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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO CRISTIANE NOBRE NUNES NARRATIVAS, SABERES E PRÁTICAS: A TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR SÃO PAULO 2014 1 CRISTIANE NOBRE NUNES NARRATIVAS, SABERES E PRÁTICAS: A trajetória de formação do professor de Classe Hospitalar Dissertação de Mestrado apresentada como requisito exigido para obtenção do título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Ecleide Cunico Furlanetto. SÃO PAULO 2014 2 Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID N972 n Nunes, Cristiane Nobre. Narrativas, saberes e práticas: a trajetória de formação do professor de classe hospitalar / Cristiane Nobre Nunes --- São Paulo, 2014. 114 p.; Anexos Bibliografia Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São Paulo. Orientadora Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto. 1. Pedagogia hospitalar. 2. Classe especial hospitalar. 3. Formação de professores. I. Furlanetto, Ecleide Cunico orienta. II. Título. CDD 371.1 3 CRISTIANE NOBRE NUNES NARRATIVAS, SABERES E PRÁTICAS: A trajetória de formação do professor de Classe Hospitalar Dissertação de Mestrado apresentada como requisito exigido para obtenção do título de Mestre em Educação junto à Universidade Cidade de São Paulo, sob a orientação da Profª Drª Ecleide Cunico Furlanetto. Área de concentração: Data da defesa: 20/05/2014 Resultado: ____________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto ___________________________ Universidade Cidade de São Paulo Prof. Dra. Margaréte May Berkenbrock Rosito ___________________________ Universidade Cidade de São Paulo Prof. Dr. Fabio Alberti Cascino __________________________ Pontificia Universidade Católica de São Paulo 4 AGRADECIMENTOS À minha orientadora, Prof.ª Dra. Ecleide Cunico Furlanetto, pela orientação rigorosa, competente e segura, durante todo o percurso da realização desta investigação. À direção da Escola Especializada Schwester Heine, na pessoa da Pedagoga e Diretora Maria Genoveva Vello, pela seriedade, respeito pelo trabalho desenvolvido no Hospital AC Camargo, bem como as professoras, as quais contribuíram para a minha conquista e desenvolvimento intelectual. Aos professores examinadores desta pesquisa, Prof.ª Dra. Margaréte May Berkenbronk Rosito e Prof. Dr. Fabio Alberti Cascino pelas leituras criteriosas e importantes observações. Aos professores da UNICID, pelo trabalho sério e dedicado que realizam. Aos meus colegas do Curso de Mestrado em Educação, pelos incentivos, contribuindo na trajetória do curso. À minha família e meus verdadeiros amigos, que fizeram parte desses momentos sempre me ajudando e incentivando. Ao meu marido e filho pela paciência em me ouvir, pela força nos momentos difíceis e pela compreensão de minha ausência nos momentos necessários. 5 É preciso criar pessoas que se atrevam a sair das trilhas aprendidas, com coragem de explorar novos caminhos. Pois a ciência construiu-se pela ousadia dos que sonham e o conhecimento é a aventura pelo desconhecido em busca da terra sonhada. (RUBEM ALVES) 6 RESUMO Partindo do pressuposto que o Atendimento Pedagógico Hospitalar é uma modalidade de Ensino ainda pouco conhecida, esta pesquisa tem por objetivo investigar a trajetória de formação dos professores de Classe Hospitalar da escola Schwester Heine, no Hospital AC Camargo, com vistas a ampliar a compreensão a respeito das necessidades de formação dos professores que atuam nessas classes. Para alcançar o objetivo proposto, foram estabelecidos diálogos teóricos com autores que investigam a formação do professor para Classes Hospitalares, bem como com aqueles que discutem a Pedagogia Hospitalar. A pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa sendo que o procedimento metodológico empregado foi o grupo focal. Participaram da pesquisa professores da escola Schwester Heine. Os resultados mostraram que eles consideram o cenário hospitalar desconhecido e conflituoso, o que sublinha a importância da formação inicial e continuada para o exercício da docência nesse tipo de instituição. Além da formação destacaram, também, a importância de uma atitude reflexiva por parte dos professores, pois a rotina da Classe Hospitalar é atravessada por acontecimentos que desestabilizam a ação pedagógica, tendo que ser constantemente flexibilizada e reorganizada. Destacam o valor das parcerias estabelecidas com os pares, bem como com a equipe multiprofissional, possibilitando a criação de grupos de referência que se transformam em espaços formativos. Por fim, enfatizam que a formação do docente para atuar em Classes Hospitalares deve ser repensada, considerando as especificidades dessa atuação, requerendo que temas como a doença, a morte, entre outros sejam aprofundados. Palavras-chave: Classe Hospitalar; Pedagogia Hospitalar; Atendimento Pedagógico Hospitalar; Formação de Professores. 7 ABSTRACT On the assumption that the Pedagogical Care Hospital is a teaching mode still little known, this research aims to investigate the course of training for teachers of the school Hospital Class Schwester Heine, the AC Camargo Hospital, with a view to broadening the understanding regarding the training needs of teachers who work in these classes. To achieve the objective proposed theoretical dialogues have been established with authors who investigate the formation of teacher to Hospital Classes, as well as those who argue the Hospital Pedagogy. The research was on a qualitative approach and the methodological procedure employed was the focal group. School teachers participated in the research Schwester Heine. The results showed that they consider the hospital scenario unknown and conflicting, which underlines the importance of initial and continuing training for the exercise of the teaching in this kind of institution. Besides the formation also highlighted the importance of a reflective attitude on the part of teachers, because the routine Hospital grade is traversed by events that destabilize the pedagogical action, having to be constantly streamlined and reorganized. Highlight the value of the partnerships established with peers as well as with the multiprofessional team enabling the creation of reference groups that become formative spaces. Finally, emphasize that the formation of the faculty member to act in Hospital Classes must be rethought, taking into account the specificities of this actuation, requiring that issues such as illness, death, among others are fleshed out. Keywords: Hospital; Hospital Pedagogy Class; Teaching Hospital Care; Teacher Training. 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Comparativo das mudanças nos objetivos e características do hospital ...................................................................................................................... 18 Quadro 2. Número de Escolas Hospitalares(EHs) por Região ................................. 33 Quadro 3. Caracterização das participantes da pesquisa ......................................... 55 Quadro 4. Eixos/Subcategorias ................................................................................. 58 9 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 09 2 CAPÍTULO 1 - UM POUCO DE HISTÓRIA ........................................................... 14 2.1 Breve relato a respeito do lugar que o hospital vem ocupando no contexto social ........................................................................................................................ 14 2.1.1 Esboço histórico ............................................................................................... 14 2.1.2 Mudanças nos modelos de atenção à Saúde no Brasil .................................... 19 2.1.3 O início da Escolarização Hospitalar até os dias atuais ................................... 21 2.1.4 Das questões da hospitalização ....................................................................... 29 2.1.5 Classes Hospitalares em hospitais no Brasil .................................................... 32 3 CAPÍTULO 2 - A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR NO BRASIL ..................................................................................................................... 34 3.1 Saberes e práticas docentes: a escuta pedagógica no enredo da aprendizagem .......................................................................................................... 42 4 METODOLOGIA .................................................................................................... 52 4.1 Procedimentos para o trabalho com o grupo focal ........................................ 53 4.2 Colaboradores da Pesquisa: fragmentos de suas trajetórias profissionais ............................................................................................................ 54 5 OLHARES SOBRE AS FALAS DAS PROFESSORAS ........................................ 56 5.1 Eixos de Análise ................................................................................................ 59 5.1.1 Desdobrando a Formação do Professor........................................................... 59 5.1.2 Organização Pedagógica ................................................................................. 68 5.1.3 Trabalho multidisciplinar ................................................................................... 74 5.1.4 Experiências Desestabilizantes ........................................................................ 77 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 87 7 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 90 8 ANEXOS ............................................................................................................... 97 ANEXO A Mapeamento das escolas em hospitais em território nacional ................. 97 ANEXO B Transcrição do Grupo Focal ................................................................... 104 ANEXO C Diretrizes das ações de atendimento na Classe Hospitalar ................... 112 10 INTRODUÇÃO Há tempos trabalhando com formação profissional na área da saúde, praticamente desde o início da minha carreia profissional, em 1997, meus últimos seis anos de trabalho transitaram entre a escola e o hospital, mais especificamente o Hospital Nossa Senhora de Lourdes em São Paulo, capital. Como diretora pedagógica da Escola Técnica Nossa Senhora de Lourdes visitava o hospital frequentemente, local onde aconteciam as atividades práticas de estágio e eram desenvolvidos os trabalhos de gestão estratégica, financeira e pedagógica da escola, que mais tarde tornou-se também Instituição de Ensino Superior. Aos poucos, fui criando uma intimidade com o ambiente hospitalar e, naturalmente, as questões relacionadas à saúde foram sendo introduzidas no meu cotidiano. Em uma das visitas que fiz às dependências do hospital, mais especificamente à Pediatria, onde um grupo de alunos da referida escola realizava seus estágios supervisionados, pude conhecer a brinquedoteca 1, que lá funcionava sob a coordenação do Setor de Responsabilidade Social do Hospital da Criança - HCÇ. O objetivo deste espaço era minimizar o estresse das crianças frente à hospitalização e promover condições para o desenvolvimento infantil por meio de atividades pedagógicas, recreativas e lúdicas. Por dia, a brinquedoteca atendia, na época, trinta crianças que estavam internadas aguardando cirurgias, a maior parte delas cardíacas. Segundo a lei nº 11.104/2005, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de briquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação, é importante destacar que: Considerando que toda criança hospitalizada tem direitos especiais após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (...), durante todo o período de sua hospitalização, o direito de desfrutar de formas de recreação, formas de educação para a saúde, acompanhamento de currículo escolar durante sua permanência hospitalar, e o direito de receber 1 As salas de recreação da brinquedoteca do HCC foram implantadas em 1998, desde a inauguração do Hospital da Criança, pela enfermeira Viviane Nascimento que trabalha na instituição desde 1997, A brinquedoteca se mantem por meio de doações em geral, material escolar, de laboratório e brinquedos em geral. 11 todos os recursos terapêuticos disponíveis para sua cura e reabilitação. (MINISTÉRIO DA SAÙDE, 2005, Portaria 2261) De acordo com o estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de algumas leis específicas, o direito da criança de brincar é assegurado, prevendo a necessidade de brinquedotecas em hospitais que possuem internação em Pediatria. A resolução nº 41 do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, no seu art. 9º (Outubro de 1995), atrelada à Portaria GM/MS nº 881 de 19/06/2001 – PNHAH (Política Nacional da Humanização da Atenção Hospitalar) torna obrigatória a necessidade de implantar espaços e programas de recreação com brinquedoteca no serviço de Pediatria. Diante do exposto, observei que existia uma preocupação com as necessidades básicas da criança, entre elas o direito de brincar e a preocupação com sua recuperação. A brinquedoteca contribuía para amenizar o sofrimento de tratamentos hospitalares, assim como acontecia no Hospital da Criança. No ano de 2010, enquanto pesquisava sobre a proposta de implantação da classe hospitalar no Hospital da Criança, foram iniciadas as atividades da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes e fui convidada pela direção geral a montar um Curso de Pós-Graduação, lato sensu, em Pedagogia Hospitalar, como oferta de curso na grade da faculdade. Um dos objetivos do curso era levar conhecimento a diversos profissionais que buscavam compreender melhor algumas questões acerca da prática educativa dentro do hospital, tais como: 1 - Quem era o profissional que desempenhava o papel de educador num ambiente desconhecido e conflituoso? 2 - Como era trabalhado o currículo da escola de origem? 3 - Qual a formação do professor de classe hospital? 4 - Quais suas principais dificuldades? 5 - Como lidavam com as patologiasque as crianças apresentavam e inúmeras outras questões que pareciam pertinentes, já que se tratava de um tema pouco discutido entre os educadores. Fez-se necessário, então, um maior aprofundamento do tema. Na ocasião, iniciei uma revisão de literatura, na qual pude constatar que existiam alguns trabalhos publicados com o tema “Classes Hospitalares”. Autores como Ceccim e Carvalho (1997), Paula e Marcon (2001) e Wolf (2007) abordam, em suas obras, a necessidade da análise mais criteriosa das atividades desenvolvidas no âmbito hospitalar e as repercussões trazidas aos indivíduos enfermos, crianças e 12 adolescentes, que ao adoecerem são encaminhados a instituições hospitalares. Para que a criança e o adolescente, durante o ano letivo, não fiquem prejudicados, os professores comprometem-se a seguir o currículo da escola de origem de cada aluno fazendo a ponte com a escola e a classe hospitalar. Outros trabalhos publicados remetem ao preparo do pedagogo para o atendimento necessário à educação de crianças e adolescentes hospitalizados, de modo a desenvolver uma atenção pedagógica singular aos escolares que se encontram em atendimento hospitalar. Segundo Matos (2009), Schilke (2008) e Medeiros da Silva (2010), sendo o pedagogo o profissional habilitado para esse acompanhamento, faz-se necessário um planejamento e ações específicas da área de educação. Foram encontradas, também, algumas publicações que evidenciam a historia da Pedagogia Hospitalar como um novo campo de atuação do pedagogo, no qual é destacado o espaço reservado pelas instituições de saúde à atenção às necessidades intelectuais próprias do desenvolvimento psíquico e cognitivo e do referenciamento social da criança. Trabalhos como os de Fontes (2005) e Schilke (2007) são exemplos vistos. Além de se apropriar de referências teóricas, a fim de se aproximar da realidade, participei de um projeto desenvolvido por umas das instituições de saúde reconhecida pela excelência no tratamento oncológico no Brasil que oferecia um curso em Pedagogia Hospitalar. Assim, no ano de 2010, teve início em São Paulo um curso de Extensão em Pedagogia Hospital no Hospital A.C.Camargo 2, que possui uma escola cuja proposta é propiciar a continuidade dos estudos às crianças e adolescentes internados em razão do tratamento, Escola Especializada Schwester Heine, criada pela fundadora do Hospital A.C. Camargo, Carmem Prudente, com a colaboração da Pedagoga Maria Genoveva Vello, no ano de 1987. O objetivo deste curso de Extensão em Pedagogia Hospitalar é possibilitar aos participantes a vivência cotidiana de uma Classe Hospitalar de modo que eles possam construir e analisar criticamente estratégias de atuação pedagógica, considerando a realidade hospitalar, as condições dos pacientes e de sua família, 2 Inaugurado em 23 de abril de 1953, o Hospital A. C. Camargo tem uma trajetória grandiosa no combate ao câncer. Líder em conhecimento científico sobre oncologia é um centro de referência internacional em ensino, pesquisa e tratamento multidisciplinar. Está localizado na cidade de São Paulo, SP, Brasil. Informações retiradas do site da instituição: – www.accamargo.org.br – Acesso em: 05 de agosto de 2012. 13 além de oferecer aos participantes, estágio junto às professoras responsáveis pelas classes hospitalares localizadas em diversos setores do hospital. Durante o tempo em que participei do estágio e estive em contato com as crianças e a equipe pedagógica da escola Schwester Heine, pude observar a dedicação das professoras no que se refere ao atendimento às crianças hospitalizadas, visando desenvolver os objetivos pedagógicos, mas também acolher as crianças, assim como seus familiares e acompanhantes. Observei as práticas utilizadas pelas professoras para ensinar o conteúdo a ser desenvolvido, buscando favorecer um atendimento humanizado e de qualidade para as crianças e adolescentes em tratamento. Refleti, também, sobre como a pedagogia hospitalar possibilitava aos alunos internados, oportunidades de aprendizagem e auxiliava na adesão aos tratamentos e na recuperação das crianças e dos adolescentes. Além disso, observei, ainda, a relação estabelecida entre os profissionais de educação com a equipe multiprofissional do hospital: os médicos; a equipe de enfermagem; os nutricionistas; os psicólogos; os fisioterapeutas; os fonoaudiólogos; os terapeutas ocupacionais; os assistentes sociais e todos os profissionais que compartilham os cuidados com os pacientes. Após a finalização do Curso de Especialização algumas questões referentes ao tema classes hospitalares, apesar de discutidas, ainda necessitavam de maiores aprofundamentos: 1 - Qual o significado do trabalho na classe hospitalar para o professor atuante? 2 - De que maneira sua atuação contribui para a promoção da saúde de crianças e adolescentes que estão em tratamento de doenças oncológicas? 3 - O profissional de educação que atua no hospital vem buscando o reconhecimento do seu papel e de sua atuação específica nesse espaço? 4 - Esses profissionais fazem parte da equipe multidisciplinar dos hospitais? Desta forma nasceu o interesse pela elaboração de uma pesquisa cujo objetivo principal constituiu-se em: Investigar os processos formativos dos professores de classe hospitalar da escola Schwester Heine, no Hospital AC Camargo, com vistas a ampliar a compreensão a respeitos das necessidades de formação dos professores que atuam em classes hospitalares. Como objetivos específicos a pesquisa se propôs a: 14 Estabelecer um diálogo teórico com os autores que investigam as classes hospitalares e a formação dos professores que atuam nesses espaços. Compreender como atuam os professores nas classes hospitalares que possuem formação específica, bem como aqueles professores que atuam nas classes hospitalares e não possuem formação específica, com base no grupo focal. Analisar os saberes e práticas dos professores e as maneiras como foram construídos. Este trabalho está estruturado em quatro capítulos: O primeiro capítulo consta de um breve relato a respeito do lugar que o hospital vem ocupando nos diferentes contextos sociais e a história da Pedagogia Hospitalar, com o objetivo de traçar o entendimento da necessidade de criação e manutenção das classes hospitalares no Brasil. O segundo capítulo aborda a formação do professor de classe hospitalar no Brasil, a investigação dos saberes e práticas docentes e a escuta pedagógica no enredo da aprendizagem sob a perspectiva das classes hospitalares. O terceiro capítulo descreve o delineamento metodológico da pesquisa. O quarto capítulo trata da análise dos dados coletados. Considera-se que nessa perspectiva, este trabalho de pesquisa poderá contribuir para o entendimento das múltiplas formações possíveis do professor da classe hospitalar em sua atuação no ambiente hospitalar. 15 2 CAPÍTULO 1 - UM POUCO DE HISTÓRIA A individualidade mais importante do hospital não é o seu diretor, nem o contribuinte, nem o médico, nem a enfermeira, nem o secretário; a individualidade mais importante do hospital é, sem dúvida, o enfermo. GOLDWALTER . 2.1 Breve relato a respeito do lugar que o hospital vem ocupando no contexto social Com o objetivo de traçar o entendimento da necessidade de criação e manutenção das classes hospitalares no Brasil, considera-se oportuno desenvolver um breve relato da constituição dessa instituição chamada hospital, o desenvolvimento dos povos e das comunidadesque objetivavam a melhoria da qualidade de vida de sua população, o conhecimento documentado, a criação dos hospitais, os aspectos sanitários e o aparecimento de práticas exercidas pelos profissionais da área de saúde. 2.1.1 Esboço histórico O hospital teve origem em época muito anterior à era cristã. Contudo, não há dúvida de que o cristianismo impulsionou e desvendou novos horizontes aos serviços de assistência, sob as mais variadas formas. Assim: A história da medicina tem origem em época bem mais remota que a dos hospitais. O homem preocupado em princípio apenas com o bem estar de sua família, foi obrigado, com o correr dos tempos e para sua própria defesa, a se interessar pela saúde dos seus semelhantes, quando o aumento da população e a intensificação do tráfego demonstravam a necessidade de proteção coletiva. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1944, p. 9). Nos tempos antigos, a prática da medicina fundia-se com a prática religiosa. Os hospitais mais pareciam santuários que se erguiam pelas cidades, orientados por religiosos. Era determinado que, ao lado das igrejas fossem construídas enfermarias ou organizações de assistência aos doentes. Associando a prática da saúde com a prática religiosa, o sacerdote exercia o papel de mediador entre os homens e os 16 deuses. De acordo com Antunes (1991) a origem da medicina grega confunde-se com a religião. Apolo, o deus do sol, da mesma forma é o deus da saúde e da medicina. Seu filho Asclépio – Esculápio – foi o primeiro médico. Os primeiros hospitais, chamados de Asklepieia reuniam importantes atributos para a cura: o clima, a temperatura agradável, o esquecimento das preocupações do cotidiano, as músicas que lá se ouviam e os costumes moderados. Havia ainda de se considerar as condições psicológicas que atuariam em prol da recuperação dos doentes: a densa atmosfera de sugestão no interior do Abaton,3 estimulada por ritos e oferendas, e na esperança confiante no poder da divindade. Valdes (1987) estipula que, nessas ocasiões os sacerdotes se proviam de máscaras figurativas do Deus e de seus auxiliares, para reforçar a aceitação de seus conselhos e de suas práticas terapêuticas. A influência religiosa foi predominante, sobretudo na Idade Média. A alma precisava de tratamento e o corpo humano feito à imagem e semelhança de Deus, não podia ser tocado, pois era considerado sacrilégio. A chegada da era cristã foi, sem dúvida, determinante para o surgimento da multiplicidade das instituições hospitalares. De acordo com o Ministério da Saúde, (BRASIL, 1944) o decreto de Constantino, em 335 d.C., estimulou a criação dos hospitais cristãos durante os séculos IV e V. As primeiras figuras humanas a exercerem a “arte de curar” foram, portanto, os sacerdotes dos templos. Os templos foram os primeiros locais onde se reuniam os doentes. A seguir, o conceito de “hospedagem” foi sendo incorporado à rotina. Cada vez mais se fazia atendimento aos viajantes doentes. Não existia a preocupação com o aspecto humano e pessoal. Não demorou para que o Estado, ao lado da religião, desse início ao atendimento do doente com finalidades lucrativas; o diagnóstico e tratamentos estiveram sob o domínio das práticas mágicas, supersticiosas, de encantamentos, muito além da observação e análise dos pacientes e da doença. A fundamentação científica somente se firmou com Hipócrates, na Grécia. O hospital oriundo de épocas remotas, anteriores ao cristianismo, foi, portanto, desenvolvido por iniciativa de organizações religiosas que se converteram 3 Abaton = “lugar interdito, onde os doentes eram admitidos para o rito do sono sagrado” - São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 17 em instituições sociais de obrigação do Estado, que passou a fundá-los e mantê-los. Foi caracterizado como uma casa sob a proteção de Deus. Não era destinada à cura do corpo, e sim, à salvação da alma. O advento do cristianismo trouxe uma nova visão humanística que alterou a organização social e as responsabilidades do indivíduo: o conceito de serviços gerais de assistência aos menos favorecidos e aos enfermos, idosos, órfãos e viúvas desenvolveu-se mais rapidamente, da mesma maneira que a assistência aos viajantes e peregrinos sustentados pela contribuição dos cristãos, desde os tempos apostólicos. A administração pública começou a tomar a assistência médica sob sua responsabilidade, nos estabelecimentos hospitalares de frequência gratuita. A ascendência privada não desapareceu, pelo contrário, acompanhou o desenvolvimento das obras do governo, e passou a auxiliá-las por meio de subversões e regalias. Ainda no início da era cristã as ordens religiosas passaram a predominar na administração dos hospitais voltados à diminuição do sofrimento e das misérias humanas, mais da alma do que do corpo. Com a disseminação da lepra surgiram várias instituições voltadas para o atendimento dos doentes, localizadas fora das cidades, organizadas pelas congregações religiosas, intituladas de “lazareto”, locais em que se recolhem os leprosos. Mudanças na prestação da assistência social foram acontecendo após o declínio do sistema hospitalar cristão, trazendo modificações ao longo da Idade Moderna, apesar da permanência dos atendimentos religiosos relacionados ao conforto espiritual dos doentes internados. O nascimento do hospital moderno valorizou a presença do médico de forma efetiva. Novos procedimentos foram criados e sistematizados e o conhecimento que, anteriormente só era encontrado nos livros passou a ser uma prerrogativa do médico. O médico passou a ser o principal responsável pela organização hospitalar. A valorização da ação do meio sobre o doente como instrumento para tratar as enfermidades ia além das aplicações farmacêuticas e cirúrgicas. As construções hospitalares eram planejadas e o aproveitamento racional dos recursos disponíveis visíveis. Essas ações refletiram a crescente aceitação do hospital e a diversidade de serviços que a instituição passou a oferecer. 18 Em meados do século XIX, novas descobertas acentuaram o desenvolvimento da medicina, como a teoria bacteriológica, métodos assépticos e anticépticos - que diminuíram o número de mortes por infecção - e a introdução da anestesia, contribuindo para que o hospital não fosse visto como um lugar no qual os pobres esperavam para morrer, mas sim um local onde os enfermos podiam ser curados. A assistência tomou forma com a presença da Enfermagem, que adquiriu status técnico e contribuiu para a humanização do hospital e sua transformação numa instituição centrada no enfermo, graças aos esforços de Florence Nightingale (1820-1910). Florence possuía conhecimentos de Enfermagem adquiridos com as diaconisas de Kaiserwerth e, segundo a historiografia, era portadora de grande aptidão vocacional para tratar de doentes, sendo a precursora dessa nova Enfermagem que, como a Medicina, encontra-se vinculada à política e à ideologia da sociedade capitalista. Em seus dois livros, Notas sobre Hospitais (1858) e Notas sobre Enfermagem (1859), Florence enfatizou que a arte da Enfermagem consistia em cuidar tanto dos seres humanos sadios quanto dos doentes, entendendo como ações interligadas da Enfermagem o triângulo cuidar-educar-pesquisar. A cura era um privilégio da natureza, as ações de Enfermagem visavam à manutenção do doente em condições favoráveis à cura para que a natureza pudesse atuar sobre ela. Após a guerra, Florence fundou uma escola de Enfermagem no Hospital Saint Thomas que passou a servir de modelo para as demais escolas que foramfundadas posteriormente. Ao médico cabia o papel de ensinar e decidir quais das suas funções poderia colocar nas mãos das enfermeiras. A Enfermagem nasce, então, como uma profissão complementar à prática médica, como um suporte ao trabalho do médico. Na pirâmide hierárquica, o ápice é ocupado pelo profissional médico e o enfermeiro ocupa uma posição mediadora, um papel auxiliar. As estruturas organizacionais, a descentralização e a diversidade de funções compunham a complexidade do hospital na Idade Contemporânea: [...] Muito embora os desenvolvimentos técnicos e científicos estivessem na sua plenitude, observa-se certa austeridade daquela que administravam os hospitais. Nos séculos seguintes, a pesquisa científica, direcionada para a área farmacêutica e o controle de infecções, figura como meta de 19 atingimento para a obtenção de qualidade no atendimento hospitalar. (LISBOA, 2002, p. 17) O doente, agora denominado paciente, tão logo ingressasse no hospital, era convocado à total perda de sua intimidade. Além da ruptura com o cotidiano, de imediato ficava exposto ao trabalho do médico. O paciente seguia as orientações médicas após o diagnóstico, como alvo de intervenção médico-hospitalar, a cura dependia de esforços alheios aos enfermos. Os pacientes sentiam na pele a situação de estar num local provedor da vida e, ao mesmo tempo, um local de aprendizado da morte. A seguir um quadro resumido apresentando um comparativo das mudanças nos objetivos e características do hospital entre o início do século XX e início do século XXI. QUADRO 1 - Comparativo das mudanças nos objetivos e características do hospital INÍCIO DO SÉCULO XX INÍCIO DO SECULO XXI Fonte: Organização pan-americana da saúde. A transformação da gestão de hospitais da América Latina e Caribe. Brasília, OPAS/OMS; 2004. 01 Isolar o paciente da sociedade 01 Atender o paciente em regime aberto para a comunidade 02 Estrutura rígida com missão e funções pouco variáveis 02 Flexibilidade nas funções 03 Auto-suficiente 03 Trabalho em rede: capaz de manter inter- relação, cooperação e complementaridade. 04 Regras e procedimentos 04 Com missão, visão estratégica, políticas e normas gerais. 05 Relações de trabalho verticais 05 Relações de trabalho horizontais 06 Aprendizado do trabalhador como forma de galgar postos nas organizações 06 Aprendizado contínuo do trabalhador. Com crescimento pessoal e da própria organização 07 Centralização de poder e decisões 07 Descentralização de poder e decisões com a finalidade de favorecer o desempenho e consecução dos objetivos 08 Estilo gerencial autoritário cobrando resultados 08 Estilo gerencial de coordenação, acompanhamento, controle das etapas e corresponsabilidade por resultados. 09 Ausência de recursos tecnológicos sofisticados 09 Presença de recursos tecnológicos sofisticados, que se bem usados podem favorecer a organização. 10 Predominância de trabalho mais individualizado 10 Estímulo para trabalho em grupo e desenvolvimento do potencial e criatividade da força de trabalho 20 As constantes descobertas na área da saúde durante o século XX, o desenvolvimento da tecnologia, a crescente sofisticação da hotelaria, a necessidade de expansão de serviços de apoio à assistência e outros fatores, fizeram com que a organização hospitalar, gradualmente, se tornasse mais complexa, com características e objetivos diferentes. Segundo a Organização Mundial de Saúde, no informe Técnico nº 122 de 1957: [...] O hospital é parte integrante de um sistema coordenado de saúde, cuja função é dispensar à comunidade completa assistência à saúde, tanto curativa quanto preventiva, incluindo serviços extensivos à família, em seu domicilio e ainda um centro de formação para os que trabalham no campo da saúde e para as pesquisa biossociais. (OMS, 1957) Assim, podemos verificar que, ao longo dos tempos a estrutura hospitalar e seus profissionais mudaram seus objetivos de atendimentos à população, garantindo assistência de melhor qualidade com o uso de recursos tecnológicos mais avançados. 2.1.2 Mudanças nos modelos de atenção à Saúde no Brasil No Brasil, com o início da colonização no século XVI a assistência aos doentes estava sob a responsabilidade das Santas Casas de Misericórdia. Até o século XIX pouco se fazia pelos doentes. Com o advento da guerra Brasil - Paraguai muitas cirurgias passaram a ser realizadas no Brasil, mas o tratamento clínico era precário, assim como as condições de higiene. A população identificava o hospital como um lugar destinado à morte e por isso, alguns médicos passaram a oferecer quartos de suas próprias residências com leitos para tratamento dos enfermos que passaram a ser chamadas de “Casas de Saúde” que se constituíram nos embriões dos hospitais privados. As infecções, nessa época, eram constantes e as pessoas não esperavam muito dos hospitais. A organização dos serviços era precária e os conhecimentos científicos estavam baseados nas concepções miasmáticas4 das doenças. Os mais 4 Durante a Idade Média prevaleceu a teoria Miasmática, a qual considerava que a doença era causada por certos odores venenosos, gases ou resíduos nocivos (do grego miasma, mancha) que se originavam na atmosfera ou a partir do solo. Essas substâncias seriam posteriormente arrastadas 21 pobres eram atendidos em instituições filantrópicas ligadas à igreja católica e o restante da população, procurava médicos particulares ou outros profissionais, como curandeiros. A enorme demanda por atendimentos devido a surtos epidêmicos deixou evidente a falta de leitos hospitalares. Os hospitais filantrópicos ficaram repletos, e dessa forma o Estado Imperial, a partir de 1850, se viu obrigado a inaugurar os primeiros hospitais de isolamento e enfermarias destinados à atenção e segregação dos enfermos. Para os mais pobres o atendimento era oferecido em hospitais de ordem religiosa e/ou entidades filantrópicas e para os mais abastados, em clinicas privadas. E foi entre o final do século XIX e início do XX que se multiplicaram as casas de saúde com fins lucrativos que, eventualmente, praticavam a gratuidade e, assim, foram sendo criados novos hospitais; contudo a carência destas instituições continuava persistindo. O SUS (Sistema Único de Saúde) foi criado em 1988 pela Constituição Federal, e oficializado pela Lei nº 8080/90. O objetivo era de garantir à população brasileira o acesso universal a assistência à saúde. A partir do final do século XX os hospitais deixaram de ser espaços para abrigar pobres e doentes. O aparecimento da Medicina científica, da tecnologia e de infraestruturas modernas propiciaram aos pacientes tratamentos que não tinham indicação para serem realizados em casa. A saúde torna-se curativa. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 1965), o hospital é definido como todo estabelecimento de saúde dotado de internação, meios diagnósticos e terapêuticos, com objetivo de prestar assistência médica curativa e de reabilitação, podendo dispor de atividades de prevenção, assistência ambulatorial, atendimento de urgência/emergência, de ensino e pesquisa: [...] O Ministério da Saúde do Brasil define o hospital como parte integrante de uma organização médica e social, cuja função básica consiste em proporcionar à população a assistência médica integral, curativa e preventiva, sob qualquer regime de atendimento, inclusive o domiciliar. É também centro de educação, capacitação de recursos humanos e de pesquisas em saúde, bem como encaminhamentode pacientes. (NEDER FILHA; MONTEIRO, 2003 p. 355). pelo vento até a um possível indivíduo, que acabaria por adoecer. Site - www.prof2000.org.acesso em outubro de 2012. 22 Assim, a assistência à saúde combina inovações tecnológicas estruturadas para solução dos problemas e para o atendimento das necessidades de saúde individuais e coletivas. 2.1.3 O início da Escolarização Hospitalar até os dias atuais O objetivo da Pedagogia Hospitalar - atendimento escolar em ambiente hospitalar é garantir às crianças e adolescentes hospitalizados a continuidade aos seus estudos independente do tempo de internação ou de acompanhamento domiciliar. A criação das classes hospitalares, uma modalidade de atendimento da educação especial, resulta da necessidade de que crianças e adolescentes , quando hospitalizados, têm necessidades educacionais e direito à escolarização. Segundo a política do Ministério da Educação (1994): [...] Classe Hospitalar é um ambiente hospitalar que possibilita o atendimento educacional de crianças e jovens internados que necessitam de educação especial e que estejam em tratamento hospitalar (BRASIL, 1994, p. 20). A infância, cerceada de possibilidades de desenvolvimento cognitivo social e emocional, durante o período de internação hospitalar, pode romper a identidade de ser criança em sua amplitude. Para Fontes (2007, p. 277), “[...] a identidade de ser criança é muitas vezes diluída numa situação de internação hospitalar, na qual ela se vê imersa numa realidade diferente de sua vida cotidiana”. A hospitalização distancia as crianças de suas atividades diárias, dos amigos e parentes. O sentimento de impotência diante da enfermidade, a ausência e/ou falta de estímulos maternos podem provocar na criança o que Spitz5 (1980) denominou hospitalismo, ou seja, a vulnerabilidade dos parentes, a falta de perspectiva e o medo do desconhecido afetam sua autoestima, dificultando muitas vezes sua recuperação. 5 Renne Spitz (1980) observando crianças em hospitais de caridade, em 1965 denominou de hospitalismo o conjunto dos fenômenos apresentados por elas. Observou que nas crianças pequenas, a ausência e/ou falta de estímulos maternos são causadores de perturbações emocionais. Tais perturbações podem se manifestar por intermédio de três reações: a primeira, de protesto violento, choro intenso e agitação; a segunda, de desespero, revelado pelo silencio e aparente tranquilidade da criança; e a terceira, de resignação melancólica, resultado de uma adaptação patológica. 23 Além das mudanças físicas e emocionais decorrentes das patologias, crianças e adolescentes internados sofrem também pelo distanciamento do ambiente familiar, dos amigos e do ambiente social. Em casos de doenças graves, nas quais a internação acontece por longo tempo, existe uma ruptura no processo de aprendizagem curricular. A classe hospitalar tenta recuperar a socialização da criança e do adolescente por um processo de inclusão, e dar continuidade à escolarização com a valorização de seu novo processo de aprendizagem. Estes pacientes, que acometidos de doenças crônicas necessitam de uma permanência no hospital por longos períodos de tratamento e acompanhamento médico, se beneficiam da abordagem educacional proposta pela pedagogia hospitalar, que além de garantir a continuidade dos estudos, prepara a criança para o enfrentamento do seu cotidiano quando recebe alta hospitalar, tornando menos dura a sua readaptação à escola regular. Ao longo dos séculos muitos acontecimentos provocaram impactos importantes na qualidade de vida das crianças e adolescentes hospitalizados. Na Medicina, mais especificamente, os avanços tecnológicos têm contribuído para diagnósticos mais precisos e a utilização de medicações mais eficazes para a recuperação dos doentes. Desta maneira Moraes e Salies (2010) referenciam que é impossível verificar mudanças de concepção em relação à saúde do paciente, aos profissionais que o atendem e de toda a organização hospitalar, sem ter o objetivo de qualidade. Decorre disso a entrada da educação no hospital, isto é, a possibilidade de uma criança hospitalizada dar continuidade a seus estudos no período em que estiver internado, o que pode favorecer suas condições emocionais e sociais. Muito desses avanços ocorreram em consequência de movimentos oriundos da sociedade civil no sentido de criar programas de saúde e educação, e da elaboração de leis que garantem os direitos das crianças e adolescentes hospitalizados. A necessidade educativa de crianças e adolescentes hospitalizados corrobora com a criação e manutenção de classes hospitalares, para acompanhamento durante o período de permanência no hospital. Vasconcelos (2006) destaca que, os primeiros casos de intervenção escolar em hospitais aconteceram na França, em 1935, e posteriormente essa intervenção foi expandida para a Alemanha e Estada Unidos. Após a Segunda Guerra Mundial o atendimento à criança hospitalizada cresceu sensivelmente, quando alguns países 24 da Europa receberam, como fruto do conflito, crianças mutiladas e/ou infectadas por doenças contagiosas, como a tuberculose, que na época era considerada fatal. Esse fato impulsionou a criação de um movimento dos médicos e voluntários religiosos no engajamento para concretização desse serviço. Em 1935, foi criada na França, nos arredores de Paris, por Henri Sellier a primeira escola para crianças inadaptadas, e mais tarde estendeu-se para Alemanha, Europa e Estados Unidos. O objetivo era suprir dificuldades de crianças tuberculosas. Em 1939, ainda na França, foi criado o Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes - CNEFEI e tinha por objetivo a formação de professores para o trabalho em institutos especiais e em hospitais. Também foram criados, na França, cursos para formação de professores, com duração de dois anos, para o Cargo de Professor Hospitalar. No ano de 1945, Marguerite Perrin iniciou um trabalho com mulheres voluntárias conhecidas como “lês blouses roses” (as blusas cor-de-rosa), em Grenoble. O primeiro posto de professoras para atuação em hospitais foi criado em 1948, em Lyon, no Serviço de Pediatria do Dr. Jeune do hospital J. Courmont. Anos mais tarde, o Dr. Alagille, diretor da Pediatria do Hospital Kremlin-Bicêtre, determinou que a nova construção do hospital de crianças tivesse um Maison de I’ enfant (Casa da Criança), sendo a primeira na França. (ROSENBERG-REINER, 2003) No Brasil, a primeira ação educativa hospitalar aconteceu em 14 de agosto de 1950, no Hospital Municipal Jesus, no Rio de Janeiro, que na ocasião tinha capacidade para 200 leitos e uma média de 80 crianças em idade escolar hospitalizadas. Em 1960, a Classe Hospitalar constituída no referido hospital contava com três professores e o Hospital Barata Ribeiro, também no Rio de Janeiro, tinha uma professora para esse tipo de trabalho (RITTMEYER; SILVA; IMBRÓSIO, 2001). A partir de essa iniciativa resultados satisfatórios no ambiente hospitalar serviram de estímulo para ampliação desse serviço em outros hospitais. Assim, em 1960, o Hospital Barata Ribeiro, na cidade do Rio de Janeiro, inaugurou sua Classe Hospitalar. Naquele momento a Classe Hospitalar já apresentava um crescimento, mas esta ação educativa não contava com nenhum vínculo ou regulamentação junto à 25 Secretaria de Educação.O desenvolvimento das Classes Hospitalares ocorreu pelo desejo e comprometimento dos profissionais Envolvidos na busca de reconhecimento desse trabalho, do professor no hospital, os diretores do Hospital Municipal Jesus, procuraram a Secretaria de Educação do antigo Estado da Guanabara, atual estado do Rio de Janeiro, na tentativa de regulamentá-lo. É importante ressaltar que por consequência da poliomielite, recorrente naquele tempo, o atendimento nas classes hospitalares era centralizado nos deficientes físicos. Este pode ser um dos motivos da ação educativa hospitalar ter sido entendida como uma modalidade da Educação Especial, apesar do investimento feito pela saúde na década de 1950 para garantir a legitimidade do trabalho pedagógico hospitalar. Em 1993, A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância (ABRAPIA), respaldada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e pela Declaração dos Direitos da Criança e do Adolescente (1991), publicou o Guia de Orientação para Educadores e Acompanhantes de Crianças e Adolescentes Hospitalizados. O Ministério da Educação e Cultura (MEC), em 1994, assumiu responsabilidades quanto ao direito das crianças e adolescentes hospitalizados à escolarização, por meio do serviço da Classe Hospitalar. Por meio da Resolução nº 41, de outubro de 1995, e no item 9 do Estatuto da Criança e do Adolescente Hospitalizado foram reconhecidos o “[...] Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar”. Nas redações do Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 2002), o atendimento educacional em ambiente hospitalar apresenta-se como um serviço que faz parte da educação especial. A proposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, MEC, 1996) é de que toda criança disponha de todas as oportunidades possíveis para que os processos de desenvolvimento e aprendizagem sejam contínuos. A presença do professor em hospital, propagando a escolarização da população internada em idade escolar, seguindo os moldes da escola regular, contribuindo para a diminuição do fracasso escolar, dos altos índices de evasão e repetência, é uma das vertentes da Classe Hospitalar. Em 2001 surgiu a Resolução n. 2 do CNE/CEB (Conselho Nacional de Educação/ Câmara de Educação Básica), no seu artigo 13, parágrafos 1º e 2º, 26 [...] Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. [...] §1º As Classes Hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular. §2º Nos casos de que trata este artigo, a certificação de frequência deve ser realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que atende o aluno. (BRASIL, CNE/CEB, 2001) Em 2002, o Ministério da Educação e Cultura, por meio da Secretaria de Educação Especial, regulamentou este tipo de trabalho com a publicação do documento intitulado “Classe Hospitalar e Atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações”, que tinha por objetivo estruturar ações políticas de organização do sistema de atendimento educacional em ambientes hospitalares e domiciliares. Ainda de acordo com o mesmo documento (BRASIL, MEC, 2002): [...] Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógico-educacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que se encontram impossibilitados de frequentar escola, temporária ou permanentemente e, garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de atenção integral. (BRASIL, MEC, 2002 p. 13) Compõem as orientações e estratégias, encaminhamentos para a organização e funcionamento administrativo pedagógico das Classes Hospitalares, e, igualmente, aspectos físicos do espaço, das instalações e dos equipamentos, que afirmam a responsabilidade das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipal de Educação, assim como, das direções clínicas nos sistemas e serviços de saúde em que se localizam, de acordo com a diretriz do Ministério da Educação: 27 [...] Compete às Secretarias de Educação, atender à solicitação dos hospitais para o serviço de atendimento pedagógico e domiciliar, para contratação e capacitação dos professores, provisão de recursos financeiros e materiais para os referidos atendimentos (BRASIL, MEC, 2002, p. 15). Para o Ministério da Educação e Cultura (BRASIL, 2002, p.17), a Classe Hospitalar surge como uma maneira de proporcionar educação às crianças e adolescentes no ambiente hospitalar, indicando uma adaptação do currículo da escola de origem para o hospital, considerando a continuidade dos conteúdos como indispensável para a aprendizagem do aluno/paciente, defendendo, porém que “[...] a oferta curricular ou didático-pedagógica deverá ser flexibilizada, de forma que contribua com a promoção de saúde e ao melhor retorno ou continuidade dos estudos pelos educandos envolvidos”. Este serviço é direcionado aos educandos em “[...] condição clínica ou exigências de cuidados em relação à saúde que interferem na permanência escolar ou nas condições de construção do conhecimento, ou ainda, que impedem a frequência escolar” (BRASIL, 2002, p. 15). O documento recomenda que as classes hospitalares estejam em conformidade com a LDB nº 9.394/96 e pelas Diretrizes Nacionais da Educação Básica (CNE/CEB nº 2, de setembro de 2001). [...] O atendimento poderá ser realizado numa sala específica, na enfermaria, no leito ou no quarto de isolamento, a depender das condições dos educandos, devendo ser orientado pelo processo de desenvolvimento e construção do conhecimento correspondente à educação básica, exercido numa ação integrada com os serviços de saúde (BRASIL, MEC/SEESP, p.17, 2002). O documento faz referência quanto à estrutura organizacional da Classe Hospitalar, definindo como necessária a presença de um professor coordenador, que deve conhecer a dinâmica e o funcionamento desse trabalho, além das técnicas e terapêuticas que dele fazem parte, assim como as rotinas de assistência, da enfermaria e ambulatórios, tendo ainda como atribuição a articulação com a equipe de saúde da instituição com Secretarias de Educação e com a escola de origem da criança e/ou adolescente. Ainda como recomendação, o documento enfatiza que o professor deverá ter preferencialmente a formação em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia 28 ou licenciaturas. Além disso, o profissional responsável pela classe hospitalar precisa ter noções das patologias apresentadas pelos educandos e os problemas emocionais decorrentes da hospitalização. Além de ser capaz de considerar o quadro de saúde, adaptando e flexibilizandoas atividades e os materiais, planejando diariamente, registrando e avaliando o trabalho pedagógico desenvolvido. As estratégias e orientação do Ministério da Educação (2002) indicam que devem ser levados em consideração os processos de integração da escola com o sistema de saúde, buscando um diálogo entre os seus profissionais de modo que ocorra um duplo acompanhamento – hospitalar e escolar – que tragam significado para as crianças e adolescentes hospitalizados. “Classes Hospitalares e Atendimento Pedagógico Domiciliar – Estratégias e Orientações” é o único documento elaborado pelo MEC/SEESP que esclarece os objetivos e a estrutura organizacional do serviço de Classe Hospitalar no Brasil. Apesar de esse serviço estar inserido na Educação Inclusiva, a Classe Hospitalar não tem tido muita expressão nessa área. Muitas vezes é esquecida pela própria Política Nacional de Educação Especial, a exemplo disso, em seu documento mais recente, denominado “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” de 2008, não contempla a situação das crianças e adolescentes hospitalizados. O documento indica que, para atuar na Educação Especial, o professor precisa dispor em sua formação inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos específicos na área. Afirma que essa formação permite a atuação desse profissional no atendimento educacional especializado; aprofunda o caráter interativo e interdisciplinar da ação nas escolas regulares, nas salas de recursos, nas Classes Hospitalares - única parte do texto que faz referencia ao serviço - e nos ambientes domiciliares, dentre outros, para a oferta dos serviços e recursos da educação especial. (BRASIL, MEC, 2008 apud ROCHA, 2012, p. 52 - 53). Entender os caminhos percorridos pela Classe Hospitalar na inserção do serviço na Educação Especial demonstra as mudanças e benefícios para a instituição da escola inclusiva e permite, também, a compreensão histórica desse campo de conhecimento e as necessidades de rupturas e conquistas, pois se trata de um tema extremamente relevante na garantia da continuidade dos estudos da criança e adolescentes hospitalizados. 29 As orientações do documento “Classe Hospitalar e Atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações” (BRASIL, MEC, 2002) surgiram em um momento significativo para construção do campo. Para compreender o conflito existente na Educação Hospitalar desde o início, é necessário entender os conceitos de Classe Hospitalar e o de Pedagogia Hospitalar. A palavra Classe, adotada na educação, aparece como sendo o espaço físico onde acontece a ação educativa. Para sua organização, a escola utiliza critérios de divisão como faixa etária e desempenho intelectual. A nomenclatura de Classe Hospitalar não atende à realidade pedagógica vivida no hospital. Muitas vezes, o trabalho educativo, por não ter espaço físico próprio, e/ou o aluno estar impossibilitado de se locomover, ocorre nos leitos ou nos corredores da enfermaria, utilizando-se a organização dos grupos na lógica multietária, isto é a organização do grupo escolar com crianças de várias idades. Esta abordagem, no que diz respeito à organização espacial conforme uma unidade escolar, possibilita a evidência, para as pessoas que transitam no hospital, que esta ação está diretamente relacionada a uma ação educativa formal, apesar da organização por faixa etária e currículo fugirem, substancialmente, ao grupo etário de crianças internadas e ao tempo total de cada internação. Defende a presença de o professor no ambiente hospitalar, atuando como agente educacional, colaborando para a continuidade dos estudos deixados para traz por conta da enfermidade acometida pela criança e pela necessidade de internação. O professor precisa adaptar o currículo escolar à realidade do espaço físico e da enfermidade de cada aluno paciente. A Classe Hospitalar desempenha um papel importante na formação educacional e moral da criança/adolescente hospitalizado, pois garante continuidade da educação tradicional acadêmica, tornando-se referência também para a família. A outra abordagem, a da Pedagogia Hospitalar surge com a construção de uma prática docente característica do espaço hospitalar, embasada na teoria da emoção, do médico Frances Henri Wallon (1879 -1962) e defendidos por estudiosos como Taam (1997), que prioriza a ideia de que a produção de conhecimento pode contribuir para o bem-estar físico, psíquico e emocional da criança enferma e que o conhecimento escolar é uma consequência da ação que visa à promoção da saúde, objetivo único de todos os profissionais de um hospital. 30 Para Wallon o eixo principal do processo de desenvolvimento é uma integração em dois sentidos, integração organismo-meio e integração cognitivo- afetivo-motora. Acredita que, para um estudo eficaz do desenvolvimento é necessário levar em conta os vários campos funcionais: afetividade, conhecimento (cognição/inteligência) e motricidade. Cada atividade da criança resulta, então, da integração do cognitivo com o afetivo e com o motor. (MAHONEY; ALMEIDA, 2004, p.18). A afetividade se revela entre o professor e o aluno no processo de ensino- aprendizagem, levando em conta, principalmente, a relação que a criança mantém com as pessoas e com a realidade ao seu redor, valorizando a socialização entre outras crianças que naquele espaço apresentam características de enfermidade semelhantes. 2.1.4 Das questões da hospitalização A hospitalização é um período que pode modificar completamente a vida da criança e do adolescente, pois eles têm sua rotina alterada e sofrem intervenções que podem ser dolorosas e assustadoras (SAGATIO, 2007). Nesse novo espaço, a criança e o adolescente vivenciam medos, incertezas e inseguranças além da dor e do sofrimento. Assim, conforme esclarece Sagatio (2007): [...] As crianças e os adolescentes internados têm faixas etárias diferenciadas, o quadro clínico é variável, a medicação a ser utilizada é diferente de um para o outro, os aspectos emocionais do processo de internação podem variar de criança para criança, a aceitação da doença é vista de diversas maneiras, tanto pela família como pelo paciente, o tempo de internação é variável, entre outros aspectos (...). Portanto, o trabalho desenvolvido pelos profissionais de diversas áreas precisa ser integrado, dinâmico, capaz de perceber as diferenças da rotina da internação pediátrica (SAGATIO, 2007, p. 05). Ao serem hospitalizados, a criança e o adolescente encontram um espaço desconhecido, tanto para eles como para seus familiares. As rotinas são modificadas, surgem necessidades como, tomar medicamentos, submeterem-se a exames clínicos, dietas, manipulações, cirurgias e tantas outras situações que determinam uma rotina diferente da vida cotidiana. 31 Neste cenário, toda prática educativa conta com o stress, situações de dor e necessidades primeiras de atendimento à doença, além do comum distanciamento da equipe multiprofissional que não valoriza a ação educativa. Não se trata de adaptar o modelo escolar ao hospital, mas de produzir modelos de ação pedagógica que respondam às peculiaridades do hospital e da situação existencial da criança. (TAAM, 2004, p. 134). Taam (2004) defende a ideia de que o conhecimento pode contribuir para o bem-estar físico psíquico e emocional da criança enferma, de acordo com a abordagem da Pedagogia Hospitalar. Neste sentido, o atendimento pedagógico no ambiente hospitalar deve ser entendido como uma escuta pedagógica às necessidades e interesses do aluno hospitalizado, buscando atendê-loso mais adequadamente possível, respeitando as limitações e possibilidades de aprendizagem daquele momento. Ao mesmo tempo em que a hospitalização é um evento mediado por situações de medo, tristeza e incerteza, que tem a capacidade de estagnar o processo de construção do conhecimento, na perspectiva da educação, o desejo de aprender projeta o desejo de viver no ser humano. De acordo com Ceccim (1998): [...] Uma adequada possibilidade de acolhimento dos medos, desejos, ansiedades, confusões e ambivalências, com adequado nível de informação, permitirão, portanto, a produção de conhecimentos sobre si e uma construção positiva a respeito da saúde; em que o corpo não se separe do pensamento (CECCIM, 1998, p 34). Estudar é uma necessidade e um direito do escolar em tratamento de saúde. Sentir-se produzindo faz bem. A aprendizagem dos conteúdos curriculares é importante nas intervenções de longo prazo no que se refere à autoestima. O aluno/paciente em contato com situações do cotidiano escolar aceita de forma menos traumática o tratamento de saúde que está se submetendo. Assim sendo, [...] O hospital-escola constitui-se num espaço alternativo que vai além da escola e do hospital, haja vista que se propõe a um trabalho não somente de oferecer continuidade de instrução. Ele vai além, quando realiza a integração do escolar hospitalizado, prestando ajuda não só na escolaridade e na hospitalização, mas em todos os aspectos decorrentes do afastamento necessário do seu cotidiano e do processo, por vezes, traumático da internação (MATTOS; MUGIATTI, 2007, p.73). 32 Nesta perspectiva, a proposta da Classe Hospitalar pode ser entendida como um instrumento de suavização dos efeitos traumáticos da permanência no hospital como o impacto causado pelo distanciamento da criança da sua rotina, além da garantia da continuidade dos estudos nesse período. Essa abordagem demonstra uma ação diferente do professor no hospital, que pode ser confundida com uma ação recreativa, pois requer o efetivo envolvimento, modificação do ambiente em que estão envolvidos, modalidades de ação e intervenção, programas e conteúdos adaptados às capacidades e dificuldades das crianças e adolescentes enfermos. O compromisso com o currículo existe por meio da interação com a escola de origem do aluno/adolescente hospitalizado; a garantia da continuidade dos estudos corrobora com a necessidade do acompanhamento da escola, a fim de possibilitar, quando puderem, o retorno às suas atividades escolares. Autores como Fontes (2005) e Menezes (2004) acreditam que a Classe Hospitalar estaria contida na Pedagogia Hospitalar, como se pode ver em Fontes (2005): [...] Podemos entender Pedagogia Hospitalar como uma proposta diferenciada da Pedagogia tradicional, uma vez que se dá no âmbito hospitalar e que busca atribuir conhecimentos sobre esse novo contexto de aprendizagem que possa contribuir para o bem-estar da criança enferma. (FONTES, 2005 p. 122) Nesse sentido, essa definição não exclui o conceito de Classe Hospitalar. Pelo contrário, parece mais abrangente, pois incorpora a escolarização da criança e do adolescente que se encontram internados por longos períodos. Embora a Pedagogia Hospitalar já seja uma modalidade de atendimento educacional reconhecida por lei como um direito da criança e adolescente hospitalizados e, portanto, distantes da escola, o Brasil ainda conta com poucos hospitais que desenvolvem esse tipo de atendimento e, em sua quase totalidade, com profissionais que não possuem formação específica para esse tipo de atuação. A Classe Hospitalar hoje atende a um número mínimo de crianças/adolescentes. É preciso haver uma mobilização cada vez maior de protagonistas desta ação, no sentido de fazer valer o que prevê a legislação, promovendo movimentos de ações sociais e de políticas públicas com o objetivo de 33 cobrar das autoridades governamentais a criação e implantação da educação no hospital por meio das Classes Hospitalares. 2.1.5 Classes Hospitalares em Hospitais no Brasil A Classe Hospitalar constitui uma necessidade para o hospital e um direito adquirido pelas crianças/adolescentes que estão internados e impossibilitados de frequentar a escola regular. A criação de Classes Hospitalares é uma questão social e deve ser vista com seriedade e engajamento pelas políticas públicas brasileiras. Segundo o documento do MEC (BRASIL, MEC, 2002) sobre estratégias e orientações para o atendimento nas Classes Hospitalares, assegurando o acesso à educação básica, a educação tem condições para reconstituir a integralidade e a humanização nas práticas de atenção à saúde, para efetivar e defender a autodeterminação das crianças diante do cuidado, para propor outro tipo de acolhimento das famílias nos hospitais, inserindo a sua participação como uma aposta no crescimento das crianças, embutindo na equipe de saúde uma educação do olhar e da escuta de forma mais significativa à afirmação da vida. A realidade das Classes Hospitalares no Brasil está muito longe de atingir toda a população hospitalizada em idade escolar, mesmo não sendo uma modalidade de ensino recente. Como citado no subcapítulo anterior, a partir das duas últimas décadas nosso país vem exercitando-se numa perspectiva democrática o que gerou este e outros avanços educacionais, assim como ganhos também no âmbito social e no político. Hoje, segundo Fonseca (1998) o quantitativo dessa modalidade de ensino, apesar de tímido, vem aumentando com o passar dos anos, principalmente após a segunda metade da década de 1990. Com o início do século XXI, ampliaram-se as possibilidades para o atendimento escolar no ambiente hospitalar. A possibilidade do contato com outras crianças e com temas relacionados à infância, como a escola, que por muitos é considerada estranha, gera uma energia positiva no corpo da criança. Isso colabora para uma recuperação mais rápida da condição de saúde, como demonstrado no estudo de Fonseca e Ceccim (1999) que apresentou significância estatística entre a frequência às aulas no hospital e a redução em 30% nos dias de internação. 34 É preciso garantir que a escola no hospital exista para seu aluno paciente e esteja focada nesses processos. Essa modalidade de ensino mostra-se promissora, apesar das imensas dificuldades, garantindo a continuidade dos estudos e minimizando o sofrimento assim estabelecido. O levantamento do quantitativo de hospitais com atendimento escolar no Brasil está disponível na página da Escola Hospitalar 6Atendimento pedagógico- educacional para crianças e jovens hospitalizados. Esse levantamento é feito de acordo com as respectivas regiões e estados, realizado por meio ou intermédio de solicitação às Classes Hospitalares para que atualizem suas informações e, participem a outras escolas hospitalares sobre o preenchimento e envio pela internet do questionário específico. O quadro a seguir mostra, por região, o número de hospitais que dispõem de atendimento pedagógico educacional em hospitais no Brasil. QUADRO 2 - Número de Escolas Hospitalares (EHs) por Região Região Nº de Hospitais com Escolas Norte 10 Nordeste 25 Centro – Oeste 24 Sudeste 53 Sul 29TOTAL 141 Fonte: EHS-BR-ESF, outubro, 2012. Segundo Fonseca 7 (2012), o número de classes hospitalares no Brasil é ainda pequeno. Atualmente, em caráter oficial há 141 hospitais que oferecem a oportunidade de crianças e jovens prosseguirem com seus estudos, número pequeno se for considerada a imensidão do país; mas já é um começo bastante otimista. 6 Site http://www.escolahospitalar.uerj.br. Acesso em: 23 de julho de 2013 7 Pedagoga, mestre em Educação Especial, PhD em Desenvolvimento e Educação de Crianças Hospitalizados, docente da UERJ e da Classe Hospitalar Jesus/SME- RJ é também responsável pelo site sobre classe hospitalar: http://geodesia.ptr.usp.br/classe 35 3 CAPÍTULO 2 - A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE CLASSE HOSPITALAR NO BRASIL A formação de professor desde o início de sua escolarização ou no transcorrer de sua vida profissional tem se apresentado como constante preocupação, ocupando um destaque no campo das produções acadêmicas como nos apresenta Tardif, (2002) e Furlanetto (2007). A formação do professor para atuação na Classe Hospitalar, apesar de discreta, também demonstra uma preocupação descrita em publicação de autores como Schilke (2008) e Silva (2010). O estado da arte8 da formação de professores no Brasil aponta que a produção discente, com base no exame de dissertações e teses defendidas entre 90-96 quase que dobrou nesse período, incluindo estudos sobre formação inicial e formação continuada, conforme nos apresenta Almeida (2009, p.4): “[...] a formação de professores tem sido tema recorrente na preocupação de amplos setores da sociedade brasileira”. Algumas pesquisas apontam para a formação do pedagogo para atuação em Classe Hospitalar, demonstrados nos estudos de Fonseca (1999), Fontes (2005), Barros (2007). De acordo com a revisão de literatura sobre formação de professores, publicada no artigo sobre pesquisas apresentadas no Grupo de Trabalho Formação de Professores da Anped de 1992 a 1998 (1999), os estudos que expõem como tema a formação inicial, o conteúdo mais enfatizado é a avaliação dos cursos de formação de professores, seguido da priorização do professor com relação aos métodos e práticas. Nas pesquisas que têm como temática a formação continuada, os aspectos focalizados são bastante variados, incluindo os diferentes níveis de ensino, contextos diversos, meios e matérias diversificados. O tema identidade e profissionalização docente destacam conteúdos sobre a busca da identidade profissional e as concepções do professor sobre sua profissão. O tema ainda pouco 8 O Estado da Arte é uma das partes mais importantes de todo trabalho científico, uma vez que faz referência ao que já se tem descoberto sobre o assunto pesquisado, evitando que se perca tempo com investigações desnecessárias. http://repositorium.sdum.uminho.pt. Acesso em: 02 de maio de 2013. 36 explorado, apesar de representar uma temática emergente é a formação do professor para atuar nos movimentos sociais e com crianças em situação de risco. Assim, observa-se, então, que a preocupação central da formação docente está voltada para a formação de professores de séries iniciais no espaço escolar regular, demonstrando, portanto, que ainda pouco se discute sobre a formação de professores para atuar em outros espaços que não na escola convencional. Segundo Matos e Mugiatti (2007): [...] A experiência adquirida pela Pedagogia, em sua trajetória, permitiu-lhe um acervo teórico-prático de ensino e de aprendizagem, credenciando-a a auxiliar a Pedagogia Hospitalar, o que leva a apontar a necessidade da existência de demandas por aperfeiçoamento, como condição de desenvolvimento de uma prática educativa competente e comprometida. (MATOS; MUGIATTI, 2007. p.13) Furlanetto (2007) destaca o espaço pouco explorado na formação dos professores, pois a maioria das práticas formativas baseia-se no fornecimento de recursos teóricos e técnicos aos professores. Nessa perspectiva, questões sobre atuação do professor no espaço hospitalar que envolvem as relações enfrentadas no cotidiano, de auxílio à criança/adolescente hospitalizados, a concepção e função do currículo neste novo espaço, a avaliação e estratégias de registro do processo educativo, os procedimentos para continuidade escolar dos enfermos, etc. apresentam-se como temas importantes a serem pesquisados para dar suporte a atuação dos pedagogos que atuam no hospital. Na busca de orientar os profissionais de educação para trabalhar na Classe Hospitalar foi publicado um documento, pelo Governo Federal, em 2002, denominado “Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações”, já citado anteriormente, com a finalidade de orientar e estruturar os educadores acerca das ações de atendimento educacional, em ambientes hospitalares e domiciliares. O documento reafirma a importância do atendimento em Classe Hospitalar e a sua implantação, abordando os aspectos físicos, equipamentos, a integração com a escola regular e com o sistema de saúde, e a necessidade de formação do profissional de educação para atuar nessa Classe Hospitalar. Além disso, designa como Classe Hospitalar, de acordo com o Ministério da Educação (2002): 37 [...] O atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental. (BRASIL, MEC, 2002, p.13). Apesar de a Classe Hospitalar ter suas peculiaridades no atendimento à criança é importante o educador adequar a necessidade de desenvolvimento cognitivo com os interesses da criança, para favorecer a aprendizagem, promover a sua saúde, amenizar as suas angústias e contribuir para a sua formação como sujeito. No Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001), que tem como um dos seus desafios contribuir para a qualidade da formação docente, se verifica a conjectura de incluir nos currículos de formação de professores conteúdos e disciplinas específicas para a capacitação de atendimento a alunos especiais, o que no entendimento de órgãos governamentais e não governamentais estaria garantindo a formação dos professores para atuar no espaço hospitalar. A legislação educacional em vigor, por vezes, apresentando indefinições sobre a atuação do pedagogo em hospitais, e sua prática pedagógica dentro do ambiente hospitalar sugere estratégias e orientações para o atendimento pedagógico voltado para o desenvolvimento e continuidade da educação, antes oferecida em escola regular, de acordo com o documento do Ministério da Educação: [...] O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre doenças e condições psicossociais vivenciadas pelo educando e as características delas decorrentes, sejam do ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo (BRASIL, MEC, 2002, p. 22). No entanto, o entendimento sobre “especiais” quando incorporado nos cursos de formação focam os alunos com alguma deficiência, não se referindo aos alunos hospitalizados. Nessa direção, Barros (2007) ressalta a falta de preparo mais consistente, que prepare esse profissional para o ingresso na realidade hospitalar – esclarecendo suas rotinas, dinâmicas de funcionamento e especificidade dos quadros de
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