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NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 115
Nos últimos anos, novas formas de intervenção es-
tatal contra a pobreza vêm sendo implementadas, especialmente sob 
a forma de políticas sociais focalizadas nos grupos mais vulneráveis 
da população, como os programas de transferências condicionadas 
de renda. Essa alteração no padrão de políticas sociais voltadas para 
o combate à pobreza ocorre em diversos países da América Latina, e 
não só no Brasil, destacando-se, por seu escopo e relevância em análi-
ses comparativas internacionais, os programas existentes no México 
(Oportunidades) e no Chile (Chile Solidário).
Resumo
O artigo explora alguns pontos de discussão em torno do 
Programa Bolsa Família, partindo de uma caracterização dos desenhos institucionais dos programas de transferência de 
renda no Brasil, desde as experiências municipais até os programas federais Bolsa Escola e Bolsa Família. Ao final, 
discutem-se os principais desafios na sustentabilidade futura do programa.
PaLaVraS-cHaVE: Bolsa Família; políticas sociais; pobreza; desigualdade.
AbstRAct
The article explores issues related to Programa Bolsa Família, 
taking as its starting point a characterization of the institutional designs of cash transfer programs in Brazil, from 
municipal-level experiences to the federal-level programs Bolsa Escola and Bolsa Família. It ends by taking issue with 
the main challenges lying ahead of those programs.
KEywOrDS: Bolsa Família; social policies; poverty; inequality.
O BOlsa Família na Berlinda?
Renata Mirandola Bichir
Os desafios atuais dos programas de transferência de renda
116 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[1] Esping-Andersen, G. The three 
worlds of the welfare capitalism. Prin-
ceton: Princeton University Press, 
1990.
[2] Santos, W. G. Cidadania e justiça. 
Rio de Janeiro: Campus, 1979.
[3] Draibe, S. “O welfare state no 
Brasil: características e perspectivas”. 
Caderno de Pesquisa NEPP, 1993, n°8, 
pp. 1-52; Almeida, M. H. T. “Federa-
lismo e políticas sociais”. Revista Bra-
sileira de Ciências Sociais, 1995, ano 10, 
nº 28, jun., pp. 88-108; Pochmann, 
M. “Segurança social no capitalismo 
periférico: algumas considerações 
sobre o caso brasileiro”. Nueva Socie-
dad, 2007, out., pp. 76-97 (especial 
em português).
[4] Silva, M. O., Yasbek, M. C. e Di 
Giovanni, G. A política social brasileira 
no século XXI: a prevalência dos progra-
mas de transferência de renda. 3 ed. São 
Paulo: Cortez, 2007.
[5] Ministério do Desenvolvimento 
Social. “Perfil das famílias benefici-
árias do Programa Bolsa Família”. 
Brasília, 2007. Disponível em <http://
www.mds.gov.br>, consultado em 
5/12/2007.
[6] Draibe, “A política social no perío-
do FHC e o sistema de proteção social”. 
Tempo Social, 2003, nov., pp 63-101.
No Brasil, as políticas sociais passaram de um padrão de proteção 
social vinculado ao mundo do trabalho, restrito a categorias específicas 
de trabalhadores — configurando um sistema “corporativo” de prote-
ção, nos termos de Gosta Esping-Andersen1, e caracterizado como “cida-
dania regulada” por Wanderley Guilherme dos Santos2—, a um padrão 
de políticas sociais de caráter regressivo no período autoritário3, até sua 
expansão no sentido da universalização após a redemocratização.
Os programas de transferência condicionada de renda inserem-se 
em um novo padrão de programas sociais voltados à população mais 
pobre. Inspirados no projeto de imposto de renda negativo do senador 
Eduardo Suplicy, esses programas surgiram como políticas de combate 
à pobreza primeiro no plano local, em meados dos anos de 1990, como 
ações de garantia de renda mínima ou do tipo “bolsa escola”, destacan-
do-se as experiências pioneiras de Campinas, Distrito Federal, Ribeirão 
Preto e Santos. Os programas federais vieram depois, primeiro com o 
Programa Bolsa Escola, em 2001, no governo FHC, e depois com a uni-
ficação das diversas ações e o aumento de seu escopo e relevância, no 
âmbito do Programa Bolsa Família, em 2003, já no governo Lula. De ex-
periências pioneiras e pontuais, os programas de transferência de renda 
tornaram-se o “carro-chefe” da rede de proteção social brasileira4.
O Programa Bolsa Família é hoje o maior programa de transferência 
de renda condicionada do mundo, beneficiando, em 2007, 11,1 milhões 
de famílias ou 46 milhões de pessoas5. Contudo, há poucos consensos 
em torno desse programa, seja entre políticos de diversos partidos, seja 
entre especialistas em políticas sociais e programas de combate à po-
breza. Além da clivagem mais ampla entre políticas sociais universais e 
políticas focalizadas, há divergências em torno da eficácia e mesmo da 
necessidade das condicionalidades associadas ao programa, em torno 
de seus impactos, sua utilização político eleitoral, além de dúvidas em 
relação à sua sustentabilidade política e econômica no longo prazo, as-
sociadas à discussão das “portas de saída” para os beneficiários.
Esse artigo explora esses cinco principais eixos de tensão, partindo 
de uma caracterização dos desenhos institucionais dos programas de 
transferência no Brasil, desde as experiências municipais até os pro-
gramas federais Bolsa Escola e Bolsa Família. Ao final, são apontados 
os principais desafios a serem enfrentados pelo programa Bolsa Famí-
lia no futuro próximo.
PRimeiRAs exPeRiênciAs de tRAnsfeRênciA 
de RendA no bRAsil: do locAl Ao nAcionAl
Com a redemocratização, iniciou-se o primeiro processo significa-
tivo de reformas no sentido da descentralização das políticas sociais. 
O “ponto de partida”6 era crítica ao padrão de proteção social cons-
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117NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[7] Almeida, op. cit.
[8] Ibidem.
[9] Lavinas, L. “Renda mínima: 
práticas e viabilidade”. Novos Estu-
dos Cebrap, 1999, nº 53, mar., pp. 65-
84, p. 72.
[10] Ibidem.
[11] Silva, Yasbek e Di Giovanni, 
op. cit.
truído pelos governos autoritários, caracterizado pela forte centrali-
zação no governo federal, por processos fechados de decisão, gestão 
centralizada em grandes burocracias, fragmentação institucional e 
pela iniqüidade do ponto de vista da distribuição dos serviços e be-
nefícios7. As reformas iniciadas após a Constituição de 1988 tinham 
como principal meta a correção das distorções desse sistema, de modo 
a tornar as políticas sociais um instrumento de combate às desigual-
dades sociais. Nesse cenário, a descentralização era vista como um 
instrumento de universalização do acesso e aumento do controle dos 
beneficiários sobre os serviços8.
O novo padrão de política social teve como momento fundador a 
promulgação da Constituição de 1988, que representou uma redefi-
nição do arranjo federativo brasileiro, por um lento e complexo pro-
cesso de transferência de capacidade decisória, funções e recursos do 
governo federal para estados e municípios. As políticas de assistência 
e de combate à pobreza passaram a ser uma atribuição dos municípios, 
embora a superação da pobreza e a redução da desigualdade continua-
ssem sendo atribuições das três esferas de governo.
Nesse contexto, surgem como novas experiências de combate à 
pobreza os programas municipais de garantia de renda mínima. De 
maneira geral, tais programas têm como beneficiários os grupos mais 
vulneráveis, visando garantir uma rede de proteção social para os mais 
pobres, que muitas vezes escapam do escopo das políticas sociais tra-
dicionais, tais como educação e saúde. Os programas de garantia de 
renda mínima procuram atender não só à dimensão da insuficiência 
de renda — uma das múltiplas dimensões da pobreza — mas tam-
bém ao déficit de acessibilidade a bens e serviços públicos ao qual está 
submetida a população mais carente, procurando funcionar como um 
mecanismo de inserção social9.
Em 1997, o governo FHC aprovoua Lei nº 9.533, que autorizava 
o Executivo a conceder apoio financeiro aos municípios que insti-
tuíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações 
socioeducativas. Esse apoio consistia no co-financiamento de até 
50% dos programas instituídos nos municípios que não tivessem 
recursos suficientes10. Segundo Lena Lavinas, essas primeiras ex-
periências coordenadas pelo governo federal assumiram caráter 
de “bolsas de estudos”, que exigiam contrapartidas das famílias 
beneficiárias, como freqüência escolar mínima. Assim, o primeiro 
programa de garantia de renda mínima (PGRM) nacional consistia 
no apoio às iniciativas municipais, por meio de convênios formali-
zados com o governo federal. Inicialmente, era dada prioridade aos 
municípios com convênio prévio com o PGRM nacional e àqueles 
com baixo IDH, sendo utilizados recursos oriundos do Fundo de 
Combate à Pobreza11. Esse programa federal, no entanto, teve vida 
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118 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[12] Coêlho, D. B. “A difusão do pro-
grama bolsa escola: competição polí-
tica e inovação no setor social”. Tra-
balho apresentado no 32º Encontro 
da Anpocs, Caxambu, 2008.
[13] Eram elegíveis famílias com ren-
da per capita de até 90 reais, o que, à 
época, correspondia a meio salário 
mínimo. O valor da bolsa era de 15 
reais, sendo que cada família poderia 
receber, no máximo, bolsas para três 
crianças, gerando um teto de 45 reais.
[14] Valente, A. L. “O Programa 
Nacional de Bolsa Escola e as ações 
afirmativas no campo educacional”. 
Revista Brasileira de Educação, 2003, 
nº 24, set./out./nov./dez, pp. 165-182.
[15] Arretche, M. T. S. “Federalismo e 
políticas sociais no Brasil: problemas 
de coordenação e autonomia". São 
Paulo em Perspectiva, 2004, vol. 18, nº 
2, pp. 17-26.
[16] Almeida, M. H. “As políticas so-
ciais no governo Lula”. Novos Estudos 
Cebrap, 2004, nº 70, nov., pp. 7-17.
[17] Valente, op. cit., p. 167.
[18] Valente, op. cit.; Silva, Yasbek e 
Di Giovanni, op. cit.
curta, estendendo-se apenas até o ano 2000, devido a problemas 
de natureza política e administrativa12. O fator mais decisivo para a 
extinção do PGRM federal, no entanto, foi a decisão de universalizá-
lo, transformando-o no Programa Bolsa Escola (PBE).
Implementado em março de 2001, o PBE foi pensado dentro da 
lógica da universalização da educação fundamental, fornecendo, 
para tanto, bolsas para crianças de 7 a 14 anos a partir do critério da 
renda familiar13 e visando, ainda, o desenvolvimento de ações so-
cioeducativas e a promoção da cidadania por meio dos conselhos 
de controle social do programa14. O cadastramento das crianças es-
tava sob a responsabilidade dos municípios, bem como o desenvol-
vimento de ações socioeducativas complementares e o controle das 
condicionalidades. No entanto, ao contrário do que ocorre hoje no 
caso do Bolsa Família, os municípios não recebiam nenhum tipo 
de ajuda financeira do governo federal para o financiamento dessas 
ações. Destaca-se, nesse ponto, o problema da descentralização de 
políticas sem a devida contrapartida em termos de recursos neces-
sários à sua implementação15.
No caso do PBE, houve uma opção pela transferência direta de 
renda aos beneficiários com gestão centralizada no governo federal16. 
Esse programa previa ainda contrapartidas, tais como freqüência es-
colar e cuidados básicos em saúde, porém a fiscalização dessas con-
trapartidas mostrou-se pouco eficaz, especialmente devido à falta de 
fluxo de informações entre os diversos órgãos responsáveis pela im-
plementação dos programas. Além dos avanços na universalização do 
acesso à educação fundamental, Ana Valente17 ressalta impactos 
do PBE no estímulo às economias locais, sobretudo nos municípios 
mais pobres, por meio do incentivo ao pequeno comércio, e também o 
rompimento da relação entre políticas educacionais e práticas cliente-
listas e paternalistas, uma vez que o dinheiro era entregue às famílias 
sem intermediários, por meio de cartões magnéticos operados pela 
Caixa Econômica Federal (CEF). Muitas dessas vantagens e alguns 
desses problemas de coordenação são observados ainda hoje, no con-
texto do Bolsa Família.
Por outro lado, outros objetivos associados ao PBE não foram 
atingidos satisfatoriamente, uma vez que os conselhos de contro-
le social pouco funcionavam ao final da gestão FHC e havia pouca 
clareza em torno do formato e do conteúdo das ações socioeducati-
vas18. Outro problema apontado pelos especialistas era a definição 
de cotas de bolsas por município. Apesar de necessárias do ponto 
de vista fiscal — já que os recursos não são ilimitados —, as cotas 
constituem um limite à universalização, uma vez que nem toda a 
população alvo pode ser atendida. Esse problema ainda permanece 
no caso do Programa Bolsa Família.
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119NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[19] Draibe, op. cit., p. 88
[20] Bolsa Escola (Ministério da Edu-
cação e Cultura); Bolsa-Alimentação 
(Ministério da Saúde); PETI (Minis-
tério da Previdência e Assistência So-
cial, MPAS); Agente Jovem (MPAS); 
Bolsa-Qualificação (Ministério do 
Trabalho); Benefício Mensal para o 
Idoso e para Portadores de Deficiên-
cia (MPAS); Renda Mensal Vitalícia 
(MPAS); Bolsa-Renda (Seguro-safra) 
(Ministério da Agricultura); Auxílio-
gás (Ministério das Minas e Energia); 
Aposentadorias rurais (MPAS); Abo-
no salarial PIS/Pasep (CEF); Seguro-
desemprego (MT).
[21] Soares, S. e Sátyro, N. “O Pro-
grama Bolsa Família: desenho insti-
tucional, impactos e possibilidades 
futuras”. IPEA, Texto para Discus-
são, 2009, nº 1424. Disponível em 
<www.ipea.gov.br>, consultado em 
18/11/2009.
[22] Para entrar nesse cadastro, 
criado pelo Decreto nº 3.877 de 
24/7/2001, as famílias respondem 
um questionário junto às prefeitu-
ras, do qual constam informações 
sobre características do domicílio, 
composição familiar, qualificação 
escolar e profissional dos membros 
do domicílio, bem como dados sobre 
as despesas familiares. Esse cadastro 
permite ao governo federal fazer um 
diagnóstico sócio-econômico das 
famílias e encaminhá-las para os de-
vidos programas sociais.
[23] Valente, op. cit.
[24] Soares e Sátyro, op. cit., p. 11.
[25] Valente, op. cit.; Silva, Yasbek e 
Di Giovanni, op. cit.
[26] Hall, A. “From Fome Zero to Bol-
sa Família: social policies and poverty 
alleviation under Lula”. Journal of La-
tin American Studies, 2006, nº 38, pp. 
689-709.
[27] Silva, Yasbek e Di Giovanni, op. 
cit.
[28] Almeida, “As políticas sociais no 
governo Lula”, op. cit.
Além do PBE, no governo FHC foi criada uma rede de proteção 
social que incluía a previdência rural e diversos programas no âmbito 
da assistência social. Sonia Draibe acredita que, com esse conjunto 
de programas, o governo FHC logrou — em seu segundo mandato — 
constituir uma “Rede Social Brasileira de Proteção Social”, “concebida 
como um conjunto de transferências monetárias a pessoas ou famílias 
de mais baixa renda, destinado a protegê-las nas distintas circunstân-
cias de risco e vulnerabilidade social”19. Esta rede era formada por di-
versos programas, sob responsabilidade de diferentes ministérios20. 
Por outro lado, de acordo com Sergei Soares e Natália Sátyro21, o cená-
rio em 2003 era de “caos”, dados os inúmeros problemas de coorde-
nação entre os diversos programas, tanto no plano federal, quanto na 
relação entre a União e os municípios.
Em uma primeira tentativa de solucionar problemas de coor-
denação e sobreposição de programas, inicia-se ainda no governo 
FHC outra importante novidade institucional, o Cadastro Único de 
Programas Sociais22. Criado na gestão FHC e aprimorado na gestão 
Lula, o Cadastro Único é o instrumento utilizado para identificação 
das famíliasem situação de pobreza em todos os municípios bra-
sileiros, visando armazenar com segurança informações cadastrais 
sobre as famílias e, assim, melhorar a focalização nos mais pobres23 
— um verdadeiro censo da população pobre brasileira, segundo 
Soares e Sátyro24. Entretanto, diversos autores reconhecem que a 
gestão FHC não teve tempo de aprimorar o cadastro, abarcar todas 
as famílias pobres ou corrigir os problemas de sobreposição de be-
neficiários em programas similares25.
Como será visto na próxima seção, o Programa Bolsa Família mui-
to se beneficiou de inovações institucionais inauguradas inicialmente 
no plano municipal e depois transformadas no âmbito do Programa 
Bolsa Escola. No entanto, nem tudo é continuidade.
o PRogRAmA bolsA fAmíliA 
O governo Lula procurou expandir e consolidar a rede de assistên-
cia social herdada do governo FHC26. Ao lado de outras medidas na 
área de assistência social, foi dada ênfase às políticas focalizadas, indi-
cando uma opção pelo combate à pobreza e à desigualdade e, de certa 
forma, dando continuidade à agenda de reformas descentralizadoras 
iniciadas na gestão de FHC. No governo Lula, no entanto, ampliou-se 
consideravelmente o volume de gastos em programas de transferência 
de renda e também o seu escopo27. O tema das políticas sociais foi tra-
tado sob a perspectiva da redução de seus efeitos regressivos, visando 
aumentar a eficácia do gasto social e a efetividade dos programas e das 
políticas por meio da focalização nos grupos de menor renda28.
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120 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[29] Silva, Yasbek e Di Giovanni, op. 
cit., p. 125.
[30] O Bolsa Família foi instituí-
do pela Medida Provisória nº 132, 
em out. 2003, transformada na Lei 
10.836, em 9 jan. 2004.
[31] No caso das famílias com renda 
mensal per capita inferior a R$69,00 
não há critérios de elegibilidade rela-
cionados com as composições fami-
liares — elas podem receber o bene-
fício básico, de R$68,00, mesmo que 
não haja crianças na casa. No caso das 
famílias com renda mensal per capita 
entre R$70,00 e R$140,00, é neces-
sário que tenham gestantes, nutrizes 
ou crianças e adolescentes entre 0 e 
15 anos. O recebimento do benefício 
é feito, preferencialmente, em nome 
da mulher.
[32] Atualmente, os valores pa-
gos pelo Bolsa Família variam de 
R$22,00 a R$200,00, de acordo com 
a renda mensal por pessoa da família 
e o número de crianças.
[33] Soares e Sátyro, op. cit; Medeiros, 
M., Britto, T. e Soares, F. “Transferên-
cia de renda no Brasil”. Novos Estudos 
Cebrap, 2007, nº 79, nov., pp. 5-21.
Voltou-se à discussão do projeto de imposto de renda negativo de 
Suplicy, sendo transformado na chamada “Lei da Renda Básica de Ci-
dadania”. Essa lei sinalizou, logo no início do governo Lula, a inten-
ção de transformar os programas de transferência de renda associados 
a condicionalidades em programas de garantia de uma renda básica de 
cidadania, incondicionais. No entanto, toda discussão posterior fo-
cou-se nos programas de transferência de renda condicionada. Diver-
sos impedimentos — políticos, associados aos “sentimentos morais” 
em relação aos pobres, entre outros — adiaram essa transformação, 
como será visto.
Uma das principais iniciativas na área social no governo Lula foi o 
Fome Zero, amplo programa que previa a participação dos três níveis 
de governo e da sociedade civil no combate à pobreza. Apesar de ter 
contribuído para colocar a pobreza e a desigualdade na agenda públi-
ca, faltou articulação entre o Fome Zero e as políticas de seguridade 
social29. Já em 2003, o Ministério da Segurança Alimentar foi fundido 
com o Ministério da Assistência Social — criando o Ministério do 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) — e o Cartão-
Alimentação foi incorporado a um novo programa de transferência 
direta de renda, o Programa Bolsa Família (PBF)30.
O PBF unificou três programas que já existiam na gestão anterior, 
o Bolsa-Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio-Gás. Além disso, pro-
curou unificar as ações dos governos federal, estaduais e municipais 
em um único programa de transferência direta de renda por meio de 
convênios. Esse programa prevê uma parcela de renda transferida sem 
contrapartidas, no caso das famílias extremamente pobres (com ren-
da familiar per capita de até R$ 69,00)31, e uma segunda parcela que 
prevê contrapartidas, como a freqüência escolar e cuidados básicos de 
saúde, no caso das famílias pobres (com renda familiar per capita entre 
R$70,00 e R$ 140,00)32.
A Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), do MDS, 
é responsável pelo PBF. A ela cabe estabelecer os critérios de quem 
recebe e quanto recebe, além de definir o questionário do Cadastro 
Único e critérios para suspensão e corte dos benefícios, além de definir 
parâmetros operacionais. À Secretaria de Avaliação e Gestão da In-
formação (Sagi) cabem as avaliações de impacto do programa. À CEF 
compete operar o programa, por meio do Cadastro Único, e pagar os 
benefícios. Alguns autores33 criticam o papel “demasiado grande” da 
Caixa, que opera o banco de dados do Cadastro Único sob a lógica do 
sigilo bancário, limitando as possibilidades de utilização do cadastro 
para o planejamento e a análise de políticas sociais.
As relações entre a União e os municípios na operação do pro-
grama ficaram mais claras a partir de 2005, quando o governo fe-
deral passou a firmar termos de adesão com os municípios visando 
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121NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[34] Soares e Sátyro, op. cit.; Ipea. 
“Políticas sociais: acompanhamento 
e análise”. Brasília, 2005. Disponível 
em <www.ipea.gov.br>.
[35] Ministério do Desenvolvimento 
Social. “Perfil das famílias benefici-
árias do Programa Bolsa Família”. 
Brasília, 2007. Disponível em <http://
www.mds.gov.br>, consultado em 
5/12/2007.
[36] Idem, “Análise da Pesquisa sobre 
Gestão Descentralizada do Programa 
Bolsa Família”. Brasília, 2007. Dispo-
nível em <www.mds.gov.br>, consul-
tado em 13/2/2008.
[37] Neri, M. “Focalização, universa-
lização e políticas sociais”. Econômi-
ca, 2003, vol. 5, nº 1, pp.163-170, jun.
[38] A CEF elabora mensalmente um 
relatório com o número de famílias 
no Cadastro Único que atendem ao 
critério de elegibilidade do programa. 
A partir da estratégia de expansão e da 
disponibilidade orçamentária, o MDS 
informa o número de famílias por 
município que devem entrar no PBF, 
sendo que as famílias são selecionadas 
obedecendo ao critério da menor para 
a maior renda (Ministério do Desen-
volvimento Social, “Programa Bolsa 
Família: orientações para o ministério 
público”. Brasília, 2005. Disponível 
em <www.mds.gov.br>.).
[39] Em sua composição, o IGD 
envolve dois indicadores relativos 
ao cadastro e à focalização do pro-
grama — porcentagem de famílias 
com renda de até meio salário mí-
nimo com informações coerentes e 
completas no Cadastro Único e por-
centagem de famílias com renda de 
até meio salário mínimo cuja última 
atualização do Cadastro tenha ocor-
rido há menos de dois anos — e dois 
indicadores relativos às contraparti-
das: porcentagem de crianças bene-
ficiárias com informação completa 
sobre contrapartidas educacionais e 
porcentagem de crianças beneficiárias 
com informação completa sobre 
contrapartidas de saúde (Soares e Sá-
tyro, op. cit.; Ministério do Desenvol-
vimento Social, “Análise da Pesquisa 
sobre Gestão Descentralizada do Pro-
grama Bolsa Família”, op. cit.).
[40] Abranches, S. H. “Política social 
e combate à pobreza: a teoria da prá-
tica”. In: Abranches, Santos, W. G e 
Coimbra, M. A. Política social e comba-
te à pobreza. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar, 1994, p. 15.
definir o papel de cada agente envolvido no programa34. No casodo 
PBF, o governo federal é responsável por coordenar a implantação e 
supervisionar a execução do Cadastro Único. Por sua vez, o governo 
estadual deve apoiar tecnicamente e supervisionar os municípios 
para a realização do cadastro. Os municípios devem planejar e exe-
cutar o cadastramento; transmitir e acompanhar o retorno dos da-
dos enviados à CEF; manter atualizada a base de dados do Cadastro 
Único e prestar apoio e informações às famílias de baixa renda sobre 
o cadastramento35. Nesse processo todo, o próprio MDS aponta que 
é necessário conhecer mais a fundo as estratégias locais — munici-
pais — de gestão do PBF, especialmente no que se refere ao cadas-
tramento e à atualização do cadastro36.
A descentralização na operação do programa é saudada por auto-
res que reconhecem as grandes heterogeneidades de um país como o 
Brasil. A princípio, os governos locais estariam mais informados sobre 
as necessidades específicas da população mais pobre, gerando maior 
eficiência na alocação de recursos escassos, especialmente no caso dos 
programas de transferência de renda37. Apesar da descentralização 
do programa — em termos de gestão dos beneficiários e coleta de in-
formações —, sua operação é bastante centralizada no Executivo fede-
ral, uma vez que a definição dos beneficiários ocorre nesse nível de go-
verno. Os municípios controlam a porta de entrada do programa, por 
meio da identificação das famílias que farão parte do Cadastro Único, 
mas a decisão de inclusão efetiva é centralizada no plano federal, que 
analisa as informações do cadastro e seleciona as famílias que devem 
entrar no programa, com base nas metas de atendimento definidas a 
partir de linhas de pobreza38. Há ainda uma estrutura de incentivos à 
adesão ao PBF, uma vez que há transferências federais aos municípios 
por meio do chamado “Índice de Gestão Descentralizada” (IGD), um 
indicador sintético — criado por meio da Portaria GM/MDS nº 148, 
de 2006 — com o objetivo de apoiar financeiramente os municípios 
do PBF com base na qualidade da gestão do programa39.
As PolêmicAs em toRno do Pbf 
Políticas universais x políticas focalizadas
Um primeiro eixo de tensões envolve a discussão mais ampla 
referente à relevância das políticas universais — tais como saúde 
e educação — em contraposição às políticas focalizadas, como os 
programas de transferência de renda. Como diz Sérgio Abranches40, 
a política social convencional opera para além da fronteira da carên-
cia absoluta e resistente. Enquanto políticas sociais devem visar à 
universalização, atuando em manifestações ocasionais de privação, 
políticas de combate à pobreza têm caráter seletivo (operam na lógi-
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122 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[41] Lavinas, op. cit.; Fleury, S. “Di-
lemas da coesão social”. Nueva So-
ciedad, 2007, out., pp. 4-23 (especial 
em português); Huber, E. Models of 
capitalism: lessons for Latin America. 
Pennsylvania: The Pennsylvania 
University Press, 2002; Hevia, F. 
“Nuevas y viejas relaciones entre los 
pobres y el gobierno: el caso del pro-
grama Progresa/Oportunidades de 
México”. Texto apresentado no semi-
nário interno do Centro de Estudos 
da Metrópole (CEM-Cebrap). São 
Paulo, 2007; Kerstenetzky, C. L. “Re-
distribuição e desenvolvimento? A 
economia política do Programa Bolsa 
Família”. Dados, Revista de Ciências 
Sociais, 2009, vol. 52, nº 1, pp. 53-83.
[42] Hevia, op. cit.
[43] Cardoso, R. “Sustentabilida-
de, o desafio das políticas sociais no 
século 21”. São Paulo em Perspectiva, 
2004, vol. 18, nº 2, pp. 42-48.; Valen-
te, op. cit; Neri, op. cit., entre outros.
[44] Camargo, J. M. “Gastos sociais: 
focalizar versus universalizar”. Ipea, 
Políticas Sociais – Acompanhamento e 
Análise, 2003, nº 7, ago., pp. 117-21.
[45] Theodoro, M. e Delgado, G. 
“Política social: universalização ou 
focalização: subsídios para o debate. 
IPEA, Políticas Sociais, Acompanha-
mento e Análise, 2003, nº 7, ago., pp. 
122-26; Delgado, G. C., e Castro, J. A. 
“Direitos sociais no Brasil sob risco 
de desconstrução”. Ipea, Políticas 
Sociais – Acompanhamento e Análise, 
2004, nº 9, nov., pp. 146-51. Esses 
autores não são contra as políticas 
focalizadas, mas questionam sua cen-
tralidade nos modelos brasileiros re-
centes de proteção social, defenden-
do um caráter apenas complementar 
para os programas de transferência 
de renda.
[46] Valente, op. cit.; Kerstenetzky, 
op. cit.; Medeiros, Britto e Soares, 
op. cit.
[47] Draibe, “A política social no pe-
ríodo FHC...”, op. cit.; Kerstenetzky, 
op. cit.
[48] Medeiros, Britto e Soares, op. cit.
ca da discriminação positiva) e visam combater um estoque acumu-
lado de carências agudas.
Alguns críticos das políticas focalizadas de combate à pobreza ar-
gumentam que estas tenderiam a tratar somente uma parte do proble-
ma, deixando de lado medidas mais abrangentes e inclusivas — repre-
sentadas por políticas universais —, e, no limite, tenderiam estigma-
tizar a população mais vulnerável41. Outros autores acreditam que a 
focalização individual dos programas pode contribuir para desgastar 
laços comunitários ou mesmo gerar estigmatização e dependência — 
especialmente no caso de programas pouco articulados com outras 
políticas sociais e sem portas de saída42.
Por outro lado, há autores que defendem a racionalidade e a efi-
cácia dos programas focalizados nos mais pobres, em termos de um 
uso mais eficiente dos parcos recursos públicos43. No interior do Ipea 
houve uma acalorada discussão no início do governo Lula. Esse debate 
contrapôs, de um lado, aqueles que defendiam os programas de trans-
ferência de renda no registro da racionalidade alocativa dos recursos, 
ressaltando a importância do desenho focalizado dos programas na 
geração dos incentivos corretos para sua sustentabilidade fiscal44. De 
outro lado, situavam-se aqueles que ressaltavam a dimensão política 
por trás de qualquer decisão alocativa, defendendo um escopo mais 
amplo nas ações públicas de combate à pobreza, uma vez que, segun-
do esses especialistas, a opção pela focalização colocaria o debate em 
torno da questão social sob a ótica do gasto social, e não do direito de 
acesso às políticas sociais45.
Outro conjunto de autores, entre os quais me incluo, questiona a 
validade dessa contraposição entre políticas universais e focalizadas, 
destacando seu caráter necessariamente complementar46. Nessa pers-
pectiva, a focalização é entendida como critério de priorização dentro 
de um esquema universalista, em uma estratégia de “focalização no 
universalismo”47. Medeiros, Britto e Soares ressaltam que as transfe-
rências não implicam a desconsideração da relevância da provisão uni-
versal de serviços básicos, como saúde e educação, revelando, assim, o 
caráter simplista e falacioso de certas análises que opõem as políticas 
universais às focalizadas48. Desse modo, deve-se ter cuidado com os 
sentidos da focalização presentes no debate.
Sob o meu ponto de vista, boas estratégias de focalização são im-
portantes para que os mais pobres sejam de fato atingidos tanto pelos 
programas de transferência de renda como pelas políticas sociais tra-
dicionais. No caso de complexos centros urbanos, como São Paulo, 
esses esforços de focalização devem incluir, inclusive, estratégias es-
paciais que levem em consideração a heterogeneidade da distribuição 
dos mais pobres no tecido da cidade. Nessa perspectiva, a focalização 
é também uma estratégia para a universalização.
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123NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[49] Silva, Yasbek e Di Giovanni, op. 
cit.; Suplicy, E. M. Renda de cidadania: 
a saída é pela porta. São Paulo: Cortez/
Fundação Perseu Abramo, 2002.
[50] Medeiros, Britto e Soares, “Pro-
gramas focalizados de transferênciade renda: contribuições para o deba-
te”. Ipea, Texto para discussão, 2007, 
n° 1283, Brasília, jun.; Soares e Sátyro, 
op. cit.
[51] Soares e Sátyro, op. cit., p. 12.
[52] Silva, Yasbek e Di Giovanni, op. 
cit., p. 210.
[53] Kerstenetzky, op. cit., p. 68.
[54] Draibe, “A política social no perí-
odo FHC...”, op. cit., p. 13.
Condicionalidades
Outro ponto muito controverso em torno do PBF é o controle das 
condicionalidades ou contrapartidas. As principais contrapartidas do 
programa estão associadas às áreas de educação e saúde: as famílias 
devem manter crianças e adolescentes em idade escolar freqüentando 
a escola e cumprir os cuidados básicos em saúde, seguindo o calendá-
rio de vacinação para as crianças entre 0 e 6 anos, e a agenda pré e pós-
natal para as gestantes e mães em amamentação. Em termos institu-
cionais, a exigência dessas contrapartidas é defendida por sua suposta 
contribuição ao desenvolvimento de capital humano no longo prazo, 
perspectiva que aborda a pobreza para além da simples insuficiência 
de renda — sendo que, no curto prazo, o alívio imediato da pobreza é 
realizado por meio das transferências monetárias. No debate brasilei-
ro, além da problemática envolvida na efetividade ou não das condi-
cionalidades, a discussão nesse caso envolve a necessidade ou não do 
controle das mesmas, a partir dos sentidos implícitos nesse controle.
Para alguns autores49, exigir que a população mais pobre cumpra 
contrapartidas implica uma negação do direito de receber parte da 
riqueza socialmente produzida, que deve ser distribuída por meio 
de programas de transferências de renda, entre outros mecanismos. 
Esses autores alinham-se mais à perspectiva do projeto original de 
Suplicy, visando transitar dos programas de transferência de renda 
condicionada à renda básica de cidadania, incondicional. Para outros 
autores50, o PBF não constitui um direito não só por estar atrelado a 
condicionalidades, mas porque sua existência está condicionada às 
possibilidades orçamentárias do governo federal — sendo que, em 
2009, o programa respondia por cerca de 0,3% do PIB51. Nesse senti-
do, o programa constituiria um “quase-direito”, por não ter sua con-
tinuidade garantida ao longo de diferentes mandatos — ponto que 
será retomado ao final do artigo. Outros autores criticam o “exagero” 
contido nessa postura, uma vez que as condicionalidades proporcio-
nam acesso a outros direitos, como saúde e educação52.
Para aqueles que defendem a existência de contrapartidas, a gran-
de questão é a sua efetividade. Kerstenetzky pondera: “Certamente, a 
efetividade das condicionalidades é, por sua vez, condicional à dispo-
nibilidade e à qualidade dos serviços providos. Uma rápida avaliação 
dos serviços básicos de educação e saúde no Brasil evidencia, contudo, 
quão crítica é sua provisão”53. Levanta, com essa ponderação, o pro-
blema da qualidade dos serviços prestados, o que, certamente, foge ao 
escopo dos programas de transferência de renda. Nessa mesma linha, 
Sonia Draibe54 ressalta que as condicionalidades não têm a ver só com 
o compromisso moral das famílias — justificativa liberal para o rece-
bimento dos benefícios —, mas também com um compromisso do 
Estado na provisão dos serviços.
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124 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[55] Medeiros, Britto e Soares, “Pro-
gramas focalizados de transferência 
de renda...”, op. cit.
[56] Ibidem.
[57] Ibidem.
[58] Kerstenetzky, op. cit.
[59] Cedeplar. “Primeiros resultados 
da análise da linha de base da pesqui-
sa de avaliação de impacto do Progra-
ma Bolsa Família”. Brasília, 2006. 
Disponível em <www.mds.gov.br>.
[60] Hall, op. cit.; Arbix, G. “A queda 
recente da desigualdade no Brasil”. 
Nueva Sociedad, Buenos Aires, 2007, 
out., pp. 132-139 (especial em por-
tuguês); Neri, “Pobreza e políticas 
sociais na década da redução da de-
sigualdade”. Nueva Sociedad, 2007, 
out., pp. 53-75.
[61] Ministério do Desenvolvimento 
Social. “Perfil das famílias beneficiárias 
do Programa Bolsa Família”, op. cit.
Por outro lado, Medeiros, Britto e Soares55 ponderam que as con-
dicionalidades, no limite, só reforçariam obrigações sociais ou legais 
dos pais — manutenção dos filhos na escola —, sendo que há muitas 
controvérsias a respeito dos resultados das condicionalidades, sua ne-
cessidade e impacto. Adicionalmente, os custos de controle das con-
dicionalidades, tanto para os municípios como para o governo fede-
ral, são bastante elevados. Esses autores concluem que a centralidade 
das condicionalidades no debate nacional está mais relacionada com 
questões políticas e de juízo de valor, baseadas na idéia de que os po-
bres não podem receber dinheiro do Estado sem “o suor do trabalho”.
Argumentos morais similares fundamentam muitas das críticas ao 
PBF ligadas ao suposto estímulo ao ócio dos beneficiários. Rebaten-
do esses argumentos, Medeiros, Britto e Soares56 apontam que é pre-
ciso indicar o nível de rendimento a partir do qual haveria desestímulo 
ao trabalho. Nesse sentido, mostram que, apesar de o PBF representar 
em média um acréscimo de 11% na renda dos beneficiários, o valor 
recebido via benefícios não é suficiente para que haja desincentivo ao 
trabalho. Por outro lado, destacam que o dinheiro das transferências 
garante uma estabilidade de rendimentos que, por sua vez, permite a 
entrada em outros segmentos do mercado de trabalho mais vantajo-
sos, estáveis e com melhor remuneração. Medeiros, Britto e Soares57 
concluem então que o argumento do desestímulo ao trabalho é mais 
baseado em preconceitos do que em evidências empíricas, apontando 
o caráter falacioso do argumento do “ciclo da preguiça” que seria ge-
rado pelos programas de transferência. Com base em dados da PNAD 
2006, Kerstenetzky58 também desconstrói as críticas referentes à de-
pendência, apontando que a participação dos adultos no mercado de 
trabalho é maior entre os beneficiários do que no restante da popula-
ção. Indícios nesse sentido já tinham sido apontados desde a primeira 
grande avaliação nacional do programa59.
Desse modo, além de diferentes posicionamentos políticos e dis-
putas em torno de desenhos de políticas, fortes sentimentos morais 
baseiam parte da crítica à ausência de controle mais rígido das condi-
cionalidades, contribuindo para criar uma discussão pantanosa que 
mistura argumentos morais, justificativas econômicas e críticas bem 
fundamentadas ao assistencialismo.
Focalização, cobertura e impactos 
Como atestam diferentes autores60, a cobertura do PBF é bastante 
impressionante — são 11,1 milhões de famílias ou 46 milhões de pes-
soas atendidas pelo PBF, segundo dados de março de 200761. Em nú-
mero de beneficiários, o PBF é superado atualmente apenas pelo SUS, 
pela educação pública e pela previdência social. Ainda assim, há deba-
tes em torno dos erros de inclusão — beneficiários que possuem renda 
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125NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[62] Soares e Sátyro, op. cit.
[63] Medeiros, Britto e Soares, “Pro-
gramas focalizados de transferência 
de renda...”, op. cit.
[64] Neri, “Focalização, universaliza-
ção e políticas sociais”, op. cit.
[65] De La Brière, B. e Lindert, K. 
“Reforming Brazil’s Cadastro Único 
to improve the targeting of the Bolsa 
Família Program”. Social Protection 
Discussion Paper Series, 2005, nº 0527 
(32757), jun.
[66] Medeiros, Britto e Soares, “Trans -
ferência de renda no Brasil”, op. cit., 
p. 6.
[67] Kerstenetzky, op. cit., p. 64.
[68] O BPC é um benefício monetá-
rio — no valor de um salário míni-
mo — concedido a idosos e porta-
dores de necessidades especiais que 
tenham renda familiar per capita 
inferior a ¼ de salário mínimo.
[69] Soares, F. e outros. “Cash trans-
fer programmes in Brazil: impacton 
inequality and poverty. Working Pa-
per, 2006, nº 21, jun.; Medeiros, Brit-
to e Soares, “Programas focalizados 
de transferência de renda...”, op. cit.; 
Neri, “Pobreza e políticas sociais na 
década da redução da desigualdade”, 
op. cit; Arbix, op. cit.
[70] Soares, “Distribuição de renda 
no Brasil de 1976 a 2004, com ên-
fase no período entre 2001 e 2004”. 
Brasília: Ipea, texto para discussão nº 
1166, fev. 2006, pp. 1-31; Kerstenetzky, 
op. cit.
[71] Soares e Sátyro, op. cit.; Kerste-
netzky, op. cit.
acima do limite de corte do programa, representando “vazamentos” 
do mesmo — e exclusão — pessoas que cumprem os critérios de ele-
gibilidade do programa, mas não são beneficiadas.
Soares e Sátyro62 avaliam a focalização do programa por meio dos 
dados das PNADs de 2004 e 2006, que continham suplementos espe-
ciais sobre programas de transferência de renda. Os autores concluem 
que os níveis de focalização do PBF são similares àqueles observados 
no caso dos programas Oportunidades e Chile Solidário, assim como 
apontado por Medeiros, Soares e Britto63. Segundo esses autores, os 
erros de focalização devem-se principalmente à volatilidade da renda 
das famílias mais pobres e a erros na captação da renda, além de cita-
rem a possibilidade de fraudes. Marcelo Neri também aponta a flutu-
ação da renda das famílias ao longo do tempo, ainda mais no contexto 
de um mercado informal significativo, como um dos limites à focali-
zação64. Ao contrário da perspectiva do Banco Mundial, que propõe 
sofisticação crescente dos meios de seleção para evitar esses erros, de-
fendendo ciclo permanente de revisão do cadastro65, Medeiros, Britto 
e Soares acreditam que nem sempre devem ser evitados os erros de 
inclusão, e também reconhece os erros intrínsecos aos mecanismos de 
seleção de beneficiários em programas focalizados, o dilema inevitável 
entre erros de inclusão ou erros de exclusão. Esses autores sustentam 
que a maioria das críticas que apontam erros de inclusão são baseadas 
em situações casuísticas, e não em “análises empíricas generalizáveis 
e sistemáticas” 66. Célia Kerstenetzky67 também reconhece que não há 
focalização perfeita. Porém, ao contrário da maioria dos autores que 
ressaltam o problema dos erros de inclusão (os “vazamentos” para 
faixas de renda superiores), a autora argumenta que o erro de exclusão, 
no caso do PBF, é ainda muito grande, ou seja, há espaço para expansão 
da cobertura do programa.
No caso dos impactos do programa, diversos autores apontam 
a recente redução da pobreza e da desigualdade no Brasil, divergin-
do, entretanto, em relação ao peso relativo dos fatores responsáveis 
por essa dinâmica. Muitos apontam a relevância dos programas de 
transferência de renda — em especial o PBF e o Benefício de Pres-
tação Continuada (BPC)68 — para a redução da pobreza e da desi-
gualdade. Ou seja, demonstram que sem políticas distributivas o 
crescimento econômico observado nos últimos anos não teria leva-
do, isoladamente, a uma queda na desigualdade69. Outros autores 
apontam fatores como mudanças no mercado de trabalho e mesmo 
o dinamismo recente da economia70. Muitos também afirmam que o 
PBF tem maior impacto sobre os índices de desigualdade — notada-
mente o coeficiente de Gini — do que sobre a pobreza71. A eficácia do 
PBF na redução da desigualdade está ligada à progressividade dos 
benefícios, que são bem direcionados para os mais pobres. Por outro 
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126 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[72] Nicolau, J. e Peixoto, V. “As bases 
municipais da votação de Lula em 
2006”. Rio de Janeiro, 2007. Dis-
ponível em <www.iuperj.br>; Hall, 
op. cit.; Zucco, C. “Poor voters vs. 
poor places: persisting patterns and 
recent changes in Brazilian electoral 
patterns”. Trabalho apresentado no 
International Seminar Metropolis 
and Inequalities, São Paulo, 2010. 
Disponível em <www.princeton.edu/
zucco/papers/poorplaces.pdf>, con-
sultado em 24/3/2010, entre outros.
[73] Singer, A. “Raízes sociais e ideo-
lógicas do lulismo”. Novos Estudos 
Cebrap, 2009, nº 85, nov., pp. 82-102.
[74] Ames, B. “Electoral strategy un-
der open-list proportional represen-
tation”. American Journal of Political 
Science, 1995, vol. 39, nº 2., pp. 406-33.
[75] Weyland, K. The politics of market 
reform in fragile democracies: Argentina, 
Brazil, Peru and Venezuela. Princeton: 
Princeton University Press, 2002; 
Lanzaro, J. “La ‘tercera ola’ de las iz-
quierdas latinoamericanas: entre el 
populismo y la social-democracia”. 
Working Papers Online Series, pp. 1-48. 
Disponível em <http://www.uam.es/
centros/derecho/cpolitica/papers.
htm>,consultado em 4 mar. 2008.
lado, o PBF tem pouco impacto sobre a redução da proporção de 
pobres devido ao baixo valor dos benefícios transferidos, que ficam 
abaixo da linha da pobreza.
A despeito das divergências, cada vez mais se reconhece que o 
PBF é um programa bem focalizado e com cobertura de grande fôle-
go. Por outro lado, tornam-se mais claras as potencialidades e as li-
mitações do programa em termos de seus impactos sobre a redução 
da pobreza e da desigualdade. Nesse sentido, creio que o debate cada 
vez mais apontará para a necessidade de articulação do programa 
com outras políticas — saúde, educação, geração de emprego e ren-
da, entre outras —, uma vez que é ingênuo depositar expectativas de 
reversão de problemas históricos do país em um único programa 
de transferência de renda.
Utilização político-eleitoral e clientelismo
Como muitos estudos recentes apontam72, a reeleição de Lula 
em 2006 esteve fortemente associada aos retornos eleitorais ad-
vindos da ampliação do PBF, programa que contribuiu decisiva-
mente para o deslocamento da base eleitoral do PT das regiões mais 
desenvolvidas do país para as áreas mais pobres, com destacado 
efeito sobre a penetração do partido no Nordeste. Para outros au-
tores, as razões do “lulismo” — o grande sucesso nacional e inter-
nacional da figura do Lula, refletido em seus índices recordes de 
aprovação entre a população — devem ser buscadas não somente 
no PBF, mas em um processo mais amplo de realinhamento elei-
toral que teria ocorrido a partir de 2006, como resultado do tripé 
formado pelo PBF, o aumento real do salário mínimo e o aumento 
do acesso ao crédito73.
Muitas dessas explicações que conectam o efeito dos investi-
mentos públicos sobre os padrões de voto baseiam-se no modelo 
do vínculo eleitoral74. Segundo essa abordagem, os níveis dos in-
vestimentos estatais, e em especial aqueles direcionados para a po-
pulação mais pobre, tenderiam a ser mais elevados nos momentos 
anteriores a eleições. Como os políticos tenderiam a gastar mais em 
políticas de impacto político, como os programas de transferência 
de renda, os gastos públicos tenderiam a crescer cada vez mais, ten-
do como uma de suas únicas restrições a disponibilidade de recur-
sos no poder público.
Por outro lado, a expansão recente de políticas focalizadas nos 
grupos mais pobres é abordada também como uma forma de “neo-
populismo”75. Nesse novo tipo de populismo, que seria comum em 
diversos países da América Latina, os políticos procurariam integrar 
setores tradicionalmente excluídos da população no âmbito das po-
líticas sociais, ganhando assim forte apoio eleitoral, o que facilitaria, 
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127NOVOS ESTUDOS 87 ❙❙ JULHO 2010 
[76] Kuschnir, K. O cotidiano da políti-
ca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 
2000.
[77] Cardoso, op. cit.
[78] Lipsky, M. Street-level bureau-
cracy: dilemmas of the individual in pu-
blic services. Nova York, Russell Sage 
Foundation, 1983.
inclusive, a manutenção das reformas estruturais implementadas 
no atual contexto de desenvolvimento latino-americano.
Novamente, tem-se aqui um exemplode discussão assentada em 
uma polissemia pantanosa, que mistura retornos eleitorais de políti-
cas sociais — objetivo de qualquer político eleito, independentemen-
te de seu partido — com o fenômeno específico do “neopopulismo” 
revivido em alguns países da América Latina e, ainda por cima, com a 
crítica — necessária, desde que bem feita — a práticas tradicionais de 
assistencialismo e clientelismo, que no decorrer dos séculos marca-
ram as políticas sociais brasileiras.
Em primeiro lugar, é importante destacar que os vínculos existen-
tes entre as políticas de combate à pobreza e a atitude dos políticos 
envolvidos na sua implementação são múltiplos e complexos, não 
devendo ser restringidos ao rótulo muitas vezes simplista de “cliente-
lismo”76. Apesar de concordar com a crítica ao assistencialismo, Ruth 
Cardoso77 lamenta que a própria assistência muitas vezes seja desqua-
lificada no bojo desses criticismos. Por outro lado, Cardoso destaca 
que as formas de controle sobre a clientela são muito reduzidas em um 
contexto de sociedade de massas, com vasto acesso a informações, o 
que condenaria à extinção o clientelismo.
A meu ver, muitas das críticas ao PBF nesse eixo de discussões ba-
seiam-se em informações equivocadas sobre o desenho e a operação 
do programa, especialmente no que diz respeito às diferenças entre o 
processo de identificação dos potenciais beneficiários — sob respon-
sabilidade municipal — e o processo de seleção dos beneficiários, que 
ocorre no nível federal. No caso dos programas de transferência de 
renda, o maior ponto de discricionariedade pode ocorrer no momento 
do cadastramento dos beneficiários em potencial: os “burocratas de 
nível da rua”78 responsáveis pelo cadastramento podem interferir nos 
critérios de inclusão a partir de julgamentos pessoais, gerando vieses. 
Entretanto, inserir certas clientelas no Cadastro Único não garante 
que essas pessoas serão efetivamente selecionadas como beneficiárias 
com base nos processos empregados pela CEF. Claro que um cadas-
tro de má qualidade gera uma base de má qualidade para a seleção de 
beneficiários, mas cabe ressaltar que o desenho do programa reduz 
significativamente o potencial de discricionariedade política na sele-
ção dos beneficiários. Desse modo, a própria gestão compartilhada do 
programa entre os diferentes níveis da federação reduz os espaços para 
discricionariedade e para o clientelismo, uma vez que há mecanismos 
de controle recíproco.
Nesse sentido, creio que devemos ter cuidado com críticas ingênu-
as relativas ao uso político, uma vez que qualquer programa social tem 
potencial de retorno eleitoral, o que não significa que essa utilização 
necessariamente desvirtue sua implementação.
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128 O BOLSa FamíLia Na BErLiNDa? ❙❙ Renata Mirandola Bichir
[79] Soares e Sátyro, op. cit., pp. 19-20.
[80] Ibidem.
[81] São exemplos de programas 
complementares ao PBF: Programa 
Brasil Alfabetizado, ProJovem, Proje-
to de Promoção do Desenvolvimento 
Local e Economia Solidária, Progra-
ma Nacional de Agricultura Familiar, 
Programas de Microcrédito do Banco 
do Nordeste, Tarifa Social de Energia 
Elétrica, Programa Luz para Todos, 
entre outros. Porém, o único progra-
ma desenhado explicitamente para 
os beneficiários do PBF é o Plano Se-
torial de Qualificação (Planseq), vol-
tado para o setor de construção civil 
(Soares e Sátyros, op. cit).
[82] Figueiredo, A., Torres, H. e Bi-
chir, R. “Renda e votos: o democráti-
co toma lá dá cá”. Revista Insight Inte-
ligência, 2006, ano IX, nº 33, jun., pp. 
40-8.; Kerstenetzky, op. cit.
Portas de saída 
Mais recentemente, em virtude dos avanços do PBF no combate à po-
breza e à desigualdade, bem como a cobertura bastante significativa do 
programa, iniciou-se a discussão a respeito das “portas de saída”, ou seja, 
a deliberação sobre as possibilidades de autonomização dos beneficiá-
rios do programa, seja prevendo maior articulação com outras políticas 
sociais e programas, seja simplesmente defendendo um prazo claro para 
permanência dentro do programa. Novamente, há poucos consensos.
Soares e Sátyro79 apontam que essa discussão relaciona-se com 
as diferentes teorias sobre as causas da pobreza que são mobilizadas 
no debate. Aqueles que destacam a responsabilidade individual ou fa-
miliar pela situação de pobreza tendem a enfatizar a necessidade de 
portas de saída para programas como o PBF, uma vez que temem a 
dependência do Estado, que deve se restringir a uma ajuda temporária 
e emergencial em momentos de crise. Esses argumentos estão por trás 
do programa Chile Solidário, que prevê permanência das famílias no 
programa por um máximo de três anos. Nessa primeira vertente, as 
próprias famílias deveriam ser responsáveis pela busca de portas de 
saída. Por outro lado, a idéia de porta de saída não é completamente 
compatível com a tese do capital humano, pois este requer tempo — 
gerações até — para se desenvolver, como defendido no caso do pro-
grama Oportunidades, no México, que não prevê tempo máximo de 
permanência no programa. Por fim, aqueles que acreditam em causas 
estruturais da pobreza, ligadas às dinâmicas da economia e da socieda-
de mais do que a características das famílias, são totalmente contrários 
à idéia de porta de saída. Segundo Soares e Sátyro80, o governo brasi-
leiro tem rejeitado a idéia de porta de saída para o PBF e buscado a ar-
ticulação com outras políticas sociais e programas complementares81.
Outros autores defendem que, uma vez que se verifica que os progra-
mas de transferência de renda estão bem focalizados, porém não atin-
gem toda a população elegível, e há significativos erros de exclusão, uma 
das questões relevantes a discutir é a entrada nesses programas, e não 
a saída82. Alguns obstáculos ao acesso ainda existentes relacionam-se 
a mecanismos institucionais — sobretudo efeitos indiretos de alguns 
critérios impostos pelos programas, como as cotas municipais de aten-
dimento — e também a mecanismos sociais — associados às caracterís-
ticas da população, especialmente seus recursos individuais e coletivos 
para acessar o programa. O próprio MDS reconhece a necessidade de 
melhorar a cobertura do programa no caso de populações específicas, 
como a população ribeirinha, os quilombolas e a população de rua.
Os desafios futuros
São muitos os desafios futuros de um programa como o PBF, consi-
derando sua elevada cobertura, seu peso relativo no orçamento federal, as 
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discussões em torno dos custos de oportunidade que gera para superação 
da pobreza e da desigualdade, bem como os diferentes posicionamen-
tos — políticos e em torno de desenhos de políticas — presentes no de-
bate público, ainda mais em um ano eleitoral. A despeito dessas inúmeras 
posições divergentes, fica cada vez mais claro que dificilmente um can-
didato poderá acabar de vez com o programa, sob o risco de decretar sua 
morte eleitoral. Isso não impede, entretanto, que mudanças significativas 
sejam implementadas no futuro próximo, a depender de quais dimen-
sões serão acentuadas dentro desse conjunto híbrido que hoje é o PBF.
A despeito de todas as críticas e polissemias apontadas, é possível 
dizer que os programas de transferência de renda afirmam-se cada vez 
mais como política de Estado, e não de governo, o que reforça a im-
portância de sua análise. O escopo da política foi ampliado, e seu foco 
passou dos indivíduos — no caso do PBE — para uma preocupação 
mais ampla com as composições familiares e suas estratégias de so-
brevivência — no caso do PBF.
Mesmo acreditando na sustentabilidade futura do programa, há ain-
da inúmeras questões em aberto no entendimento do PBF, referentes, por 
exemplo, ao grau de articulação dos programas de transferênciade renda 
existentes no âmbito federal com as iniciativas estaduais e municipais. 
Mesmo com o grande esforço de unificação dos cadastros dos progra-
mas sociais, por meio do Cadastro Único, ainda hoje há sobreposições de 
funções e desarticulação entre programas federais e locais, em termos de 
valores de benefícios, critérios de elegibilidade ou metas de atendimento, 
entre outros aspectos. Por outro lado, deve-se caminhar mais no sentido 
da articulação, de fato, dos programas de transferência de renda condicio-
nada com outras políticas sociais de escopo mais amplo.
Considerando que pobreza e desigualdade são fenômenos com-
plexos e multidimensionais, com forte persistência ao longo da histó-
ria do país, não são autorizadas visões simplistas e ingênuas das polí-
ticas desenhadas para combatê-las. A despeito do reconhecimento de 
que certas desigualdades se originam no seio familiar, deve-se evitar 
a perspectiva da culpabilização dos pobres por sua própria situação, 
reforçando-se, por outro lado, a responsabilização estatal pela dispo-
nibilização de serviços, políticas e oportunidades a essas populações. 
Essas ações, por sua vez, devem ser ambiciosas, porém articuladas, 
uma vez que um único programa de transferência de renda não deve 
ter múltiplos objetivos, sob risco de ver muitos deles frustrados. Em 
suma, creio que os parâmetros de integração social devem ser repensa-
dos em sentido amplo, a partir de formatos mais claros para o modelo 
de proteção social brasileiro, em processo de (re)construção.
Renata Mirandola Bichir é doutoranda em ciência política pelo Iuperj e pesquisadora do Cen-
tro de Estudos da Metrópole (CEM-Cebrap).
Rece bido para publi ca ção 
em 15 de maio de 2010.
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