Buscar

As condicionalidades de educacao do PBF

Prévia do material em texto

ISSN 2176-1396 
 
AS CONDICIONALIDADES DE EDUCAÇÃO DO PROGRAMA BOLSA 
FAMÍLIA: PERCEPÇÕES DA COMUNIDADE ESCOLAR EM UM 
MUNICÍPIO DE PEQUENO PORTE 
 
Roberta Rezende Oliveira
1
 - UFF 
 
Grupo de Trabalho – Políticas Públicas, Avaliação e Gestão da Educação Básica 
Agência Financiadora: não contou com financiamento 
 
Resumo 
 
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise das percepções da comunidade escolar de um 
município de pequeno porte no estado do Rio de Janeiro acerca da condicionalidade de 
educação do Programa de Transferência de Renda Bolsa Família. Para tanto, a proposta foi 
investigar o objeto através de metodologia qualitativa, a partir de um referencial teórico 
crítico que discute as desigualdades escolares de forma relacional. Sendo assim, para o 
levantamento de dados realizou-se entrevistas semi-estruturadas com atores estratégicos na 
implementação da política de educação em âmbito local. A pesquisa foi realizada com foco 
em três escolas públicas municipais, escolhidas com base na disposição de informações no 
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e 
classificadas de acordo com suas respectivas pontuações no Índice da Educação Básica 
(IDEB). Procurou-se compreender de que forma os profissionais da educação atribuem 
sentido à condicionalidade de educação do Programa Bolsa Família, com a qual, tanto os 
alunos e suas famílias, quanto às escolas devem se relacionar. Entre outras questões, 
investigou-se em que medida a condicionalidade relativa à frequência escolar tem incidido em 
melhorias no cotidiano escolar, seja quanto à maior presença dos alunos beneficiários na 
escola, seja quanto a uma efetiva melhoria no rendimento escolar destes. Conclui-se que, não 
há discrepâncias entre as percepções dos atores entrevistados, que ressaltam que a 
condicionalidade de educação não tem se materializado em incremento dos índices de 
aproveitamento escolar, embora tenha resultados positivos no que tange à frequência e a 
evasão. Por fim, verifica-se a baixa disposição intersetorial entre os vários atores responsáveis 
pela implementação da política de educação fundamental no município, onde, estes atuam de 
forma burocratizada longe de uma perspectiva ampla de proteção social. 
 
Palavras-chave: Programa Bolsa Família. Condicionalidades de Educação. Evasão Escolar. 
 
1 Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutoranda em Política Social pela 
Universidade Federal Fluminense. E-mail: robertaoliveira@id.uff.br. 
13776 
 
Introdução 
O Programa Bolsa Família (PBF) foi implementado em 2004 instituindo em seu 
escopo interventivo, ao menos três objetivos básicos, a saber: aliviar a pobreza de forma 
imediata mediante a transferência direta de renda; apoiar o desenvolvimento das capacidades 
da família através da integração com programas complementares que visam capacitar os 
adultos para sua inserção no mercado de trabalho buscando romper com a situação de 
vulnerabilidade financeira; e, contribuir para a redução da reprodução do ciclo de pobreza 
entre as gerações mediante o acúmulo de “capital humano” através das condicionalidades 
(BRASIL, 2006). É sobre este último objetivo que o presente artigo se insere. 
As condicionalidades do PBF, já estabelecidas em seus antecessores2 Bolsa Escola 
(2001) e Bolsa Alimentação (2001) funcionam no sentido de constituir compromissos, aos 
quais as famílias beneficiárias devem aderir para permanecer no Programa. Fica assim 
instituído mediante a Lei 10.836, de 2004 que cria o PBF em seu artigo 3º que a concessão 
dos benefícios depende do cumprimento de condicionalidades relativas: ao exame pré-natal, 
ao acompanhamento nutricional, ao acompanhamento de saúde, e à frequência escolar de 85% 
para crianças e adolescentes de 06 (seis) a 15 (quinze) anos de idade, e de 75% para 
adolescentes na faixa etária de 16 (dezesseis) e 17 (dezessete) anos de idade (BRASIL, 2008). 
Para nós importa enfatizar a condicionalidade de educação. O objetivo desta parte do 
pressuposto de que, maior escolaridade equivale à melhor inserção no mercado de trabalho. 
Para tanto, a proposta de investimento da escolarização na população mais pobre tem como 
pano de fundo a lógica de que essa parcela encontra-se em situação de vulnerabilidade 
principalmente dado o baixo investimento em capital escolar que marca o perfil desta. 
A partir disto é importante mencionar que a magnitude que o PBF assume na agenda 
social impulsiona uma gama de estudos que visam investigar os reflexos deste sobre o quadro 
da pobreza em território nacional. Já as condicionalidades, também têm sido amplamente 
pesquisadas com vista a se apreender de que forma estas atuam sobre a vida do público alvo. 
Dado nosso foco sobre a condicionalidade de educação, convém ressaltar que o 
objetivo deste estudo é justamente fazer uma análise sobre a percepção dos atores envolvidos 
 
2 O PBF integrou quatro programas de transferência de renda prévios. São eles: o Programa Nacional de Renda 
Mínima Vinculados à Educação (2001); o Programa Bolsa Alimentação (2001); o Programa Auxílio Gás (2002) 
e o Cartão Alimentação (2003) (BARBOSA, 2013, p. 63-65). A proposta de unificação propunha reverter a 
fragmentação das ações no campo do social, racionalizando os custos com a administração de quatro programas 
de transferência de renda antes geridos separadamente, otimizando assim, esses recursos (LAVINAS,2004,p.69). 
13777 
 
no universo escolar que lidam diretamente com os alunos atingidos por essa condição. A 
proposta é compreender qual o sentido que estes atores atribuem à imposição de uma 
contrapartida voltada à frequência escolar de crianças e adolescentes, pensando assim, sobre 
os reflexos desta condicionalidade sobre os índices de frequência, evasão e rendimento destes 
alunos no sistema escolar em âmbito local. 
Sendo assim, a metodologia aqui empreendida trata-se de uma proposta de pesquisa de 
viés qualitativo. Isso porque, enquanto a maior parte de pesquisas sobre as condicionalidades 
do Programa utilizam-se de uma metodologia de cunho quantitativo (BRASIL, 2007; 
BRASIL, 2012; AMARAL; MONTEIRO, 2013), demonstrando os impactos positivos da 
condicionalidade sobre os índices de frequência e evasão escolar relacionados aos alunos 
beneficiários se comparado com o público geral da rede pública; é pífia a produção de estudos 
que se valham de uma abordagem qualitativa como a que propomos neste estudo. 
Também é importante mencionar que, para a análise empírica utilizamo-nos de um 
referencial teórico crítico, que visa tratar as desigualdades educacionais a partir de uma 
perspectiva relacional. Isso significa dizer que, nos aproximamos de uma vertente que 
compreende que o investimento escolar e o incremento em “capital humano” estão 
correlacionados a fatores diversos, dentre os quais destacamos o contexto sócio-cultural e 
econômico em que os atores estão inseridos, que não são passíveis de serem mensurados a 
não ser a partir de uma investigação mais minuciosa. 
A opção epistemológica tem por pressuposto um campo de possibilidades que só 
conseguem ser apreendidos diante de uma pesquisa profunda, onde a subjetividade tende a 
revelar características de um coletivo maior. Neste aspecto, a técnica de pesquisa escolhida 
para uma compreensão aprofundada do objeto de estudo foi a entrevista, que segundo Minayo 
et al. (2005, p.91) são conversas com finalidade. 
Utilizamos entrevistas semi-estruturadas com a combinação de perguntas abertas e 
fechadas, onde o entrevistado tem a liberdade de discorrer sobre o tema em questão 
(MINAYOet al., 2005, p.91). O município selecionado para a pesquisa foi Carmo, cidade 
localizada no interior do Rio de Janeiro, onde foram escolhidas todas as escolas públicas 
municipais que constavam com dados no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas 
Educacionais Anísio Teixeira (INEP). A partir de tais dados foi possível classificar as escolas 
com base em seus respectivos IDEBs (Índice da Educação Básica), como forma de 
diversificar a amostra. 
13778 
 
Sendo assim, foram encontradas três escolas públicas municipais, onde demos ênfase 
ao primeiro segmento do ensino fundamental. Os atores entrevistados nestes três respectivos 
universos foram: professores, diretores, vice-diretores, coordenadores pedagógicos e 
orientadores educacionais. 
Para tanto, o presente estudo divide-se em 2 seções além desta introdução. A seção 
seguinte visa trabalhar os aspectos relacionados à pesquisa empírica acerca da percepção dos 
educadores frente à condicionalidade de educação voltada à frequência escolar, e os reflexos 
destas sobre os índices de frequência, evasão e rendimento dos alunos beneficiários. Por fim, 
na 2ª e última seção sintetizamos as principais conclusões encontradas na análise. 
Percepções da comunidade escolar acerca da condicionalidade de educação do PBF em 
Carmo- RJ: 
Para efeitos de contextualização, o município de Carmo situa-se no interior do estado 
do Rio de Janeiro a 186,6 quilômetros da capital. Com uma população estimada de 17.434 
habitantes, o município divide-se entre área urbana e rural, onde a maior parte reside na área 
urbana: 13.470 e 3.964 respectivamente (IBGE, 2010). 
Pensando no nosso objeto, o PBF tem como foco famílias que são escolhidas mediante 
a renda per capita destas. Os valores estipulados dizem respeito a duas linhas 
predominantemente: a primeira refere-se à linha caracterizada por indigência, a qual encontra-
se atualmente no valor de R$77,00 per capita familiar; enquanto a segunda refere-se à linha 
de pobreza, que atualmente encontra-se entre R$77,01 e R$154,00 per capita familiar. Assim, 
para a inclusão no PBF faz-se necessário que a família esteja dentro das margens de 
rendimento propostas, seja a que qualifica: a extrema pobreza que dará acesso ao benefício 
básico e aos benefícios variáveis, dependendo da composição familiar; ou a pobreza, que dará 
acesso aos benefícios variáveis que estão vinculados à presença de gestantes, nutrizes, 
crianças e adolescentes no domicílio. 
Neste momento, convém chamar a atenção para alguns dados. Podemos destacar que 
dentro do contingente populacional no município de Carmo constava no ano de 2014 um total 
de 2.627 famílias inscritas no Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal. 
Este cadastro é um instrumento que permite identificar famílias de baixa renda que são as que 
possuem renda mensal de até meio salário mínimo per capita familiar, ou renda mensal de até 
três salários mínimos. Tal cadastro possibilita conhecer a realidade socioeconômica das 
13779 
 
famílias servindo como um facilitador para a inserção das famílias dentro deste perfil em 
programas sociais que visam intervir nas vulnerabilidades as quais estas se encontram, dentre 
os quais, o Programa Bolsa Família (BRASIL, 2015). 
Em Carmo, das 2.627 famílias inseridas no Cadastro Único, 1.342 é o número de 
famílias beneficiadas pelo PBF no município. Deste total de famílias beneficiárias, 1.109 
possuíam renda per capita familiar de até R$77,00, valor este que caracteriza a extrema 
pobreza. Com base em tais valores, que se referem ao ano de 2014, convém mencionar que a 
cobertura do Programa no referido ano chegou a um percentual de 111,3% da estimativa de 
famílias pobres no município (BRASIL, 2014) 
Dado o grau de focalização que perpassa o PBF, fica claro que estamos nos referindo a 
uma população com baixa disposição de investimento em capitais de todos os tipos: familiar, 
cultural, escolar e econômico. Capitais estes que estão distribuídos de forma diferencial na 
estrutura social, garantindo privilégios a determinados grupos em detrimento de outros 
(SOUZA, 2009). 
A condicionalidade de educação é assim compreendida como forma de intervir no 
ciclo de pobreza desta população no longo prazo. Entretanto, partimos do pressuposto de que 
o “sucesso” escolar não depende invariavelmente apenas da maior presença do aluno em sala 
de aula. Isso porque, maior inserção no sistema escolar não equivale necessariamente a 
melhorias no que tange a aprendizagem dos alunos, tampouco garante a continuidade da 
trajetória escolar destes. Sendo assim, os reflexos da condicionalidade no próprio rendimento 
escolar são questionáveis, uma vez que esta não é uma questão meramente individual. 
A partir desta conjetura, é importante discutir de que forma esta condicionalidade é 
percebida pelos atores envolvidos no chão da escola. Trabalhar as percepções destes atores se 
faz importante na medida em que, estas são os reflexos da própria interação entre professor e 
aluno. Em outras palavras, partimos da hipótese de que as percepções se encontram 
vinculadas à forma como o professor identifica e caracteriza o aluno no cotidiano escolar. 
Para início de argumentação convém descrever que em sua maioria, os entrevistados 
alegavam não saber nada sobre o Programa, revelando que estes compreendem a 
condicionalidade como algo meramente burocrático com o preenchimento da frequência 
escolar. Muitos atores nem ao menos haviam parado para refletir sobre a condicionalidade do 
PBF. Também boa parte não sabia quem eram os alunos beneficiários, dificultando as 
13780 
 
repostas em torno das perguntas que visavam captar se havia alguma diferença entre os alunos 
beneficiários e os não beneficiários. 
Diante desta dificuldade em se ater a uma relação de causalidade que só seria 
identificada se os atores soubessem diferenciar os alunos que recebiam o benefício dos que 
não recebiam, foi preciso trabalhar em alguns momentos com a identificação socioeconômica 
das crianças. Isso porque, os atores que não sabiam diferenciar estes alunos, na maior parte 
das vezes “suspeitavam” de quem eram os beneficiários pela condição socioeconômica de 
alguns aos quais eles afirmavam ser mais carentes. 
Outras vezes, diante deste impasse, tivemos que trabalhar com a percepção em torno 
da condicionalidade de educação de modo geral, sem que isso estivesse atrelado a casos 
concretos vivenciados pelos atores em seu cotidiano escolar. 
A análise das entrevistas foi dividida em dois eixos, que para nós são os mais 
relevantes em se tratando de uma ação investigativa sobre o Programa Bolsa Família: um que 
trata das questões gerais em torno do PBF, como objetivos e importância atribuída; e, outro 
que trata da própria condicionalidade de educação. 
A pergunta que subsidiou inicialmente nosso debate em torno do PBF visava 
apreender o que os atores sabiam e como avaliavam o Programa em questão. Importante 
demarcar nesse momento que o conhecimento dos atores acerca do PBF era em geral muito 
simplório e genérico. As respostas variaram entre ser um benefício para ajudar famílias 
carentes que não possuíam uma renda proveniente do mercado de trabalho, até ser um 
benefício oferecido para que as famílias utilizassem de forma a não mais precisar que os 
filhos trabalhassem. O que mostra a correlação que muitos fazem entre Programa e 
erradicação do trabalho infantil. 
A assimilação do benefício como “ajuda” também foi recorrente, demonstrando o não 
entendimento do benefício como um direito, mas como algo que deveria ser provisório. Tal 
aspecto foi motivador para que uma minoria se posicionasse desfavorável ao Programa 
justamente pelo caráter de dádiva que ele apresentaque se distancia do que alguns entendem 
enquanto “dignidade”, que seria a satisfação das necessidades sociais pela via do trabalho. 
Atrelado a essa percepção alguns insinuam o efeito-preguiça do Programa que ao 
invés de garantir condições de trabalho, acabava levando as famílias a se acomodarem com o 
recebimento do benefício. Tal hipótese, no entanto, tem sido amplamente discutida por alguns 
13781 
 
autores que negam esse efeito sobre os beneficiários do Programa (MEDEIROS et al., 2007; 
OLIVEIRA;SOARES, 2013). 
Convém dizer que essa crítica foi explicitada de forma bem residual pelos atores 
entrevistados, onde, a grande maioria delega importância ao Programa, principalmente pela 
capacidade deste intervir sobre a pobreza extrema, seja no município ou no Brasil. 
Em menor medida foi fomentada ainda a potencialidade do Programa em movimentar 
a economia local, tendo em vista que o recebimento do recurso financeiro é investido no 
próprio comércio da cidade. Atrelado a isso, alguns poucos profissionais corroboram a 
importância destas famílias agora poderem acessar uma alimentação mais adequada, além do 
consumo permitir a integração em um sistema dominado por relações mercantis. 
Entretanto, a importância atribuída pelos atores não evitou críticas quanto à 
necessidade de uma fiscalização mais efetiva do Programa em torno do gasto da transferência 
de renda, que os mesmo alegam serem investidos em artigos supérfluos como: roupa, celular, 
etc.. 
O conhecimento de forma parcial acerca dos objetivos gerais do Programa leva muitos 
profissionais a correlacionarem o PBF diretamente ao espaço escolar. Tal fato está ligado à 
única condicionalidade que eles conhecem que é o acompanhamento da frequência escolar. 
Sendo assim, o gasto do benefício apontado como legítimo ou esperado pelos atores 
entrevistados fica reduzido, na maior parte das vezes, a elementos de despesa relacionados 
univocamente à criança. Sendo assim, em primeiro lugar temos a percepção majoritária em 
torno da utilização adequada do recurso em aspectos relacionados à escolarização: livros, 
material escolar, etc.. Em segundo lugar, aponta-se o uso do recurso em alimentação para a 
criança em menor medida para a família. Em menor prevalência, aparece a utilização do 
benefício na compra de artigos como roupas também para as crianças. 
Diante desse movimento foram poucos os atores que se posicionaram entendendo o 
benefício como algo pró-família, onde o uso do dinheiro em artefatos outros que não os 
restritos a escolarização e a alimentação foram mencionados. O que nos leva a perceber que 
ao mesmo tempo em que o benefício tem o potencial de evitar os efeitos perversos da pobreza 
como a fome, permite também a quem o recebe, ter certa dignidade, para utilizar o termo de 
uma das entrevistadas ao tratar da importância do Programa. 
Ainda assim, as críticas que perfazem as famílias beneficiárias partem do estigma 
assentado em dois vieses. Primeiro, ao mesmo tempo em que o gasto em alimentação com a 
13782 
 
família em seu conjunto é legítimo para alguns profissionais entrevistados, é inadmissível 
esse gasto com coisas ditas supérfluas. 
Importante neste momento tomar as contribuições Goffman, (1988) a respeito do 
estigma, para compreendermos o porquê das famílias beneficiárias serem lidas de forma 
negativa quanto ao uso “indevido” do dinheiro. De acordo com o autor, em nossa relação com 
o outro, imputamos ao agente o caráter que esperamos que ele tenha, sendo essa construção 
chamada por Goffman (1988, p.6) de identidade virtual. O agente, por sua vez, pode 
apresentar indícios de que possui atributos não correspondentes às nossas expectativas 
prévias, ocorrendo uma cisão entre o que idealizamos e sua identidade social real. 
Em outros termos, o atributo em si não é algo passível de depreciação, mas a 
discrepância entre os atributos que se espera de alguém e o que essa pessoa mostra ter, é o que 
leva ao estigma. A partir disso, conseguimos compreender que o problema não é o gasto em 
bens como roupa ou brinquedo, que leva as pessoas a sofrerem uma deterioração moral. O 
gasto em bens representados supérfluos em si não é algo lido como negativo, dependendo de 
quem o pratica. Sendo assim, se uma pessoa trabalha, o investimento em bens como os 
supracitados não é questionável sendo inclusive aceitável pela sociedade. 
Contudo, quando nos referimos às famílias beneficiárias, estabelece-se outra relação. 
Isso porque, primeiramente, estas famílias recebem um recurso governamental que exige que 
estas cumpram determinadas regras. Estas regras, porém, são de dois tipos: a primeira seria 
uma regra institucionalizada proposta no desenho do Programa que corresponderia às 
condicionalidades; a segunda seria uma regra voltada para um controle moral, não 
necessariamente estabelecida de forma normativa (MARINS, 2013). 
Logo, os beneficiários de um Programa de transferência de renda como o PBF são 
interpretados a partir de um protótipo, onde se espera que estes utilizem esse dinheiro, para os 
fins que idealizamos quando se pensa em um Programa voltado para uma população pobre. 
Assim, é legítimo, por exemplo, o gasto em alimentação. 
Por outro lado, quando nos voltamos à condicionalidade de educação, os profissionais 
da área também idealizam um arquétipo, que seria o investimento essencialmente em artigos 
escolares. Logo, a partir do momento em que os beneficiários investem esse dinheiro em bens 
que não os que estes atores percebem enquanto legítimo, há o que Goffman (1988) vai chamar 
de discrepância entre as identidades. 
13783 
 
Da mesma forma podemos dizer que, quando idealizada na área da educação um 
modelo ideal de família, os atributos desejáveis são: participação, comprometimento com os 
estudos dos filhos, investimento em alimentação saudável para a criança, etc.; que fomenta as 
características dos que seriam os “bons pais”. No entanto, o que foge desse modelo desenhado 
por estes atores, passa a ser considerado como ruim, fomentando avaliações negativas 
passíveis mais uma vez de estigma, ou nos termos de Bourdieu (1996), de violência 
simbólica. Esta violência “[...] estabelece que as artes de viver dominadas sejam sempre 
percebidas, mesmo por seus praticantes, do ponto de vista destruidor e redutor da estética 
dominante” (BOURDIEU, 1996, p.23). O maior problema nesse sentido é a forma como isto 
pode comprometer o próprio exercício educacional, mais especificamente, a maneira como o 
professor compreende o aluno. 
Isso nos leva ao segundo aspecto relacionado ao estigma que tem a ver justamente 
com o modo como os educadores interpreta a condicionalidade de educação em si. Assim, 
torna-se importante acrescentar que o estigma percebido nas falas dos atores não recai sobre o 
status de assistido (PAUGAM, 2003) da criança em si, mas sim na desestruturação que 
envolve sua família. Para os educadores o pressuposto para o “sucesso” escolar está centrado 
numa família comprometida com a vida escolar dos filhos. 
Entretanto, a família não pode ser compreendida como ponto de partida, apesar de ser 
um elo fundamental nesta relação. Como exaustivamente trabalhado por Bourdieu (1998), o 
“sucesso” escolar está relacionado ao porte de ao menos dois tipos de capitais, são eles: o 
econômico que diz respeito à riqueza material no sentido geral; e o cultural relacionado ao 
campo da cultura e do conhecimento que perpassam os atores sociais. Entretanto, Bourdieu 
(1998) destaca que tais capitais não são distribuídos de forma equânime na estrutura social, 
mas está sobre representado entre os mais abastados nesta estrutura, conferindo a estes grupos 
privilégios em detrimento dos estabelecidos nos meios populares.Bourdieu (1998) ainda destaca que a escola é usada para a manutenção de uma 
configuração específica da estrutura social por reproduzir no âmbito de suas práticas e 
técnicas escolares as desigualdades postas pelos atores no seu meio social. Isso porque, ela 
exige de seu alunado inserido em contextos diferenciados comportamentos e qualidades que 
são característicos dos grupos com prévia incorporação dos capitais legitimados. O que leva a 
13784 
 
escola a não ser pensada ideologicamente como responsável pelos “fracassos”, que na maior 
parte das vezes são justificados pelos professores diante da falta de estrutura
3
 das famílias. 
As acrianças reproduzem na escola aquilo que lhes é transferido no seio familiar. 
Sendo assim, podemos dizer que as “escolhas” dos atores partem das condições de existência 
específicas em que estes estão inseridos. A esse fenômeno de interiorização do meio externo 
podemos vincular ao conceito de habitus, onde Bourdieu (1996) caracteriza por um "princípio 
gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição 
em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, bens e 
práticas" (BOURDIEU, 1996, p.21-22). Assim as “escolhas” dos agentes estão relacionadas 
aos constrangimentos sociais. 
Em se tratando de famílias inseridas nos meios populares, as baixas expectativas de 
emprego qualificado proveniente da pouca escolaridade dos pais que recaem em baixas 
remunerações, levam-nos a inculcarem os limites em que estes podem investir. Em outras 
palavras, isso tem relação com o “habitus” incorporado por estas famílias, mediado pelas 
condições objetivas de existência, que funciona de forma a orientá-las, inclusive, na aquisição 
deste ou daquele bem de consumo. 
Logo, é isso que leva famílias que vivenciaram situações de “sucesso” escolar a 
transmitirem essa “vontade” de estudar aos filhos. No entanto, ao trabalharmos com famílias 
em situação de pobreza é preciso ter em mente qual a noção de “sucesso” que perpassa os 
educadores, e qual a noção de “sucesso” que perpassa a família do aluno. Pensando na 
realidade Carmense, a expectativa de avanço na escolarização no município é relativamente 
baixa. Isso ocorre por alguns fatores como o fato do mercado de trabalho no município ser 
pouco complexo, e as exigências educacionais, mesmo por um diploma de ensino médio, 
aumentar de forma lenta. O que acaba por influenciar o lugar que a escolarização ocupa na 
subjetividade da maior parte das pessoas, incidindo num “habitus” (BOURDIEU, 1996) 
característico aos grupos locais. Sendo assim, o “sucesso” para boa parte das famílias nem 
sempre está atrelado a uma trajetória escolar longínqua, mas encontra-se na inserção dos 
filhos no mercado de trabalho. 
É isso que leva alguns atores a alegarem que o reflexo da condicionalidade na evasão 
escolar incide apenas no primeiro segmento, sendo inevitável no segundo segmento. A 
condicionalidade, assim, parece procrastinar, mas não evitar o que aos olhos destes 
 
3 Lê-se como um ambiente ordenado (LAHIRE, 1997), onde se estabelecem trocas afetivas entre os componentes 
familiares e de respeito mútuo. 
13785 
 
professores parece irrevogável para o público atendido: o “fracasso” originado num baixo 
aprendizado. Ao lado disso os alunos estariam permanecendo mais tempo na escola 
incrementando o número dos que apresentam problemas com defasagem idade-série, na 
medida em que estes, por mais que encontrem dificuldades, não abandonam mais a escola. 
A fala de uma professora converge de forma negativa neste aspecto. Ao avaliar essa 
maior presença do aluno, é questionado o fato deste permanecer na escola sem uma real 
preocupação em “aprender”, endossando o grupo dos que alegam que a condicionalidade em 
nada interfere no rendimento dos alunos. O que mostra que alguns atores acreditam que o 
aprendizado é um processo individualizado, deslocando o aluno do seu meio social de origem. 
Sabe-se nesse sentido, que as condições econômicas de existência da família são 
imprescindíveis para uma ordem doméstica estável, onde as famílias consigam administrar a 
rotina familiar de forma regular. O perfil traçado por alguns educadores correspondente aos 
alunos e suas famílias demonstra que estes estão perpassados por inúmeros problemas como 
falta de emprego e trabalho precarizado; que geram instabilidades e falta de segurança 
financeira, recaindo em situações onde, muitos, inclusive, sobrevivem do dinheiro do PBF. 
Logo, é importante reforçar que um núcleo doméstico organizado é fundamental para a 
criança no seu desenvolvimento escolar (LAHIRE, 1997). 
Isso porque, um ambiente organizado a partir de práticas racionais de escrita e cálculo 
permite que a criança absorva, no âmbito de suas relações extra escolares, elementos que 
convergem com a própria socialização escolar (LAHIRE,1997). Tal aspecto desenvolvido por 
Lahire (1997) sugere que na falta de capital cultural, um ambiente familiar perpassado seja 
por uma ordem moral doméstica, seja por uma ordem racional doméstica, onde a escola tem 
legitimidade para a família, permite que em alguma medida a criança incorpore atributos 
valorizáveis no jogo escolar desde que seja estimulada a isso. 
Pensando no nosso público, as características das famílias beneficiárias sugerem um 
cotidiano familiar frágil, que redunda num ambiente de incertezas que compromete uma 
rotina ordenada diante das condições econômicas específicas destas. O que vai influir na 
forma como esta família vai se organizar frente ao próprio investimento escolar de seus filhos. 
 Entretanto, tal aspecto não é lido de forma problematizada. Assim, ainda que algumas 
falas revelem que famílias mais necessitadas em termos econômicos seriam as que menos 
participam da escolarização das crianças, e que estas crianças seriam as mais propícias aos 
problemas de aprendizagem, não há qualquer reflexão crítica nesse sentido. Não se tem a 
13786 
 
noção de que as famílias das classes mais abastadas tendem a dar destaque ao certificado 
escolar, e que a partir disso movem recursos para o investimento na escolarização dos seus 
filhos. Isso pressupõe ainda que estas últimas se envolvam mais no universo escolar para 
acompanhar as crianças. 
Como bem nos mostra Souza (2009) quanto à diferença prática entre as famílias das 
classes populares e as das classes mais abastadas: 
O que os pais, ou figuras que os substituem, transmitem aos filhos, quer tenham 
consciência disso ou não, é toda uma visão de mundo e de ‘ser gente’ que é peculiar 
à classe a que pertencem. O que a classe média ensina aos filhos é comer nas horas 
certas, estudar e fazer os deveres de casa, arrumar o quarto, evitar que os conflitos 
com amigos cheguem às vias de fato, chegar em casa na hora certa, evitar formas de 
sexualidade prematuras, saber se portar em ambientes sociais etc. [...] As famílias de 
classe média ensinam, portanto, os ‘valores’ de uma dada ‘classe’, que são os 
valores da autodisciplina, do autocontrole, do pensamento prospectivo, do respeito 
ao espaço alheio etc.. (SOUZA, 2009, p.45) 
Logo, pensando na centralidade da família, esse tipo de compreensão gerou ao menos 
três tipos de posicionamentos sobre a condicionalidade de educação, não excludentes entre si, 
que seriam: os contrários, os favoráveis e os favoráveis com ressalva. 
Dos que se posicionaram contra as condicionalidades, estes alegam que não deveria 
ser uma obrigatoriedade algo que tinha que ser “natural”. As famílias tinham que se preocupar 
com a educação dos filhos por um interesse na melhoria de vida destes, e não motivadas por 
um benefício social. 
Dosque responderam que essa condicionalidade deve existir, as justificativas 
apresentadas foram variadas. De acordo com os atores que se posicionam dentro desta 
perspectiva, a condicionalidade teria auxiliado na queda dos índices de infrequência e evasão 
dos alunos beneficiários. Também, poucos profissionais ainda ressaltaram o possível 
potencial da condicionalidade de educação nos aspectos relacionados à aprendizagem do 
aluno beneficiário. Para esse grupo, a condicionalidade contribui na medida em que o aluno 
está mais assíduo, refletindo na melhoria do rendimento escolar e na participação deste nas 
aulas. Estes seriam os benefícios da condicionalidade voltada à frequência, ainda que muitos 
atores reconheçam que apenas a presença não seja suficiente diante dos inúmeros limites 
postos pelos alunos mais desprovidos em termos de recursos financeiros e capital cultural. 
Outro potencial da condicionalidade levantado por alguns educadores seria a utilização 
desta como forma de pretexto para cobrar das famílias. Ao que parece, a condicionalidade 
13787 
 
garante a alguns profissionais da educação certa legitimidade, para que estes possam controlar 
os gastos do benefício da família ou exigir o comprometimento desta com a escola. 
Em que pese os aspectos positivos da condicionalidade de educação, a esmagadora 
maioria dos atores alega que esta não interfere no rendimento dos alunos beneficiários. 
Assim, apesar da afirmação de que esta condicionalidade deve existir, isso não evita que os 
atores que corroboram essa perspectiva se satisfaçam apenas com a maior assiduidade dos 
alunos. A condicionalidade baseada na frequência é importante, onde os pais estariam mais 
preocupados, inclusive, em justificar as faltas dos filhos, com a ressalva de que isso teria a ver 
com o interesse em não perder o benefício. 
No entanto, para os profissionais entrevistados de modo geral, a condicionalidade de 
educação vinculada apenas à frequência escolar não é suficiente. Para a grande maioria dos 
educadores a frequência por si só não garante melhorias nas notas e no aprendizado dos 
alunos, levando ao grupo dos favoráveis a condicionalidade com ressalva. Este grupo recebeu 
este nome, pois, trata-se de profissionais favoráveis à condicionalidade desde que vinculada 
não apenas à frequência escolar do aluno, mas também ao rendimento escolar da criança, e 
principalmente, à participação da família na vida escolar dos filhos. 
A justificativa pela qual estes atores apontam não haver interferência no rendimento 
dos alunos parte do pressuposto de que a condicionalidade cobra apenas a frequência do 
aluno, logo, não teria como ela interferir na nota destes, uma vez que isso não é requisito. 
Logo, ainda que seja baixa a probabilidade das famílias beneficiárias disporem de níveis 
razoáveis de capital cultural; ainda assim, grande parte dos educadores entrevistados acredita 
numa relação de causalidade entre a exigência de contrapartidas e os resultados dos alunos. 
Grosso modo, o que identificamos em alguns momentos é que, alguns educadores agem por 
uma relação de analogia. Logo, se a condicionalidade relativa à frequência interfere, fazendo 
com que essa criança esteja mais presente na escola; outras exigências como nota, 
participação das crianças em sala de aula, bem como a participação das famílias na escola, 
produziriam efeitos positivos. Ou seja, assim como as famílias zelam pela frequência escolar 
em virtude do benefício, acredita-se que eles fariam o mesmo pelo rendimento dos filhos, 
desde que esta fosse uma condicionalidade. 
Além do mais, ainda que se reconheça a baixa perspectiva das famílias beneficiárias 
disporem de acesso a informação, sugere-se que o acompanhamento da família deva ser uma 
obrigação para o recebimento do benefício. Por outro lado, ainda que se critique a 
13788 
 
“preocupação” dos pais apenas por um interesse de fundo não educacional, propõe-se novas 
condicionalidades que teriam o potencial de interferir no aprendizado dos alunos 
beneficiários. Isso mostra que alguns atores acreditam que bastaria acionar determinados 
mecanismos para que estes alunos viessem a se empenhar em aprender. O que deixa de levar 
em conta a responsabilidade da própria escola neste processo. Também esta proposição deixa 
escapar que o estímulo advindo das novas condições, ainda estaria embasado por uma 
motivação de cunho financeiro, o que também é lido de forma negativa por alguns atores. 
Assim, foram poucas as reflexões que se dispuseram a não desvincular família e aluno 
do seu meio social de origem, onde a proposta era não penalizar a família, mas trazer a 
responsabilidade do corpo escolar nesse processo. Fato é que o relacionamento que os alunos 
vão ter com a escola não deixa de envolver o outro lado da moeda: a instituição escolar. 
Contudo vê-se a escola muitas das vezes inerte, onde esta se exime de qualquer culpa, 
transferindo-a sempre para o outro: a família, ao aluno, e no caso dos beneficiários do 
Programa, ao governo. 
Quanto às críticas que precisamos fazer ao ensino público precarizado, vivemos um 
movimento em que o conjunto de práticas e métodos de aprendizado se distancia da realidade 
da maior parte dos sujeitos que “não são feitos” para a escola (BOURDIEU, 1998). Em outros 
termos, a ideia de que os alunos beneficiários, dado a condição socioeconômica destes, teriam 
mais dificuldades no jogo escolar, não implica em mudanças efetivas no modo e na forma de 
transmissão do conteúdo programático nas escolas. 
 As dificuldades pelas quais passam as famílias beneficiárias, em nossa perspectiva, 
estão relacionadas aos problemas de ordem estrutural, como a falta de acesso a um conjunto 
de programas e políticas sociais. Ao mesmo tempo, estas sofrem com a recorrente “violência 
simbólica” (BOURDIEU, 1996) que permeia esta população diante da falta dos tipos de 
capitais socialmente considerados legítimos e que são pressupostos para a incorporação de 
atributos desejáveis pela sociedade em âmbito geral, mas principalmente pela escola. É o caso 
da não disposição para o acompanhamento da vida escolar dos filhos, por exemplo. Por outro 
lado, as crianças não fogem a esta violência, perpetuada na interação com os profissionais da 
educação ao exigirem delas um esforço hercúleo para se enquadrarem em regras das quais não 
são íntimas por se confrontarem com seu “habitus” (BOURDIEU, 1996). 
Nesse sentido, podemos dizer que a reprodução de um ciclo onde as famílias não 
investem na escolarização dos filhos, parte da falta de sonhos e perspectiva de futuro que 
13789 
 
escapam a esta população de forma objetiva. O problema é que a legitimidade atribuída à 
escola, ou seja, a importância dada à escolarização, porém, é precípuo, para garantir o 
“sucesso” escolar (BOURDIEU,1998; LAHIRE,1997). 
Nesses termos é preciso reconhecer a escola como responsável por esse movimento, 
onde a mesma precisa motivar estes alunos a pensarem em projetos de vida que faltam às suas 
famílias. Ao lado disso, a inserção destas crianças na escola deve vir acompanhada por um 
aparato institucional arrojado que, ao menos no município investigado falta às escolas, 
principalmente as inseridas nas comunidades mais carentes. Ou seja, os inúmeros problemas 
aos quais estas crianças estão expostas, justamente pela estrutura familiar fragilizada, a escola 
sozinha não consegue suprir. 
Por fim, podemos concluir a partir da coleta da análise dos dados no município que as 
percepções dos atores, em geral, foram muito parecidas, salvo algumas pequenas diferenças 
que se relacionam com o modo como estes percebem o Programa Bolsa Família de um modo 
geral; bem como, com a maneira como estes entendem o processo educacional.Considerações Finais 
Faz-se importante mencionar que não se trata aqui de demonizar os profissionais da 
educação. Acreditamos que estes não reproduzem e reforçam práticas por uma “vocação” ou 
intencionalidade. Logo, assim como entendemos o desempenho escolar de forma relacional, 
compreendemos que os profissionais da educação são reflexo e participeis de um contexto 
previamente incorporado. 
Nesse movimento, a hipótese inicial que permeou este artigo era de que, a inserção 
massiva dos alunos pobres na escola, não necessariamente teria incidido em incremento nos 
níveis de aprendizagem destes. Logo, podemos afirmar que este pressuposto foi confirmado a 
partir da análise das entrevistas. Isto porque, a tendência mais forte entre os profissionais da 
educação é de concordar que a condicionalidade em nada interfere no desempenho dos alunos 
beneficiários. 
 Nestes termos, se os estudos de impacto, de base quantitativa apontam melhorias nos 
aspectos relacionados à frequência e a evasão escolar dos alunos oriundos de famílias 
beneficiárias do PBF se comparado ao público geral da rede pública; o mesmo foi confirmado 
na argumentação dos atores entrevistados, para o conjunto dos alunos do primeiro segmento 
do ensino fundamental das escolas públicas municipais investigadas. Interessante notar, neste 
13790 
 
caso, que os educadores ilustram, inclusive, casos concretos para legitimar seus argumentos 
acerca dos avanços percebidos nos índices que medem a frequência e a queda na evasão. Por 
vezes, pudemos ouvir dos entrevistados frases do tipo: “os alunos não faltam por nada”; “os 
pais justificam as faltas por medo de perder o beneficio”; “os alunos não evadem mais quando 
esbarram nas dificuldades escolares visando não perderem o benefício da família”; entre 
inúmeras outras colocações que poderíamos acrescentar. Ou seja, em termos gerais, confirma-
se que, os mesmos progressos verificados nos estudos de impacto são respaldados nas 
percepções dos profissionais da educação entrevistados com base em aspectos objetivos. 
Por outro lado, os poucos atores que afirmaram que as condicionalidades interferiam 
nos níveis de aprendizagem dos alunos beneficiários embasaram suas percepções em aspectos 
gerais, sem que necessariamente tal assertiva estivesse atrelada a situações concretas 
vivenciadas no cotidiano escolar. No mais, os mesmo atores que concordam com o fato de 
que a maior presença do aluno no ambiente escolar poderia vir a materializar-se em melhorias 
nas suas notas e na participação destes em sala de aula, no longo prazo; não deixaram de 
ressaltar as dificuldades de aprendizagem que estes alunos possuem. Os fatores explicativos 
para estas dificuldades, porém, nem sempre estavam explicitamente associados à origem 
social dos agentes, mas sim remetidas à estruturação familiar. O que, numa perspectiva geral, 
conformou a noção, quase generalizada de que deveriam ser implementadas novas 
contrapartidas aliadas às já existentes. 
 Enfim, podemos concluir que é necessário avançar frente ao cenário encontrado. Isso 
porque, é preciso repensar e refletir de forma mais ampla sobre as próprias relações sociais 
em um ambiente onde baixas expectativas escolares afeta de forma mais incisiva aqueles que 
não dispõem de um conjunto de elementos de ordem material – o capital econômico –; mas 
principalmente de ordem imaterial – o capital cultural. Elementos estes que são distribuídos 
de forma diferencial e que convergem para a manutenção de uma distribuição específica dos 
indivíduos e grupos na estrutura social. É inegável que a escola reforça este processo. 
REFERÊNCIAS 
AMARAL, Ernesto Friedrich de Lima & MONTEIRO, Vinícius do Prado. Avaliação de 
impacto das condicionalidades de Educação do Programa Bolsa Família (2005 e 2009). 
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, n.3, 2013. p. 531-570. 
BARBOSA, Ana Carla de Morais Andrade. O processo decisório da agenda social nos 
governos Cardoso e Lula: uma análise dos determinantes da política de transferência de 
13791 
 
renda. 2013. 127 f. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciência Política. Universidade de 
Brasília: Brasília, 2013. 
BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação; 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. 
BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.p. 
13-52. 
BRASIL. Lei nº 10.836, de 9 de Janeiro de 2004. Regulamenta o Programa Bolsa Família e 
dá outras providências. Presidência da República. Brasília: 2004. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm>. Acesso em: 11 
jun. 2015. 
BRASIL. Lei nº 11.692, de 10 de Junho de 2008. Dispõe sobre o Programa Nacional de 
Inclusão de Jovens - Projovem, instituído pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005; altera a 
Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004; revoga dispositivos das Leis nos 9.608, de 18 de 
fevereiro de 1998, 10.748, de 22 de outubro de 2003, 10.940, de 27 de agosto de 2004, 
11.129, de 30 de junho de 2005, e 11.180, de 23 de setembro de 2005; e dá outras 
providências. Presidência da República. Brasília. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11692.htm >. Acesso em: 21 
de jun. 2015. 
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate á Fome (MDS). Bolsa Família. 
Cadastro Único. Brasil 2015. Disponível em: 
<http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico>. Acesso em: 20 de jan. 2015. 
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Avaliação de 
Impacto do Programa Bolsa Família.- 1ª Rodada (AIBF I). Sumário Executivo. Brasília, 
jun. 2007. 
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Avaliação de 
Impacto do Programa Bolsa Família – 2ª Rodada (II AIBF). Sumário Executivo. Brasília, 
jun 2012. 
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria de Avaliação 
e Gestão da informação. Relatórios de Informações Sociais. RI Bolsa Família e Cadastro 
Único, Carmo – RJ. Brasília: 2014. Disponível em: 
<http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/RIv3/geral/relatorio.php >. Acesso em: 10 de jul. 2014. 
BRASIL. Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) - Ministério de 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Manual de Gestão de 
Condicionalidades; 1 ed. Brasília, DF. 
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobe a manipulação da identidade deteriorada. Rio de 
Janeiro: Guanabara, 1988. 
13792 
 
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). IBGE Cidades. 
Censo demográfico. Brasília, 2010. 
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP). 
Ministério da Educação. Portal INEP. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – 
IDEB. Brasília, 2011. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb>. Acesso em: 
15 de Dez. 2014 
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS (INEP). 
Ministério da Educação. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Brasília, 
2014. Disponível em: 
<http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=11965204>. Acesso em: 15 
de Dez. 2014 
LAHIRE, Bernard. Sucesso Escolar nos Meios Populares: as razões do improvável. São 
Paulo. Editora Ática. 1997. 
LAVINAS, Lena. Universalizando direitos. Observatório da cidadania – relatório 2004. 
Rio de Janeiro: Obercid; 2004. Disponível em: < 
http://ww2.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/relatorio_universalizando.pdf> Acesso em: 13 de maio. 2015. 
MARINS, Mani Tebet A. de. A construção de fronteiras simbólicas entre os “pobres”: o 
caso do Programa Bolsa Família. 2013. 216 f. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e 
Ciências Sociais. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Universidade 
Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2013.MEDEIROS, Marcelo; BRITTO, Tatiana; SOARES, Fábio. Programas Focalizados de 
Transferência de Renda no Brasil: contribuições para o debate. Brasília: IPEA, 2007 (Texto 
para discussão, nº1283). Disponível em: < 
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/1946/1/TD_1283.pdf> Acesso em: 14 jun. 
2015. 
MINAYO, Maria Cecília de Souza; SOUZA, Edinilza Ramos de; CONSTANTINO, Patrícia; 
SANTOS, Nilton Cézar dos. Métodos, técnicas e relações em triangulações.In: MINAYO, 
Maria Cecília de Souza (org.). Avaliação por Triangulação de Métodos: Abordagem de 
programas sociais. Rio de Janeiro, Fiocruz. 2005. p 71 - 104. 
OLIVEIRA, Luís Felipe Batista; SOARES, Sergei Suarez Dillon. “Efeito-preguiça” em 
programas de transferência de renda? In: CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo Côrtes (org.). 
Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília, IPEA, 2013. p 341-
358. 
PAUGAM, Serge. Desqualificação Social: Ensaio sobre a nova pobreza. São Paulo: 
Educ/Cortez, 2003. 
SOUZA. Ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 15-122.

Outros materiais