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Invenções Clínico-Políticos na Intervenção da Psicologia na Favela

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1 
 
INVENÇÕES CLÍNICO-POLÍTICAS NA INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA 
NA FAVELA1 
 
Livia Fortuna do Valle2 
Thiago Colmenero Cunha3 
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho4 
__________________________________________________ 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil 
 
O presente artigo surge da experiência no projeto de pesquisa-intervenção 
“Construindo um processo de escolhas mesmo quando ‘escolher’ não é um verbo 
disponível”, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 
Brasil. O projeto é constituído em torno de uma nova proposta de intervenção, a Análise 
do Vocacional, questionando as hegemônicas práticas de orientação marcadas pelo 
paradigma estatístico, que afirmam vocações supostamente adequadas às personalidades 
então desconhecidas. Nessa proposta, o psicólogo surge como aquele que não mais 
determina caminhos, mas que os problematiza. Não partindo de uma concepção que 
entende o sujeito como um “em-si”, mas compreendendo a noção de subjetividade 
como algo que se produz por meio de agenciamentos e atravessamentos de processos 
históricos – não mais descolada de sua condição política –; a Análise do Vocacional 
aposta em um outro olhar e em uma nova clínica, que engendra com os sujeitos novas 
possibilidades de construção de demandas e caminhos. 
 Palavras-chave: Psicologia; pesquisa-intervenção; clínica; política. 
 
 
 
 
 
 
1 Referência bibliográfica do texto: VALLE, L. F.; CUNHA, T. C.; BICALHO, P. P. G. 
Les inventions clinico-politiques dans l'intervention de la psychologie dans la favela. Bulletin de 
Psychologie, v.2, p.125 - 132, 2015. 
2 Psicóloga graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Discente do curso de Mestrado em 
Psicologia da Universidade Federal Fluminense – liviafvalle@yahoo.com.br 
3 Psicólogo e Discente do curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – 
colmenerocunha@gmail.com 
4 Doutor em Psicologia, Professor do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em 
Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – ppbicalho@ufrj.br 
2 
 
INTRODUÇÃO 
 
A pesquisa-intervenção “Construindo um processo de escolhas mesmo quando 
‘escolher’ não é um verbo disponível” ocorre desde 2006, atuando em quatro 
comunidades: Nova Holanda, Morro do Timbau, Vila do João e Baixa do Sapateiro, que 
compõem com mais 12 (doze) favelas o Complexo da Maré5. O projeto é realizado em 
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) com atividades 
voltadas para a preparação de jovens moradores de favelas do Rio de Janeiro que 
pretendem ingressar em universidades públicas. 
A Maré é uma extensa região que margeia a baía de Guanabara desde a 
Fundação Oswaldo Cruz até o Aeroporto Internacional Maestro Antônio Carlos Jobim, 
localizada entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha. Por ser originariamente um local 
de vegetação composta por terrenos alagadiços, manguezais e pântanos – 
progressivamente aterrados pelo poder público a partir da década de 1940, 
reconfigurando o espaço com o predomínio de casas de palafitas – a população local, 
juntamente com o governo, cunhou o local sob o nome “Maré”, referindo-se ao 
fenômeno natural que afligia os moradores locais (Silva, 2006). 
Esta região foi ocupada desde o início do período colonial, quando exercia um 
importante papel econômico tanto no escoamento de produtos através dos portos 
localizados nas proximidades quanto no aproveitamento da geografia local com os 
mangues. A criação das ferrovias no século XIX e o deslocamento da importância dos 
portos para a estação ferroviária da Leopoldina fez com que este lugar entrasse em 
declínio, sendo apenas na década de 1940 que um certo desenvolvimento é retomado, 
com a abertura da Avenida Brasil e a criação de indústrias na região. Devido a esta 
facilidade de transporte e proximidade dos locais de trabalho, a região passou a ser 
ocupada por trabalhadores, registrando uma aglomeração de casas construídas com 
palafitas – pedaços de madeira ou estacas usadas para sustentar habitações em 
ambientes alagadiços. 
Na década de 1980, com o chamado “Projeto Rio”, houve a erradicação deste 
tipo de moradia pelo governo, acompanhado de um projeto de reassentamento de 
famílias, também encontrado na década de 1990. Apenas em 1994, com o Projeto de Lei 
nº 2119, do prefeito César Maia, a Maré foi fundada como um bairro, teoricamente 
 
5 O Complexo de Favelas da Maré passará a ser referido por “Maré” ou “Complexo”, tal como é definido 
por seus moradores. 
3 
 
passando a ser tratada pelo governo não mais como favela, mas como uma área dita 
urbanizada. Entretanto, é curioso notar que mesmo sendo reconhecidamente um bairro, 
muitos moradores ainda se identificam com bairros vizinhos, como Bonsucesso ou 
Manguinhos. 
Além disso, vale ressaltar que o Complexo da Maré abriga atualmente 132 mil 
habitantes, segundo o Censo Maré 2000, divididos em 16 comunidades, entre favelas 
originais e conjuntos residenciais construídos para abrigar a população removida das 
palafitas. A Maré, de acordo com este censo, possui uma média de 3,4 habitantes por 
domicílio, próxima dos números encontrados em nível nacional, regional e municipal. 
Mas na comparação das taxas de densidade demográfica, verifica-se que possui cerca de 
21.400 habitantes por km², enquanto o município do Rio de Janeiro apresenta uma 
média de 328 habitantes por km² (IBGE, 2010). Tais comparações apontam para uma 
intensa densidade populacional, em um território marcado por construções surgidas de 
forma desordenada, ocupando todo o espaço disponível. Há, deste modo, ausência de 
espaços coletivos, de arborização, de ruas e avenidas. Todo o espaço é preenchido com 
habitações e pequenas vielas por onde circulam os moradores, sem a possibilidade de 
circulação de automóveis. O processo intenso de ocupação é um fator básico para 
definir alguns aspectos da paisagem da Maré. Destacam-se, em particular, a ausência de 
árvores, a escassez de espaços vazios, a verticalização de parte das residências e a 
intensa circulação de pedestres e de diversos meios alternativos de transporte, como os 
chamados ‘mototaxis’. 
A população se distribui por cerca de 38 mil domicílios e, caso recebesse o status 
de município, ele ocuparia a 18ª posição no estado do Rio de Janeiro e a 11ª na região 
metropolitana da cidade do Rio de Janeiro. 
Se compararmos o percentual de analfabetismo, exploração do trabalho infantil e 
distribuição de renda da Maré com o de outras favelas do Rio de Janeiro, poderemos 
encontrar grandes semelhanças. Hoje, das 16 comunidades da Maré, apenas oito 
possuem Postos de Saúde, que dispõem de atendimento ambulatorial com os Programas 
de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)6 ou de Saúde da Família (PSF)7. Há também 
um Centro Municipal de Saúde com algumas especialidades médicas, tais como 
 
6 Programa de saúde do governo de atendimento local, a partir de reorientação de assistência ambulatorial 
e domiciliar, objetivando prevenir doenças por meio de informações e de orientações sobre cuidados de 
saúde. (Brasil, 2001) 
7 Programa de saúde do governo com foco o âmbito familiar, permitindo uma compreensão ampliada do 
processo saúde/doença, incluindo ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de 
doenças e agravos mais frequentes. (Brasil, 2001) 
4 
 
pediatria, ortopedia e clínica médica, que servem de referência para toda a área da Maré. 
(Silva, 2012). 
 Embora não existam mais na Maré as palafitas8, que marcaram sua imagem 
durante muitasdécadas, suas moradias ainda hoje se mantêm precárias; casas muito 
pequenas, com cômodos que cumprem duplas funções e de paredes geminadas, o que 
impede qualquer tipo de privacidade. 
Ressalte-se, ainda, que serviços de utilidade pública como bancos e agências de 
Correios não estão disponíveis no Complexo, apesar de sua população ser maior do que 
a de 80% dos municípios do Brasil. 
Existem na Maré 16 escolas públicas e sete creches comunitárias, além de várias 
escolas privadas de pequeno porte, voltadas para a Educação Infantil e para o Ensino 
Fundamental. O Ensino Médio é contemplado com a oferta de três escolas públicas para 
toda a região – incluindo os bairros próximos à Maré. 
Segundo o Censo Maré, realizado em 2000, o percentual de moradores 
analfabetos e maiores de 14 anos chega a quase 10%, índice muito superior ao do 
município do Rio do Janeiro (3,4%). Quanto aos rendimentos, menos de 1/3 dos seus 
trabalhadores afirma receber, em reais, o equivalente a mais de quinhentos dólares por 
mês. No que concerne à exploração do trabalho infantil, 2% das crianças de 10 a 14 
anos residentes na Maré exercem alguma atividade de trabalho; no município do Rio de 
Janeiro este índice é de 0,6%. 
A presença dos moradores no ensino superior público, que no ano 2000 não 
chegava a uma dezena, na atualidade passa de duas centenas: o que reflete o esforço de 
projetos que buscam a transformação da favela pela inserção de seus moradores na 
universidade. 
O censo demográfico brasileiro de 2010 incluiu em suas análises os então 
denominados aglomerados subnormais, definidos como “certo grau de generalização de 
forma a abarcar a diversidade de assentamentos irregulares existentes no País, 
conhecidos como: favela, invasão, grota, baixada, comunidade, vila, ressaca, mocambo, 
palafita, entre outros”. (IBGE, 2010, p.18). A definição do conceito de aglomerado 
subnormal foi resultado de reuniões, realizadas no final da década de 1980, entre o 
IBGE, representantes da comunidade acadêmica e de instituições governamentais. 
(IBGE, 2010). O primeiro censo brasileiro que tratou desta temática em publicação 
 
8 Nova Holanda, a principal comunidade da Maré, é assim denominada pois na época da existência das 
palafitas os moradores deslocavam-se em pequenos barcos, daí a alusão aos canais de Amsterdã. 
5 
 
específica foi em 1950, que resultou na obra “As favelas do Distrito Federal e o Censo 
Demográfico de 1950” (IBGE, 1953), quando foi apurado que 7,2% da população do 
Distrito Federal – à época a cidade do Rio de Janeiro – era composta de moradores de 
favelas. Desde então, com a aceleração do processo de urbanização do Brasil, o 
problema ganhou maior dimensão e complexidade. 
Os dados recentes (IBGE, 2010) apontam que o Rio de Janeiro possui 763 
aglomerados subnormais, com 426.965 domicílios (19,9% do total de domicílios da 
cidade) e uma população de 1.393.314 (22,2% da população da cidade do Rio de 
Janeiro). 
 
A ANÁLISE DO VOCACIONAL COMO UMA APOSTA CLÍNICO-POLÍTICA 
 
No contexto capitalista, encontramo-nos permeados por um paradigma político-
econômico cujos agenciamentos instituem a noção de “êxito”. Fundamentado no valor 
do lucro, este êxito desencadeia uma busca incessante pela otimização da produção em 
relação ao tempo. Desse modo, a ideia da “pessoa certa no lugar certo” surge no 
discurso de empregadores e empregados enquanto dispositivo de poder que nos 
atravessa e acompanha, mediada pelo objetivo de “ser alguém na vida”. Atuando 
microfisicamente por meio das diversas práticas cotidianas, esta ordem social produz 
certos modos de existir, impedindo criações que escapem dos limites estabelecidos, e 
instituindo modos de ser indivíduo como processos de subjetivação (Bartalini, Sasso, 
Bicalho, 2010). 
Segundo Auterives Maciel (2005), nas sociedades contemporâneas, a criação de 
um novo modo de existência nos tem sido cada vez mais impossibilitada: “O campo das 
escolhas se revela inteiramente controlado pelos mecanismos de poder que se exercem 
sobre a nossa subjetividade” (p.52). A interpelação clínica deste problema no biopoder 
urge assim como um dispositivo ético necessário para efetuar resistências que 
engendrem novos modos de pensar o processo de escolhas. 
A discussão disparada por Deleuze e Parnet (1988) sobre agenciamentos 
coletivos e linhas de segmentaridade convoca-nos a tê-los como intercessores em nossas 
análises. A pertinência de suas presenças neste artigo justifica-se por dois motivos. 
Primeiro: a partir da teoria sobre as linhas de segmentaridade, afirma-se que as 
múltiplas afetações que atravessam a produção de subjetividades – que terão lugar em 
diferentes registros – favorecem o estudo dos processos de escolha em sua dimensão 
6 
 
complexa. Segundo: os autores apontam a extrapolação dos regimes de subjetivação de 
maior rigidez e propõem análises com potências e fluxos mais fugazes e mais insidiosos 
– estes também produtores de subjetividades – como alvo de nossas problematizações. 
Deleuze nos fala sobre a constituição do indivíduo a partir de agenciamentos 
quando afirma que “indivíduos ou grupos, somos feitos de linhas, e tais linhas são de 
natureza bem diversa” (Deleuze, Parnet, 1998, p. 145). Especificamente sobre o 
problema da profissão participando deste processo, compondo agenciamentos, o mesmo 
autor nos fala: “uma profissão é um segmento duro...” (p. 146). O autor afirma a 
existência de três espécies de linhas, sendo o “lugar” da produção de subjetividades seu 
entrecruzamento. 
Há linhas de segmentaridade dura, linhas molares e fragmentárias, que 
compartimentam a vida segundo uma lógica binária (produtora de cortes). Cada 
compartimento ou segmento compreende instituições, experiências de duração, modos 
de ser, bem determinados. Passamos de um segmento a outro, pela trajetória “a família 
– e depois a escola – e depois o exército – e depois a fábrica – e depois a aposentadoria” 
(Deleuze, Parnet, 1998, p. 145). 
Existem também linhas de segmentaridade mais flexíveis, moleculares, que 
traçam pequenas modificações, mobilizando fluxos a limiares em acelerações e 
lentificações descontínuas, diferindo do ritmo da “história” traçada pelas linhas duras. 
Corresponde à maneira como o indivíduo investe e participa da reprodução dos códigos 
sociais em vigor, quando ele introduz sua pequena irregularidade nas formas 
socialmente disponíveis (Zourabichvili, 2004). 
Existem, ao mesmo tempo, linhas que rompem com o previsível, levando-nos 
para além dos segmentos das linhas molares, assim como para além dos limiares das 
linhas moleculares. São as linhas de fuga, algo como o contrário de um destino. O que 
pode ser compreendido como introduzir a desorganização no campo das regularidades, 
o que “não significa o vazio ou o caos, mas antes um ‘corte’ no caos” (Zourabichvili, 
2004, p. 58), configurando agenciamentos próprios. 
Cabe aqui ressaltar que, apesar da separação conceitual dessas linhas de força, 
estas não existem enquanto verdades entre si, nem existem independentes umas das 
outras. Assim, temos que as linhas moleculares produzem desvios, carreando fluxos de 
desterritorialização entre os segmentos, traçando uma nova linha no meio da linha 
segmentária. Toda desterritorialização pressupõe uma reterritorialização, que a 
7 
 
acompanha. Trata-se de dois movimentos que na verdade compõem um só, do qual 
participam as três espécies de linhas. Estes movimentos são agenciamentos da produção 
coletiva de modos de ser, que servem de alicerce para o trabalho pretendido pela 
Análise do Vocacional, que propõe seguir as linhas e seus desvios, os fluxos e suas 
intensidades,os segmentos e seus recortes, buscando questionar quais são as potências e 
os perigos sobre tais linhas. 
A relação entre o sujeito e o mundo encontra-se mediada por noções-constructos 
como a ideia de vocação, que serve à lógica de divisão do trabalho. Esta, por exemplo, 
surge produzindo um sujeito que “não poderia mais conceber sua vida sem o trabalho, 
sem um contrato que lhe fixasse numa função já delineada (...) que lhe assegurasse um 
digno lugar no social” (Frotté, 2001, 24), tornando-se naturalizada como uma 
“identidade profissional” necessária e precisando ser “descoberta”. 
Desse modo, as práticas orientadoras da profissão emergem como uma exigência 
da modernidade de cultivar um caráter preventivo de adequação ao trabalho, baseadas 
na ilusória existência de um determinado homem para um determinado lugar 
ocupacional. Auxiliando-o na tarefa de encontrar seu lugar destinado na cadeia 
produtiva – e, ‘consequentemente’, na sociedade – tais práticas, juntamente com noção 
de vocação, aparecem como forma totalizante de identificar indivíduos a suas aptidões, 
preparando e qualificando o homem para assumir seu lugar esperado na produção 
(Frotté, 2001). 
Distanciando-se dos paradigmas que inicialmente consolidaram a área da 
escolha profissional, a Análise do Vocacional não busca desvelar e afirmar vocações, 
esquadrinhando e determinando os sujeitos em lugares pré-concebidos para sua 
existência. Afastando-se de práticas adaptadoras desta lógica normativa, parte-se de 
uma outra concepção de sujeito e de um outro lugar para o psicólogo, não mais 
afirmador das essências ou verdades de um determinado ‘Eu’ constantemente reificado. 
Ao colocar em análise o constructo vocação, retiramos este de um sentido previsível e 
inquestionável para ser um disparador dentre outros em um processo de 
questionamento. Não concebendo mais o sujeito como um “em-si”, ou uma “entidade 
individuada” (Guattari, Rolnik, 2010, p. 31), mas compreendendo-o como um 
agenciamento coletivo de enunciação – uma subjetividade que se produz de forma 
8 
 
aberta e contínua, a partir de processos coletivos e heterogêneos que se atravessam9 – a 
Análise do Vocacional aposta em um outro olhar; em uma clínica que não descola os 
sujeitos de suas condições políticas e coletivas de possibilidade. 
Guattari e Rolnik (2010) entendem a subjetividade como produzida na 
transversalidade dos múltiplos elementos que compõem a vida, como o trabalho, a 
cultura, a sociedade, a sexualidade e o inconsciente, estabelecendo inúmeras 
possibilidades de existência. 
 
Os processos de subjetivação não são centrados nos agentes 
individuais – funcionamento de instâncias intrapsíquicas, egóicas, 
microssociais – nem em agentes estritamente grupais. Esses processos 
são duplamente descentrados, implicando o funcionamento de 
máquinas de expressão que podem ser tanto de natureza extrapsíquica 
ou extraindividual quanto de natureza infra-humana, infrapsíquica, 
infrapessoal. (Guattari, Rolnik, 2010, p. 31). 
 
Com isso, Guattari e Rolnik (2010) retiram a subjetividade do campo 
estritamente individual e passam a dimensioná-la no âmbito de todos os processos de 
produção social e material, recusando a ideia de uma subjetividade universal. Do 
mesmo modo, também não se trata de uma subjetividade recipiente de objetos 
exteriores, a subjetividade é produzida no entrecruzamento das diversas vozes que 
compõem a vida. 
Segundo Abreu e Coimbra (2005, p. 47), se “toda clínica é, a um só tempo, 
produto e produção de uma certa política de subjetivação”; ou seja, se entendemos 
clínica e política como indissociáveis, podemos afirmar a Análise do Vocacional como 
uma nova proposta clínico-política, na medida em que coloca em questão processos 
hegemônicos de individualização. Ao apostar na desconstrução de modos de existência 
instituídos, esta intervenção potencializa possibilidades de invenção de outros modos de 
agir no mundo, deixando de ser uma mera técnica de adaptação à realidade que se 
pretende neutra e a-política (Abreu e Coimbra, 2005). Trata-se, pois, de inclinarmo-nos 
sobre a processualidade das intervenções que, concebida de forma indissociável da 
política da qual resulta e sobre a qual quer incidir, carrega consigo sempre certa 
dimensão da clínica, pois opera desvios num plano que é sempre do coletivo, porque da 
ordem da subjetivação. 
 
9 O conceito de atravessamento considera as diversas dimensões sociais voltadas para a reprodução da 
sociedade (instituído, organizado) e resistência à transformação pressuposta pela utopia social e seus 
princípios, que se interpenetram para fundar conceitos, procedimentos, valores. (Baremblitt, 1996). 
9 
 
Desse modo, trata-se de uma prática de resistência – que confronta processos de 
captura do desejo – para que seja possível a construção de caminhos outros, além 
daqueles determinados pelas diversas tecnologias ordenadoras da vida. Através do 
dispositivo grupal, acompanhamos processos de escolhas em práticas que não ‘orientem 
vocações’. Deixamos de orientar ou ‘encaixar’ sujeitos em opções já dadas e passamos a 
possibilitar espaços para a (re)invenção de si e das escolhas, a partir do momento em 
que se coloca foco na escolha como um caminhar, e não como dada em si mesmo. 
Parte-se da concepção de sujeitos em devir: 
 
Pois também uma linha de subjetivação é um processo, uma produção 
de subjetividade (...): ela está para se fazer, na medida em que o 
dispositivo o deixe ou torne possível. É uma linha de fuga. Escapa às 
outras linhas (Deleuze, 1996, p. 2). 
 
É preciso, portanto, deixar ou tornar possível uma outra produção de 
subjetividade, permitir movimentos de fuga das demais linhas endurecedoras. Nesse 
sentido, os encontros da Análise do Vocacional tentam promover condições para “que 
cada um, grupo, ou indivíduo, construa o plano de imanência onde ele leva sua vida e 
seu empreendimento” (Deleuze, Parnet, 1998, p. 112). 
 
A ANÁLISE DO VOCACIONAL COMO CARTOGRAFIA DE UM PROCESSO 
COLETIVO 
 
A intervenção da Análise do Vocacional acontece e é entendida como um 
processo de grupo, partindo da ideia deste como dispositivo10, por fazer entrecruzar e 
emergir diversos modos de perceber e sentir o mundo. Essa multiplicidade possível no 
grupo possibilita produções de pistas para uma análise das formas de ser sujeito, que 
podem então ser problematizadas com o mesmo. 
 O trabalho da Análise do Vocacional se propõe a colocar em análise ideias como 
vocação e escolha profissional: a questão profissional é utilizada então como 
disparadora para pensar os processos de escolha ao longo da vida. Atravessando o 
imperativo da escolha profissional, ganham visibilidade questões que dizem respeito 
não só à carreira, mas também a escolhas outras. Por consequência, esta intervenção 
 
10 Podemos ilustrar essa compreensão do grupo em: “Um dispositivo é, antes de mais nada, um conjunto 
multilinear, composto por linhas de naturezas diferentes (...) Qualquer linha pode ser quebrada (...) e está 
submetida a variações. Desenredar linhas de um dispositivo, em cada caso, é construir um mapa, 
cartografar, percorrer terras desconhecidas (...).” (Deleuze, 1996, p. 1). 
10 
 
acontece também como movimento de escuta dos anseios dos jovens, não objetivando 
indicar-lhes receitas de como proceder para melhor escolher, mas desestabilizando 
pontos endurecidos e permitindo movimentos de invenção. Assim, a vocação não é 
entendida como um dom natural, ou uma essência dada que deve ser desvelada, ou 
como aquilo que define um lugar certo para cada sujeito. Acreditamos em sujeitoshistoricamente produzidos, e na escolha como um processo, isto é, o entrecruzamento 
de forças que faz emergir naquele momento tal caminho como o melhor, mas que está 
sempre aberto a novas experimentações. 
E como fazer isso? O trabalho se desenrola em três etapas: entrevista individual, 
encontros em grupo, devolutiva individual na forma de um laudo psicológico. A 
proposta leva em consideração os efeitos do processo, até chegar o momento da 
devolutiva individual. Entende-se que a interrupção deste processo precisa acontecer 
para que cada sujeito possa dar potência às suas escolhas de forma emancipatória, 
podendo-se buscar outras intervenções a partir disso, se o surgimento desta demanda for 
um efeito da Análise do Vocacional. 
Por não deixar de produzir saberes enquanto intervém no mundo, promovendo 
diferentes efeitos políticos, a Análise do Vocacional é compreendida, portanto, como 
uma cartografia, metodologia de pesquisa-intervenção. Segundo Passos e Barros (2010), 
a cartografia supõe outro pesquisar: não se dando de um modo prescritivo, reverte o 
sentido tradicional de método em que se ‘pesquisa-caminha’ para alcançar metas pré-
fixadas, optando pela possibilidade de (re)inventar suas metas, priorizando antes o 
caminhar. 
Acompanhando também as implicações da intervenção produzidas no 
pesquisador como efeito do pesquisar-intervir sobre seu suposto objeto, o percurso de 
investigação assim proposto, orientado pela experiência, coloca em questão os ideais de 
objetividade, neutralidade e imparcialidade do conhecimento. 
Pode-se então retomar o termo “cartografar” empregado por Deleuze (1996) para 
definir o trabalho do grupo como uma cartografia de mapas de enunciações, na medida 
em que o grupo enuncia e vai se construindo enquanto mapa cujas pistas vão surgindo 
continuamente enquanto o constroem. 
Nos grupos realizados entre os anos de 2006 e 2013, além dos temas “vocação” 
e “vestibular”, surgiram discussões sobre as diferenças entre a favela e o restante da 
cidade, a educação pública, e a lógica dos projetos sociais das ONGs locais, por 
exemplo. Ao provocar estranhamentos sobre o que atravessa o cotidiano, os grupos 
11 
 
constituem-se como maquinações de um outro agir político que se entrelaça com uma 
prática psi. 
Quando pensamos em escolhas, tendemos a seguir lógicas dualistas e 
excludentes com base naquilo que achamos mais ou menos provável. Uma vez que as 
escolhas, na condição de alternativas determinadas, “são produzidas no indivíduo como 
um campo das expectativas imaginárias referido aos saberes integradores das forças 
políticas” (Maciel Junior, 2005, p.54), espera-se que os questionamentos do grupo 
sejam capazes de conduzir o indivíduo à “escolha da escolha” (Maciel Junior, 2005), 
isto é, escolher não entre um arsenal possível de soluções já dadas, mas a partir da 
criação de novos possíveis. 
Procurando escapar do que se apresenta como fato, pode-se então criar 
um campo problemático, percebendo que tramas foram compostas, 
principalmente aquelas não anunciadas como relevantes, desatando os 
nós e criando outras composições (Frotté, 2001, p.62). 
 
 
 
A PROPOSTA DOS ENCONTROS DE GRUPO 
 
Uma abordagem inicial pensada para disparar o processo dos encontros foi o 
dispositivo da entrevista, experiência compartilhada entre entrevistador e entrevistado, 
estabelecida no domínio da linguagem, em que se acompanha o movimento e, mais 
especificamente, os instantes de ruptura, os momentos de mudança presentes nas falas11. 
Esta é realizada com cada interessado em fazer o grupo como uma forma de 
levantamento das demandas e expectativas em relação ao trabalho. Em seguida são 
realizados aproximadamente dez encontros em grupo. Acredita-se que o trabalho em 
grupo permite outros modos de experimentar as situações cotidianas, produzindo 
desestabilizações em sentidos já dados a determinadas experiências, e proporcionando a 
invenção de outras maneiras de lidar com a dificuldade da escolha. É deste modo que, 
segundo Frotté (2001), o grupo desestabiliza e produz mudança como forma de fazer 
ver e falar outras lógicas. 
 
11 A utilização da entrevista como dispositivo refere-se à aposta de que ela pode ser capaz não só de 
acompanhar processos como também, através de seu caráter performativo, neles intervir, provocando 
mudanças, catalizando instantes de passagem, esses acontecimentos disruptivos que nos interessam 
conhecer. (Tedesco, Sade e Caliman, 2013). 
12 
 
Os encontros são preenchidos por pistas e dispositivos12 construídos a partir das 
discussões realizadas pelos próprios participantes, servindo como disparadores para a 
abertura de linhas e cruzamentos que escapem ao já constituído, produzindo diferenças. 
Dessa forma, as atividades são propostas baseadas nas demandas trazidas a cada 
encontro, de forma que não há um roteiro pré-estabelecido. Dentre as atividades no 
grupo podemos citar como técnicas: dinâmicas de grupo, jogos, leituras, produções e 
discussões de textos, além de atividades com músicas e até mesmo desenhos. Busca-se 
uma intervenção sem um roteiro pré-concebido, mas um processo acompanhado em 
seus agenciamentos, entendendo cada encontro como singular e criador da própria 
temporalidade de seu processo. Ao final dos encontros em grupo, como forma de 
devolutiva do processo, cada participante recebe um laudo psicológico13, no qual não há 
uma direção ou caminho definido para o sujeito, mas uma tentativa de fazê-lo 
questionar seu próprio processo no grupo. 
 
ALGUNS EFEITOS POLÍTICOS DOS GRUPOS DE ANÁLISE DO 
VOCACIONAL NA MARÉ 
 
 
Acho que é hora da gente parar de se vitimizar. 
(Estudante do Curso Pré-Vestibular) 
 
 Por meio do trabalho da Análise do Vocacional, deu-se visibilidade às falas de 
sujeitos que vivem na favela e que se colocam como “pisados, ignorados e oprimidos 
pela sociedade”, ou ainda “como um hiato, na gramática. Todas as letras são iguais, 
pessoas da mesma sociedade, mas tem algo que os separa, alguma regra que eu não 
entendo.” Ao oferecer um espaço de fala àqueles de quem sempre se fala, estamos 
fazendo política, na medida em que engendramos rupturas em relações de poder 
endurecidas. Frases como as citadas acima, ditas por integrantes dos grupos, ilustram 
um pouco desses espaços de fala, da crença no encontro como potência. Rompimento 
com o senso comum da favela e sobre quais seriam suas demandas, o psicólogo retira-se 
 
12 “Pistas e dispositivos” é a forma de denominarmos as dinâmicas construídas para fazer surgir a fala dos 
participantes, diferentes daquelas que sugerem a utilização de técnicas pré-definidas em livros ou 
manuais. 
13 Utiliza-se o laudo psicológico como forma de devolutiva como estratégia de desestabilizar o 
hegemônico sentido deste instrumento como desvelador de verdades. 
13 
 
do lugar de quem as determina para estas serem construídas pelos próprios sujeitos 
moradores. 
É importante assinalar que os grupos de Análise do Vocacional tiveram 
surpreendentes efeitos, pois se configuraram como espaços de troca e discussão sobre 
temas variados, como: educação, diversidade, profissão, política, mercado de trabalho, 
relacionamento, juventude, corpo, preconceito, drogas, sexualidade, morte, dinheiro, 
favela, ou ainda, como por exemplo, questões sociais, principalmente no que tange à 
desigualdade vivida no Complexo da Maré. Os discursos dos participantes podem ser 
tomados por esta análise como presenças políticas potentes que, no território existencial 
formado pelo grupo, provocaram fissuras em uma lógica de produção/atendimento de 
demandas vividapor esses sujeitos na favela; já que os grupos deram-se como lugares 
de construções desejantes, como grupos-sujeito (Deleuze e Guattari, 2010). Uma fala 
que exemplifica isso, a respeito da estigmatização da subjetividade dos moradores de 
favela foi de uma estudante que, comentando sobre a diferença entre as pessoas do 
território favela e do território não-favela, disse: “A pessoa rica, quando anda 
descabelada, é estilo, mas se eu, que moro na favela, andasse descabelada na rua, iriam 
falar: ‘tinha que ser pobre/favelada mesmo’. Então, o rico pode ficar desarrumado, mas 
o pobre não pode”. 
Essa questão do grupo-sujeito faz-se importante para entender como a saída pelo 
coletivo é potente no sentido de uma nova construção de escolhas. Como nos afirma 
Vidal (1986, p.48): “A questão consiste, portanto, em saber se o grupo é sujeito da 
cadeia significante que enuncia, se é agente coletivo de enunciação, ou se é perpassado 
por um discurso possuidor de normas de cuja produção não participou: se é grupo-
sujeito ou submetido”. 
 Como já afirmara Deleuze (2010) sobre a possibilidade de se promover outra 
noção de cidadania: “Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos 
completamente o mundo, nos desapossaram dele” (p.222). Mas como recuperar o 
mundo? Um grupo pode ou não se tornar sujeito dos seus enunciados e práticas, pode 
ou não se confrontar com a falta de sentido, confrontar-se com o que assumir como sua 
plenitude? O grupo pode vir a ser sujeito de uma transformação molecular, 
micropolítica de seus próprios objetos, engendrando assim outras produções de desejo 
que possam colocar em análise o instituído. Apostando em novos espaços-tempo, 
mesmo de superfície ou volumes reduzidos, os efeitos dos encontros, sempre de 
14 
 
antemão desconhecidos, ainda assim são apostas de micropolíticas: algo como recuperar 
o mundo. 
 Parte-se aqui da proposta da Análise do Vocacional como uma aposta: os 
encontros abrem espaço para a diferença na medida em que nestes se compartilham e 
questionam escolhas. A partir de seus próprios mecanismos – na maioria das vezes 
inapreensíveis – pode-se possibilitar a construção de novos possíveis. 
 Dentro disso, é plausível a tentativa de resignificar também os direitos por outras 
construções, garantindo-os e afirmando-os enquanto diferentes modos de sentir, existir, 
pensar e estar no mundo. Pode-se propor outros modos de pensar as demandas, como já 
dissera acima um participante: “construir por nós mesmos”. O que seria isso? Em vez de 
encaixar os sujeitos, legitimar condições já postas, pode-se ousar desencaixar; produzir 
outros “encaixes” em movimentos de empoderamento do mundo que pode ser assim 
reinventado (para si mesmos, para nós, para outros...). 
Além das problematizações e dos agenciamentos políticos vividos, muitos afetos 
puderam ser experimentados nos grupos de Análise do Vocacional. A seguir, deixemos 
os próprios sujeitos participantes dos grupos falarem sobre o seu processo, que um dia 
fora uma aposta. 
 “É bom pensar o porquê das coisas”, fala de um participante sobre o processo 
do grupo, acrescentando que, em pouco tempo no grupo, já havia pensado e refletido 
sobre si de forma mais intensa do que em qualquer outro período de sua vida. 
 Um outro sujeito, ao ler a devolutiva que produzimos, falou que não acreditaria 
se lhe falassem que aquelas reflexões partiram dele, pois sempre se achou inferior aos 
outros e estava surpreso diante do que havia dito. 
 Um participante disse que, com o processo do grupo, pôde refletir mais sobre 
questões sociais e políticas. Afirmou que mudou sua opinião a partir das discussões 
levantadas por colegas no grupo, e disse que, ao longo do grupo de Análise do 
Vocacional, cada um deu um pouco para o grupo e foi construído algo coletivamente: 
“O mais importante é o que a gente troca aqui”. 
Um outro participante disse que, ao longo do encontro com as diferenças no 
processo do grupo, ele assimilou o pensamento dos outros integrantes e repensou suas 
opiniões, falando de forma curiosa e interessada na descoberta desse processo diante das 
diferenças. 
 Sobre a questão das diferenças que emergiram no grupo, outro participante falou 
dos embates de opinião em relação a outros integrantes e da dificuldade desse processo, 
15 
 
falando que aprendeu a lidar com opiniões divergentes, o que lhe parece positivo para o 
seu futuro profissional, pois quer ocupar uma função que exige trabalho em grupo. 
Questionando seus motivos em passar tanto tempo no curso pré-vestibular sem saber o 
que quer fazer profissionalmente, esse mesmo integrante resumiu sua experiência no 
grupo: “Se depender, para mim, foi muito mais significativo ter estado esse tempo aqui 
com vocês do que ter feito esse tempo todo de aulas”. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Podemos estimular outros caminhos para as práticas psi, principalmente para 
aquelas que se dão no âmbito de políticas públicas e suas instituições, ou em projetos 
sociais de vários segmentos. Dispondo-nos mais vibráteis e atentos às singularidades 
que teimam em transbordar, dão-se condições de possibilidade ao desejo que vem 
colocar em análise si próprio e o mundo de onde se reproduz ou rompe. Seja o que for 
que os sujeitos desejem dizer, pensar, compartilhar; o espaço do encontro vem para 
questionar o que deriva de todas as direções, transversalisando determinismos sobre a 
construção do sócius. 
A importância de exercer uma psicologia crítica, presente, é justamente abrir 
buracos, para que os estudantes e integrantes dos grupos possam respirar, entrarem 
novos ares, saírem dos caminhos e vãos que grandes estruturas sempre fizeram e bem 
demarcaram. Pensar assim é olhar para os adolescentes como fuinhas, toupeiras. A 
partir do “plantio da semente crítica e questionadora” - como bem disseram duas 
coordenadoras de um dos espaços em que atuamos - novas reflexões e buracos surgirão, 
sempre possibilitando novas formas de pensar a educação, as escolhas e outros tantos 
temas que atravessam a vida destes jovens. 
Movendo criações para que de forma autêntica possam construir suas demandas, 
os grupos fazem da produção do viver, já tão apaziguado (por relações de poder, 
medicalização, assistencialismo, serialização dos desejos, rotinas de trabalho, educação 
finalista), uma formação de condições para seu escape inventivo. 
A potência dos encontros é vivida e levada, sendo, acima de tudo, uma aposta. A 
proposta de intervenção em grupos da Análise do Vocacional acredita em uma clínica 
problematizadora como política, possibilitadora de práticas outras, apontadas para o 
desejo e para a discussão de outras escolhas. O que estas escolhas serão, ou seus efeitos, 
isso fica por fazer e refazer. 
16 
 
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