado. A responsabilidade penal é pessoal. Ninguém pode cumprir a pena no lugar do outro. Mas é claro que os efeitos da pena atingem outras pessoas, como os familiares do condenado. Princípio da Proporcionalidade Mesmo princípio estudado em Direito Constitucional II. A intervenção é legítima, adequada, necessária, proporcional em sentido estrito? Às vezes o próprio legislador não cumpre esse principio, atribuindo penas brandas a crimes graves e penas mais severas a crimes menos graves. Neste caso, o próprio juiz pode adequar a pena, em nome do princípio da proporcionalidade. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Relacionado ao principio da humanidade. A intervenção deve ser feita de modo a preservar a dignidade da pessoa humana, bem como sua integridade física e moral. Princípio da Adequação Social É o princípio segundo o qual toda conduta que se encontra no âmbito da tolerância ou da normalidade social carece de tipicidade material. Um fato, para ser tipo-penalmente, deve ter tipicidade formal e tipicidade material. Não se pode confundir o princípio da adequação social com a intervenção mínima. Como exemplo, pode-se citar o crime de adultério, que não é um fato tolerado socialmente, tanto que possui restrições no Direito Civil. Este crime foi revogado pela intervenção mínima, e não pela adequação social. Princípio da Insignificância (Bagatela) É o principio segundo o qual a conduta que produz uma lesão ínfima (de ninharia ou bagatela) ao bem jurídico penalmente tutelado, embora tenha tipicidade formal, carece de tipicidade material. Tem como objetivo fazer com que o Direito Penal não intervenha diante de lesões muito pequenas, ou seja, quer-se evitar que a 19 máquina jurídica penal se movimente em favor de uma lesão muito insignificante. É um princípio aplicado com muita freqüência nas decisões dos tribunais. No âmbito da insignificância, a conduta é considerada atípica, embora tenha tipicidade formal. O que vemos na jurisprudência, em regra, é a aplicação desse princípio em crimes patrimoniais, especialmente em crimes de furto. Neste principio devem-se considerar dentro de um contexto: valor do bem (no caso de furto), condição econômica da vítima, periculosidade social da conduta (não do réu). A aplicação do principio da insignificância variará de casopara caso; no caso de crimes patrimoniais não há quantidade determinada, valores financeiros determinados. Tudo depende de um contexto. Exemplo: no dia 24 de dezembro, um sujeito, passando pela fábrica da Pif Paf, invade o galpão dos frangos e furta um animal para comemorar o natal com sua família. Ele foi pego, mas segundo o tribunal, foi absolvido, dada a aplicação do princípio da insignificância. Entretanto, se o mesmo sujeito roubasse uma galinha de uma senhora que vendesse frangos pela estrada, e que dependesse da renda proveniente dessa atividade para que sua família pudesse sobreviver, o mesmo tribunal poderia condená- lo, pois a condição econômica da vitima deve ser considerada. • NÃO CONFUNDIR: 1) – Aplicação do principio da insignificância – Crime de menor potencial ofensivo (lei 9099/95) O crime de furto não é um crime de menor potencial ofensivo, dada a pena máxima possível (quatro anos). Para ir a julgamento no Juizado Especial Criminal, deve ser um contravenção penal ou um crime cuja pena máxima não ultrapasse dois anos. O furto segue o processo comum no procedimento ordinário (penas iguais ou maiores de quatro anos). O principio da insignificância pode ser aplicado a crimes de menor potencial ofensivo sem sequer submeter o processo ao Juizado Especial Criminal. Há crimes que não vão ao Juizado Especial Criminal, mas que podem ser alvo da aplicação do princípio da insignificância, da mesma forma que há crimes que vão ao Juizado Especial Criminal, mas que também podem ser alvo da aplicação do princípio. 2) – Insignificância – Coisa de pequeno valor (especialmente o crime de furto – art. 155, § 2º, CP): furto privilegiado Insignificância: verifica-se o valor do item furtado, bem como todo o contexto da circunstância fática, e se percebe que o fato é atípico, não necessitando da intervenção do Direito Penal. Coisa de pequeno valor: há circunstâncias em que não se pode aplicar a insignificância, seja pela condição econômica da vítima ou pelo valor do item não ser tão ínfimo assim (mas ainda menor que um salário mínimo, segundo decisões jurisprudenciais). Quando se tem essas quantias de pequeno valor que são furtadas, pode-se aplicar o furto privilegiado (a pena pode passar de reclusão para detenção e pode haver a diminuição da pena de 1/3 a 2/3). Diferença: caso seja aplicada a insignificância, o fato é atípico; o sujeito é absolvido por atipicidade. Se não se aplica a insignificância, e o bem furtado possui 20 um valor inferior a um salário mínimo, pode-se considerar este bem como uma coisa de pequeno valor, podendo-se aplicar o furto privilegiado; aqui o fato é típico, o sujeito foi condenado por furto, que vai pra sua ficha criminal, podendo gerar reincidência. No âmbito do furto, não há que se confundir pequeno valor com valor insignificante. O primeiro pode caracterizar o furto privilegiado, com a previsão, pela lei penal, de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta. O valor insignificante, necessariamente, exclui o crime diante da ausência de ofensa do bem jurídico tutelado. Princípio da Lesividade (Ofensividade) É aquele segundo o qual só se justifica a intervenção penal diante de uma lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. Uma conduta lesiva caracteriza-se pela alteridade e exterioridade. Se não há lesão, não se deve haver intervenção. Nem toda conduta é lesiva, mesmo que se exteriorize. Segundo este princípio, a conduta deve se exteriorizar e atingir a esfera do outro, ou um bem jurídico do outro, sendo assim altera. Funções: 1) Proibir a incriminação de atitudes internas, como, por exemplo, desejos, vontades. O sujeito pode até falar – após uma avaliação, o aluno fracassa e diz “queria ver o professor morto” – desde que não configure uma ameaça (art. 147, CP). 2) Proibição da incriminação de condutas desviantes do padrão social: não se pode incriminar a pessoa por ser funkeira, por exemplo; por ter uma opção sexual diferente do padrão social; por ser petista. 3) Proibir a incriminação de atos que não exorbitem o âmbito do próprio autor. A auto-lesão (cortar o próprio dedo de propósito, por exemplo) não atinge a esfera do outro, ou seja, não pode ser punida. A pessoa que se mutila propositalmente, para poder se aposentar por invalidez, por exemplo, pode ser processada por estelionato. Na época da edição da lei de drogas, houve uma discussão (mais doutrinária do que jurisprudencial) sobre a constitucionalidade do uso de entorpecentes em razão do princípio da lesividade. Num Estado de Direito, só se justifica a intervenção do Direito Penal diante de uma conduta lesiva. Caso se entenda que o uso de drogas é uma auto-lesão, a intervenção é inconstitucional. Entretanto, os tribunais, de maneira unânime, entendem que o uso de entorpecentes é um crime sim, de perigo abstrato. A lesividade está aqui em razão da saúde pública, porque o bem jurídico penalmente tutelado na lei de entorpecentes não é a saúde individualmente considerada. Há uma previsão no CPB, no art. 17, que não se pune nem a tentativa de crime impossível, por conta da ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto. Um dos fundamentos da não punição se dá em razão do princípio da lesividade, uma vez que não há o elemento alteridade – não atingiu a esfera jurídica de outrem. 21 Exemplos: Impropriedade do objeto – um cidadão invade uma casa e desfere tiros contra uma pessoa deitada na cama, com o dolo/intenção de matar. Entretanto, quando procedida a perícia, provou-se que a pessoa havia morrido vitima de uma parada cardíaca algumas horas antes dos disparos. Quando o agente deu os tiros querendo matar, não existia mais o objeto do crime de homicídio (pessoa viva). Assim, ele não pode ser punido nem pela tentativa de crime. Ineficácia do meio – um indivíduo, com intenção de matar, coloca na comida de outra pessoa um pó branco que julgara ser veneno. Mas nada aconteceu com essa pessoa, pois, na verdade, o pó era farinha de trigo. Também são impuníveis em razão do principio da lesividade os atos preparatórios; atos que antecedem o início da execução (manejar arma, ficar de tocaia). Estes atos, em si mesmos considerados, são impuníveis. Porém, há atos preparatórios que são tipificados pelo legislador como crime, como por exemplo a quadrilha (associação de três ou mais pessoas para o cometimento de crime). Outro exemplo disso: petrechos para falsificação de moeda (tinta, papel, máquinas). 4) Incriminação de estados (comportamentos morais) Diferença entre Direito Penal do fato e Direito Penal do autor: o Direito Penal do fato refere-se à intervenção penal que se volta, fundamentalmente, para o fato cometido pelo autor. Por outro lado, o Direito Penal do autor, refere-se à intervenção penal que se volta, fundamentalmente, para o autor que comete o fato. No Estado de Direito, tem-se que fazer prevalecer o Direito Penal do fato. Mas, na verdade, não existe um Direito Penal do fato puro. É obvio que ao punir alguém, tem-se que levar em conta características pessoais, da personalidade, dos seus antecedentes, da conduta social. Não se pode, entretanto, trazer para o juízo de reprovação características veementemente pessoais do autor que nada tenham a ver com o fato. Exemplo: não se pode aumentar a pena de uma pessoa porque ela tenha tendência à personalidade criminosa por ser uma macumbeira. Outra característica do Direito Penal do autor, no plano da criação de delitos, é quando o legislador cria determinadas figuras típicas que na verdade são incriminações de modos de vida, ou seja, incriminações de comportamentos morais. A lei de contravenções penais está repleta dessas incriminações.Diferença entre crime e contravenções penais A diferença está na punição, mas ambos são infrações penais. Os crimes são punidos com reclusão, detenção e multa, isoladamente ou cumulativamente. As contravenções são punidas com prisão simples, de tempo máximo de cinco anos, cujo rigor penitenciário é suavizado, mínimo. Entretanto, em regra geral, toda contravenção vai para o Juizado Especial Criminal, ou seja, não há prisão. Contravenção não gera reincidência, e também não se pode punir tentativa de contravenção. 22 Diferença entre crime de dano e crime de perigo Crime de dano: aquele em que ocorre uma lesão, um dano efetivo. A maioria dos crimes é de dano. Aqui o bem jurídico tutelado foi lesionado. Crime de perigo: aquele em que ocorre uma colocação em perigo de lesão. Aqui o bem jurídico tutelado foi posto em perigo de lesão. a) perigo abstrato: aquele em que o perigo é presumido, ou seja, praticada a conduta presume-se que o bem jurídico foi colocado em perigo; não se precisa verificar no caso concreto. Exemplo: soltar balões; transportar substância inflamável em desacordo com a legislação. b) perigo concreto: aquele em que, para haver consumação, precisa-se verificar a ocorrência do perigo nas circunstancias concretas/fáticas. Exemplo: causar incêndio; dirigir sem habilitação. OBS.: O problema dos crimes abstratos, discutidos por parte da doutrina, é a resistência ao conceito de perigo abstrato, por conta do principio da lesividade, da alteridade. Em muitos casos não há uma ofensa ao bem jurídico. Outro problema é com base no princípio do contraditório e da ampla defesa: não há o que se discutir, pois o perigo é presumido. Entretanto, a maioria esmagadora dos tribunais adotam a idéia do perigo abstrato para condenar. Análise de alguns dispositivos legais à luz do princípio da lesividade • Lei de trânsito (lei 9503/97; art. 309): “Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano: Penas - detenção, de seis meses a um ano, ou multa” OBS.: A pessoa que era pega dirigindo sem habilitação respondia pelo crime do 309, porque no inicio, todos os tribunais entendiam que “gerando perigo de dano” era um perigo abstrato. Hoje os tribunais mudaram de posição, sendo este um crime de perigo concreto. A pessoa que é pega não demonstrando perigo à segurança do trânsito, não responde por esse crime; ela responde administrativamente. • Lei ambiental (lei 9605/98; art. 42): “Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano: Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente” OBS.: o indivíduo que solta balões, uma vez praticada esta conduta, o crime já está consumado, independentemente das alegações do autor (“meu balão possui absoluta segurança”, etc.); no caso de incêndio, o que está tutelado não é o patrimônio individual, mas sim a incolumidade pública de um número indeterminado de pessoas. • Lei de drogas (lei 11343/06; art. 28): “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo” 23 OBS.: O art. 28 (apelidado “uso de drogas”) configura um crime; na nova lei, não houve uma descriminalização. Entretanto, houve uma desencarcerização, ou seja, pela prática do uso de drogas não existe pena privativa da liberdade (prisão); as únicas penas cominadas são as penas elencadas no artigo. Existe uma discussão na doutrina e na jurisprudência acerca da aplicação do princípio da insignificância relativamente ao crime do art. 28 quando o cidadão for pego portando uma pequena quantidade de substância entorpecente. Quando ocorria isso, a defesa alegava que se tratava de um fato atípico materialmente, pois a quantidade portada era ínfima e não havia lesão ao bem jurídico protegido (saúde pública), embora estivesse enquadrado formalmente. Existem divergências nos tribunais, mas ainda é maioria a não-aplicação do princípio da insignificância sob o argumento de ser um crime de perigo abstrato. Sendo de perigo abstrato, não adianta, no caso concreto, querer mostrar que a quantidade era ínfima e que não havia perigo concreto contra a saúde pública. • Lei de armas (lei 10826/03; art. 12 e art. 14): “Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”; “Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.” a) Arma desmontada e arma imprestável: neste ponto, a jurisprudência é unânime – trata-se de um fato atípico materialmente, pois não há lesividade. b) Acessórios: se o individuo portar um coldre, por exemplo, enquadra-se na descrição do art. 12, ou seja, há tipicidade formal. Entretanto, carece de tipicidade material, sendo assim, um fato atípico. c) Munição e arma desmuniciada: existem duas posições. A primeira diz que portar arma desmuniciada ou munição separadamente é crime por se tratar de um perigo abstrato (é um perigo presumido à saúde publica). A segunda, para ambos os casos, diz que não é crime por falta de tipicidade material; não há potencialidade lesiva. OBS.: O art. 10 da lei 9437/97 foi revogado. Dizia que a pessoa que portasse arma de brinquedo incorria num crime. Um dos fundamentos é o princípio da lesividade (não há potencial lesivo). Arma de brinquedo não é arma, é brinquedo. Exemplo: Uma pessoa comete um roubo com uma arma de brinquedo. Todo roubo cometido com o uso de arma sofre um aumento de pena (é uma causa de aumento de pena). Era comum que houvesse a determinação do aumento de pena para a pessoa condenada por roubo com uso de arma de brinquedo. A súmula 174 do STJ autorizava o aumento da pena se houvesse a utilização de arma de brinquedo. Entretanto, essa súmula foi cancelada sob o argumento da lesividade; a pena aumenta por conta do risco, e não da ameaça e do medo. 24 9) Interpretação da Lei Penal Métodos de interpretação – Interpretação filológica: busca-se o sentido literal do texto; – Interpretação teleológica: busca-se a razão e o sentido (ratio) da norma (o que ela pretende); – Interpretação histórica: interpretação à luz do contexto histórico no qual a norma foi criada; Espécies de interpretação – Interpretação autêntica: feita pelo legislador, que dá o significado de determinada terminologia, expressão (por exemplo, art. 327, CP, dando o significado de “funcionário público” para fins de Direito Penal); – Interpretação judicial: dada pelos juízes, pelos tribunais; – Interpretação doutrinária: dada pelos doutrinadores, estudiosos. Uso da analogia no Direito Penal Analogia não se confunde com interpretação extensiva ou mesmo com interpretação analógica. A analogia não é forma deinterpretação, mas de aplicação da norma legal, com função integrativa da norma jurídica, e não interpretativa. Assim, com a analogia, busca-se preencher uma lacuna da lei. O art. 4º da Lei de Introdução do Código Civil diz que o juiz não pode efetuar o non liquet, ou seja, não pode deixar de decidir, deixar uma situação ilíquida, sem solução. O juiz tem o dever de dizer o Direito para todos os casos concretos. Quando não há lei (quando a lei for omissa), o juiz deve utilizar, nessa ordem, a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (determinados dogmas que foram se solidificando em determinada matéria jurídica; não devem ser confundidos com princípios constitucionais, que estão acima de tudo). Na analogia, busca-se no ordenamento jurídico um caso semelhante àquele que esta sendo julgado. Quando se encontra esse caso semelhante, aplicam-se as normas deste para aquele no qual não há normas solucionadoras. Dá-se preferência, pela analogia, ao texto positivado – por isso ela deve ser o primeiro instrumento. • Analogia gravosa (in malam partem; em prejuízo da parte): NUNCA pode ser utilizada em Direito Penal. É toda aquela analogia que se faz para aumentar/criar pena, criar crime, prejudicar a situação do réu. Aqui, a justificativa é o principio da legalidade; Exemplo: Crime de bigamia, art. 235, CP. Um individuo, vivendo em união estável com sua companheira, vai para o Acre, encontra uma índia e se casa com ela. Este fato é descoberto e o indivíduo é denunciado. Em juízo, é alegado que, apesar de não ser casado antes, mantinha uma relação equivalente ao casamento, e por isso estava sendo denunciado sob o argumento da bigamia. Isso não é permitido, pois houve aqui uma analogia em prejuízo da parte envolvida, não sendo possível a aplicação da pena. • Analogia não-gravosa (in bonam partem; em benefício da parte): SEMPRE pode ser utilizada em Direito Penal. Aqui, a justificativa é a equidade. Exemplo: O art. 128, CP, é uma espécie de causa de exclusão da ilicitude para o crime de aborto. Ele diz que a pessoa que adquire uma gravidez resultante de estupro pode autorizar, se for capaz, o médico a fazer o aborto. Este aborto não será crime, 25 pois foi cometido sob a proteção de uma cláusula de exclusão da ilicitude. Se a gravidez resultar de um atentado violento ao puder, em tese, não seria permitido o aborto sob essa proteção. Entretanto, em um caso julgado, o tribunal, por analogia, permitiu o aborto. Interpretação Restritiva Estamos diante de uma intervenção restritiva quando o legislador disse mais e o intérprete restringe o alcance daquela norma, ou seja, o legislador disse de forma muito ampla e genérica e o intérprete restringe o alcance daquela norma. Não há criação de crime nem de pena; há apenas uma interpretação restritiva. Exemplo: art. 26 e art. 28, CP. No artigo 28 (“a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos”), o legislador não especificou o tipo de embriaguez; referiu-se a qualquer tipo dela. O intérprete, entretanto, deve saber que quando estiver diante da embriaguez patológica, pode equipará-la a uma doença descrita no art. 26 (“é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”). Interpretação Extensiva Estamos diante de uma interpretação extensiva quando o legislador disse menos e o intérprete alarga o campo de extensão da norma. “Alargar” não pode significar criação de crimes nem criação de penas; é apenas uma questão de interpretação. Exemplo: Bigamia (art. 235, CP), que diz “contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. Uma pessoa que se case mais de duas vezes será enquadrado neste artigo, apesar dele se referir apenas a dois casamentos (bigamia). Interpretação Analógica ou Intra Legem É quando a própria lei (o próprio artigo) pede que se use a analogia. Exemplo: Art. 28, que diz “álcool e outras substâncias de efeitos análogos”. Princípio in dubio pro reo A expressão significa “na dúvida, a favor do réu”. É um princípio que se aplica preponderantemente no processo penal em matéria probatória (análise de provas). Não é um princípio de Direito Penal. Funciona da seguinte maneira: o juiz, num julgamento, diante de todo um conjunto probatório, pode se ver ainda em dúvida. Assim, na dúvida, é dever do juiz absolver o réu na hora da sentença. Isso porque é muito melhor ter um condenado na rua do que um inocente na cadeia. No campo da interpretação das normais penais, deve-se ter muito cuidado com o princípio in dúbio pro reo. Neste campo, o intérprete deve buscar a todo custo o alcance do verdadeiro sentido da norma. 26 10) Conflito aparente de normas O conflito aparente de normas se dá quando há uma unidade fática e uma pluralidade normas que, aparentemente, podem ser aplicadas. Exemplos: 1) João importou drogas (art. 334, CP e art. 33 da lei 11343) Art. 334: “Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. Art. 33 da lei 11343: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. 2) Maria é mãe de Júlia e a matou após o parto sob influência da depressão pós- parto (art. 121, CP e art. 123, CP) Art. 121: “Matar alguém”. Art. 123: “Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. 3) José, funcionário público, fez-se valer de seu cargo para furtar bens do escritório em que trabalha (art. 155, CP e art. 312, CP) Art. 155: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Art. 312: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”. De acordo com o princípio non bis in idem, ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato cometido. Portanto, quando se está diante de um conflito aparente de normas, e quando se tem uma norma geral e uma norma especial que, aparentemente, podem resolver o problema, o princípio que resolve este conflito é o princípio da especialidade, que diz que norma especial afasta a aplicação de norma geral. Assim, as pessoas dos exemplos acima seriam enquadradas nos artigos 33 da lei 11343, 123 e 312 do código penal, respectivamente. Princípio da Subsidiariedade Não se pode confundir este princípio com a subsidiariedade da intervenção mínima. Aqui, este princípio é utilizado para resolver um conflito aparente de normas. É o princípio segundo o qual o crime subsidiário é afastado ante a ocorrência do crime principal. Na subsidiariedade, tem-se um fato que só será aplicado dada a não- ocorrência de um fato mais grave. a) Subsidiariedade expressa: o próprio tipo penal diz que é um crime subsidiário. Exemplo: art. 132, CP (“Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave”). Uma babá deixa, intencionalmente, um frasco com remédios ao alcance de uma criança. Esta criança toma o remédio, passa mal, mas é socorrida a tempo e nada acontece. Em tese, a babá pode responder por esse 27 crime. Entretanto, se a criança morresse, ela responderia
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